sábado, 4 de novembro de 2023

Dia da Unidade Nacional da Rússia, 4 de Novembro. Homenagem.

 O Dia da Unidade Nacional da Rússia é a 4 de Novembro e funda-se numa batalha vitoriosa do povo russo contra os invasores polacos e lituanos, que tinham mesmo conquistado Moscovo, alcançada neste dia, em 1612, iniciando-se a época dos csares Romanov. Hoje, a Rússia está de novo a defender o mundo e a si mesma de outros bárbaros invasores, como o imperialismo anglo-saxónico, o neo-liberalismo da Nova Ordem Mundial ocidental globalizante e alguns extremismos nacionalistas, todos eles injustos, opressivos e violentos. 

Desejamos Longa e luminosa vida, e muitos parabéns, à Rússia, a Vladimir Putin e aos principais dirigentes e artesões do renascimento da Federação Russa, e sobretudo à sua longa tradição diplomática, cultural e espiritual, sacrificial e libertadora, levemente evocada pelas imagens.

Seguem-se algumas imagens valiosas da extensa e profunda tradição russa, que nas próximas horas legendaremos.

Muita luz e amor, paz e força para a alma espiritual de Daria Dugina Platonova (1992-2022) hoje inspirando muita gente nas suas demandas de mais luz e justiça
 

Santa Sofia, ou Hagia Sophia, a Sabedoria Divina, numa visão do notável pintor e orientalista Nicholai Roerich, protegendo pessoas e bens em tempo de guerra..
Um bom livro, lido, gravado e posto no blogue: http://droteixeiradamota.blogspot.com/.../vladimir...




Ilustração de Ivan Bilibin (1876-1942) para um dos contos tradicionais russos...

Muita luz e amor, paz e força para a alma espiritual de Daria Dugina Platonova (1992-2022) hoje inspirando muita gente nas suas demandas de mais luz e justiça

Aleksander Dugin, o notável filósofo da multipolaridade e do renascimento metafísico tradicional na Rússia, pai da mártir Daria Dugina.

Pintura de Mikhail Nesterov: dois mestres da espiritualidade russa, Florensky e Boulgakov, dialogando sob a fluidez do amor-sabedoria, ou Logos. que ambos tanto aprofundaram filosófica e religiosamente...

Dois dos grandes mestres da psicologia humana, nas suas luzes e sombras, e do romance universal. Tolstoi e Dostoievsky..

O mahasamadhi de Tolstoi no bosque de faias, em Isnaia Poliana.

S. Jorge, uma das figuras anímicas mais  íconicas dos cavaleiros e cavaleiras do Amor na Rússia e não só...

S. Serafim Sarov (1754-1830), um dos mais venerados mestres ou staretz russos...

O patriarca da Igreja Ortodoxa Russa Ciril I, uma coluna bem dinâmica entre a Humanidade e a Divindade, com uma messe imensa e milhões de crentes profundos e bons. Quantos conseguirão chegar mesmo às teofanias interiores e não ficarem nas aparências belas e devocionais?

O que se passou e se está a passar na Ucrânia, e por causa de Boris Johnson, Joe Biden, Ursula von der Pfizer e multiplos extremistas se tornou uma mortandade eslava enorme...

É grande na Síria o reconhecimento  da acção libertadora de Putin e da Rússia, face ao terrorismo de apoio norte-americano-israelita e saudita.

Nas reuniões no clube Valdai, iniciadas em 2004, Putin e vários sábios dialogam, obrigando-o a manifestar a sua inteligência e diplomacia tão valiosas...
Sergei Lavrov, um sábio e excelente diplomata, e uma das almas mães da multipolaridade.
                                     
Vladimir Putin, o actual líder da libertação da Humanidade do pesadelo anglo-saxónico e da Nova Ordem Mundial infra-humanista... Longa Vida!

De Bilibin e da Tradição Espiritual Russa. - Que consigas irradiar luz mesmo do mais profundo de ti, de dentro dos teus ossos, guiando-te nas noites escuras....

                                O Patriarca Cirilo e Vladimir Putin abençoam o mundo....

quinta-feira, 2 de novembro de 2023

O Espírito Lusitano ou o Saudosismo, de Teixeira de Pascoaes, e a demanda do espírito e do dharma de Portugal. No seu 146º aniversário

Em Junho de 1912, há 111 anos, Teixeira de Pascoaes (1877-1952), em plena pujança do seu idealismo português e nortenho, proferia no Ateneu do Porto uma conferência publicada logo em brochura do movimento da Renascença Portuguesa, acerca do Espírito Lusitano ou o Saudosismo

