terça-feira, 5 de maio de 2020

Papelinhos poemáticos, em instantes de raptos: dos ambientes de trabalho às musas e ao Amor e Ser Divino.

Durante o trabalho, por vezes, a nossa alma quer voar
e agarra-se a um papel e nele começa a levitar. 
Nesta quarentena de arrumações, escritos e meditações
alguns desses náufragos em gavetas, envelopes e papéis
vieram ao de cima e pediram-me no coração:
- «Transcreve-nos, lança-nos nas tágides dos rios, ou no oceano, das almas».
 E inclinei-me submisso do interior da alma,
trancrevendo-os neste findar de 5 do 5 de 2020.
Mas como chamá-los, a estes curtos poemas e orações,
escritos em súbitos ímpetos nos últimos anos, 
ora na minha casa de mil livros, cadernos e papéis
ora atirados ao céu da catalogação para leilão
e materializados nos papelinhos que assinalam 
que o livro já foi descrito para o catálogo: 
Poemas e escritos levitantes no trabalho?
Papelinhos poemáticos, em instantes de raptos:
dos ambientes de trabalho às musas e ao Amor divino?
Eis alguns deles:

Quando a alma se veste com o corpo
pode trazer as asas dos pássaros
e cobrir com elas os seus ombros
e de mãos soltas mostrar os seios
deixando-os cair generosamente
sobre a sede e a noite peregrina.

Assim a Musa desce do Céu à Terra
e inclina-se sobre os seres
maravilhando-os com as vistas infinitas
que a sua alma e corpo suscitam
em quem ama a beleza
e recebe a graça do Amor humano
e o sente tão próximo que o torna Divino

Zahra, Thy soul like a bird of the heaven
Thy spirit like a gorgeous fontain of the highest mountain
Thy smile a promisse of Heaven's joy
Thy womb a sacred vessel of brightest motherthood.
Zahra, Be always shinning and happy, in the Divine.
*****
Como não se esquecerem de nós durante o trabalho?
De tempos a tempos rezando ou mantrizando um pouco
Tentando sentir os centros subtis da cabeça
onde está a nossa agilidade psico-espiritual
para vos inspiramos e apoiarmos
a fazerem o melhor que poderem.
Vem até mim
Recebe-me em ti.
Cruzem os ares
As nossas almas
E com os Anjos
glorifiquemos
o milagre da Unidade.
Abençoada 
e Amada
sejas e sejamos.
Tágides nossas e seus rastos e leitos, no Maio florido e confinado de 2020

sábado, 2 de maio de 2020

"O Amor autêntico é permanente". Com Dulce Pontes & George Dalaras, "O Mare e tu". Ser o Amor, Divino.

"O Amor autêntico é permanente", eis um dito bem verdadeiro e desafiante, que me apareceu impresso num postal (de 1998, atribuído a Mons. Alves Brás), e que me impulsionou a este escrito, ao som maravilhoso de duas vozes e música (O mare e tu, em Atenas, de Dulce Pontes e George Dalaras, e que encontra no fim). Mas quem conseguimos nós amar permanentemente, desejar-lhe sempre o bem, não só gostando dela ou estando simplesmente em amor com ela, mas também doar-nos a uma compreensão e elevação a dois que passe por todas as vicissitudes do quotidiano? 
 Quem consegue estar disposto a dar-se totalmente por outra pessoa, a ser um com ela nos momentos tanto mais fáceis como difíceis, no mítico amor incondiocional?
Não será muita gente. Mais até nos pais e mães, essa sempre renovada esperança de uma Humanidade melhor, tão destroçada infelizmente por alguns países mais imperialistas e violentos. Quererá dizer isto que hoje em dia poucas pessoas amam não só autenticamente mas plenamente?
Na manifestação terrena, e mais ainda no séc. XXI crescentemente regulamentador ou mesmo opressivo,  o ser humano é limitado no seu Amor e nas suas capacidades e realizações, embora nos seus sentimentos e conceitos, ideias e ideais não o seja tanto, sobretudo na juventude, transitória ou perene, que resiste às manipulações e alienações...
Somos muitos D. Quixotes, Camões, Anteros, Leonardos, Florbelas, Pessoas, Agostinhos, Natálias, isto é, idealistas, sonhadores, navegadores mas depois a dura realidade do tempo e do espaço sociais, com as suas lutas de sobrevivência, egoísmo e manipulações, acabam por nos encerrarem em pequenas bolhas (e já Erasmo parafraseara longamente Homo bulla est), maiores ou menores de afectos, familiares ou de amigos, ou de crenças e ideais, nos quais por vezes o amor permanente brilha ainda, embora muitas vezes,  depois da labareda inicial dos encontros afectivos, casamentos e descobertas de causas e de espiritualidade, haja uma normalização redutora e a chama íntima é quase perdida de vista e de ser sentida...
O Amor permanente é então um desafio muito grande, pois implica estarmos, ou tendermos para estar, ou podermos quando quisermos ressuscitar o Amor vibrante, íntimo. Ora para chegarmos a tal estação do caminho real do Amor, muito depende de nós próprios: - ou o queremos manter acesso, e lutamos por estar atentos e irradiantes dele, fluindo mais naturalmente ou menos nele, ou então forçosamente somos apanhados pelo que nos rodeia (onde os media, e os tão nocivos noticiários, são fatais), condicionados pelo que fazemos e pensamos, e logo soçobramos numa certa semi-consciência, algo mecânica ou mediocrizada por hábitos, e ficamos apegados ou dependentes de coisas, alimentos ou seres, que tanto poderemos amar mais ou menos, com reciprocidade ou não, sendo tal útil e libertador ou não, mas numa oscilação, essa sim, permanente da nossa consciência e capacidade amorosa...
 Certamente se conseguimos encontrar e conciliar o indomato amore com o amore mio (da canção ou no par) então o fogo do Amor flameja, e a onda comunga no Oceano e aspirações, olhares e abraços unificam, o vermelho e o branco casam-se... 
Mas não sendo fácil tal encontro, de almas-gémeas ou pelo menos bem vizinhas, então talvez devamos reconhecer que a conseguirmos a permanência ela é sobretudo do Amor em si, acesso em nós, subtilmente, espiritualmente. E sê-lo. Ser permanentemente Amor, sermos mais o nosso ser espiritual e primordial...
 Realização esta que pode ser sentida e expressa nas pessoas mais afins do elemento fogo como: - "Eu sou Amor, eu ardo no fogo do Amor divino". Ou no elemento água: - "Eu sou uma ondulação do Oceano do Amor..." 
Ou o Aum, sonorização  indiana da presença divina no Cosmos, ouvida na cabeça ou no coração e tão mítica  como a "música das esferas" pitagórica...
Esta consciencialização do Amor e da sua dimensão espiritual e cósmica, que pode estar mais forte ou menos realizada, mais vivida ou menos com tais frases que podem actuar como mantras ao repetirmo-las interiormente, é constantemente confrontada com acções e reacções que ora nos afastam ora nos aproximam dela; e ainda com pessoas que estão mais ou menos sintonizados com o Amor, e que se relacionam connosco das mais diferentes maneiras e intencionalidades.
Será então necessário querermos ou valorizarmos estar sempre em Amor  e depois discernirmos com a auto-consciência, o mais constantemente possível, se estamos mesmo em Amor, na comunhão e irradiação plena ou possível e adequada do Amor divino que é a nossa essência.
Momentos de meditação, oração, gratidão, contemplação, com eventuais ligações aos mestres e anjos, ajudam-nos bastante a centrar-nos e a sentirmos de novo mais o Amor em nós e logo a fortificar-nos nele e a irradiarmo-lo seja horizontalmente, seja verticalmente, para o que nos rodeia e para o distante, vencendo obstáculos e oposições e clarificando, curando, abençoando, como cavaleiros ou cavaleiras do Amor ou mesmo do Graal..
A união amorosa com pessoas, animais, plantas, aves, árvores, natureza, casas, objectos, livros, etc., e que é intensificadora do nosso estado de Amor permanente, também é importante ou fundamental de ser cultivada. E pode ser bem dançada e cantada, como podemos ouvir na música e voz tão boas de Dulce Pontes e George Dalaras, numa grande vizinhança e comunhão de Amor e Unidade com o Cosmos.
Para estar na Luz e no Amor autênticos não é necessário nem rituais, nem merkabas e extra-terrestres, nem exercícios complicados e 5ªs iniciações, nem canalizações,  regressões e vidas passadas,  que em geral são mistificações e explorações comerciais e que nos prendem ainda mais a egos e a grupos... 
 
