sábado, 23 de dezembro de 2017

Antero de Quental, as Fadas e o "Tesouro Poético da Infância", seu livro para as crianças...

                                                   
Quando Antero de Quental publica no Porto em 1883 o seu contributo tão belo para a literatura infantil, o Tesouro Poético da Infância, ainda hoje tão recomendável, fá-lo pelas razões inseridas nas dez páginas da advertência inicial, onde transmite a sua visão da educação infantil, concluindo-a assim: «Cuido ter proporcionado à infância uma leitura, que, sendo simples, não é fútil. Aqui encontrarão os tenros espíritos razão e belos sentimentos, sob uma forma dúctil e fácil, que lhos torne compreensíveis. A criança como o adulto precisa de ideal. Somente a criança sente-o e percebe-o por um modo seu - mas nem por isso o reclamam menos imperiosamente os seus instintos espirituais. Se as mães de família e os mestres inteligentes acolherem com favor este livrinho, aplaudir-me-ei por este pequeno serviço prestado à causa da educação.»
                                        
A escolha muito sensível dos poemas abrange uma parte significativa da literatura portuguesa, desde os romances medievais e populares quinhentistas (excluindo os poetas clássicos dos sécs. XVI ao XVIII) até à poesia do séc. XIX, dos seus amigos João de Deus, António de Azevedo Castelo Branco e Bulhão Pato, incluindo ainda muitos outros autores, tais como Luís Palmeirim, Soares dos Passos, António Feliciano Castilho, João de Lemos, Júlio Dinis, etc.
No meio dos poemas um porém se destaca, As Fadas, escrito por ele em Junho de 1880, provavelmente a partir da sua vivência de adopção  de duas crianças de tenra idade, no final de 1879, as filhas do seu grande amigo Germano Meireles, que partira para o outro mundo em 1877.
Serão assim a Beatriz e a Albertina quem Antero provavelmente quer iniciar como amiguinhas das fadas e podemos imaginá-lo a recitar-lhes o poema seja em Lisboa, onde ainda residiu com elas dois anos, seja em Vila do Conde, explicando-o nas respostas às perguntas que as duas pequenas lançariam, quem sabe com as suas mãos, algo carentes de contactos mais afectivos ou amorosos, acariciando as suas cabeças e entrançados cabelos.
Podem associar-se certos poemas a actos e momentos especiais, e há até casos disso célebres, tal a mítica emergência de Alberto Caeiro na mente de Fernando de Pessoa, escrevendo dum jacto, de pé, os vários (ou alguns, como depois se confirmou...) poemas do Guardador de Rebanhos.
Talvez este poema consagrado às Fadas provenha então de ambientes nocturnos e memórias insulares, ensaiado e gerado em algumas narrações de histórias de fadas que Antero terá lido ou mesmo inventado para adormecer as suas crianças.
Dizemos lido ou inventado pois, como bem contextualiza Ana Maria Almeida Martins na sua recente reedição na editora Tinta da China do poema As Fadas (acompanhada de um áudio de João Grosso), Antero tinha na sua biblioteca uma mão cheia de livros de contos tradicionais e de fadas que lhe permitiram manusear esses tesouros da primordialidade humana e ler umas páginas, de uma história ou poema, às duas filhas adoptivas, quem sabe se encantadas também com a capas e as ilustrações dos livros. 
Escapam-nos, na evanescência dos acontecimentos não registados, as vezes que Antero (com a mulher de Germano Meireles que ainda viveu uns anos), terá tentado adormecer as crianças com poemas ou histórias e com que receptividade fecunda, isto é, onírica, elas receberam tais histórias, moldando-as nos sonhos e assim enriquecendo a sua lenta constituição anímica... 
 Com efeito, um traço que gostaríamos de realçar neste poema é a sua intencionalidade onírica, sonhadora, imaginativa, já que o poema introduz seres, paisagens ou ambientes, e em reacções que se prestam bem a ser imaginadas ou mesmo sonhadas, que vão encaminhando a alma de quem o lê para uma capacidade de entrar nesse mundo mágico, e até assumir, dessas entidades subtis, ou oníricas ou imaginadas, os dons que uma pessoa queira ou mereça, entre os quais o último apresentado, considerado como o melhor, o de adormecer, tem a marca pessoal de Antero que frequentemente bem desejou e que, provavelmente mais do que pedir, terá tentado controlar..
 É importante realçarmos este adormecimento natural (e de realçar numa época em que tanta gente tem de tomar comprimidos para dormir, o que faz pessimamente ao sistema nervoso e mente) como porta libertadora em relação ao corpo ou à realidade quotidiana e como  entrada no mundo sagrado ou mágico dos contos, dos sonhos, das visões, dos seres invisíveis e misteriosos. 
De certo modo é um do s seres que sabem empunhar a varinha mágica, a vara de condão, por vezes bem iniciática (qual bordão-espada-caduceu), que encontramos na pintura portuguesa mais enigmática de sempre, a dos painéis quatrocentistas de Nuno Gonçalves, em que vemos o ser transfigurado, sagrado ou de outro mundo, que empunha a vara do poder em ouro e partilha seus dons ao centro da pintura e em duas faces ou cenas complementares.
    
Ora perante o mistério dos seres invisíveis e da fadas, da sua existência ou não, Antero de Quental, ao começar o poema, confessa-nos: «As Fadas? Eu creio nelas...»
Poderia ter dito eu sei que há fadas, se as tivesse visto, mas tal não aconteceu porque provavelmente nunca as viu em sonhos ou em visões através do seu olho espiritual.
E portanto o que vai fazer é invocá-las de dois modos, no primeiro, mais natural e pessoal, descreve as fadas como as pressente ou, quem sabe, intui por entre a natureza, a qual a notável anteriana Ana Almeida Martins vê até como a dos Açores e Ponta Delgada.
No segundo, seguindo os veios tradicionais, refere os nomes das fadas mais famosas e alude a uma das fontes clássicas da literatura medieval mais encantadora e luminosa, a dos contos ligados a Merlin, ao cancioneiro celta e britânico, passando deste modo para a memória e alma das crianças uma figura mítica europeia.
                                      