Publicara já nove dos seus 59 livros, talvez os principais em termos de poesia, e nesses anos após a Revolução do 5 de Outubro abriam-se grandes potenciais de transformação e sorriam ardentes esperanças de ressurreição. O movimento da Renascença da Portuguesa e mais concretamente a sua revista Águia (1910-1932) foram o principal dínamo e até ela afluíram de Lisboa, entre outros, Fernando Pessoa, Augusto de Santa Rita e Mário de Sá Carneiro, mas por pouco tempo e em breve Lisboa geraria o Modernismo, com a revista Orpheu, e o Futurismo, sintonizando com certas tendências europeias, e o sonho da Renascença Portuguesa dum Portugal tradicional, ligado às suas raízes cristãs e pagãs, e não dominado nem pelo catolicismo nem pelo europeísmo e francesismo iria apenas continuar em algumas individualidades que receberam o magistério dos seus fundadores Teixeira de Pascoaes, Leonardo Coimbra e Jaime Cortesão, e que chegaram até aos nossos dias, e destacaremos Álvaro Ribeiro, Sant'Anna Dionísio, Agostinho da Silva e Dalila Pereira da Costa, os quais naturalmente geraram outros elos, sobretudo o primeiro em tertúlias lisboetas.
Celebrando-se hoje 2 de Novembro (embora tenha sido na realidade a 8 de Novembro) o 147º aniversário de Teixeira de Pascoaes, aliás Joaquim Pereira Teixeira de Vasconcelos, e para o homenagear como elo importante da Tradição Espiritual Portuguesa, decidimos revisitá-lo lendo e comentando a sua conferência pois, nos nossos dias em que já fomos tão engolidos e descaracterizados pela entrada na União Europeia e tão manipulados  e desnacionalizados pelos meios de informação ao serviço do globalismo massificante da Nova Ordem Mundial transhumanista-infrahumanista-animalista, é sempre útil qualquer reflexão que aborde questões como a alma portuguesa, ou o espírito de Portugal, pois os dois termos embora diferentes, são utilizados como referindo-se ao mesmo, no sentido de podermos discernir melhor onde está, como está constituída, como se caracteriza nos seus níveis e estados dinâmicos (o que foi bem especulado por Fernando Pessoa na sua carta ao conde Keyserling, por mim comentada já há alguns anos), e qual é a relação actual ou possível entre nós e ela.
                              
        Leonardo Coimbra e Teixeira de Pascoaes, seis anos mais velho. Luz e Amor!
Pujante da sua genialidade, e inserido numa dinâmica de grupo tão poderosa, nada menos que uma sinergia com valiosos seres como Leonardo Coimbra, Jaime Cortesão e outros, Teixeira Pascoaes ousou pensar  que poderia na época «em breves palavras dizer o que é o nosso espírito, na sua vida original e criadora dum alto critério religioso e filosófico», e ao que se poderia acrescentar até o critério iniciático ou espiritual, se até ele se conseguir chegar ou merecer...
Todavia, ao dizer o nosso espírito ele não está a referir-se ao espírito ou arcanjo de Portugal, à entidade celestial de Portugal mas mais a uma espécie de alma colectiva, a um conjunto de forças, tradições, modos de sentir, pensar, ver e ser que nos especificariam, e que ele depois em sucessivas conferências e escritos aprofundará.
Não está a vê-la apenas como um inconsciente colectivo, pois atribui-lhe (ou aos que a souberem sintonizar ou dar-lhes formas e altas ideias) uma missão no domínio dos valores e logo das escolhas voluntárias e esforçadas e assim se criar, estabelecer um alto critério psico-espiritual pelo qual sabemos discernir melhor o que devemos valorizar, apoiar, realizar...
Teixeira Pascoaes
vê então como caminho para tal uma reconquista de independência moral, o vivermos não pela matéria mas "pelo  espírito", e acrescenta "nosso", pois certamente que a sua palestra e mensagem é de recusa das opressões e influências alheias, e de assumir o espírito que é vida e não a matéria, que ele classifica de morte.
Haverá talvez
um dualismo entre espírito e matéria algo exagerado, já que estão tão imbrincados, e que ele próprio e ao longo da sua vida e obra irá perdendo ou amenizando em parte, pois  ao espectrizar, eterizar e espiritualizar tanto a matéria este dualismo inicial dissolver-se-á a certos níveis de sensitivo poeta e escritor, mas não tanto filosófica e religiosamente em que a luta polar, supremamente entre o bem e o mal, estará sempre presente...