 O Amor autêntico é libertador por si mesmo, vence ameaças, medos, doenças (em certa medida...), supera de algum modo o tempo e o espaço e permite-nos vivenciar estados mais íntimos, unitivos e expansivos de consciência, seja ao sentirmos o amor mais por, ou plenamente com alguém, seja ao sentirmos o Amor em si em nós, seja ainda recebendo as suas correntes Divinas que dos mundos e seres espirituais nos chegam...
"Felizes dos que se tornam Amor"
Seja então mais autêntico, esteja ou seja mais permanente e profundamente o Fogo do Amor Divino... Aum...
                           

sexta-feira, 1 de maio de 2020

Da morte e do além, "Homo bulla est" e centelha espiritual. De Plotino e Erasmo aos nossos dias pandémicos ou opressivos...

Diz-se que as últimas palavras de um dos mais elevados mestres da Antiguidade, Plotino (205-270), autor das Enéadas, foram, tal como as registou o seu valioso secretário Porfírio, também ele um mestre espiritual: «agora procuro levar de volta o eu que está dentro de mim para o Eu total.»
                                   
Outros ao morrer pensariam, ou eventualmente diriam: «Oh Divindade que estás dentro de mim e que és a luz dos meus olhos, e a força do meu espírito, o centro de meu ser, impulsiona-me para me elevar o mais possível no cosmos rumo aos teus mundos divinos, e que aí possa encontrar aqueles com quem deverei estar, comunicar, trabalhar, sentindo-te mais em mim, e sendo mais plenamente teu cooperador.»
Outros ainda talvez pensem e se lancem assim: «Eu aspiro à mais elevada região do mundo espiritual a que posso chegar. Anjos e mestres, impulsionai-me rumo à Divindade. »
Sim, na verdade, ao morrer a nossa alma e espírito deixam o corpo físico e elevamo-nos para os mundos subtis, menos ou mais luminosos e espirituais, assim nos elevando conforme a nossa vida e logo a constituição anímico-espiritual desenvolvida.
Compreender o que fizemos, o que poderíamos ter feito, as consequências positivas ou negativas dos nossos actos e sentimentos, tentar corrigi-las, no nosso mundo interior, quem sabe se de algum modo tocando subtilmente nas pessoas com quem nos relacionamos, quem sabe até olhando para o mundo humano físico, podendo ser esses primeiros tempos no além, para os mais despertos (pois muitos descrentes, ou mortiços no amor, estarão semi-adormecidos), entrecortados com vistas de antepassados ou amigos, quem sabe mesmo se com diálogos com eles, são hipóteses plausíveis da nossa vida post-mortem do corpo físico.
                                          
                                        Om Sri Ramakrishna namah! Saudações!
Sim,  acredito que podemos merecer encontrar-nos não só com os nossos pais e ascendentes familiares mas também com aqueles seres que mais gostamos e trabalhámos, seja os que conhecemos pessoalmente, ou que nos iniciaram mesmo, tais Si Rishi Atri, Swami Kaivalyananda, Sri Vidwans, Shudhananda Bharati e Swami Ranganathananda, ou os que já tinham partido, tais como
Pitágoras e Platão, Ramanuja e Madhva, Shorawardi,  Nadjin Kubra, Sa'adi, Marsilio Ficino, Pico della Mirandola, Erasmo, Damião de Goes, Dara Shikoh, Nur Ali Sha, Ramakrishna, Antero de Quental e Fernando Leal, Fernando Pessoa, Wenceslau de Morais, Bô Yin Râ, Paramahansa Yogananda, Guru Ranade, Henry Corbin e, por fim, Jesus, certamente um dos mais elevados mestres de sempre.
Sim, grande mistério, onde estará ele e o que faz? Irradia apenas naturalmente Amor para todo o cosmos, ou age individualmente na Terra, inspirando aqui, corrigindo acolá, visionando isto, atalhando aquilo?
Terá bastantes espíritos celestiais (anjos) e santos colaborando com ele e movendo-se subtilmente no mundo subtil tentando ajudar ou inspirar as pessoas?
Os religiosos e místicos que o veem pelo olho espiritual nas suas meditações chegam mesmo a ele, ou apenas captam certas energias suas que se concretizam depois nas imagens que veem, podendo assim ocorrer quase um desdobramento infinito de si próprio para os muitos que a ele apelam?
Ou será que está já com outros horizontes cósmicos e logo menos ligado à Terra, onde se há muitos que o invocam e falam em seu nome, na verdade são bem menos os que verdadeiramente têm ligação com ele, ou o conseguem invocar e de algum modo receber alguma energia da sua imensa aura e ser?
Quantos de nós conseguimos ter no nosso coração ligação e logo até alguma sensação de presença potencial dos grandes seres em nós?
Quais serão aqueles seres que mereceremos ter acesso quando partirmos, seja na altura seja mais tarde, quando tivermo-nos adentrado nas regiões já não ribeirinhas mas verdadeiramente espirituais?
Ou será que, como Plotino escreveu, estaremos a sós, com o mundo espiritual ou divino?
                                        
