quarta-feira, 1 de novembro de 2023

Samain, o começo do Inverno e do novo ano nos primeiros dias de Novembro, no coração e na visão. Noites santas.

                                                    

        Samain, Hallowen no ar e no frio, no interior e no amor, no coração e na visão.

Esta celebração celta e druídica, ou seja, da religiosidade pré-cristã europeia, realizava-se entre os nossos 29/10 a 2/11 e considerava-se que interagia magicamente com a transição da estação do Outono para a do Inverno, ao entrar-se na mais fria e sombria época.
A palavra Samain, significando principalmente reunião ou união (e sobretudo da Luz do alto invocada), mas também fim do Verão, implicava, enquanto a última  das quatro festas (Imbolc, Beltaine e Lugnasad) do calendário celta (e que antecedem por cerca de 50 dias cada solstício e equinócio),  assembleias, cerimónias,  fogueiras,  oráculos, encantamentos, orações, feiras, festejos com músicas e danças, comida e bebida. Recebiam-se assim esclarecimentos e forças e  congraçavam-se energias para se atravessar mais segura, luminosa e frutuosamente a época mais obscura que se iniciava. Demandava-se um novo ano, abençoado ou comungado com a Divindade e as suas faces, mensageiros e energias: os Deuses,  os Anjos, os heróis míticos e antepassados, os espíritos da Natureza e as forças sagradas da Mãe Terra...
Eram dias intensos festejando a entrada no Inverno e nas trevas maiores do tempo para um renascimento posterior. Os Deuses e os espíritos dos mundos invisíveis tinham que ser evocados pelos druidas e videntes como protectores do novo ano e presenteados com energias que  eram-lhes oferecidas por rituais, danças, sacrifícios ou ofertas de alimentos e libações, e poemas.
 Com efeito considerava-se que os Deuses e espíritos dos antepassados e mortos, ou da natureza, desciam mais à Terra ou tornavam-se mais visíveis, mais impactantes, nestes dias: o mundo de Sid estava aberto, as fronteiras esfumavam-se, as visitações, epifanias, inspirações, oráculos e adivinhações podiam acontecer mais luminosamente.
Esta abertura ao Sid, ao mundo subtil e espiritual, era provavelmente o aspecto mais essencial e dinamizador da cosmovisão  ou doutrina desses dias de celebração do Samaim, mais tarde Samonios, e foi algo preservado em parte no Cristianismo, pois este adoptou tais datas como os dias de Todos os Santos, 1 de Novembro,  e a 2 o dos Mortos, continuando a assinalar e a apelar a uma abertura maior entre os mundos e seres na pluridimensionalidade cósmica, na sintonização subtil e silenciosa e na aspiração à Luz que conseguirmos, nestas noites mais longas do ano. 
Noutra linha de continuidade, a noite de 31 para 1 de Novembro foi denominada e celebrada a partir do século XVIII como o Halloween (de hallow santos) e tanto tem gerado celebrações de rituais por grupos pagãos ou celtas, como brincadeiras juvenis com as simpáticas abóboras, como  festas de dança, "barulholatria" e bebida e, claro, amizades e amor. Certamente que houve, em geral, na evolução até hoje, uma diminuição grande da qualidade da celebração e da religação subtil e espiritual...
A visão do Sid não era muito fácil, a não ser para alguns mais videntes e sensíveis, ou então, segundo os poemas e narrativas míticas, para que participavam nessas grandes festas, banquetes e rituais, sobretudo quando algum druida ou uma inspirada transmitia ou intensificava essa capacidade de expansão de consciência, e abertura do olho espiritual.
 Tradicionalmente  as entradas para o Sid localizavam-se na direcção do Sol poente, o Ocidente e, na linha do trajecto do Sol, e nesse sentido correu na tradição visionária medieval que a Terra dos Mortos ou as Ilhas Afortunadas localizavam-se nesse horizonte em que o Sol se punha. E assim também os mortos eram depositados na parte poente do recinto sagrado à volta das capelas. Assim, quem quiser orar ou meditar em ligação ao mundo dos espíritos e antepassados poderá fazê-lo virado nesta direcção e aproveitando o balanço ou a corrente energética, embora seja certamente apenas um factor relativo, o mais importante sendo a intensidade da irradiação do nosso coração em aspiração de ajuda, de comunhão e de petição das bênçãos divinas.