Mas quem é esse Merlin, terão perguntado as crianças e Antero provavelmente ter-se-á submetido a tal exigência clarificadora, transmitindo-lhes algumas ideias ou imagens acerca de tal misteriosa personagem, curiosamente, por Antero transformada em rei, algo que nos pode levar a interrogar: 
 Porque chamou ao mago Merlin rei, já que o rei era Artur? Por descuido não foi certamente, e portanto temos provavelmente só três hipóteses: ou não quis empregar a palavra de mago, feiticeiro, druida, sacerdote pagão, ou valorizou e aproximou à designação de reis magos do Oriente, ou então terá querido dizer que o rei era ele, pois tinha verdadeiramente o poder, a vara mágica e de condão...
Talvez esta última hipótese, e ainda por cima para crianças de tenra idade, seria a melhor para passar pela primeira vez a existência desse mago, druida, feiticeiro ou rei de si mesmo que sabia empunhar bem a varinha mágica, ou o bordão da sua vontade, conseguindo ter muitos poderes, tais como ver ao longe ou o futuro, enviar forças, deslocar-se subtilmente, conversar com os animais e as árvores, etc., algo que as fadas também conseguem nos seus mundos físicos subtis.
As cinco fadas nomeadas por Antero de Quental poderão ter sido também de algum modo explicadas ou contextualizadas às crianças de modos simples, mas certamente transmitindo-lhes alguns dos traços que Antero quis realçar, já no poema assinalados de certo modo:
Viviane, a das águas, e talvez não seja por acaso ser ela a abrir a presença das fadas nomeadas, pois as crianças e Antero contemplarão o mar todos os dias desde que instaladas em Vila do Conde, assinalando até Antero por carta o gáudio delas quando viram o mar pela primeira vez, e podendo nós considerar esta evocação uma iniciação marítima, uma sacralização do mar e da paisagem marítima para as crianças não recearem a borda do Oceano: "Viviana ama a espuma das ondas nos areais."  
Ora Viviane, de origens muito antigas associadas a capacidades visionárias e proféticas, tão ligadas ao culto das águas, tornar-se na mitologia medieval assumida literariamente  a Senhora do Lago, uma sacerdotisa da mítica ilha de Avalon (conhecida desde o séc. XII), em algumas versões medievais sendo a fada (já que noutras é Morgana) que entregou a espada Excalibur ao rei Artur para o tornar invencível, e que educou o valeroso cavaleiro Lancelot do Lago, conforme Chrétien de Troyes narra no seu ciclo das aventuras de Lancelot.
                                             
Depois segue-se Morgana, a fada da manhã no dizer de Antero, de origens muito antigas irlandesas e que no ciclo do rei Artur surge na Vida de Merlim, de Geoffrey de Monmouth, como uma das regentes  de Avalon, e uma curadora de corpos e almas. Mas na versão do ciclo da Vulgata (mais católico) e de Malory ela já é uma feiticeira sobrinha de Viviane, e por ela educada para sacerdotisa de Avalon, vindo a ter um filho do rei Artur. É apresentada por Antero de Quental como muito enganosa, introduzindo assim nas crianças a necessidade de cautela e prudência, pois nem tudo o que luz é ouro. Na pintura que publico, Morgan le Fay segura a espada mágica, ou Excalibur, que ela conseguiu tirar a Artur, para entregar ao seu namorado, e nestes episódios se terá baseado Antero para descrever à Beatriz e à Albertina a fada Morgana como má...
                                   
Depois apresenta a Melusine e a Titânia, ligando-as apenas a  flores, deixando para mais tarde a Beatriz e a Albertina poderem decifrar melhor a história dessas duas, entre as muitas fadas, mais conhecidas: Melusine representando o filão celta e francês das águas e das sereias, com tanto sucesso na história e nas artes, e Titânia, a rainha das fadas, mais ligada ao ar e às flores, e personagem de Shakespeare numa das suas peças mais conseguidas e iniciáticas, Sonho de uma Noite de Verão, tal como vemos em duas imagens, a primeira de John Simmons.
 
                                    
Este poema As Fadas configura-se na verdade tanto como iniciático, ao referir os seres subtis da natureza que só pela visão subtil espiritual podem ser avistados, como ecológico, ao apelar ao contacto mais íntimo e amoroso com a natureza e com as suas fontes, pedras, mar ou mesmo ambientes nocturnos e enluados.
A iniciação pelo contacto com a natureza e os seus pontos mais belos ou extraordinários faz parte da história da humanidade e ainda hoje em muitos povos se peregrina em certas ocasiões a tais locais, e vemo-lo Portugal em várias tradições populares, sobretudo ligadas à noite mais curta do ano, a de S. João.
O convite às crianças para procurarem,  encontrarem e verem com respeito, isto é com receptividade, as Fadas está bem afirmado por Antero, que explica mesmo que elas concedem vários bens ou dons, terminando com o de adormecer, algo bem valioso para ele que sofria de crónicas dificuldades de adormecimento, tal a força da mente e da sua lucidez, insónia que certamente derivava também da energia nervosa e da digestiva não equilibradas nem controladas, alimentando-se pouco e mal...
Este convite às crianças de penetrarem mais na Natureza e verem as Fadas tem contudo várias dimensões passivas e activas que explicitaremos assim:
Primeira, ao nível legendário e tradicional dos contos de Fadas, e que se leem tal como estão nos seus ritmos encantatórios e que, entrando pelos ouvidos, transmitem as suas harmonias e forças na alma das crianças, recebendo estas inconscientemente tais imagens, ideias, nomes, sons, efeitos e ficando assim predispostas a reconhecerem ou aceitarem mais tarde os  seres e aspectos subtis da manifestação.
Segunda, os aspectos físicos da natureza descritos ou apresentados passam então a ser vistos e considerados como mágicos, como capazes de estimularem a nossa sensibilidade e contacto com as fadas e seus mundos maravilhosos, nascendo assim um incentivo a peregrinarmos mais até eles e a sermos tanto amantes da natureza como seres ecológicos, protectores dela.
Terceira, com tal convite a imaginação é estimulada a não ficar presa apenas na realidade visual ocular mas a admitir a existência de seres subtis, as fadas e as dríades, os gnomos e os silfos. E assim uma pessoa pode tanto imaginá-los, sonhá-los ou mesmo vê-los com a visão subtil e espiritual.
                                         
Será então que Antero de Quental queria que as crianças imaginassem ou sonhassem com as fadas, e logo pudessem dizer como ele: - Eu creio nas fadas?
Será que Antero queria mesmo que as crianças vissem com o olho espiritual, acordadas, as fadas e pudessem dizer: - Eu já vi as fadas e os duendes?                                                                                                   
                                
Talvez, como pedagogo que sempre foi, e que na altura por causa das crianças mais  assumira,  e que o levara a ler e a apreciar a obra e os ensinamentos de Froebel, que realçam o valor da imaginação, da poesia, do conto tradicional na educação e primeira instrução das crianças, Antero tivesse apenas como objectivo esse desenvolvimento da imaginação  e não tanto a visão espiritual das fadas...
                                       
Contudo, para alguém que afirmara com força o dito grego “morrer é ser iniciado” algo que passou para os seus amigos, discípulos ou continuadores, tal Joaquim Araújo e Fernando Pessoa, que o repetem e meditam, certamente que esse ver mais plenamente, que a saída da alma do corpo físico permite, em geral, aquando da morte, pode também em vida ser conseguido, morrendo-se para as limitações dos cinco sentidos e abrindo-se as portas da imaginação ou da visão interior, no que pode ser uma verdadeira iniciação ao mundo subtil e até espiritual.
Algo mais corre no poema, além do Merlin como rei mago, iniciado e iniciador, pois as próprias fadas são muitas delas iniciadoras, tal como se conta nas suas histórias e se tem confirmado nas análises antropológicas e esotéricas a tal filão imemorial da sabedoria humana.
E que Antero de Quental segue esta linha iniciática, vemo-la não só no facto de enumerar alguns dos seus poderes psíquicos, ou ainda ao afirmar que as fadas podem tornar-se madrinhas das crianças... 
         