Chamaremos e invocaremos nós Jesus e Maria, Buda e Maomé, Ali, Hussaim e o Madhi, Krishna e Shiva, Radha, Isis ou Amaterasu, ou ainda o santos e santas, ou ainda os mestres de confrarias e linhas tradicionais milenárias,
recebendo muitos provavelmente    bênçãos deles, directas ou indirectas, ora sem ora com intermediários?
E agora com os vírus e guerras, que agitação na passagem e intermediarização entre os mundos, físico e subtil está a acontecer, com tão
pouca gente  preparada para morrer, para se libertar da terra, e frequentemente algo perdida, com pouco apoio (ou mesmo nenhum) de familiares e amigos, vendo-se no além, quase sem capacidades de visão, compreensão e movimentação?
Será que devemos questionar as religiões por não terem preparado melhor as pessoas seja para a vida no além, seja para estas súbitas possibilidades de abruptos fins do mundo colectivos, tal como no nível terreno e social alguns Estados (mormente o Estados Unidos da América, o Reino Unido e a UE em relação à Itália) tidos como muito desenvolvidos e poderosos, mostrando assim o egoísmo e o desleixo que havia e há para o que não seja armamentos, guerras, sanções e lucros das classes financeiras, políticas e farmacêuticas, enquanto os Estados vilipendiados e sancionados como os do Mal agem ou agiram com  altruísmo, tal a Rússia, a Cuba e a China?
                                       
                   A Humanidade vai abrindo os olhos, discernindo melhor o mal e o bem...
Talvez não devamos ficar muito apreensivos com o que se vai passando, pois é possível, que antepassados já no além e o Anjo da guarda de cada ser, estejam conseguindo orientar muitos, sobretudo os que já têm algum despertar e abertura dos órgãos do corpo espiritual, pela sua vida de luz e amor, e assim impulsionando-os a avançarem melhor.
Para os outros, pois que as nossas orações de luz e amor para as suas almas os possam ajudar...
Cuidemo-nos uns aos outros, como os seres que verdadeiramente se auto-conhecem e amam fazem.
                                          
E como ninguém se pode evadir à limitada duração da vida na terra, tal como uma bolha de sabão, metáfora ainda da superficialidade da vida vaidosa, ou da sua efemeridade, tal como Erasmo desenvolveu a partir do dito antigo do romano Varrão, Homo bulla est, o ser humano é uma bolha, num escrito famoso a propósito da súbita morte do príncipe Filipe de Borgonha, pai do futuro imperador Carlos V, saibamos trabalhar bem enquanto há luz, enquanto estamos vivos para que não venha a noite ladrona e nos apanhe desprevenidos, como crianças distraídas, despreocupadas, alienadas da sua missão principal de evolução fraterna, de sabedoria e amor, e antes possamos estar entre aqueles,tal Plotino, trabalhando pela, ou já com, a
religação à centelha espiritual e à Divindade brilhando no seu interior e ser.

quinta-feira, 30 de abril de 2020

A partida de Antero de Quental, descrita por Oliveira Martins a Eça de Queiroz, comentada.

                   
Quando vou deitar o corpo ao fim do dia, em geral bem activo mentalmente, ainda sinto um último assomo de vontdade de imersão e partilha do conhecimento e então escolho uma estante, percorro pelo olhar os livros dela e selecciono um ou dois que levo comigo, para folhear, sentir e decidir se vale a pena anotar ou mesmo gravar.
Quem tem problemas de sono, de adormecimento, poderia ter até uma estante com livros apropriados, não digo que funcionando como soporíferos pelo desinteresse que causam mas por serem calmantes, harmoniosos, belos, preparando-nos mesmo para sonhos bons.
Ora ontem de uma estante retirei dois, um sobre o escritor Afonso Gaio, da Lita Scarlatti, uma arguta pensadora que escreveu sobre alguns dos nossos temas históricos mais interessantes, tais como os Painéis de Nuno Gonçalves e o D. Pedro das 7 partidas, o outro foi a Correspondência de J. P. Oliveira Martins, que adquirira não há muito e que acabou por ser o que prevaleceu na "sua" vontade (do livro, do autor ou da minha interacção com ele?)  de o ler e até, ao vento de uma gravação ou escrito, semear...
 Ora entre as dezenas de cartas transcritas pelo seu filho, uma delas saltou-me ao de cima e imediatamente decidi lê-la e gravando tal primeira leitura, com os comentários que me brotassem. E disso resultou o vídeo que vai no fim, restando agora transcrever a valiosa carta e acrescentar um breve comentário:
«Meu caro José Maria 
Muito obrigado pela tua pergunta telegráfica. O nosso Antero cedeu por fim à tentação constitucional da sua vida. Morrer era-lhe uma obsessão. Matou-o principalmente o clima enervante de S. Miguel que estonteia os mais fleumáticos. No meio desta aflição consola-me sequer de que não morreu vítima de nenhuma dificuldade maior: nem dinheiro, nem doença, nem mulher. Nada. Matou-o a sua imaginação exacerbada pelo capacete do ozote  (ozono) de ilha. Era uma tentação antiga: duas vezes o desarmei, e uma no instante em que se ia matar. E então havia um motivo mulher. O nosso pobre Antero não tinha a filosofia bastante para perceber que da vida nem vale a pena nos desfazermos.
Era um alucinado da metafísica e provavelmente acabou julgando ir viver num mundo melhor. Acabou-se. Adeus.
Abraço-te meu José Maria, abraço-te n'elle.
Oliveira Martins.»
 