Outro meio é virar a cama para tal eixo e, ao adormecer, tentar orar, sonhar e  partir para, ou apenas sintonizar,  o mundo intermediário e subtil, o Sid, ou mesmo para a Ilha Afortunada, no meio do imenso Oceano da Manifestação, também denominada Avalon, a ilha da imortalidade ou das maçãs pentagonais que a propiciam, ou que desvendam e manifestam a consciência mais sentida e clara do espírito que somos bem como dos que nos rodeiam nos mundos infinitos.
Aspectos muito importantes da celebração da reunião ou Samain eram as fogueiras que se erguiam, a Luz do Alto que se evocava, as purificações que se realizavam, as danças e namoros que começavam, os poemas e contos que se recitavam, as interrogações oraculares que se erguiam, as evocações dirigidas pelas druidas, as orações pelos mortos, as sátiras e interditos dos mais desequilibrados, as trocas de ervas e sementes medicinais, ou conservas alimentares e unguentos, o gui e o verbasco. 
Eram ensinamentos de reconexão com os mundos espirituais, com os seus seres celestiais ou não incarnados e com os poderes psíquicos e espirituais dos seres o que era mais celebrado e ritualizado nestes dias, e que, transmitido ao Cristianismo apenas parcialmente, se pode e deve aprender e realizar em toda a época de maior frio, recolhimento e obscuridade, não ficando assim reduzido a estes dias e em fórmulas algo externas. É então um ensinamento iniciático: destinado a que as pessoas iniciem um novo caminho, ou uma prática ou religação subtil, espiritual, divina, em  fidelidade e perseverança às tradições ouvidas, às transmissões orais e faciais de alma a alma, aos sonhos e visões, ideias e intuições tidas, como entre nós poetizou Fernando Pessoa em relação ao Infante D. Pedro das VII Partidas, na Mensagem...
Quanto aos banquetes e alimentos, embora saibamos que o pão, a manteiga,  a noz, a carne e o hidromel e a cerveja eram os principais e que havia um quebrar de tristezas, limites e pobreza, talvez seja útil lembrar que se havia sacrifícios oferecidos aos deuses e que foram exagerados na crueza pelos seus inimigos,  essas refeições  em comum ou banquetes eram de alegria e fraternidade, com as comidas a serem oferecidas aos antepassados e protectores dos grupos. E com chamas (ou velas..), perfumes de flores, odores de ervas ou incensos, poções e preces a elevarem-se para o Sid, para o mundo subtil, com amor e gratidão, podia-se fazer descer alguma graça, presença, inspiração ou bênção, que enchia ora o ruidoso grupo, ora o silencioso círculo ou a simples família, como hoje se faz mais ou menos conscientemente ainda aqui e acolá, nestes dias só, ou também em outros...
Mas porque será que as pessoas hoje sentem muito pouco do Sid, ou do além, ou do valor de uma certa comunhão no corpo místico da Humanidade ou da Igreja-Assembleia-Sanga?
Basicamente porque estão cheias do mundo e das suas futilidades, roubalheiras e desgraças, manipulações e opressões, sendo os meios de informação, a televisão e os telemóveis os principais causadores de tal crescente insensibilidade e incapacidade de se sentir ou ver mais os mundos subtis e espirituais e os seus seres...
Morre tanta gente nossa amiga ou próxima, queixamo-nos da tragédia que foi e da sua falta, mas depois alienamo-nos na informação televisiva ou mediática e desenvolvemos pouco silêncio e escuta interior para os tentar sentir e escutar ou então orar por eles e ajudá-los a iluminarem-se. 
                           
Muito importante será então valorizarmos e intensificarmos mais o orar, o meditar, a contemplação de símbolos, a escuta interior descontraída, ou ainda o ver ou contemplar mais com o olho espiritual e, simultaneamente, impedirmos que o lixo e negatividade televisiva ou mediática caia tanto ou o que seja sobre nós…
O Samain retorna a nós ciclicamente e mesmo na forma ruidosa e superficial (em geral) do Halloween poderemos intuir os aspectos tradicionais e luminosos que estão por detrás dele e se os aplicarmos conseguiremos despertar mais o espírito e a alma espiritual que está em cada um de nós e naqueles com quem nos relacionarmos, seja vivos ou já desencarnados, na Unidade Divina e na sua Sabedoria e Amor!

Sem comentários: