quinta-feira, 21 de novembro de 2019

Maria Pia Oliveira, "O Ponto Perfeito". Imagens da inauguração da exposição (bem espiritual) na Fundação Portuguesa das Comunicações.

 
 Imagens da inauguração da exposição de Maria Pia Oliveira, intitulada O Ponto Perfeito,  ao anoitecer do dia 21-XI-2019, na galeria da Fundação Portuguesa das Comunicações, Lisboa.
De apoio à melhor apreciação da exposição, serve o texto por ela escrito, que leva como lema inicial: 
"O Perfeito não é encontrado numa ordem material, mas na busca dela", James Lee Byars.
«Esta frase de James Lee Byars foi o mote para eu desenvolver este projecto expositivo, O Ponto Perfeito, nos suportes de instalação, escultura e desenho. O Cosmos, a esfera, o ponto e a palavra estão na base formal do trabalho.
Na primeira sala são expostos desenhos de diferentes dimensões feitos a grafite, pastel e tinta: 14 desenhos de pequena dimensão, 6 desenhos de média dimensão, ambos da série Folhas Cósmicas, e 8 desenhos de grande dimensão, desenvolvidos em torno da poética da busca do Ponto Perfeito e do Cosmos, onde a escrita e a palavra estão presentes.
Na sala seguinte entramos por um labirinto. A Teia é construída por painéis suspensos de mantas de fibra natural de coco, com a sua visível trama de fios translúcida reforçando a ideia de “teia emaranhada do mundo”.
Também nesta sala podemos encontrar a escultura Scotland, uma torre negra mate em que o seu interior visível através de orifícios, tem a cor e efeito de musgo trazendo a pureza do ar existente nesse local.
Na última sala temos uma grande escultura de parede (11 metros) Jóias do Deserto composta por várias peças de formas orgânicas (31 peças), feitas em grés e de diferentes dimensões. A cor preta mate é a base da peça e nos diversos orifícios tridimensionais têm diferentes cores nacaradas.
Na mesma sala encontra-se também a escultura de chão, Pilar da Criação, com a mesma linguagem formal, com o fundo a preto mate e os orifícios tridimensionais numa escala de cores, partindo do elemento fogo na sua base até chegar à claridade. A ideia foi fazer surgir na escuridão ou matéria negra pontos luminosos de cor tal como as pedras preciosas ao despontar das profundezas do ser na sua ânsia da “Perfeição” ou como as estrelas no imenso cosmos. Também nesta sala está exposto o pequeno desenho intitulado A Grande Lágrima estabelecendo um diálogo formal com as esculturas.»
                                     
Estiveram presentes várias pessoas amigas da artista, na 1ª fotografia Maria Pia, Manuela Basílio e João Prates, três almas bem luminosas, quer ligadas ao meio artístico quer ao meio budista Theravada, já que a Maria Pia vive junto ao mosteiro, entre a Ericeira e Mafra, desenvolvendo trabalho artístico e pedagógico nessa bela zona, sendo esta a sua 13ª exposição individual, a 1ª dada à luz em 1999, Viagens, em Lisboa, na Galeria Diferença, com apoio da Fundação Calouste Gulbenkian. As colectivas foram vinte e uma, estando representada em 16 colecções públicas portuguesas, espanholas e italianas.
Manuela Basílio e a Maria Pia e algumas das cerâmicas expostas
                              
 
O grupo das alquimistas do forno de cerâmica em que foram cozidas e vidradas as peças em exposição
                   As jóias que todos temos no nosso interior e onde tanto pode desabrochar
Qual árvore de natal, ou eixo de mundo, feita de jóias ou lótus de consciências criativas e harmoniosamente a desenvolverem-se, o Pilar da Criação.
                                                  
Entre as várias pessoas presentes dialogámos com as artistas Leonor Beltran, Inês Carrelhas.
 O desenho para mim mais belo e perfeito, que parece uma lágrima alma cósmica, num trabalho de grafite, pastel e tinta sobre papel, de uma minúcia fabulosa, aqui tão imperfeitamente adivinhável, mas que amanhã ou depois passará a estar fotografada já não por um telemóvel. Título: Grande Lágrima. Ei-la:
                    
A série principal de desenhos, sobre papel, em tons de cobres e com frases, estrelas, sóis, muito cósmicos...
 