A morte era-lhe uma tentação ou atracção constitucional e obsessiva, diz então um dos seus maiores amigos, respaldado nos muitos momentos em que estiveram juntos e na sua obra poética onde tal palavra, tema e realidade tantas vezes está presente. Talvez possamos pensar que Antero de Quental tinha já um pressentimento ou intuição do seu destino e de como depois de a cortejar e poetizar tanto acabaria por se entregar a ela voluntariamente, em vida, e não num noivado de sepulcro depois de uma morte natural.
Era uma matriz que estava em si e que soubera desafiar enquanto líder estudantil, enquanto espadachim em duelo de desagravo literário no Porto com Ramalho Ortigão, enquanto revolucionário socialista desafiando o marasmo burguês com as Conferências do Casino ou nos encontros no meio do rio Tejo com os representantes da Internacional Socialista, enquanto embarcadiço  na viagem marítima tempestuosa aos Estados Unidos da América, que tanto o desiludiu, e, finalmente, nas relações amorosas nas quais o coração sensível e intenso como o dele pode ser ferido quase de morte, ou não fosse ele um cavaleiro de Mors-Amor, tal como Oliveira Martins relata embora exagerada ou dramaticamente (Antero a matar-se diante de outra pessoa?), em relação à sua última paixão, em 1878, com a Clotilde que ele conheceu nas termas francesas de Bellevue, quando andava na procura da cura psico-somática.
 Contudo Oliveira Martins sossega Eça de Queiroz, que escreveria pouco depois demoradamente o seu mítico texto para o In Memoriam de Antero, no qual Oliveira Martins também dá um contributo notável, até merecedor de ser equacionado com esta resposta mais telegráfica, mas que alongaria demasiado este texto.
Antero matara-se, segundo Oliveira Martins, pela sua imaginação excitada pelo capacete climatérico insular, exacerbada pelos problemas que o rodeavam, e que intensificaram a sua característica de "alucinado da metafísica". Dá contudo com esta expressão mais veracidade à capacidade visionária de Antero, algo que já surpreendera a "luso-alemã" Carolina Michaelis, conforme a advertência que fez ao tradutor Wilhelm Storck  da qualidade e sinceridade dos sonetos de Antero, que seriam vivenciados por ele quase que vindos do inconsciente.
 Já ao contrário,  Oliveira Martins, mais pragmático ou utilitarista e pouco metafísico, considerando que a vida vale tão pouco  que não se justifica morrer-se desfazendo-se dela, ou suicidando-se, acha que Antero teria sido limitado na sua filosofia, pois matara-se pela vida. 
Ora é evidente  que, pela sua proverbial sinceridade e entrega plena à vida, Antero de Quental era um homem de causas, de missão, e sentindo-se já sem elas, ou mesmo desiludido delas, conforme se dera uns meses antes com o naufrágio da reacção da Liga Patriótica do Norte que ele liderara face ao Ultimatum do imperialismo inglês,  ultrapassada há muito a fase poética (desde 1884, antes mesmo da publicação dos Sonetos em 1886), transmitido o seu pensamento filosófico, ainda que abreviadamente, com a publicação das Tendências Gerais da Filosofia na segunda metade do século XIX, em 1891, e tendo de separar-se das suas duas pupilas agora mais crescidas, sentiu que chegara a grande hora de tomar a sua cicuta, como Sócrates, a quem aliás se comparara no sentido de que, mais do que escrever, gostaria de exercer o dialogo maiêutico e ter um discípulo como Platão. E assim partiu voluntariamente e ousada e arriscadamente através do abraço ou da mão da Morte, que tanto amara, para o mundo espiritual, num banco do jardim sossegado, ou talvez espantado, na noite imensa, na pequena ilha no meio do Oceano.
Diz ainda com alguma perspicácia, ironia e descrença Oliveira Martins, que Antero  "provavelmente acabou julgando ir viver num mundo melhor. Acabou-se".
Para que níveis do mundo subtil e espiritual Antero foi não sabemos, nem vamos agora especular, Não "acabou" pois, e talvez a bela e sentida frase de camaradagem inter pares ou comuns amigos que ele lança em seguida para Eça seja até um prova disso: "abraço-te nele". Ou seja, abraço-te ao modo dele, abraço-te como se Antero estivesse também a abraçar-nos, no seu corpo espiritual, constitucional e imortal, ou abraço-te na comunhão do seu espírito e alma.
Possamos nós aprofundar a nossa identidade espiritual, purificar e concentrar a nossa visão interior, na comunhão com o corpo místico e o Graal da Tradição cultural e espiritual Portuguesa, e com os mestres, santos e santas e os anjos, na adoração divina.
                  

segunda-feira, 27 de abril de 2020

Mumtaz Mahal. No dia de aniversário, um tributo ao Amor que a uniu imortalmente a Shah Jahan

A jovem persa Arjumand Banu Began nasceu do prudente conselheiro Asaf Khan e de Plomdregi Began em 27 de Abril de 1593, em Agra, na Índia sob o domínio da dinastia mogol, e veio a ficar noiva em 1607 do então príncipe Khurram, filho do 5º Imperador mogol Jahangir e da princesa indiana Rajput Jagat Gosain, pois Khurram, o futuro 6º Imperador mogol sob o nome de Shah Jahan, o Shah ou Rei do Mundo, vendo-a e sentindo-a, fora ferido pelas setas íntimas e beatificantes do Amor. Vieram a unir-se após sete anos de espera luminosa em 1612, recebendo ela então o nome de Mumtaz Mahal, a Eleita ou a Mais Elevada do Palácio, e viveram uma unidade plena de dinamismo e amor, na invocação Divina.
                                      
                                      
           Duas faces de Mumtaz, uma antiga e uma actual, pela artista Daniela Pace Devisate.
As celebrações da núpcias foram magnificentes e a jovem tornou-se verdadeiramente a sua mulher amada (já que ele teve mais duas, como era usual no Islão), companheira e conselheira nas constantes expedições e viagens, dando-lhe quatorze filhos, no parto deste último desprendendo-se da terra, em Burhanpur, no Decão indiano, onde estava como expedicionário ao lado do amado, apenas com 38 anos, certamente algo exangue de tanta dádiva das suas entranhas. Shah Jahan sofreu muito, os cabelos esbranquiçaram, celebrou com profundidade e poesia a partida dela, mas logo começou a congeminar e a construir (de 1631 a 1653) um túmulo digno dela e do amor infinito que os avassalara e unira, contendo em si ínumeras orações e poemas a ela e ao Amor divino dedicados e nos mármores e pietra dura incrustados, e assim temos hoje o que é por muitos considerado o mais belo monumento do mundo, o Taj Mahal, verdadeiramente um fruto imortal dos dois e da civilização da época.