A conferência é feita, diz-nos, em nome da Renascença Portuguesa e da sua revista Águia que trabalham para o renascimento do espírito da raça, ou alma, ou povo português, para ele se reconectar com as fontes originárias da vida, para manifestar as qualidades primordiais do seu espírito activo e criador.
Distinguindo três aspectos no estrangeirismo desnacionalizador, o 1º religioso, entrado em nós com a Inquisição e o Jesuitismo, o 2º literário, com os livros em francês e depois em inglês, e o 3º o político, com o contitucionalismo e bipartidarismo, considera que em consequência a alma pátria está soterrada e adormecida sobre tais influências, mas não desanimando adianta: «Eu afirmei que existe uma alma lusitana. Vejamos o que ela é na sua transcendente aspiração filosófica, no seu instinto interpretador da Vida, na sua intimidade religiosa».
Pascoaes n
ão vai contudo falar dum Arcanjo de Portugal, nem num campo unificado específico psicomórfico de Portugal, mas mais na génese étnica dual e nas qualidades e aspirações que alguns seres ou o povo conseguiram e conseguem desenvolver e manifestar.
Se está a exagerar ou a mitificar quanto à aspiração transcendente em Portugal, única, especial, ligada à Saudade, já que tal se verifica noutros povos, nomeadamente com o idealismo e messianismo de que se reveste, cada um sentirá ou investigará...
Iludiu-se claramente todavia ao pensar que a República nascente e para qual a Renascença Portuguesa tanto trabalhou e esperou, iria subordinar a sua obra política e social a tal orientação axiológica elevada, por ele entrevista e partilhada. Não só a República foi muito dividida ou ocupada por diferentes tendências e mentalidades nos seus governantes e políticos mais influentes, como a breve trecho o movimento da Renascença Portuguesa iria perder forças, embora Leonardo Coimbra ainda fosse ministro da Instrução Pública duas vezes, e criasse mesmo a Faculdade de Letras e uma Universidade popular no Porto e, finalmente, claudicasse já em pleno despontar do salazarismo, quando a revista Águia foi perseguida por uma crítica de Sant'Anna Dionísio a Cordeiro Ramos, um protegido ministro de Salazar, e acabou, tanto mais que Leonardo Coimbra partiria da Terra dramática e abruptamente três anos depois, e após uns meses da desincarnação de Fernando Pessoa, que no começo da sua vida de escritor reconhecera expressamente o alto espírito que animava genialmente, embora por vezes prolixamente, Leonardo Coimbra.
Ora é depois de dizer: «Eu afirmei que existe um alma lusitana. Vejamos agora o que ela é na sua transcendente aspiração filosófica, no seu instinto interpretador da Vida, na sua intimidade religiosa» que entra na sua original visão da alma lusitana como fruto da fusão entre a ária e a semita, introduzidas pelos povos que aqui passaram e caracterizando-as em polarizações, certamente algo limitadoras e nunca perfeitas: a ária representaria a forma, a beleza, a civilização grega, o desejo, o paganismo, enquanto que a semita criara «a civilização judaica, o Velho Testamento, o culto do Espírito, a Unidade divina, o Cristianismo que é suprema afirmação da vida espiritual.» E esquece aqui, por exemplo, tanto o Islão, produto semita, como do ramo ária as civilizações bem espirituais persa e indiana, e esquece-se que não são tanto as religiões mas os seus poetas videntes (rishis), místicos e iniciados que vivenciam e afirmam mais ou supremamente a vida espiritual
Estes tipo de dualidades-dualizações, acrescidas de absolutizações, são aliás frequentemente superficiais e enganadoras, pois tanto um como o outro polo na sua pluridimensionalidade e variabilidade não se pode restringir ou forçar demasiado para enquadrar-se em tais fórmulas de correspondência, e têm sempre limitações, e assim Pascoaes, embora não errando no discernir dessas duas fontes étnicas e civilizacionais principais, a ariana e a semita, falha nas caracterizações, e sofre, por exemplo, influências das entidades que nomeara, nomeadamente do Catolicismo e da Bíblia, pese o seu paganismo telúrico, aldeão e espectral que soube manter e cultivar, acabando por valorizar demasiado a Bíblia, ou mesmo Jehova como uma concepção de Deus válida.
Para ele, da fusão do desejo ária e da lembrança semita nascera a Saudade, e ela seria desenvolvida por alguns poetas, escritores, heróis e o povo ao longo dos séculos, manifestando-se num especial sentimento perante a beleza, ou seja, numa sensibilidade simultaneamente forte perante a alma e o corpo,  a forma e o espírito, donde uma grande simpatia dos portugueses sobre as coisas e os seres. Nisto não se pode recusar certa razão a Teixeira de Pascoaes.


 Mas para ele só nesse dealbar promissor da República se estaria  atingir o  renascimento e a maturação consciente da Saudade-Saudosismo, apontando para vários poemas e autores, tais «as Orações, de Junqueiro, as Tentações de S. Frei Gil, Alma Religiosa, Parábolas, Cantigas, Auto das Quatro Estações, Dizeres do Povo de António Correia de Oliveira; Ar Livre, Pão e Rosas, Canções do Vento e do Sol de Afonso Lopes Vieira, com a sua edição de Gil Vicente. São os poemas de Jaime Cortesão, Mário Beirão, Augusto Casimiro, Afonso Duarte».
Antero de Quental visto pelo profundo intimista António Carneiro.

E anuncia depois que «o Saudosismo tem ainda um admirável filósofo: Leonardo Coimbra com a sua teoria do criacionista» (consagrando-lhe um bem esclarecedor parágrafo), depois passando a António Carneiro e Cervantes Haro na pintura, e Soares dos Reis, na escultura, concluindo: «Eis os artistas e os Poetas a quem a Saudade falou, eis a lírica falange libertadora da alma portuguesa, desde séculos no cativeiro, desde séculos no esquecimento...
O Saudosismo encontrará, estou certo, a sua forma
musical no Orfeon do Porto e de Coimbra, dirigidos por António Joyce e Fernando Moutinho. Só no seio da Harmonia se poderá realizar o perfeito casamento da luz e da sombra, da alegria e da tristeza, do beijo e da lágrima, da vida e da morte. A própria harmonia não é a combinação dos contrastes? Não é ela a irmã-gémea da Saudade?»

Passa em seguida à sua teoria da nossa originalidade criativa, muito bem talhada (e apta a ser meditada) neste parágrafo: «Nós somos, na verdade, o único povo que pode dizer que na sua língua existe uma palavra intraduzível nos outros idiomas, a qual encerra todo o sentido da sua alma colectiva. A alma lusitana concentrou-se numa só palavra, e nela existe e vive, como na pequena gota de orvalho a imagem do sol imenso. Sim, a palavra saudade é intraduzível. O único povo que sente a Saudade é o povo português, incluindo talvez o galego, porque a Galiza é um bocado de Portugal sob as patas do leão de Castela. A Galiza é a nossa Alsácia.»

Admitindo contudo que haja noutras línguas uma espécie de Saudade, realçará como ela se espargiu no léxico luso: «sendo a Saudade a própria essência do espírito lusitano, ela existe ainda esparsa e difundida em outras palavras do nosso vocabulário, igualmente intraduzíveis» e dará como exemplo nevoeiro, e que «todas as palavras da nossa língua que têm além, isto é, um segundo oculto e transcendente sentido, encerram em si, embora em formas vagas, a Saudade, como, ainda, por ex., as palavras remoto, ermo, luar, etc.» 

Culminará esta breve mas incisiva passagem pela magia e força operativa espiritual do sermo-verbo-logos e dos mantras,  meditações e encantamentos possíveis, sugerindo: «Seria um estudo interessante a análise psicológica de tantos vocábulos da nossa língua, nos quais a ideia ou sentimento que significam, se tornam infinitos e indefinidos, esfumando-se em íntimas nebulosas de sonho [ou, diríamos, em formas subtis e imagens intuitivas na visão espiritual interior], e revelando assim a tendência da alma portuguesa para o mistério [e nesta linha andaram muito Augusto de Santa Rita e Fernando Pessoa], para a religiosidade [ou para as dimensões energéticas, subtis e espirituais dos sons e dos seres], - tendência que criou a geração de Poetas a que me referi e que não é mais do que uma forma da Saudade.»

Concluirá apontando os momentos mais valiosos da nossa história em que foi a Saudade, «transfigurada em acção e Vitória no corpo de Afonso Henriques, que riscou  na Ibéria as fronteiras de Portugal», ou como «zéfiro remoto que enfunou as velas das nossas naus descobridoras», ou foi vencedora em Aljubarrota, cantora nos Lusíadas,  transmutadora do Adamastor, criadora nos tempos de luto do Encoberto e, por fim, «despedaçou as nossas grilhetas em 1640, e, com um relâmpago dos seus olhos, fulminou o leão castelhano. Foi ainda ela que animou a alma popular no ia 5 de Outubro (...) essa última esperança que não devemos deixar de morrer.»

Se sempre houve muita gente que discordou desta excessiva valorização da Saudade, não podemos negar que nesses momentos o amor da Pátria, ou da Honra, ou de se cumprir o seu dever ou dharma esteve fortemente dinamizante em alguns seres. Logo, se virmos a Saudade enquanto força da lembrança das raízes e do possível fim glorioso, unido ao desejo, aspiração e vontade de o realizar, já conseguiremos compreender melhor esta hipérbole da Saudade e não ficaremos limitados pelo saudosismo passadiço e doloroso com que tantos seres apegados se deixaram enredar e entristecer na ausência do passado ou do presente desejado e amado.

E depois de relembrar que «a alma popular e alguns (bem poucos) livros sagrados da nossa literatura são hoje os únicos depositários da alma pátria» (e quais veria ele, nos últimos tempos? Alguns da Dalila Pereira da Costa, tanto mais que foi talvez quem realizou mais a saudade da origem espiritual e Divina?) Pascoaes clamará para não deixarmos morrer a esperança do 5 de Outubro, numa república não portuguesa, mas afrancesada, constitucionalista. Para não nos deixarmos governar por bacharéis desnacionalizados  hoje burocratas ou peões de brega dos partidos submetidos à direcção da União Europeia ou a grupos de pressão transnacionais). Para não nos deixarmos enfeudar as leis e sistemas de ensino estrangeiros, perdendo tanto o nosso municipalismo como uma instrução que conduza à alma própria e portuguesa de cada um. 

Anote-se que no mesmo ano de 1912, uns meses depois da publicação da conferência de Pascoaes, certamente com o imprimatum dele e de Leonardo, saía também, num opúsculo da Renascença Portuguesa, uma conferência do catalão Ribera y Rovida (1880-1942), pronunciada em 1907 no Real Instituto de Lisboa e intitulada A Educação dos Povos Peninsulares, a qual levava na 1ª página um passo dessa conferência de Pascoaes, por sinal um dos que transcrevemos, quanto à intraduzível palavra Saudade e à nossa ligação à Galiza. A obra é porém mais uma história da Catalunha, ou como ele chama, "a escola de educação política dos catalães", e a proposta dum Federalismo democrático, e só nas duas últimas páginas se dirige aos portugueses: «Vivificai o patriotismo pelo são e romântico entusiasmo, que não exclui a ponderação reflexiva e serena, longe da impulsividade doentia» e acrescenta:«Educar pelo Patriotismo, pelo Entusiasmo, pelo Civismo! Levando à entranha das democracias a convicção dos seus direitos sacratíssimos e dos seus deveres indeclináveis».
Ora se os prin
cípios de sã formação individual e organização social e política propostos por Pascoaes, embora ou porque muito ideais, acabaram por soçobrar em grande parte, mesmo com a publicação da sua obra, três anos depois, a Arte de ser Português (antecedida até pelas duas conferências  de 1914, inseridas na Era Lusíada), em que os desenvolveu mais sistematicamente, embora sempre com as limitações próprias do seu ambiental nacionalismo rural e católico, embora aberto ao mais espiritual da Europa e até à Índia de Tagore, face ao crescimento constante das urbes citadinas, da burguesia e do proletariado e do internacionalismo, talvez a parte mais revolucionária da sua proposta, segundo «a nossa Verdade e a nossa Redenção» de revitalização ou de reassumir-se a Alma Lusitana fosse a seguinte, compreensível até como moderada na contextualização da época, em que havia radicalismos muito mais iconoclastas e anti-clericais, já que tal visão transmutadora, se na prática era praticamente impossível, na justificação psico-espiritual e logo interior e iniciática tinha bastante logos em si, ainda que de novo, e numa linha em que Fernando Pessoa e outros se deixaram ainda enlear, nacionalisticamente,  numa dimensão que teórica e operativamente deveria  ser já também a universal da religião do Espírito, realizada interiormente antes de missionada exteriormente, algo de que Fernando Pessoa se deu também conta referindo o valor das formas de representação mais frustes da Divindade mas que têm o seu valor para os que as criaram e a elas se afeiçoaram utilmente. Aqui Teixeira de Pascoaes valorizará um dinamismo maior de uma Religião portuguesa provalmente liderada por filósofos, poetas, artistas, espirituais: 

«É necessária a fundação definitiva da Igreja Lusitana, devendo ela ficar integrada no Estado, e por ele superiormente dirigida, sendo o Estado representado, é claro, por autênticos portugueses de inteligência e coração [sublinhado nosso. Onde os encontramos, em que conselhos ou níveis?] Eu ligo uma grande importância à fundação da Igreja Lusitana porque entendo que o sentimento religioso é próprio do homem, faz parte do seu ser moral, como por exemplo, as orelhas e o nariz fazem parte do seu ser corpóreo. É mesmo o que de mais alto há na alma do homem; é força que o eleva acima da sua animalidade e que, em dados momentos, produz as grandes obras de heroísmo e as grandes virtudes. O sentimento religioso é a única força criadora do homem: o sinal que o homem vive moralmente (...) As teorias materialistas  e negativistas já caíram lá fora, com William James, Jaurés, Bergson, e outros grandes Filósofos. Um novo mundo espiritual está a aparecer ao olhar ansioso do homem. E bom seria que fosse Portugal a mostrá-lo.»