 Terão a Beatriz e a Albertina por sua vez pedido a Antero que desejavam ter a Morgana ou Titânia como madrinhas delas?
                                              
Escapam-nos esses belos e tocantes momentos da vida de Antero e das suas duas filhas adoptivas, mas o poder iniciático que o padrinho ou madrinha assume, frequentemente dando o nome a quem vai nascer, e na Índia sabemos que em certos casos tal nome era escolhido com certa clarividência energética, e depois apoiado com certos bens-presentes e ensinos  psíquicos ou espirituais, é afirmado por Antero de Quental de modo a que se crie um relação sensível e de maior confiança com os seres do mundo subtil que, quase equiparados a Anjos, podem então mais facilmente inspirar a jornada terrena das alminhas luminosas, nascidas frequentemente no meio de trevas sociais grandes...
«Por isso quem por estradas for de noite e vir as fadas mirando o céu, deve com jeito falar-lhes...», diz Antero às crianças e a nós, e este "com jeito falar" é logo a seguir ainda mais explicitado: "porque a fortuna da gente, está às vezes somente, numa palavra que diz. Por uma palavra engraçada, uma fada com quem passa e torna-o logo feliz". 
O que temos aqui senão uma iniciação órfica, tão afim de Bocage, de Antero ou de Pascoaes e Pessoa, ou seja, tal como Orfeu, que com o seu canto da lira e voz acalmava e deliciava os animais livres ou selvagens e fazia os próprios penedos e árvores sentirem e estremecerem, assim a pessoa que sabe pronunciar a palavra certa com amor, esse abre as portas do coração e da metamorfose benfazeja.
A criança que acredita ou vê as fadas, que as aceita  como madrinhas, essa leva a varinha de condão na mão e pelo seu poder interior, palavra e voz certa pode bafejar o mundo com o brilho divino da fraternidade amorosa entre todos os seres e coisas, algo que Antero sentia e desejava para a Humanidade, mais livre, justa e fraterna e que teorizou um pouco sob a designação de Panpsiquismo.
As Fadas é assim um poema iniciático para as crianças. Põe-nas em contacto com uma linha de força tradicional educativa e mítica milenária e com a existência dos seres subtis da Terra. E sobretudo impulsiona as crianças a assumirem a sua força de quererem o Bem e agirem com imaginação e sabedoria para o seguirem e dinamizarem no mundo.
    AS FADAS

«As fadas… eu creio nelas!
Umas são moças e belas,
Outras, velhas de pasmar…
Umas vivem nos rochedos,
Outras, pelos arvoredos,
Outras, à beira do mar…

Algumas em fonte fria
Escondem-se, enquanto é dia,
Saem só ao escurecer…
Outras, debaixo da terra,
Nas grutas verdes da serra,
É que se vão esconder…

O vestir… são tais riquezas,
Que rainhas, nem princesas
Nenhuma assim se vestiu!
Porque as riquezas das fadas
São sabidas, celebradas
Por toda a gente que as viu…

Quando a noite é clara e amena
E a lua vai mais serena,
Qualquer as pode espreitar,
Fazendo roda, ocupadas
Em dobar suas meadas
De ouro e de prata, ao luar.

O luar é os seus amores!
Sentadinhas entre as flores
Ficam-se horas sem fim,
Cantando suas cantigas,
Fiando suas estrigas,
Em roca de oiro e marfim.

Eu sei os nomes de algumas:
Viviana ama as espumas
Das ondas nos areais,
Vive junto ao mar, sozinha,
Mas costuma ser madrinha
Nos baptizados reais.

Morgana é muito enganosa;
Às vezes, moça e formosa,
E outras, velha, a rir, a rir…
Ora festiva, ora grave,
E voa como uma ave,
Se a gente lhe quer bulir.

Titânia, por John Simmons..

Que direi de Melusina?
De Titânia, a pequenina,
Que dorme sobre um jasmim?
De cem outras, cuja glória
Enche as páginas da história
Dos reinos de el-rei Merlin?

Umas têm mando nos ares;
Outras, na terra, nos mares;
E todas trazem na mão
Aquela vara famosa,
A vara maravilhosa,
A varinha de condão.

O que elas querem, num pronto,
Fez-se ali! parece um conto…
Mesmo de fadas… eu sei!
São condões, que dão à gente
Ou dinheiro reluzente
Ou joias, que nem um rei!

A mais pobre criancinha
Se quis ser sua madrinha,
Uma fada… ai, que feliz!
São palácios, num momento…
Beleza, que é um portento…
Riqueza, que nem se diz…

Ou então, prendas, talento,
Ciência, discernimento,
Graças, chiste, discrição…
Vê-se o pobre inocentinho
Feito um sábio, um adivinho,
Que aos mais sábios vai à mão!

Mas, com tudo isto, as fadas
São muito desconfiadas;
Quem as vê não há de rir,
Querem elas que as respeitem,
E não gostam que as espreitem,
Nem se lhes há de mentir.

Quem as ofende cautela!
A mais risonha, a mais bela,
Torna-se logo tão má,
Tão cruel, tão vingativa!
É inimiga agressiva,
É serpente que ali está!

E têm vinganças terríveis!
Semeiam coisas horríveis,
Que nascem logo no chão…
Línguas de fogo, que estalam!
Sapos com asas, que falam!
Um anão preto! um dragão!

Ou deitam sortes na gente…
O nariz faz-se serpente,
A dar pulos, a crescer…
É-se morcego ou veado…
E anda-se assim encantado,
Enquanto a fada quiser!

Por isso quem por estradas
For, de noite, e vir as fadas
Nos altos, mirando o céu,
Deve com jeito falar-lhes,
Muito cortês e tirar-lhes
Até ao chão o chapéu.

Porque a fortuna da gente
Está às vezes somente
Numa palavra que diz.
Por uma palavra, engraça
Uma fada com quem passa
E torna-o logo feliz.

Quantas vezes já deitado,
Mas sem sono, ainda acordado
Me ponho a considerar
Que condão eu pediria,
Se uma fada, um belo dia,
Me quisesse a mim fadar…

O que seria? Um tesoiro?
Um reino? Um vestido de oiro?
Ou um leito de marfim?
Ou um palácio encantado,
Com seu lago prateado
E com pavões no jardim?

Ou podia, se eu quisesse,
Pedir também que me desse
Um condão, para falar
A língua dos passarinhos,
Que conversam nos seus ninhos…
Ou então, saber voar!

Oh, se esta noite, sonhando,
Alguma fada, engraçando
Comigo (podia ser?)
Me tocasse co’a varinha
E fosse minha madrinha,
Mesmo a dormir, sem a ver…

E que amanhã acordasse
E me achasse… eu sei! me achasse
Feito um príncipe, um emir!…
Até já, imaginando,
Se estão meus olhos fechando…
Deixa-me já já dormir!»
Comunguemos então com a Natureza (não a deixemos arder, e ser menosprezada, esventrada e explorada  por tantos gananciosos, insensíveis e irresponsáveis) e amemos mais tanto os seus seres e eco-sistemas como os seus espíritos subtis e alegres...
Vivam mais reconhecidas as Fadas, náiades (nadadoras), ondinas, gnomos, dríades, sílfides e Anjos ou Devas...
Desenvolvamos a sensibilidade interior e o amor que nos abrem experiencialmente às dimensões e seres, seja subtis da Natureza mas sem nos prendermos em tais níveis, seja já e sobretudo espirituais, tais como os mestres, anjos e arcanjos, do Universo e da Divindade...

Ana Pinto e Rogério Paulo da Silva, artistas do belo e do sagrado. Suas obras e um poema a eles oferecido.

A Ana Pinto e o  Rogério Paulo da Silva são um casal luminoso de dois amigos espirituais e artistas, a Ana ainda poetisa (tendo eu mesmo apresentado um dos seus valiosos livros no pessoano Martinho da Arcada),  e lembraram-se de me enviar as boas festas com grande beleza e profundidade.
No anel das graças, à graça recebida, retribui-se com gratidão (neste caso um pequeno texto sobre papel persa) e amplifica-se do Amor Divino a circulação.
Que continuem a gerar e a reflectir beleza, harmonia e amor nas nossas almas, no planeta e no Cosmos... 
 
 

                                     Hércules nos seus trabalhos ou provações que o vão iniciar....
                          AMOR - DIVINDADE - PAZ justa e culta no mundo

sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

Fernando Pessoa e os Mestres. A evolução espiritual do poeta e a sua compreensão dos Mestres.

                Fernando Pessoa e os Mestres.  
A aspiração, o interesse e a ligação de Fernando Pessoa aos Mestres, aos seres que se destacaram na realização espiritual e divina, ou no génio e mestria de si próprios e da criatividade, perpassa por toda a sua obra e podemos entendê-la ora como inata, ora como a apreensão da importância deles a partir das suas leituras, conversas e exemplos, ora como a consciência da possível acção subtil deles sobre si mesmo. 
Encontramo-la expressa, desde novo, em contos intitulados O sonho de Buda (em papel do jornalzinho caligráfico Palrador), Mestre, No Jardim (Horto) de Epitecto e, mais tarde, nas comparações entre Jesus e Buda, nos estudos intitulados o Sentido Oculto do Cristianismo e em designações utilizadas, tais como: o meu Mestre Caeiro, os Mestres do Concílio Pagão, os Encobertos Rosa Cruzes, os Superiores Incógnitos, os Mestres da Doutrina Secreta, os Emissários Desconhecidos, os Mestres ou Sacerdotes da Ordem do Templo, os Mestres das Eras, os Hierofantes, os Santos, os Sábios Invisíveis, a Hierarquia Oculta, a Grande Fraternidade, «que chamou a si Shakespeare», um escritor que será abordado várias vezes em textos sobre a consciência espiritual e a ligação aos Mestres que ele teria...
Também nos ensaios sobre a Iniciação, nos
estudos sobre o grau de Mestre na Maçonaria (onde «o Mestre representa a Palavra, a Sophia, a Terceira Pessoa»), nos mestres da sua alma: - o rei D. Sebastião, o arquitecto Hirão, o grão-mestre templário Jacques de Molay, o mítico fundador dos rosacruzes Christian Rosenkreutz e Jesus Cristo - e, por fim, na indagação e demanda do Mestre interno, de acordo com o que reconheceu por mais de uma vez ser um dos princípios fundamentais da iniciação ou da vida oculta e íntima: «quando o discípulo está pronto, o mestre está pronto também», tal demanda está bem presente.
Se alguns textos da sua adolescência serão contundentes críticas a Deus (sobretudo ao da versão bíblica, o Jeová) ou a Jesus, feito Deus, passada essa fase frequente na idade juvenil, talvez em parte devedora da morte prematura do pai e do aparecimento de um padrasto, de conversas com familiares e sobretudo das influências radicais de livres-pensadores, ateus, anarquistas e agnósticos, tais como Nietzche, Binet-Sanglé, Max Nordau eJohn M. Robertson. Mas tal influência anti-mestres foi contrabalançado pela acção do mestre-escola e bom latinista V. H. Nicholas, e pelas leituras de Shakespeare («um iniciado divino»), Novalis, Milton (cuja teologia do Paraíso Perdido «vive da luz cabalística»), Shelley («um alto intuitivo»), Carlyle, Henry Drummond, Ralph W. Emerson e Walt Whitman, valorizadoras dos heróis, sábios e santos, ou seja, das qualidades ou virtualidades criativas e luminosas do espírito, por alguns seres mais incarnadas, manifestadas.
A primeira tomada de consciência, de que há registo, da importância dos mestres do caminho espiritual, ou da gnose, aconteceu ao ler, ainda na África do Sul, e portanto antes dos 17 anos, causando-lhe grande impressão, a obra de Hargrave Jennings, The Rosicrucians, their rites and mysteries, transmissora de doutrinas e mistérios da Tradição universal, dos gnósticos, templários, herméticos e rosicrucianos, com extractos significativos de obras de Hermes Trimesgito, Sinésio, Robert Fludd e Thomas Vaughan, no que foi certamente uma iniciação juvenil e não só, já que está assinalada por três tipos de lápis e  tinta a sublinharem ou a anotarem o exemplar da obra, não datada mas sendo a quarta edição e ainda do séc. XIX, hoje depositada na Casa Museu Fernando Pessoa, no Campo de Ourique lisboeta, e consultável online.
Na realidade, desde cedo encontramos muitos poemas espirituais em que Fernando Pessoa pesquisa, trabalha ou exprime sensações, expressões e conceitos que tentam aproximar-se ou ecoar o Ser Divino, em si mesmo ou através dos mestres, ou ainda desvendar o mistério ora da Presença Divina ora da sua ausência, bem como da sua Luz clarificadora, em especial tão necessária face às dualidades e dificuldades da vida. Todavia, como rejeitou em vários aspectos e textos a Igreja Católica de Roma, embora prossiga na demanda do sentido oculto do Cristianismo, o seu labor é no panteísmo transcendental e no paganismo superior, culminando em Março de 1914 na intensa descoberta ou criação de um mestre, o guardador de rebanhos Alberto Caeiro.
Assim em 1914-15 encontramos Fernando Pessoa a laborar feliz nos seus estudo sobre as origens também pagãs do cristianismo, e sobretudo no paganismo superior, no regresso dos Deuses (outra forma das entidades supra-humanas serem denominadas), e na descoberta do mestre Caeiro, um antídoto contra a especulação filosófica ou mesmo o pseudo-esoterismo (que, diz-nos, afastam da apreensão directa da verdade), quando subitamente lhe surge a encomenda da tradução de livros teosóficos para a editora A. M. Teixeira, por parte de João Antunes, que dirigia a Colecção Teosófica e Esotérica, pondo-o em contacto com as descrições dos Mestres, dos famosos Mahatmas (em sânscrito,  grande alma ou espírito, maha atman), apresentados de forma algo mistagoga pelos dirigentes da Sociedade Teosófica, fundada em 1875, pela russa Helena Petrovna Blavastky e o seu companheiro norte-americano Olcott.
Muito impressionado com a abrangência e força
de tal explicação doutrinária do ser humano e do mundo, Fernando Pessoa reagirá contudo e, em vários textos, critica as metodologias, doutrinas e personalidades dos teosofistas, escrevendo, por exemplo, que «Blavatsky era um espírito confuso e fraudoso; mas também é fora de dúvida que recebera uma mensagem e uma missão dos Superiores Incógnitos», reconhecendo deste modo, não obstante os defeitos da transmissão, a existência e acção dos Mestres. 
Mas prefere procurar, o que já fazia aliás antes, o acesso ao Mestre, ao Espírito e à Verdade, no fundo a íntima ligação superior e divina, nas fontes ocidentais, em vez de o receber da tradição oriental, em segunda ou terceira mão, já pouco vivenciada, antes vulgarizadora e fatalmente distorcida.
Proveniente, todavia, da leitura desses livros da Sociedade Teosófica com aspectos da sabedoria indiana e budista, e provavelmente de outros autores, encontramos em Fernando Pessoa ecos do elevado conhecimento da Yoga Vedanta: «No ocultismo dos Índios o Mestre, a que os discípulos procuram, é a própria substância monádica do discípulo. «Eu próprio sou o cantor», diz-se no poema sagrado [Bhagavad-Gita]. Só há a procurar o que já se encontrou.», transmitindo assim a sua compreensão de um dos aspectos mais subtis da realização interior do espírito e do mestre interno, algo que escapará sempre aos profanos, e que foi aprofundado, por exemplo, com grande mestria, na tradição de outro ramo da realização espiritual indo-europeia, o iraniano, como os numerosos e valiosos estudos de Henry Corbin patenteiam.
Esta transversalidade universal espiritual e iniciática até ao Oriente, não muito frequente em Fernando Pessoa, mas para a qual já fora iniciado com a leitura da obra referida de Hargraves Jennings (com capítulos sobre a unidade das mitologias e religiões), ao de leve referida por Bernardo Soares no Livro do Desassossego («o rio Ganges também passa pela rua dos Douradores»), e trabalhada nas suas Rubayates, ao estilo do persa Omar Khayyam, surge bem mais evidente num dos seus pares da época, o ocultista William Butler Yeats, prémio Nobel e que traduziria no final da sua vida, com Purohit Swami, alguns dos 108 Upanishads, título que designa em sânscrito os ensinamentos secretos aprendidos junto aos mestres e que constituem os textos mais essenciais da tradição da Yoga Vedanta.
Poderíamos ainda referir nessa busca de inspiração e ligação superior, mas a um nível escorregadio, os anos de 1916 e 1917, em que tentou o mediunismo da escrita automática, com o resultado de termos hoje numa letrinha miúda várias respostas ou mensagens, apenas uma ou outra mais substanciais, algumas assinadas como provindas de um dos ilustres platonistas de Cambridge, Henry More, designando-se (ou sendo designado, «ele é um F. R.C.») como Frater Rosa Cruz, para além de outras mais prosaicas, assinadas com diversos nomes, tal como a de Joseph Balsamo (o famoso mago e ocultista), e que eram provavelmente auto-projecções, ou então entidades do mundo invisível brincalhonas. 
Aliás, esta filiação rosacruz do famoso platonista de Cambrigde Henry More, julgamos nós ser uma invenção, ou então uma intuição de Fernando Pessoa, pois não está consubstanciada em factos conhecidos da biografia do sábio pastor anglicano, que debate com Descartes e Gassendi o mecanicismo das propostas deles e defende a visão espiritual e platónica da alma e do espírito como independentes do corpo, podendo quanto muito dizer-se que era um Rosacruz enquanto inserido na tradição ocidental platónica e cristã. 
Faltará certamente descortinarmos as fontes de Fernando Pessoa, e sempre difíceis quando sabemos que os alfarrabistas resolveram por vezes algumas das suas limitações financeiras, mas as referências a Henry More nas obras de Hargrave Jennings e em George Herbert Meads (1863-1931), possuídas e lidas por Fernando Pessoa, devem ser assinaladas, estando ambas na sua biblioteca hoje sita na Casa Fernando Pessoa.
Numa carta a Mário de Sá Carneiro, datada de
24/6/1916, em plena época de contactos com a teosofia e o ocultismo, confirmados até por algumas encomendas de livros, revelará as suas expectativas a propósito das escritas mediúnicas ou automáticas (que estarão também em voga, com o registo dos sonhos, no surrealismo francês contemporâneo) e da visão etérica e astral que lhe acontecera: «É que tudo isto não é o vulgar desenvolvimento de qualidades de médium. Já sei o bastante de ciências ocultas para reconhecer que estão sendo acordados em mim os sentidos chamados superiores para um fim qualquer, que o Mestre desconhecido, que assim me vai iniciando, ao impor-me essa existência superior, me vai dar um sofrimento muito maior do que até aqui tenho tido, e aquele desgosto profundo de tudo que vem com a aquisição destas altas faculdades».
Esta concepção “semi-trágica” do caminho do despertar e da relação com o mestre, provavelmente devedora em parte da literatura teosofista (nomeadamente da Voz do Silêncio, de Helena P. Blavatsky, e da Luz no Caminho de Mabel Collins, obras que traduzira para a editora A. M. Teixeira), surge de novo cristalizada numa concepção algo “temível” dos Mestres em 29/11/20, desta vez na carta à sua namorada Ofélia, justificando a sua primeira (já que voltarão a namorar seis anos depois) separação, quem sabe de uma relação que talvez o tivesse tornado mais mestre da sua vida e corpo: «Que isto de “outras afeições” e de “outros caminhos” é consigo, Ofelinha, e não comigo. O meu destino pertence a outra lei, de cuja existência a Ofelinha nem sabe, e está subordinada cada vez mais à obediência a Mestres que não permitem nem perdoam».
Se será verdade, ou seja, se estava a sentir um
influxo espiritual sobre ele dos mestres ou de um mestre, ou se era antes desejo, ou mesmo mistificação, é difícil termos hoje a certeza, mas cremos que exagerou pois os verdadeiros mestres não obrigam e respeitam o livre-arbítrio...
Talvez dessa época seja um texto sobre os três níveis da Iniciação (exotérica, esotérica e divina) não datado no qual diz a dado passo: «Há, depois, a iniciação esotérica. Difere da primeira em que tem que ser buscada pelo discípulo, e por ele desejada e preparada em si mesmo».
Esta aspiração consubstanciada num modo de vida e de meditação e a não recusa da ajuda indispensável dos mestres é por ele confirmada  ao escrever: «"Quando o discípulo está pronto", diz o velho lema dos ocultistas, "o mestre está pronto também".»
Mesmo já quando no final de 1917, em reacção ao espiritismo e à busca dos poderes ocultos, se analisa mais detalhadamente, num texto dactilografado de cinco páginas, não datado, intitulado Um caso de mediumnidade. (Contribuição para a actividade subconsciente do espírito.), considerando-os perigosos e que quanto muito deveriam estar reservados a uns poucos de investigadores, deveremos considerar ainda assim tal texto algo melodramático ou mistificador, pese a provável decisão de não fazer mais consultas ao mundo invisível e ensaiar escritas passivas ou automáticas. 
Com efeito, ao longo dos anos continuará ocasionalmente a assinalar sentir-se mais inspirado do Alto, como nos diz, por exemplo, num poema, templariamente: «Não meu, não meu é quanto escrevo.// A quem o devo?// De quem sou o arauto nado?», ou ainda registando com o símbolo da lemniscata que recebeu uma informação ou ensinamento de níveis superiores.
Nesses anos e nos seguintes, em que faz a sua
transição (ou aprofundamento) do paganismo para o caminho iniciático, Fernando Pessoa vai lendo e conhecendo obras e ensinamentos ocultistas e esotéricos, muitas das quais encomenda do estrangeiro, seja de adeptos (de Pitágoras a Juliano Apóstata, de Ramacharaka e Eliphas Levy a Franz Hartman, de Arthur Edward Waite a Oswald Wirth), seja de Ordens, destas se destacando a Maçonaria e a panóplia tão fértil nesse final do século das ordens ocultistas inglesas, da Societas Rosicruciana in Anglia à Golden Dawn e à Astrum Argentinum, ou à Stella Matutina, todas elas referidas em textos, além de uma ou outra francesa, tais como o Martinismo de Papus, e a Sociedade Hermética dos Rosa-Cruz, fundada por Stanislas de Guaita no ano emblemático de 1888.
Nelas reencontra a noção dos mestres, que se encontra em quase todos os povos e tempos e indica a existência de uma Tradição viva (e vivida por muitos) de espíritos conscientes e capazes de se moverem ou contactarem os seres dos sucessivos degraus ascensionais da hierarquia dita angélica (descritos por ele numa elevação de níveis que leva dos «líderes, heróis, mestres aos semi-deuses, deuses e demiurgo, Pai, Filho e Espírito Santo» e que Fernando Pessoa investigará, teorizará e tentará mesmo ressurgir, primeiro como uma ordem psíquica nacional, depois como Ordem Terceira e Ordem Sebastianista e, por fim, como a Ordem de Cristo ou Templária de Portugal.
Com efeito, a noção dos Mestres, dos Psicopompos, dos Irradiantes da Arqui-luz, da Fraternidade espiritual, da Hierarquia, indica a real existência duma Tradição, vivida por alguns, desse corpo místico ou espiritual da Igreja e Humanidade, dessa satsanga ou companhia da Verdade, que se consubstancia nos mestres e ordens espirituais de cada povo ou país e que Fernando Pessoa não só investigará e teorizará como tentará mesmo fazer ressurgir sobretudo nos últimos anos da sua vida com a Ordem de Cristo ou Templária de Portugal, a propósito da qual nos deixou fecundas impulsões espirituais.
E se em Junho de 1919 nada resultara (de
contactos, amizades, ligações) de uma carta escrita aos ocultistas Hector Durville e seu filho Henri, directores do Institut du Magnetisme et du Psychisme, pedindo informações sobre o curso de correspondência de magnetismo pessoal, e descrevendo o seu psiquismo como o de um “histerico-neurasténico” e com pouca força de vontade, e confessando ainda divertidamente que «a minha vida psíquica é uma espécie de curso de desmagnetismo pessoal», já em 1929, depois de ter detectado no 1º volume das Confessions de Aleister Crowley, uma provável incorrecção no horóscopo quanto à hora de nascimento e o ter assinalado em carta endereçada aos responsáveis da editora, a qual foi lida e aprovada por Crowley e levou a uma correspondência entre os dois e à vinda do mago, auto-denominado mestre Therion, a Portugal, tendo Fernando Pessoa se encontrado algumas vezes com ele, numa relação ainda algo enigmática quanto às influências que terá recebido e às consequências na sua própria realização e evolução espiritual.
Todavia,  num escrito (não datado mas que cremos já depois da estadia de Crowley em Portugal em 1930) 
considerou-o um exemplo de magia negra, porque nas suas funções cerimoniais usava o sexo mesmo invertido e, sobretudo, recusava o dobrar o joelho diante de Deus, numa posição típica do orgulho e ambição, tão criticados por Fernando Pessoa enquanto formas que matam ou abafam o verdadeiro mestre e espírito em nós, bem como as suas ligações superiores.
Mas não se pode negar também a forte impressão
senão mesmo iniciação que Crowley lhe fez e que um documento só há poucos anos recolhido ao seu espólio na Biblioteca Nacional, revela: «Honra ao Mestre Therion…»
Numa post-Modernidade, em muitas doutrinas e
vivências culturais ainda emaranhada em análises e especulações meramente mentais sem referências espirituais e nada predisposta a aceitar hierarquias e leis invisíveis (donde até o lema «nem deus, nem mestre»), parecerá estranho esta admissão, no nascimento do Modernismo, dos Mestres e do mundo Espiritual, mas se olharmos pela Europa a dentro encontramos os casos exemplares de Rilke, Yeats, Mallarmé, René Guénon, Gustave Meyrink, Thomas Mann, T. S. Eliot, René Daumal, Herman Hesse, aliás já antecedidos, no romantismo, por Goethe, W. Black, Balzac, Nerval, Novalis e Villiers de L’Isle-Adam os quais dão testemunhos nítidos deles, e entre os quais Fernando Pessoa se pode afirmar como um confrade se não mesmo como um irmão, ele próprio por fim afirmando-se iniciado nos três graus menores dos Templários. 
 A base ou razão fundamental da existência dos Mestres pode ser vista de múltiplos modo, tais como: «a humanidade é um vasto animal que dorme; o que se passa nela não é mais que os sonhos que lhe são impostos», ou ainda «o verdadeiro sentido da iniciação é que este mundo visível em que vivemos é um símbolo e uma sombra, que esta vida que conhecemos através dos sentidos é uma morte e um sono, ou, noutras palavras, que o que vemos é uma ilusão. Iniciação é o dissipar - um dissipar gradual e parcial – desta ilusão».
Ora este estado de ignorância e a necessidade de
se percorrer, de se trilhar, um caminho de inspiração, desvendação e iluminação implica a existência dos iniciadores e assim «iniciar alguém no sentido hermético, é conferir-lhe conhecimentos que ele não poderia obter por si, quer pela leitura de livros, quer pelo exercício da sua inteligência, por forte que seja, quer pela leitura de livros à luz dessa mesma inteligência».
No fundo, mestres que ora inspiram e catalizam ora transmitem energias e impulsos, práticas e correntes que despertam espiritualmente a alma, a libertam das trevas da ignorância e a abrem à luz interna, à linguagem dos pássaros, ao diálogo intuitivo com os símbolos e arquétipos, mestres e anjos, com a Luz da Verdade e o calor do Amor a irradiarem então das almas mais unidas a Deus.
Neste sentido dirá mesmo que na Iniciação se transmite ao discípulo um apressar evolutivo…
Contemplando a história e a Tradição Portuguesa, Fernando Pessoa considerou mestres certas figuras eleitas para o seu breviário, a Mensagem, tais como D. Afonso Henriques e D. João I («Mestre, sem o saber, do Templo/ que Portugal foi feito ser»), e Bandarra e P. António Vieira, pelo espírito profético que possuíam e a capacidade de clarividentemente vencerem as limitações do tempo e da mente, e por serem, como ele, arautos do que ele denominou, com sucessivos sentidos, o Encoberto e o V. Império.
                   
Mas talvez ainda mais importantes mestres foram D. Dinis, o transmutador dos templários portugueses, ameaçados de extinção, nos cavaleiros da Ordem de Cristo e sobretudo o Infante D. Henrique, o governador da Ordem de Cristo, e cujo lema Talant de bien faire, adopta como o princípio ou lema da sua tentativa de ressurgimento da ordem espiritual de Portugal, por ele nomeada como Ordem Templária, ou Ordem de Cristo, de Portugal e da qual virá mesmo a dizer, algo enigmaticamente no seu último ano de vida: «pertenço à Ordem Templária de Portugal. Posso dizer, e digo, que sou templário português. Digo-o devidamente autorizado. E, dito, fica dito». 
Dos seus contemporâneos, dos com mais conhecimentos espirituais, ainda se correspondeu, pedindo informações sobre o Sebastianismo, com Sampaio Bruno, autor do Encoberto e da Ideia de Deus, embora pouco ou nada tenha recebido, conheceu o poeta do Marão Teixeira de Pascoaes e o flamejante orador e pensador Leonardo Coimbra, com quem dialogou algumas vezes, e que, com Antero de Quental, foram para ele, como escreveu, os elos mais próximos da Tradição Espiritual portuguesa, em especial Antero de quem traduziu vários dos seus sonetos para inglês e pensou que ele tinha falhado no caminho iniciático da Ordem de Cristo por ligações maçónicas, algo que não está comprovado. 
Raul Leal (este iniciado por Aleister Crowley), Almada Negreiros, Augusto Ferreira Gomes, César Porto, Augusto de Santa Rita e Manuel de Meneses, e mais alguns, foram provavelmente seus dialogantes à volta ou sob os Mestres...
Ora como quem reconhece ou intui os mestres, e procura os mestres, aceita implicitamente a existência de discípulos, ou neófitos, ou ainda adeptos, Fernando Pessoa teorizou as condições de iniciação, essa dissipação das trevas e da ignorância, que nos desperta e nos torna mestres ou pelo menos receptivos e já conscientes do espírito e deles, e descreverá as provas ou testes para se atingir o grau de mestre na Ordem Templária de Portugal, desenhando até os rituais e redigindo alguns discursos para os neófitos e irmãos, receberem «luz, calor e vida».
Aos Mestres, aos seres que entre a humanidade
adormecida e a Divindade desconhecida servem de pontes e de guias e que, de modo subtil e invisível, influenciam e inspiram não só os que se querem libertar como a própria evolução da humanidade, Fernando Pessoa dedicou várias poesias de grande sensibilidade, inteligência e visão, tal a de 9-5-34, intituladA Sup[eriores] Incógnitos, e assim se inicia: «Nunca os vi nem lhes falei/ E eles me tem guiado/Segundo a forma e a lei/ Do que, ainda que conhecido,/ Tem que ficar ignorado», e que publiquei pela 1ª vez em 1988 na obra Poesia Profética, Mágica e Espiritual.
Mestres, pois, amados, e não é descabido afirmarmos que por mais de uma vez a sua invocação ardeu no coração de Fernando Pessoa e que na sua boca os seus nomes foram escudos protectores contra o que ele considera os três assassinos do mestre, «a Ignorância, o Fanatismo e a Ambição», que então como agora, tentam impedir ou matar a nossa vida espiritual e a ligação com os mestres e Deus. Isto nos diz em 4/1/1934: «Há cinco Mestres de minha alma/Por (Em) cinco pontos me levanto/Da estrela que me resplende calma/E tem no meio o sinal santo/A letra que nos traz dos céus/A sigla do nome de Deus//./Foi o primeiro um Arquitecto/Morreu sob o imperfeito tecto/Por não dizer nosso Segredo. /Três assassinos (agressores) o mataram/Nas três portas em que o acharam. //. Seu nome, virgem de traição/Está em meu ser como um remédio/Contra o que é fraco em coração, /Contra o dissídio e contra o tédio. /A sua imagem de exumado/Quando é que serei levantado?»
Mestres, designando aqueles que, já unificados
com o espírito, são capazes de despertar ou intensificar a potencialidade espiritual latente do ser humano que, como a bela adormecida, espera pelo príncipe ou mestre encantado que a saiba beijar correctamente, ou que lhe saiba soprar as palavras mágicas perdidas, as que fazem com que o coração e a intuição despertem para o espírito e a revelação da unidade, tal como vemos no poema Eros e Psique, em que Fernando Pessoa glosa a tradição iniciática grega e o romanceiro popular indo-europeu (a Bela adormecida ou a Shakti indiana), mostrando a união do espírito do peregrino com a alma, a amada princesa adormecida. 
Fernando Pessoa, mestre?
De certo modo, não só pela procura da Verdade na
 qual, segundo as suas teorias de iniciação, cumpriu os requisitos iniciáticos, mas também pela sua genialidade de criador e posterior influência literária universal, destacando-se o acto mágico ou demiúrgico da criação dos três heterónimos: Alberto Caeiro, a natureza pura e simples revelada por quem a sabe ver sem pensamentos e preconceitos, ou em quem está «o nosso espírito apenas como preceptor dessa realidade», tal como ela é, mas que no fundo, iniciaticamente, é apenas a intuição directa do neófito; Ricardo Reis, mestre do velho paganismo epicurista e estóico, vencendo o amor da vida e o temor da morte (tendo-os...), e Álvaro de Campos, avatar dos tempos modernos e tecnológicos, estilhaçando a estreita, deformada e formatada personalidade e vida burguesa e, pela multiplicidade extrema, procurando prometaica, alquímica e perigosamente romper tais opressões e coletes normalizadores e democráticos, tenderia a chegar à Unidade, à Universalidade...  
O que em alguns textos de um modo ou outro foi afirmando: «O grau de Mestre será, da mesma maneira: 8) o escrever poesia épica, 9) o escrever poesia dramática, 10) a fusão de toda a poesia, lírica, épica e dramática em algo para lá de todas elas.».
 Três persona (resultantes de um acto de magia mental, como nos diz) que acabam por ser os exemplares dos três graus menores da iniciação de Fernando Pessoa, o ortónimo, ele próprio, o fino estudioso de linhas e entrelinhas dos ensinamentos, na Ordem Templária de Portugal: «Para obter o Grau de Neófito é preciso passar as três provas do Pórtico – vencer o Mundo, a Carne e o Diabo. Para obter o Grau de Adepto Menor é mister passar as duas provas do Átrio – vencer o amor à vida como vida e o temor da morte como morte. Para obter o Grau de Mestre do Átrio é mister passar a prova do Altar – vencer o apego à personalidade, a noção de que cada qual é o que é, obter a de que cada qual é o universo inteiro e que estão nele, e são ele todos os outros homens», testes e condições que Fernando Pessoa realiza nos anos finais da sua vida, estes três graus sendo referidos nos termos de "iniciação, avanço e completude".
Num texto mais antigo ou juvenil, Fernando Pessoa escrevendo sobre «os três processos de «libertação ou ascensão», que resume no hindu, no cristão e no rosa cruz, e cujos excessos ou desvios resultam no ascetismo que odeia a personalidade, no misticismo que odeia a inteligência, no voluntarismo que odeia a lei, conclui que o ser «mais completo é aquele que consegue reunir em si as três aspirações, e realizar a ascensão por todos os caminhos ao mesmo tempo, embora por uma só via. O que, abstendo-se, sublimando-se e aproveitando-se, se diviniza pois se anula, se excede e se transforma. É esse verdadeiramente o Mestre, o que, livre do mal e do bem, conhece a lei...».
Eis um texto que, embora não da sua maturidade,