 Tal como o é terceiro filho deles, Dara Shikoh, o príncipe primogénito que seria morto por um irmão ambicioso e fanático, o execrável Aurangzeb, que findaria com os sonhos de uma unidade religiosa supra Islão e Hinduísmo, para o qual Akbar e o seu bisneto Dara Shikoh tanto tinham trabalho e desenvolvido, o 1º com a Religião Divina, Dīn-i Ilāhī, onde participaram missionários  de Goa, e o 2º com as suas traduções dos textos de Yoga (nomeadamente as Upanishads que chegarão assim ao Ocidente através da tradução de Anquetil-Duperront) e a sua comparação com os do sufismo islâmico. Realizei algumas traduções das suas obras, comentando-as, audíveis no Youtube, e fundei uma página dedicada a ele no Facebook...
 Celebrando-se hoje 27 de Abril o seu aniversário de nascimento resolvi, e porque peregrinei também duas vezes a Agra e ao Taj Mahal, oferecer a tradução realizada agora do relato do cronista Qazwini do casamento, tal como se encontra na obra Taj Mahal, The Illumined Tomb, an anthology..., por W. E. Begley e Z. A. Desai, impressa em 1989, sob os auspícios do Agha Khan Programe for Islamic Architecture, um excelente trabalho.
                                  
«Uma vez que a perfeita Sabedoria, que ornamenta a câmara do Sol e da Lua, nas nove varandas da esfera revestida a ouro, tinha pedido que, no firmamento da existência, quando as estrelas felizes se conjugam com os planetas auspiciosos, cada Júpiter feliz deve procurar união com uma face de Vénus, e cada Sol de honra deve seleccionar o amor de uma face da Lua para que a conjunção da sua união possa gerar frutos de honra e felicidade.
Consequentemente, quando tinham passado na idade de Sua Majestade o Rei de exaltada fortuna  21 anos lunares, onze meses e nove dias; e a nobre idade da Senhora Mumtaz al-Zamani atingira 19 anos, sete meses e dois dias, e um período de cinco anos, três meses e dois dias decorrera desde o pedido de casamento, o falecido Imperador Janmat Makani [Nuruddin Muhammad Jahangir], o brilho de cuja mente  era o sol do dia da fortuna e a lua da noite da felicidade, tomou sobre o seu augusto eu a tarefa de arranjar a festa-banquete do casamento desse valioso noivado da família da criação. Ele providenciou que os meios da festividade e os requisitos de alegria e prazer fossem de tal grau que condizessem com os dos imperadores de elevada grandeza. 
Na noite de Sexta feira, o 9 do mês de Rab'i, o ano 1021 Hijri (10 de Maio de 1612), correspondendo ao 22 do mês de Urdibihisht, do 7 ano da acessão do imperador Jahangir:" Na altura em que a estrela ascendente era favorável/ os olhos mereceram encontrar um com o outro (ou um ao outro)".
E nessa auspiciosa noite, da qual a Noite do Poder (Shab- i-Qadr)
e a noite da Partilha (Shab-i-Barat) poderiam derivar glória e honra
as luzes do festival das lâmpadas das estrelas e as iluminações das tochas e lanternas brilharam assim na terra como no céu.

"Uma noite mais brilhante que o dia da juventude/
Adicionando ao prazer a delícia e realização do desejo",

Assim essa cama de fortuna e esse leito de magnificência da Senhora Mumtaz al-Zamani teve a honra de chegar à casa do sol da esfera da soberania; e essa luz do céu e castidade tornou-se a associada da felicidade eterna pela conjunção com a auspiciosa estrela do firmamento do califado.  E quando as duas luminárias do zénite da glória e beleza tiveram a sua conjunção numa constelação, elas embelezaram a cama do quarto da fortuna e da auspiciosidade. Os pais celestiais (as Estrelas) derramaram sobre eles as pedras preciosas do cesto das Plêiades e pérolas das constelações vizinhas. E as mães terrestres (os quatro elementos) trouxeram os seus presentes para o desvendar nupcial (ru-numa) produtos caros de minas e pedreiras e a colheita mais escolhida do jardim do Éden. Os santos das esferas celestiais e os residentes na extensão da Terra soltaram a língua das congratulações e votos auspiciosos. O som do tambor da festividade e o clarim da alegria fizeram dançar as esferas que revolvem, enquanto que a senhora Vénus, tocando a a sua harpa (qanun) do interior da cortina (parda), fazia a performance das canções de alegria e prazer.
E  o dispensador da ampla mesa das recompensas espalhou variadas delicadezas das sete terra (i.. dos sete lugares entre o Irão e o Turan atravessado pelo Rustam) e do repositório de presentes- recompensas (khil'at-khana) vestes de honra de tecidos bordados a ouro e brocados foram entregues a grandes e pequenos, a jovens e idosos.
 Devida à atenção extrema e ao cuidado que Sua Majestade Jannat Makani (Jahangir) manifestou para assegurar a grandeza de tão ilustre e gloriosa ocasião, antes da realização da cerimónia de tão auspicioso e afortunado casamento, ele agraciou com a sua visita a casa de Yamin al-Daula Asaf Khan, que era então intitulada I'tiqad Khan, e durante uma noite e um dia iluminou a assembleia  dessa festa de alegria e prazer. E alguns dias depois, quando tal auspiciosa ocasião festiva e realização abençoada tinha concluído, ele de novo embelezou com a dignidade da sua chegada a residência parecida com o Paraíso onde Sua Majestade o Rei de exaltada fortuna, na companhia de todas as senhoras veladas por detrás das cortinas da castidade e as ocultadas da mansão da soberania, por causa da grande alegria e prazer que ele sentiu nesta conjunção de dois planetas auspiciosos.
E quando o falecido Imperador agraciara com a sua vinda a assembleia de alegria e de realização dos desejos, e iluminara esse encontro convivial (mahfil) de boa disposição e deleite nessa abóbada de recreação. sua Majestade o Rei de exaltada fortuna, executou a cerimónia de recepção pa-andaz peshkash (tributo-presente) e apresentou uma oferta de jóias de incalculável preço e têxteis e objectos preciosos que agradam ao coração ao seu pai (Akbar) agora tendo o empireu como o seu trono, e tudo era visto com a sua beneficente aprovação.
E depois das núpcias e casamento, de acordo com o costume e a prática dos regentes desta casa do Califado, os quais, quando querem distinguir com grande honra um daqueles que  agraciam o leito real da Fortuna, outorgam um título apropriado, 
Sua Majestade o Rei de exaltada fortuna, discernindo  que a incomparável Senhora, cujo nome auspicioso real era Arjumand Banu Began, ser de  dignidade pesadíssima na balança da capacidade e do mérito perfeito face à pedra de toque que é a experiência; e reconhecendo também, quanto à sua aparência de beleza, que ela era a chefe e a eleita (Mumtaz) entre as mulheres do seu tempo e as senhoras do universo, deu-lhe o título de Mumtaz Mahal Began, para que tal sirva por uma mão como indicação do orgulho e glória dessa seleccionada da época e, pela outra mão, que o verdadeiro nome ilustre dessa reputada neste mundo e no posterior, apropriadamente não possa ocorrer nas línguas do povo comum. E no livro dos conteúdos auspiciosos, ela será mencionada ou como Sua Majestade a Rainha (Mahd-'Ulya) ou como Mumtaz al-Zamani (A eleita do tempo)».
                                                                   