O último parágrafo segue nessa linha de intensa aspiração e expectativa, algo mitificante na dimensão missionária que deseja ou culmina (e relembre-se como Teixeira Pascoaes foi então muito traduzido), talvez advertindo-nos ainda que nos dias de hoje não devemos envolver-nos e encerrar-nos em grupos mais ou menos religiosos ou esotéricos apenas por serem estrangeiros, poderosos, de muitos aderentes ou grandes segredos mas que, a partir da nossa Tradição Espiritual e estudando alguns dos seus elos, como os fundadores da Renascença Portuguesa Teixeira de Pascoaes, Leonardo Coimbra e Jaime Cortesão, ou os seus continuadores, deveremos saber alcançar tanto o íntimo como incluir ou mesmo abraçar o universal, em que pela gesta dos Descobrimentos do Oriente fomos aliás já por certos seres e modos iniciados:
«Que a gente moça se penetre do
espírito lusitano original e belo, e se enamore dele, e lhe dê todo o entusiasmo dos verdes anos e da saúde, e o implante na terra portuguesa, a fim de que ela viva uma vida própria e superior, e ilumine para além das fronteiras. - Disse.»

A última obrazinha de Pascoaes, permitindo-nos discernir melhor o estágio final da sua evolução psico-religiosa, e os seus ensinamentos ora mais limitados ora mais perenes, e que comentei em nove textos, alguns com vídeos, neste blogue, o 1º sendo https://pedroteixeiradamota.blogspot.com/2020/04/a-cartilha-de-teixeira-de-pascoaes-um.html

quarta-feira, 1 de novembro de 2023

Samain, o começo do Inverno e do novo ano nos primeiros dias de Novembro, no coração e na visão. Noites santas.

                                                    

        Samain, Hallowen no ar e no frio, no interior e no amor, no coração e na visão.

Esta celebração celta e druídica, ou seja, da religiosidade pré-cristã europeia, realizava-se entre os nossos 29/10 a 2/11 e considerava-se que interagia magicamente com a transição da estação do Outono para a do Inverno, ao entrar-se na mais fria e sombria época.
A palavra Samain, significando principalmente reunião ou união (e sobretudo da Luz do alto invocada), mas também fim do Verão, implicava, enquanto a última  das quatro festas (Imbolc, Beltaine e Lugnasad) do calendário celta (e que antecedem por cerca de 50 dias cada solstício e equinócio),  assembleias, cerimónias,  fogueiras,  oráculos, encantamentos, orações, feiras, festejos com músicas e danças, comida e bebida. Recebiam-se assim esclarecimentos e forças e  congraçavam-se energias para se atravessar mais segura, luminosa e frutuosamente a época mais obscura que se iniciava. Demandava-se um novo ano, abençoado ou comungado com a Divindade e as suas faces, mensageiros e energias: os Deuses,  os Anjos, os heróis míticos e antepassados, os espíritos da Natureza e as forças sagradas da Mãe Terra...
Eram dias intensos festejando a entrada no Inverno e nas trevas maiores do tempo para um renascimento posterior. Os Deuses e os espíritos dos mundos invisíveis tinham que ser evocados pelos druidas e videntes como protectores do novo ano e presenteados com energias que  eram-lhes oferecidas por rituais, danças, sacrifícios ou ofertas de alimentos e libações, e poemas.
 Com efeito considerava-se que os Deuses e espíritos dos antepassados e mortos, ou da natureza, desciam mais à Terra ou tornavam-se mais visíveis, mais impactantes, nestes dias: o mundo de Sid estava aberto, as fronteiras esfumavam-se, as visitações, epifanias, inspirações, oráculos e adivinhações podiam acontecer mais luminosamente.
Esta abertura ao Sid, ao mundo subtil e espiritual, era provavelmente o aspecto mais essencial e dinamizador da cosmovisão  ou doutrina desses dias de celebração do Samaim, mais tarde Samonios, e foi algo preservado em parte no Cristianismo, pois este adoptou tais datas como os dias de Todos os Santos, 1 de Novembro,  e a 2 o dos Mortos, continuando a assinalar e a apelar a uma abertura maior entre os mundos e seres na pluridimensionalidade cósmica, na sintonização subtil e silenciosa e na aspiração à Luz que conseguirmos, nestas noites mais longas do ano. 
Noutra linha de continuidade, a noite de 31 para 1 de Novembro foi denominada e celebrada a partir do século XVIII como o Halloween (de hallow santos) e tanto tem gerado celebrações de rituais por grupos pagãos ou celtas, como brincadeiras juvenis com as simpáticas abóboras, como  festas de dança, "barulholatria" e bebida e, claro, amizades e amor. Certamente que houve, em geral, na evolução até hoje, uma diminuição grande da qualidade da celebração e da religação subtil e espiritual...
A visão do Sid não era muito fácil, a não ser para alguns mais videntes e sensíveis, ou então, segundo os poemas e narrativas míticas, para que participavam nessas grandes festas, banquetes e rituais, sobretudo quando algum druida ou uma inspirada transmitia ou intensificava essa capacidade de expansão de consciência, e abertura do olho espiritual.
 Tradicionalmente  as entradas para o Sid localizavam-se na direcção do Sol poente, o Ocidente e, na linha do trajecto do Sol, e nesse sentido correu na tradição visionária medieval que a Terra dos Mortos ou as Ilhas Afortunadas localizavam-se nesse horizonte em que o Sol se punha. E assim também os mortos eram depositados na parte poente do recinto sagrado à volta das capelas. Assim, quem quiser orar ou meditar em ligação ao mundo dos espíritos e antepassados poderá fazê-lo virado nesta direcção e aproveitando o balanço ou a corrente energética, embora seja certamente apenas um factor relativo, o mais importante sendo a intensidade da irradiação do nosso coração em aspiração de ajuda, de comunhão e de petição das bênçãos divinas.
Outro meio é virar a cama para tal eixo e, ao adormecer, tentar orar, sonhar e  partir para, ou apenas sintonizar,  o mundo intermediário e subtil, o Sid, ou mesmo para a Ilha Afortunada, no meio do imenso Oceano da Manifestação, também denominada Avalon, a ilha da imortalidade ou das maçãs pentagonais que a propiciam, ou que desvendam e manifestam a consciência mais sentida e clara do espírito que somos bem como dos que nos rodeiam nos mundos infinitos.
Aspectos muito importantes da celebração da reunião ou Samain eram as fogueiras que se erguiam, a Luz do Alto que se evocava, as purificações que se realizavam, as danças e namoros que começavam, os poemas e contos que se recitavam, as interrogações oraculares que se erguiam, as evocações dirigidas pelas druidas, as orações pelos mortos, as sátiras e interditos dos mais desequilibrados, as trocas de ervas e sementes medicinais, ou conservas alimentares e unguentos, o gui e o verbasco. 
Eram ensinamentos de reconexão com os mundos espirituais, com os seus seres celestiais ou não incarnados e com os poderes psíquicos e espirituais dos seres o que era mais celebrado e ritualizado nestes dias, e que, transmitido ao Cristianismo apenas parcialmente, se pode e deve aprender e realizar em toda a época de maior frio, recolhimento e obscuridade, não ficando assim reduzido a estes dias e em fórmulas algo externas. É então um ensinamento iniciático: destinado a que as pessoas iniciem um novo caminho, ou uma prática ou religação subtil, espiritual, divina, em  fidelidade e perseverança às tradições ouvidas, às transmissões orais e faciais de alma a alma, aos sonhos e visões, ideias e intuições tidas, como entre nós poetizou Fernando Pessoa em relação ao Infante D. Pedro das VII Partidas, na Mensagem...
Quanto aos banquetes e alimentos, embora saibamos que o pão, a manteiga,  a noz, a carne e o hidromel e a cerveja eram os principais e que havia um quebrar de tristezas, limites e pobreza, talvez seja útil lembrar que se havia sacrifícios oferecidos aos deuses e que foram exagerados na crueza pelos seus inimigos,  essas refeições  em comum ou banquetes eram de alegria e fraternidade, com as comidas a serem oferecidas aos antepassados e protectores dos grupos. E com chamas (ou velas..), perfumes de flores, odores de ervas ou incensos, poções e preces a elevarem-se para o Sid, para o mundo subtil, com amor e gratidão, podia-se fazer descer alguma graça, presença, inspiração ou bênção, que enchia ora o ruidoso grupo, ora o silencioso círculo ou a simples família, como hoje se faz mais ou menos conscientemente ainda aqui e acolá, nestes dias só, ou também em outros...
Mas porque será que as pessoas hoje sentem muito pouco do Sid, ou do além, ou do valor de uma certa comunhão no corpo místico da Humanidade ou da Igreja-Assembleia-Sanga?
Basicamente porque estão cheias do mundo e das suas futilidades, roubalheiras e desgraças, manipulações e opressões, sendo os meios de informação, a televisão e os telemóveis os principais causadores de tal crescente insensibilidade e incapacidade de se sentir ou ver mais os mundos subtis e espirituais e os seus seres...
Morre tanta gente nossa amiga ou próxima, queixamo-nos da tragédia que foi e da sua falta, mas depois alienamo-nos na informação televisiva ou mediática e desenvolvemos pouco silêncio e escuta interior para os tentar sentir e escutar ou então orar por eles e ajudá-los a iluminarem-se. 
                           
Muito importante será então valorizarmos e intensificarmos mais o orar, o meditar, a contemplação de símbolos, a escuta interior descontraída, ou ainda o ver ou contemplar mais com o olho espiritual e, simultaneamente, impedirmos que o lixo e negatividade televisiva ou mediática caia tanto ou o que seja sobre nós…
O Samain retorna a nós ciclicamente e mesmo na forma ruidosa e superficial (em geral) do Halloween poderemos intuir os aspectos tradicionais e luminosos que estão por detrás dele e se os aplicarmos conseguiremos despertar mais o espírito e a alma espiritual que está em cada um de nós e naqueles com quem nos relacionarmos, seja vivos ou já desencarnados, na Unidade Divina e na sua Sabedoria e Amor!

domingo, 29 de outubro de 2023

Erasmo. "Satisfazer Momo", uma hipérbole muito proverbial. "Adágios", 74º do Livro IV. Comemorando o 557º aniversário da sua alma sábia perenemente.

A segunda edição dos Adágios, bem mais alargada, impressa em Veneza, com Aldo Manuzio, em 1508, como Graal da Sabedoria perene, e sobre a empresa aldina: Festina lenta. Apressa-te lentamente.

Os Adágios foram uma das mais difundidas obras nos séculos XVI e XVII e nela Erasmo exerce uma das suas principais missões: transmissor da sabedoria perene da Antiguidade pagã, ao serviço de uma formação mais tolerante, ecuménica e universal dos estudantes e humanistas europeus e duma crítica libertadora das ignorâncias, erros e superstições na religião, governantes, instituições e pessoas. Entre a primeira edição, de Paris, de 1500, Adagiorum Chiliades, e a oitava e última edição corrigida em vida e, como todas as outras em Basileia, em 1536, a recolha passou de cerca de 818 a 4.151 adágios ou ditos da sabedoria antiga.
Escolhemos um adágio importante por ser consagrado a Momo, um deus greco-latino pouco conhecido e que simboliza a capacidade crítica independente e justa, por vezes satírica, tão valiosa face aos falsos valores, cultos de aparências, desmandos, manipulações e opressões das autoridades, ideologias e mentes humanas, com as suas vaidades, egoísmos e fanatismos de pensamentos, actos e hábitos.
Ao longo do
s séculos Momo foi apresentado e caracterizado por diferentes autores, que Erasmo leu e  que nas suas obras cita por vezes, ainda que escrevendo parcamente sobre ele, e poderíamos citar no adágio Spartam nactu es, hanc orna, (II. v. 1) Esparta existe, orna-a [ou honra-a], referindo-se à educação dum príncipe que "devia ser erudita e com pequenos dentes, tingidos com o sal brilhante [candido] de Mercúrio, e não com o negro de Momo"  Contudo isso não o impediu de ser chamado de Momo, de ser um pagão ou um céptico que duvidava da fé cristã e seria mesmo irreligioso, e quem o assim o acusou foi nada menos que Lutero. Mas claro também houve vários sectores católicos que nunca aceitaram as críticas de Erasmo aos monges, a certos aspectos e aparências da Igreja, ou ainda à sua investigação crítica textual dos Evangelhos e por isso o evitaram (tal S. Inácio de Loiola que aconselhou os primeiro jesuítas a não o lerem, pois esfriava a devoção, quando de facto Erasmo tanto valorizou uma devoção sábia, a que chamava uma piedade douta, baseada na philosophia christi) ou atacaram-no mesmo mais ou menos fortemente, tais o síndico Nöel Beda, o cardeal Aleandro e os dominicanos espanhóis.
                                             
A partir da recepção eu
ropeia no século xv da tradição greco-romana, sucessivos humanistas de várias nacionalidades transmitiram os potenciais, sobretudo críticos e satíricos, do carácter de Momo, em obras literárias, filosóficas e artísticas, sendo Erasmo um elo entre eles. Para contextualizar mencionemos, dos elos ou fontes greco-romanas, Hesíodo (750-650 a. C.), Esopo (620-564, duas fábulas sobre ele) Platão (427-347),  Ovídio (43 a 17 d. C.),  Filostrato (170-250) e sobretudo o sírio Luciano de Samosata (125-180), pois Erasmo leu e traduziu as suas obras, sorridentemente, com Thomas More, nas quais os aspectos piores ou mais fracos dos deuses da teologia poética e popular, ou ainda as pretensões, vaidades e superstições humanas, são fortemente satirizadas.
                                                   
O sábio humanista, arquitecto, tratadista, espiritual e poeta Leon Baptista Alberti, 1404-1472.
E
ntre os humanistas, além de Erasmo,  Leon Baptista Alberti (com a tão genial vida de Momus, expulso do céu para a Toscana, já de 1450 embora só publicado, prudentemente, em 1496), Johann Reuchlin (1455-1522), Anton Francesco Doni (1513-1574) e Giordano Bruno (1548-1600, com o Spaccio de la bestia triomfante, 1584, Londres) serão talvez os mais importantes de se lerem, sobretudo o primeiro e o último que escreveram profundas obras na sua forma mentis e face à contemporaneidade que os rodeava.
                                        
Entre nós, se Gil Vicente te
ve algo ou bastante de Momo, ou se o Momo sobreviveu como rei satírico do Carnaval,  já  o menos conhecido humanista Jorge Ferreira de Vasconcelos (acima numa pintura recente), que põe  Momo a falar no prólogo da comédia Aulegrafia, deverá ser lembrado pela sua sabedoria e cavalaria de Amor em luta face ao começo da Inquisição e da Censura, tanto mais que tem sido tão trabalhado por Silvina Pereira e o seu Teatro Maizum, não sendo claro porém em que fontes, de Ovídio e Luciano a Erasmo e Reuchlin, mais bebeu.
Recebamos então de Era
smo o adágio que é consagrado a Momo, Momo satisfacere, & similia (I.v.74) embora nas suas obras e noutros adágios haja outras referências, traduzido partir do confronto da anglo-americanizada tradução da Margaret Mann Philips, para a University of Toronto Press, de 1984, com a edição parisiense de Robert Estienne, de 1558, numa tradução final (e mais fiel, creio) portuguesa.
                                     
                Erasmo, por Quentin Massys, em 1517, e nestes dias num altar português...
«Satisfaz
er Momo, & paralelos. É hipérbole proverbial. Hesíodo na sua Teogonia menciona um certo Momo, que tem a Noite como mãe  e o pai o Sono como progenitores. Este Deus tinha o carácter de nada produzir por si mesmo, mas contemplar com os olhos curiosos  as obras dos outros deuses, e se algo está omisso ou está incorrectamente feito,  criticar com suma liberdade. 

Por outro lado, Momus, quer dizer em Grego [Μῶμος] repreender.  Aristóteles, no De partibus animalium 3.2, fala dele como alguém que reprovava a Natureza por ter dado aos bois chifres na cabeça quando seria preferível adicioná-los nos flancos ou ombros, sem dúvida para poder ferir mais veementemente. Luciano aludiria a isto quando escreve (Verae Historiae, 2) que viu alguns bois cujos cornos não estavam na testa como é usual, mas debaixo dos olhos. Esta era a visão de Momo. 

Numa bela pintura de 1561, de Maerten van Heemskerc, Momo avalia as obras em certame dos três deuses, Atena, Poseidon e Hefaísto, e propõe bem simbólicas e até iniciáticas melhorias, embora Maerten não tenha acertado tanto...

O mesmo Luciano evoca-o em vários outros lugares, especialmente no diálogo Das Heresias, contando esta história dele:  Minerva, Neptuno e Vulcão competiam entre si para o  melhor artífice. Cada um deles produziu uma espécie notável da sua arte: Neptuno modelou um touro, Minerva excogitou uma casa,  Vulcano compôs o ser humano. Momo foi escolhido como árbitro do certame e examinador da habilidade artística. Ele inspecionou a obra de cada um; à parte das deficiências que  repreendeu nos trabalhos dos outros, ele queixou-se principalmente que na feitura do homem o artista não adicionara algumas janelas ou portinholas no peito [Este aspecto da visão do coração foi entre nós realçado por Jorge Ferreira de Vasconcelos, e aponta para uma linha de aperfeiçoamento gnóstico], para que se possa examinar o que está escondido  no coração, cavidade que fez com muitos recessos sinuosos.  Platão menciona também esta fábula. Filostrato, na carta para a  mulher, escreve acerca de Momo a sua maneira de ver: "Não conseguira encontrar nada a repreender em Vénus, excepto ter caluniado a sua sandália por ranger,  com um som perturbante, como se fosse muito tagarela. Se Vénus tivesse vindo sem as sandálias, como tinha saído do mar, toda nua, Momo não teria descoberto de modo algum oportunidade de a deitar abaixo."
Este deus não é tão apreciado como os outros, porque poucas pessoas admitem livremente as suas repreensões, contudo não sei se qualquer um da turba dos deuses dos poetas é mais útil. Nos nossos dias contudo, o nosso Júpiter exclui Momo e apenas ouve a Euterpia [a musa da Música e da poesia lírica], antepondo o brando ao que é salutar.
                                              
A forma celestial de inspiração ou musa, musical e lírica, Euterpe, por Egide Godfried Guffens.
   Consequentemente
este Momo providencia várias formas de adágio, quer em Platão que escreve na República, 6, que o estudo da filosofia é tal que nem Momo o pode repreender. Ou quando a Vénus de Luciano (Dearum Judicium 2), prestes a enfrentar o julgamento, diz que nega hesitar mesmo que Momo seja o juiz. Ou quando Cícero  escreve a Aticus, livro 5.20.6: "Quanto ao que diz respeito ao objectivo principal das vossas exortações, o mais importante ponto de tudo em que laboras,  que eu satisfaça mesmo esse Momo Ligurino, morra se algo pudesse ser feito mais elegantemente!" Portanto as espécies deste provérbio  terão todas este género de forma: "Não hesitarei em lutar contigo mesmo se o Momo entre na disputa." "inculpável é a vida da pessoa  que o próprio Mono não pode deitar abaixo [carpere]." "Esta face nem o próprio Momo poderia repreender." Nem recusaria o julgamento de Momo." Ou "essas coisas satisfazem o próprio Momo". E assim se pode modelar qualquer co-símile. A esta forma pertence aquela expressão de Ovídio acerca da forma [bela] de Adónis: "Mesmo a inveja louvaria tal face".
Brevem
ente, todo género desta hipérbole obtém uma espécie de provérbio, tal como quando Terêncio diz de uma família miserável: "A própria Saúde se desejasse salvar esta casa não poderia." Igualmente, acerca dum lugar fortemente municiado: "Esta cidadela nem mesmo Marte a expugnaria." Sobre uma pessoa firme e pertinaz: "Nem sequer o próprio Vertumnus [deidade das estações e transformações] poderia alterar o seu ânimo."
                                  
Rubens pinta Vertumnus, seguindo o XIV conto das Metamorfoses de Ovídio, quando persuade Pomona, ninfa dos bosques, deusa dos frutos e pomares, a se casarem. A celebração festiva de ambos era a 13 de Agosto.
Sobre uma mulher demasiado desejosa do homem, "O libido dessa mulher nem o próprio P
riapo saciaria." Quanto a algo muito improvável, "Nem a própria Peitho  persuadiria tal pessoa." 

Peitho, a deusa da persuasão, pela eloquência e o amor, companheira de Afrodite.
 De algo difícil de manter em silêncio, "Nem o próprio Harpócrates nem Angerona [Deuses do silêncio] conseguiriam conter."

Angerona, desenhada para a sábia Isabel d'Este, no séc. XV.
"No meio de tanto barulho nem o próprio Sono agarraria o sono." Acerca de uma pessoa demasiado desconfiada e dissidente, "Neste nem a própria Fé teria fé." Da pessoa veementemente astuta, "Esse ludibriaria o próprio Argus." "Esse homem é tão miserável, que o próprio invejar pode recusar." Em verdade,  já mencionáramos esta forma de persuasão no início desta obra.»
Argus, o vigilante, com mil olhos no corpo.... Saibamos vigiar, discernir, velar e perseverar para que as lâmpadas e chakras do nosso corpo subtil e espiritual estejam bem luminosas na ligação espiritual e divina... E vivam Erasmo e as energias conscienciais da mensagem do  humanismo, da sabedoria, da lucidez e da paz em nós e no mundo!