Trabalhos de grafite, pastel e tinta sobre papel, com títulos espirituais em português, inglês e pali...
Miguel Guimarães, Maria Pia e mais duas amigas da zona da Ericeira e Mafra.
As irmãs..
No centro de um percurso em labirinto, um sol ou cosmos tomba do céu e ondula...
De novo a gota ou folha, forma também ígnea da alma, contendo dentro de si a chispa do espírito; e uma amiga reflectida na contemplação.... Possamos nós conseguir que o nosso espírito se reflicta no nosso olho espiritual harmonizado...

sábado, 16 de novembro de 2019

"Indústria, Arte e Letras. 250 anos da Imprensa Nacional". Criatividades, da Régia Oficina Tipográfica (1768) aos nossos dias.

 A Régia Oficina Tipográfica, aquando da sua fundação em Dezembro de 1769, sedia-se no palácio de D. Fernando Soares de Noronha, à rua da Escola Politécnica, aqui num modelo de reconstituição pelo chefe de oficina de fundição (em 1909) Francisco António dos Reis Pinto.

Exemplar do alvará da fundação da Impressão Régia, ou Régia Oficina Tipográfica, na véspera do Natal em 1768, assinado e dado pelo rei D. José.
Da entrada na exposição "Indústria, Arte e Letras. 250 anos da Imprensa Nacional", vista da 1ª sala do 1º núcleo, dos dez da totalidade, consagrado à Régia Oficina Tipográfica, expondo-se o alvará da sua criação em 1768,  livros impressos a partir de 1769, com 23 tipógrafos e operários e os prelos vindos da  oficina de Miguel Manescal da Costa, um dos impressores régios da época e que seria dela o seu 1º administrador. Também a tipografia do Colégio dos Nobres lhe foi incorporada, estando esta exposição erguida no vetusto Picadeiro do Colégio dos Nobres, defronte da Imprensa Nacional.
                 
 Uma boa exposição dos 250 anos de história da Imprensa Nacional, com as principais vicissitudes, efemérides e impressões bem explicadas ou mostradas, com um bom jornal catálogo da exposição, num in-fólio de 16 páginas, muito ilustrado. Coordenação científica de Inês Queiroz, pesquisa de Diogo Ferreira, Inês José e Tiago Mendes.
 
     Um dos primeiros livros impressos, religioso, claro, do ano da fundação, 1769, com dois carimbos de posse da Imprensa Nacional.
                              
As cartas de jogar desde o século XV circulavam em Portugal mas só em 1769 foi criada a Real Fábrica das Cartas de Jogar, em zona bastante espaçosa e será uma boa fonte de receita, dinamizada por um genovês, Lourenzo Salesio. O privilégio do fabrico e venda durará até 1832. Fotografias de matriz em madeira, punções em aço e uma folha com ases, reis e damas.
    A cavalaria nas cartas de jogar, com as copas do Amor
Qual dragão serpente e o Graal...
Uma das 15 gravuras e uma vinheta, de diferentes artistas portugueses, no começo das Noites Jozephinas de Mirtilo, sobre a infausta morte do serenissimo senhor D. Jozé, principe do Brazil..., obra de Luis Rafael Soyé, belamente impressa na Régia Oficina Tipográfica em 1790.
                            
Sob o manto diáfano da Santa Sofia virginal, a biblioteca ao tempo dos anos finais da Impressão Régia, no interior do palácio Soares de Noronha. Ao longo dos anos foi sendo enriquecida e será só em 1923 que se inaugura a nova biblioteca, ao estilo antigo, preservando-se hoje em boas condições um excelente acervo de obras desde o século XVI, servindo ainda o espaço para vários fins culturais.
O artista e gravador Joaquim Carneiro da Silva (1727-1818) dirigirá a Oficina de Gravura, responsável pelas  finas ilustrações em obras de história, religião, literatura e ciência. Foi o autor do Breve Tratado Theorico das Letras Typographicas, em 1803.  A Escola de Gravura, que já existia com ele é oficializada e impulsionada em 1802, sob a direcção do célebre e profícuo gravador florentino Bartolozzi (1727-1815), sucedendo-lhe em 1817 o seu aluno e notável gravador Gregório Francisco de Queiroz (1768-1845).
Os jogos de Glória foram um sucesso grande na Europa, frequentemente com intuitos pedagógicos.
     A matriz e a estampa de um jogo da Glória da Tipografia Régia.
A entrada no centro e cume da mandala é em espiral, há então a coroação de louros do vencedor, no olimpo ou céu dos vencedores ou bem aventurados. Ad astra per aspera, como disse Paracelso.

O muito popularizado método de ensinar o alfabeto, de António de Araújo Travassos, com 432 estampas, Ensaio de um novo modelo de ensinar a ler e a taboada, de 1822. As estampas eram também dadas na aprendizagem e coleccionadas e assim chegaram também em pequenos conjuntos até aos nossos dias.
          Diploma da Exposição Internacional do Porto de 1865 (parcialmente fotografado). A História e os seus heróis, a Tipografia e os seus prelos, sustentam o resplendor das armas de Portugal.
Diploma da Exposição Universal de Paris, de 1878, em reconhecimento da qualidade dos trabalhos enviados. (Fotografia parcial). Na Exposição de 1867 recebera a medalha de Ouro.
Moldura ornamentada com várias tarjas a ouro e a azul para o poema Manhã Redentora.

                Punções em aço para diversos trabalhos.
           Imagem da sala da composição no final do séc. XIX. É possível que nesta sala tenha trabalhado durante uns meses Antero de Quental, antes de partir no Inverno de 1866 para a França como tipógrafo aprendiz e poeta da Revolução.
         
Durante o período da reedificação da Imprensa Nacional, de 1895 a 1913, em 1903 dá-se a a inauguração do iluminação eléctrica do exterior, face à rua da Escola Politécnica, numa vista ainda muito próxima da actual.
 A Imprensa Nacional num modelo realizado pelo chefe de oficina de fundição (em 1909) Francisco António dos Reis Pinto, no começo do séc. XX.
                    "Vista aérea" do vasto conjunto edificado da Imprensa Nacional, como vimos provindo de um palácio do séc. XVIII.
                    Maquinaria de impressão do começo da República
                                              
         Cartaz da inauguração da Biblioteca em 1923
Luiz Derouet, o profícuo director da Imprensa Nacional, de 1910 a 1927 (quando morre assassinado por um tipógrafo desempregado e tresloucado), fotografado com o presidente da República, General Carmona, em 1926, junto a uma máquina geradora.
1ª exposição de Ex-libris Nacionais e Estrangeiros em Portugal, em 1927, na Imprensa Nacional, que lançou também um concurso para escolha daquele que passaria a ser o seu ex-libris, e que seria colado nos seus livros, ganhando a conhecida desenhadora Raquel Roque Gameiro.
                    Uma prensa já do começo do séc. XX.
                        

               Oficina de composição, meados do séc. XX.
O 25 de Abril e a conquista da Democracia, graças ao Movimento das Forças Armadas, comemorado num cartaz em prol da cultura livre pela Imprensa Nacional.
O activismo político, republicano, socialista ou de anarquismo e livre pensamento, com o associativismo, sempre foram apanágio de muitos dos tipógrafos e trabalhadores da Imprensa Nacional....
Último, ou primeiro, expositor com as algumas das muitas obras impressas, de bastante valor e de grande representatividade portuguesa, da Imprensa Nacional-Casa da Moeda: o livro projecta-se ainda luminosamente para o futuro, formando e esclarecendo muitos leitores da lusofonia...

Segue-se um breve vídeo, nascido espontaneamente de uma observação mais reminiscente de uma fotografia da Imprensa Nacional em 1913, passando depois ao resto da sala nº V consagrada à Impressão Republicana [1910-1926], com comentários leves...
                           

quarta-feira, 13 de novembro de 2019

Antero de Quental, com 18 anos, comemora o Infante D. Henrique e as harmonias do Universo.

 Celebra-se a 11 de Novembro a libertação do corpo físico e da Terra visível, do Infante D. Henrique (1394-1460), filho de D. João I e da Rainha da Filipa de Lencastre, o principal impulsionador da expansão náutica portuguesa. No Livro dos Descobrimentos do Oriente e do Ocidente, publicado por mim em 1998, e posteriormente ampliado no blogue: https://pedroteixeiradamota.blogspot.com/2017/10/efemerides-de-novembro-do-encontro.html, encontra tal efeméride, transcrita em seguida. Quem também a celebrou, e pouco se sabe de tal, foi Antero de Quental.
De facto, Antero de Quental, estudante de 18 anos, em 1860, nos 400 anos da morte do Infante, na revista O Académico, que fundara com Cunha Seixas, João de Deus, Alberto Sampaio e Alberto Teles Utra Machado, escreveu um esboço biográfico intitulado O Infante D. Henrique, o qual, aquando dos 500 anos do seu nascimento, em 1894, foi de novo dado à luz,  pela Imprensa Nacional de Lisboa, e que está agora a comemorar a sua fundação com uma notável exposição, "Indústria, Artes e Letras, 250 anos da Imprensa Nacional". É de um exemplar desta edição de 1894 que partilharemos imagens, extractos e pequenas reflexões...
                                    
Antes transcrevo a breve efeméride do Infante: «Deixa a orbe terrestre, jazendo os seus restos no mosteiro da Batalha, o infante D. Henrique, regedor e administrador da Ordem de Cristo, neste dia 13-XI de 1460, depois de ter começado a revelar ao Ocidente as costas de África rumo ao reino do Preste João e à Índia e de ser pela sua acção o principal iniciador dos Descobrimentos, com tudo o que isso de bem e mal implicou. D. Manuel I mandou esculpir a sua estátua, segundo o notável historiador e erasmiano Damião de Goes, no portal magistral do mosteiro dos Jerónimos, em Belém, Lisboa. Nos seus testamentos, reza com grande sabedoria quanto ao ressurgir antes da hipotética ou fantasiosa ressurreição final: «primeiramente encomendo a alma minha e o corpo ao meu senhor Deus e lhe peço que antes da ressurreição e desde que ressurgir, ele me dê salvação e me faça do conto dos seus santos por a sua grande misericórdia e piedade... E peço ao meu senhor S. Luís, a quem desde a minha nascença fui encomendado, que ele com todos os santos e santas e anjos da corte celestial, roguem a Deus por mim que me dê salvação». Instituiu missas duradouras pela sua alma que deviam ser rezadas em diferentes capelas e pagas aos vigários da Ordem de Cristo que as celebrassem, mas em 1556 os padres jesuítas absorvem tal privilégio celebrando todas as missas no Colégio que detinham em Coimbra, de certo modo substituindo-se à Ordem de Cristo como hierofantes do seu testamento e impulso espiritual expansivo.
De temperamento vincado, costumava dizer quando se impacientava, para se controlar, «dou-vos a Deus», ou «sejai de boa fortuna». E deixou-nos a sua divisa Talent de Bien faire, Vontade de Bem Fazer, muito valorizada na reconstituição dos princípios da ordem Espiritual de Portugal, que Fernando Pessoa debuxava. Também Antero de Quental, estudante, escreveu, em 1860, para a revista O Académico, uma pequena biografia histórica-filosófica intitulada O Infante Dom Henrique, onde se espraia sobretudo sobre a alma dos povos, de Portugal e da época.»
                                
Passemos agora a alguns excertos dessa obra juvenil, inacabada, à qual Antero chamou esboceto biográfico, e à apresentação digital da Introdução aos sete capítulos, com belas vinhetas e capitulares e em cinquenta e nove páginas, desta "formosa edição", no dizer do seu prefaciador Rodrigo Veloso, o director  por mais de trinta anos do pioneiro semanário Aurora do Cávado, e o editor na última década do séc. XIX, em Barcelos, de folhetos de muitos dos pequenos escritos dispersos de Antero e portanto pouco conhecidos.
«Tudo o que da pena consciente e levantada de Antero de Quental, "a figura mais característica do mundo literário português" [Oliveira Martins], se reúna em volume ou opúsculo, inéditos ou escritos seus perdidos nas folhas volantes e efemérides do periódico, bem vindo será sempre, e especialmente no momento actual em «que tudo o que se publique dele deve ser coleccionado com todo o amor», escrevia o Dr. Rodrigo Veloso, em Barcelos, a 9 de Fevereiro de 1894, no prefácio a tal reedição levada a cabo por Manuel Gomes, editor lisboeta.
Na Introdução, Antero de Quental, num texto genial para um estudante de 18 anos, realça o valor da leitura e do estudo da História passada como sinal de sensibilidade e evolução das pessoas e povos e defende que o aprovar e reprovar o que de bem e mal aconteceu, empaticamente até, «há de produzir a mais salutar influência sobre o desenvolvimento dos grandes instintos populares - o amor e o entusiasmo por tudo o que é grande e belo - entusiasmo e amor, que na vida real, em breve tem de desatar em esforços, para imitar esses tipos grandiosos, que a história, ajudada pela poderosa imaginação do povo lhe representa como já tocando a meta da perfeição.
Assim, se ao estudo da história é incentivo uma civilização crescente, é também esse estudo motor poderoso dessa civilização, porque, dando a experiência - que é uma luz no porvir - dá ao povo mais alma, se assim se pode dizer, mais vida pelo coração, mais sentimento moral».

 
 
No 1º capítulo, Antero eleva o seu pensamento até níveis muito elevados da compreensão da ligação do ser humano com o Cosmos, considerando que o coração é uma harpa cuja corda mais maviosa é a do sentimento do Infinito, considerando esta ideia de Deus como a síntese do universo, centro para onde tudo converge, dando alguns exemplos, tal como o amor: «O que é com efeito, o amor, esse mutuar de afectos de duas almas irmãs, senão um gozo, antecipado na terra, das delícias do céu?...
O que outra coisa é a esperança, esse embalar suave de uma alma ao futuro, mais que uma aspiração, melhor diríeis intuição do infinito? E a glória, o sentimento do belo, o amor dos homens, que outra coisa serão mais que reflexos desse sentimento de Si, que Deus em nós depositou? 
São todos irmãos, que gerou o mesmo seio, ramos no mesmo tronco; raios do mesmo centro, estames do mesmo fascículo».
No 2º capítulo destaca «o sentimento social e o sentimento religioso - o amor de Deus e pelo de Deus o amor dos homens» como sendo o «incentivo de grandes acções», enaltecendo o influxo destes destes sentimentos no engrandecimento da alma, concluindo no fim «Amor dos homens, entusiasmo religioso, eis duas ideias, que a terra nunca viu aparecer sem cortejos de heroísmos, piedade e dedicação; eis aí dois sentimentos que jamais toparam alma, em que não acordassem aspirações duradouras de virtude e elevação».
No 3º capítulo Antero de Quental considera que tais sentimentos se encontram em todos os povos e seres, pois «o poder ser grande e bom é direito que a todo assiste: filhos de Deus, a todos deu alma imortal com que a ele se elevem, desenvolvendo-lhe nobres instintos»,  mas deve-se reconhecer que há muitas causas que os impulsionam ou que os abatem e sufocam, apontando como as principais «a história do povo, o clima e natureza do solo que habita, e a raça que descende.
É a história incentivo de desenvolvimento moral quando mostra, engrandecendo-a através do prisma de interpostos séculos, a vida, os feitos, as virtudes e os cometimentos dos que antes de nós foram na terra, e faz assim nascer na alma do povo a nobre emulação, o desejo ardente de os igualar naquilo em que foram grandes, talvez até de os exceder.
A raça, pela pureza ou então pelo cruzamento de vários sangues, exerce sobre o carácter dos povos a mais poderosa influência. Vereis o ousado Espanhol, em cujas veias gira sangue de Romanos, Godos e Árabes, ardente nos desejos, exaltado nas paixões, ambicioso e aventureiro, contrastando com o Inglês fleumático, o Holandês empreendedor e paciente, ou o Alemão situado e pensador».
No 4º capítulo Antero de Quental considera que pelo «abençoado solo de Portugal» passaram «mil gerações, raças diversas», «Celtas, Fenícios, Cartagineses, Romanos, Godos, Árabes, tudo por aqui passou, aqui viveu, pensou, sentiu, chorou ou exultou» para fazer erguer-se «um povo rico de força, de seiva, de recordações, de glórias no passado, de aspirações e de esperanças no futuro.»
Bela e original é a sua visão de insular, de açoriano do movimento dos Descobrimentos, discernindo-a numa apetência do Infinito: «Embalados pelo murmurar das vagas em descanso, que se espraiam indolentes nos areais, ou por seu rugido feroz, quando de encontro às rochas se vem despedaçar, não podiam os generosos filhos desta terra, tê-la senão como pátria de adopção. A outra, a verdadeira, aquela atrás de que se lhes ia a alma inteira, eram as ondas espumantes, o pego imenso aonde o espaço é sem medida e o horizontes em limites!...». E conclui-o, vendo o Infante D. Henrique como «um vulto gigante imortal, porque a tudo deu o impulso, a primeira ideia».
No 5º, 6º e 7º descreve a traços largos a evolução de Portugal desde os romanos e bárbaros da Europa central até às lutas de cristãos e árabes, até começar a emergir na Idade Média a literatura: «Povo, então ainda na sua idade heróica, poeta, porque, como diz Chateaubriand, nessa idade todos o são, já sem seu seio vira nascer mais de um trovador enamorado suspirar as magoadas endeixas de Egas Moniz, e, ao escutar o Rouço da Cava [um dos primeiros textos e poemas na língua galaico-portugueses, talvez do séc. VIII, referente à derrota dos Visigodos, em 711. Será o proto-esoterista Faria e Sousa a transcreve-lo pioneiramente na sua Europa Portuguesa, 1680], aprendera a detestar a traição e os traidores. Já Vasco de Lobeira, no seu Amadis de Gaula, romance de cavalaria, poema, que assim se pode chamar, dos altos feitos de então, ensinara ao povo como a bravura se pode casar com a galantaria e nobreza», concluindo que faltava ao Portugal de então o estudo e desenvolvimento científico, citando Alexandre Humboldt, porque «todas juntas não formam mais do que uma só ciência, todas tendem a um único fim, o estudo de Deus nas suas obras, ideia do infinito, que toda a criação revela, quer a estudemos na alma humana nas leis da sua razão, nas suas relações, quer na natureza física do Universo, na rotação dos planetas, nas transformações da matéria, e nas leis que a elas presidem. Todas se ajudam, porque todos brotam do mesmo centro.»
E terminando assim, poderemos pensar que aspectos biográficos, ou então dinamizadores, do Infante D. Henrique teria ainda pensado Antero de Quental, mas que não passou à escrita?
 
Talvez referisse o lema adoptado pelo infante, o Talent de Bien faire, que Fernando Pessoa veio a glosar para uma Ordem espiritual de Portugal, da qual a Ordem de Cristo de que o Infante era o Governador serviu de algum modo de base especulativa e simbólica, num lema que nos diz para  sermos o melhor possível, na vida material, psíquica e espiritual, ou ainda realçaria a sua forte devoção ao divino e a sua visão futurante e universalista?
Mistérios...
        Última vinheta do belo opúsculo juvenil de Antero de Quental: Clarear as trevas do centro, ou trazer a tonalidade azul do céu à terra, à arte, às nossas almas, e com ajuda do anjo ou dos cupidos do Amor criativo?