sábado, 25 de abril de 2020

O halo de tocante quixotismo de Antero de Quental, por Sant'Anna Dionísio. Texto e gravação.

Sant'Anna Dionísio, a 11 de Novembro de 1933, na ilha da Madeira, onde foi professor liceal durante cinco anos, proferiu uma conferência intitulada Tentativa de definição e explicação do que talvez seja permitido chamar o fracasso de Antero, a qual veio a ser inserida num livro, Atlântidas, dado à luz na cidade invicta portuense, em 1940, a capa azul clara tendo um apontamento seu de uma visão crepuscular do Cabo Girão. E foi tal conferência (certamente proferida com a sua delicada e sibilina voz), lida e comentada em vídeo (que se encontra no fim) a 25 de Abril de 2020, em Lisboa, por Pedro Teixeira da Mota que, valorizando também Antero de Quental e tendo convivido bastante com Joaquim Augusto Sant'Anna Dionísio (1902-1991), resolveu homenageá-lo  e à sua dedicada e subtil amizade a ou com Antero de Quental (1846-1891).
 Transcrevamos o primeiro e um ou outro dos parágrafos para tornarmos o belo texto acessível pela web.
«A admiração não é idolatria nem pasmo: é a exprimível compreensão dum elevado valor. Se queremos pois, dar alguma prova de admiração por um homem tentemos explicar, em primeiro lugar, o merecimento da sua obra e, em seguida, o valor dos seus próprios merecimentos íntimos, virtuais. Porque, se é certo que em alguns casos as circunstância se concertaram com tal animosidade que a obra é apenas um sinal de que era possível. A explicação do valor de Antero de Quental implica, parece-nos, precisamente um desses problemas: para o exprimir não é bastante a invocação da sua obra; é necessário perscrutar os indícios das virtualidades espirituais que a custo e insuficientemente se traduziram. Doutro modo nem se atinge o significado do que mais vale na sua obra fragmentária nem a compreensão dum dos mais importantes elementos do seu drama»
Em seguida explica como no restante da sua obra a filosofia está presente, nomeadamente nos seus «dois ensaio filosóficos, realizados, um, para pôr em evidência as insuficiências das explicações naturalistas dominantes e, o outro, para apontar as tendências convergentes o pensamento europeu (...) Daí resulta que, embora a cada momento vejamos invocá-lo como poeta-filósofo, pouco são os possuidores da consciência de que Antero não deve ser designado como filósofo simplesmente por ter coroado a beleza das suas poesias de impressionantes sugestões metafísicas, mas por alguma coisa mais»...
Mostra-nos Sant'Anna Dionísio então como desde os 17 anos a palavra Filosofia começa a aparecer com frequência nos seus incipientes escritos, mostrando a sua vocação filosófica, embora Antero seja em geral visto apenas como poeta e como revolucionário e líder de movimentos, e como  ele próprio na  carta autobiográfica de 14-V-1887 a Wilhelm Storck desvalorizara tais dispersões: «Consumi muita actividade e algum talento, merecedor de melhor emprego, em artigos de jornais, em folhetos, em proclamações, em conferências revolucionárias».
 E continua assim Sant'Anna Dionísio (à esquerda na fotografia): «Por estas confidências se vê que Antero, no fim da sua vida, via ter sido um desvio do seu destino as sucessivas experiências e veleidades de acção imediata, muito ingénuas algumas, e todas fracassadas em que se envolvera.»
Aqui permito-me discordar de Sant'Anna, pois não as vejo como fracassadas e, seguindo dois valiosos preceitos orientais expressos na Bhagavad Gita, "yoga é habilidade na acção", Yogah karmasu kaushalam II.50, e "tens direito à acção mas não aos seus frutos", ou no original "tens o direito de realizares os teus deveres mas não a apropriares-te dos seus frutos", II,47, considero tais intervenções  valiosas seja para os participantes seja para a história da época. E mais que admitir que os frutos fossem insignificantes valorizo o estoicismo e o desprendimento de Antero de Quental, que foi na sua vida um claro exemplo vivo dessa qualidade yóguica denominada vairagya, que conheceria porventura até de textos budistas que lera ou das suas conversas com o seu grande amigo orientalista Guilherme de Vasconcelos Abreu. Antero foi, embora sem votos, um peregrino livre da Verdade ou, como se diz na Índia, um sannyasin...
 Todavia, Sant'Anna reconhece algo do valor da acção, embora desvalorizando a sua essencialidade em Antero, declarando logo a seguir: «Bem sabemos que são essas experiência sinceras e ingénuas (e sempre mal sucedidas), que dão à vida de Antero o halo de tocante quixotismo sem o qual não há significação e beleza transcendente na vida dos homens. No entanto, não acreditamos que essas experiências respondessem às suas mais íntimas solicitações, ao que podermos talvez chamar a intelectual essência da sua personalidade».
"A intelectual essência da sua personalidade", diz Sant'Anna, certo, há-a, mas é bem menos importante que a "plena manifestação da sua essência individual" (com o seu nível espiritual acima do intelectual), essa que surge por vezes em nós em "íntimas solicitações", ou voz da consciência, e que tinha de se exprimir tanto na acção como na reflexão, escrita, contemplação, adoração. 
Discordamos também da citação que faz em seguida de Oliveira Martins, também ela bastante conservadora, e no vídeo explico bem porquê, e como devemos ler com uns grãos de sal a antítese posta em destaque por Sant'Anna: «O gosto ascético da reflexão já em Coimbra nele se manifestara descontente e superior a essas fugas da sua personalidade para a acção», pois tal balancear é natural e necessário em todos os seres e em especial aqueles que para além da vida instintiva, gregária e profissional da acção sentem também tanto a necessidade de se recarregarem internamente, recolhidamente, como também de responderem ou sintonizarem o apelo perene do auto-conhecimento, da busca da verdade e da religação espiritual e Divina.
Cerca de 30 minutos de leitura, das páginas 67 a 71 das Atlântidas, com comentários. Pode ser que goste...
                          

sexta-feira, 24 de abril de 2020

Para a História Psico-Espiritual dos Livros e do Amor a eles e seus Autores.

A arte de chegarmos à alma dos livros, de amarmos os livros com resultados valiosos, para além de lermos e gostarmos deles, requer uma aprendizagem amorosa persistente, sacrificial por vezes, e momentos de maior aproximação e investigação, unidade e desvendação.
                          

Conversando há tempos com o Nuno Franco e a Filipa sua mulher, na sua simpática mas pequena livraria (Alexandria) para a quantidade de livros que está constantemente a adquirir no caudaloso rio da circulação dos livros em segunda ou muitas mais mãos, a propósito de um artigo raro de Mário de Sá Carneiro publicado numa revista em 1912, disse-me ele que conhecia quem poderia estar interessado nele, e falámos um pouco da bibliofilia que animava esse amigo e outro, e das cosmovisões literário-bibliófilas que tinham, um deles lendo bem alemão e coleccionando as edições originais de Mishima.
Ora este amigo, o Jorge, entrevistado há tempos sobre o que era um verdadeiro coleccionador de livros, respondeu que era aquele capaz de ir até às últimas consequências, ou seja, tentar adquirir as obras nas suas edições originais e se possível assinadas pelos autores por neles estarem o máximo da energia dos escritores, pagando o que tivesse que ser.
Bem, disse eu, levar as suas últimas consequência, para mim, seria estar disposto a morrer pelo livro. Ou então amá-lo com a intensidade com que se ama um outro ser, ou uma mulher com quem nos fundimos.
Claro, penso agora, olhando para as centenas de livros que estão na minha grande estante, quantos é que eu poderei verdadeiramente amar com grande osmose qualitativa, de tal modo que eu pudesse dizer: - Amo mesmo este livro plenamente, por isto e aquilo? Poucos. E morrer por eles ? Nenhum...
Mas se o morrer não for pelo livro físico, mas pelas ideias e ideais que representa?
Bem, neste caso certamente que alguns de nós conseguirão não se vender nem corromper e perante a ameaça da morte morrerão pelas suas ideias e eventualmente tendo na cabeça ou no coração alguns autores ou livros.

                                      

Seria bem valioso investigarem-se algumas mortes, fuzilamentos e mártires de qualquer espécie e religião (em cima, o místico não-dualista Hallaj, de quem Louis Massignon publicou o seu intensíssimo Diwan, aqui em corpo-poema de paixão e sangue), e conseguir-se retratarem-se os últimos pensamentos e imagens que neles se originaram Talvez se discernissem os seres e livros mais inspiradores em tais momentos. Uma ideia original, penso, que daria até para um instrutivo filme (clarividente...) acerca dos grandes auxiliares no momento da morte, os passadores ou psicopompos da história da Humanidade, desde Hórus e Anubis, a Orfeu e Hermes, até chegarmos a Krishna, Jesus e Nossa Senhora da Boa Morte. 

Há contudo algumas obras religiosas que já realizaram bastante isto, ao desenharem a morte, seja de santos e a verem já quem do mundo espiritual os acolhe, seja sobretudo de missionários cristãos na saga dos Descobrimentos, proferindo os nomes invocados, tal como podemos ver na seguinte gravura, em que um missionário ocidental exclama ao ser trespassado como mantra de amor e destino, "Jesus Maria", título até de um ou outro livrinho devocional ou de jaculatória e que para um cristão tinha quase tudo ao incluir a a polaridade masculina feminina do divino.

                                       

Partilhei no diálogo algumas reflexões sobre a energia dos livros, e como é bem diferente lermos um livro feito há 100 ou mais anos de que o exemplar reeditado nos nossos dias. Ou ainda, como cada ser que lê o livro deixa certas energias que se adicionam ao campo energético-informativo que o rodeia ou mesmo constitui...
Entramos aqui no cerne de uma questão escassamente investigada ou debatida, mesmo pelos poucos bibliófilos espirituais: - Os livros têm alma, têm energias, que até, por exemplo, quando ele arde, se desprendem?
Uma questão bem complexa, que nos pode levar às várias Inquisições e queimas de livros ao longo da história, com o que foi sentido e criticado na época (e que deu origem no Renascimento às fabulosas Cartas dos Varões Obscuros, de Ulrich van Hutten, às quais se atribuiu a co-autoria a Erasmo) e não é por acaso que ainda hoje no meu emprego de catalogador de livros descrevi resumidamente para o catálogo de um leilão a reimpressão dos Opúsculos contra o Santo Ofício, escritos no séc. XVIII pelo Cavaleiro de Oliveira, um autor que foi tanto libertino, quanto livre pensador mas que no fim acabou em protestante exaltado. 

Ora como há pouco seres clarividentes que consigam ver a energia contida nos livros e que eventualmente emana deles e que eventualmente sai ou volatiliza-se definitivamente quando ardem, o que poderemos utilizar para dar uma imagem de tal fenómeno?
Será vermos a amplitude do pêndulo face a cada livro, ou tentar medir com aparelhos tipo Kirlian, ou ainda tentar com sorte fotografar algo de mais subtil que irradie deles?
Vejamos uma fotografia tirada por mim há pouco tempo:
                                  
Claro que se pode dizer que é apenas uma distorção mecânica e assim é de facto, mas o que podemos com a imagem aprender é a desfocarmo-nos também da excessiva fixação nas formas precisas que o olhar capta e antes vermos, intuirmos ou sentirmos mais o movimento das partículas e ondas que sabemos constituírem o universo, tanto material dos livros como anímico e espiritual, com o famoso mistério da consciência de si e em si (que parece ser derivada do cerne do Divino em nós), em acção de observar...
Se conseguirmos entrar ou saltar para os níveis mais interiores, finos e subtis da consciência, certamente   dependentes do estado corporal e cerebral em que estamos, e  das emoções e sentimentos que nos perpassam ou autorizamos ou mesmo cultivamos, assim se densifica ou resplandesce a consciência em si, o espírito em nós e logo variando a capacidade menor ou maior de percepção nos planos subtis dos seres e das coisas, nomeadamente dos livros e dos seus conteúdos.
Claro que a investigação da consciência é uma demanda em aberto, não se fechará nunca, dada a irredutibilidade da subjectividade de cada um, o que afecta ou condiciona a consciência pura, já que cada um só pode sentir-se a si mesmo e de acordo com a energia, atenção, inteligência e amor a que se devota a tal função ou prática.
E será só a partir desta unificação próxima do cerne de nós próprios é que podemos chegar ao cerne dos outros, nomeadamente das coisas e dos livros, se neles nos concentramos e unificarmos na medida correcta..
Esta individualidade impenetrável e quase inacessível do centro da consciência é inegavelmente uma pedra de tropeço nas pessoas mais mecanicistas e materialistas, pois se fossem apenas átomos e  ligações entre zonas do cérebro por neuro-transmissões a criarem a noção de consciência de si, então esse eu não teria a continuidade e profundidade que apresenta em nós, nem sequer haveria tantos segredos no inconsciente, fermentações e metamorfoses em espelhos, paramentos ou corpo subtis de um eu-consciência com múltiplas subconsciências bem patentes em sonhos e visões...

Mas voltemos às imagens dos livros, desfocadas que sejam, mas que possam sensibilizar o nosso ser para percepções mais subtis:
                          
Estarão os livros sempre a emanar energias, partículas, sinais subtis do seu conteúdo, melhor ou mais verdadeiro, e estado material, neste último caso podendo dizer-se que um volume com o papel a desfazer-se apresenta uma irradiação muito menor ou menos luminosa que outra? Ou será que é o seu conteúdo que importa ou vale mais
Deveremos então distinguir entre as fontes físicas e as psíquicas dessas energias, ou a intuição segue um todo e escolhe por essa percepção subtil?
Posso eu olhar para uma prateleira e sintonizar com o livro e discernir o que envia ou irradia mais energias de cada um dos níveis, ou antes a percepção é mais unificada e geral? 
Talvez no nível físico um grande bibliotecário possa, olhando para cada encadernação,  discernir a que está a precisar de creme na pele ou mesmo intuir a que "geme" interiormente, pedindo ar, limpeza ou mesmo restauro nas folhas. 
No entanto, normalmente, o mais importante será no nível psíquico intuirmos o que tem melhores informações e energias, ou seja mais apropriadas  e, logo, mais visíveis ou perceptíveis.
Quanto tempo é que deveremos contemplar a prateleira até podermos intuir o livro que devemos buscar e abrir, e assim desempenharmos bem a função de biblioterapeutas, seres capazes de curaram males da alma e do corpo, da ignorância ao desânimo, seja nossos sejam dos que visitam a nossa biblioteca ou livraria?
Bem, não há medidas de tempo, mas na minha experiência por mais de uma vez acordando, fazendo algumas leves harmonizações ainda deitado, fixo os olhos mais demoradamente numa prateleira até discernir que livro palpita, estremece em reverberações de pontos luminosos, e levanto-me vou direito a ele e tem sido sempre altamente apropriado e significativo, com histórias mirabolantes...
                            
Outra hipótese, ao contrário no curso do Sol, será ao deitar, pegar em alguns livros, observá-los, lermos algo de cada um , até chegarmos ao que nos faça dizer "é este".
E é este que vou levar da estante, para ainda ler, anotar ou partilhar, ou finalmente dormir com ele ao lado da cabeça ou do coração, quem sabe sonhando ou viajando com o que da alma dele se exalar...
Não é muito difícil então pelo menos irmos diariamente ao adormecer comungar mais com um livro, que folheamos ou lemos alguns minutos e depois já de olhos fechados pensamos ou meditamos nele, para por fim entrarmos na noite imensa, quem sabe se navegando nesse barco-livro no grande oceano da existência, do amor e da sabedoria.
 Todavia, o que recomendo mais no aspecto de discernirmos mesmo o livro que da estante mais nos chama, ou mais vibra, será essa prática de manhã ao acordarmos ou pouco depois, ou então de noite com pouca luz, quando a palpitação da estrutura etérica ou subtil do universo e das coisas, livros e pinturas se nos torna mais perceptível ao nosso olhar.
Mas, certamente pode-se pôr em causa, e com razões, se será esse livro o que mais energias têm ou emana. Na realidade, também eu penso  que é mais aquele que ora por certos factores pulsa mais ora porque é mesmo o mais apropriado a nós, e portanto é investido dessa palpitação e luminosidade por tal relação pessoal, quem sabe o nosso próprio olhar psíquico investindo-o de tal..
  Na realidade se é o livro que palpita e irradia mais por si, ou se somos nós que o intensificamos, seja inconscientemente, seja  conscientemente mas pelo tal cerne de nós próprios ou espírito que nos escapa em grande parte, isso fica à consideração dos leitores, acrescentando ainda outra causalidade possível  é a da participação subtil inspiradora dos autores dos livros dentro dá comunhão no Corpo místico da Humanidade, também denominado Campo unificado de energia, informação consciência em que estamos todos interligados e que portanto sintoniza, ressoa, vibra relacionalmente connosco...
Boas inspirações e comunhões com os livros, autores e sua sabedoria perene, rumo ao espírito, ao corpo místico da Humanidade e à Divindade, para que o planeta melhore as suas condições de vida para todos!