deixa ver algumas linhas da transformação iniciática que Fernando Pessoa crê ou prevê na ascensão a mestre, mas que conhecerá ser bem mais difícil, tal como registará quanto a uma das razões: «Para todos quanto queiram mais da vida que o nada que ela é em si mesma, a regra é aquela que, em um dos seus modos, os três graus maçónicos simbolizam. Entramos aprendizes pelo sofrimento, passamos companheiros pelo propósito, somos erguidos (levantados) Mestres pelo sacrifício. De outro modo não se chega, na arte como na vida, à Cadeira, que é o trono de Salomão».
Esta ideia está também glosada em escrita
inspirada ou mediúnica no último ano da sua vida: «O neófito sabe que só se readquire a nova alma com sofrimento e saudade. O sábio conhece o que o neófito sabe. O mestre aplica o que o sábio conhece». Aliás, do sofrimento da sua vida, falam-nos muito o Livro do Desassossego, a sua própria morte prematura, ou, por exemplo, ainda outra glosa: «Para se ser um Mestre temos de imitar os mestres e temos de sofrer e “morrer” portanto».
A noção real e interna de Mestre será muito trabalhada ou interrogada, por vezes em níveis bem subtis e difíceis, tal como se vê no seguinte fragmento: - «A alma da alma é um homem aparte de cada homem e isto é o Mestre, um Anjo da Guarda. A alma desta alma é Deus (ou isto é apenas no génio e inspiração?)», um conjunto perguntas com valor na Tradição Espiritual Portuguesa, dado o seu nível íntimo e elevado. 
No mesmo texto, acrescentará: «Individualmente alma e corpo são um, mas a alma é mestre do corpo no sentido inferior, assim como o Cristo é mestre no sentido interior. Está o mestre separado contudo inseparado? Quando a morte ocorre a unidade dual torna-se uma unidade dupla? É este o significado da frase Grega, “morrer é ser iniciado"?», aqui desaguando numa correnteza que de Plutarco a Antero de Quental inspirou meditações, reflexões, sonetos...
Noutro texto, acerca dos vários níveis possíveis de serem encontrados no aprofundamento interior diz que nos primeiros sentidos de interpretação do Mestre, que é o ego íntimo, ele é a alma e, nos mais elevados sentidos, Deus, Cristo e o Ser que não se conhece.
De facto, um dos níveis elevados da grande obra
iniciática é a revelação do Mestre, que surge mencionado, por exemplo, nos cinco níveis que nos apresenta do simbólico Desejado e Encoberto: «o homem, a esperança, o símbolo, o Mestre, o Cristo», acrescentando ainda que a progressão neles implica um trabalho iniciático de ascese, conhecimento e amor pelo qual se irá «talhando o corpo espiritual do Rei para que nele, uma vez formado, o Segundo Advento carnalmente se faça», afirmação que está de acordo com a doutrina tradicional tanto do corpo glorioso como dos avatares, as manifestações da Divindade ou dos grandes Mestres, na Humanidade, ainda que qualquer especulação sobre se um mestre regressa de novo ou quando tal acontecerá, seja sempre falível e ilusória...
São também muitos os fragmento soltos dedicados ao estudo do grau de Mestre na Maçonaria, ou os dedicadas aos mestres da tradição Rosacruz, desde Valentim Andrea, Bacon e Shakespeare a Robert Fludd, Thomas Vaughan, e já do seu tempo Arthur E. Waite, embora reafirme mais de uma vez que estes são apenas expositores, e que os verdadeiros mestres rosacruzes nunca alguém os conheceu.
Numa importante glosa da Tradição ocidental,
maçónica, diz-nos: «o Templo de Salomão é a alma humana. Sua expressão interna e suprema, o Mestre, é morto (no astral) pelos três assassinos: - o Mundo (desejo dos outros), a Carne (desejo de si) e o Diabo (o desejo de mais que si) e é este último que dá no Mestre, na fronte (isto é, na parte mais sublime do ser) o golpe mortal. A Grande Obra é o elaborar em nós o com, no sentido estrito e pessoal, que não reincarnarmos, a transmutação (aqui mesmo) do chumbo do nosso ser perecível no ouro do nosso ser que não perece».
De registar aqui a menção da fronte, zona
principal e fundamental de visão (o terceiro olho) e de irradiação espiritual, bem como a alusão ao talhar do corpo espiritual imperecível ou de glória, o augoeides, na designação dos neo-platónicos, bastante referidos por Fernando Pessoa como elos importantes da Tradição Espiritual Ocidental.
Mas será Jesus Cristo, nas suas várias dimensões, aquele que depois de ser desvalorizado ou rejeitado na sua fase anti-religiosa ou de sociologia ateia e libertária (em que as suas leituras omnívoras o levaram demoradamente por Binet-Sanglé, Max Nordau ou John M. Robertson) e de paganismo transcendentalista, se torna por fim o Mestre e Desejado da sua vida, ou do seu ser, conforme o seu testamento ou nota autobiográfica de 1935, um ano final importantíssimo, no qual escreve artigos e textos (estes não publicados) em defesa das associações secretas, nomeadamente da Maçonaria, com a sua tradição dos Mestres, atacadas pelo conservadorismo, o salazarismo e o catolicismo.
Na verdade, redige em 30 de Março de 1935  a sua esclarecedora carta autobiográfica (certamente na linha do seu mestre em jovem Antero de Quental, que escreveu em 1887 a sua carta autobiográfica a Wilhelm Storck), na qual se afirma “Cristão gnóstico”, fiel «à Tradição Secreta do Cristianismo, e «iniciado, por comunicação directa de Mestre a Discípulo, nos três graus menores da (aparentemente extinta) Ordem Templária Portugal».
Refira-se ainda noutro texto seu, com certa originalidade, que «o progresso em Cristo, na Ordem, é feito em três estágios – o primeiro revelando Jesus da Nazaré, ou simplesmente, Jesus; o segundo o Cristo de Glória. O terceiro o Cristo de Deus. O primeiro é simples, o segundo contém a unidade essencial de todas as fés e a sua auto-transcendência no Cristo da Glória. O terceiro contém a auto-transcendência mesmo disto, a visão final», aspectos ascensionais que nos remetem para a gnose não-dual e para a iniciação humana e universal, com o mestre Jesus e o Cristo ou Logos cósmico, e apontam para a desejada libertação na Consciência Suprema.
Não dissera ele na carta, algo preparatória, a Adolfo Casais Monteiro, de Janeiro de 1935, que «segundo a nossa afinação espiritual, poderemos ir comunicando com seres cada vez mais altos», os mestres e as hierarquias celestiais. Ou como explicitou ainda noutro texto: «a nossa comunicação, mesmo na sua maior elevação, não pode ir mais além do que a Segunda Pessoa; portanto União com Deus e União com Cristo significam a mesma coisa, pois só podemos ser um com Deus em e através de Cristo», assim se atingindo a Pax Profunda, por ele designada como correspondente à realização de que «In nobis regnat Iesus, não quere dizer “Jesus reina em nós” mas “É em nós que Jesus reina”, em nós, que não nos templos externos», a qual florescerá no cruciforme corpo de glória róseo esbranquiçado.
Lembraremos que o nome Cristo ou Christos é a tradução grega da palavra hebraica messiah, que significa ungido, e que Cristo foi considerado por S. João como o Logos dos gregos,  a Inteligência-Consciência Divina no Cosmos, sendo de certo modo a fonte onde todos os Mestres comungam, e à qual nos devemos abrir para depois irradiar ou partilhar harmoniosamente.
Em verdade, pelos anos fora da sua vida a sua ligação, ou desejo dela, com os mestres será
uma constante, patente em textos ou poemas. Em 1930 fala bastante da Ordem Espiritual de Portugal, que nos inspira a todos, na famosa carta ao conde de Keyserling. E, em 1935, terminará o seu testamento ou nota auto-biográfica exortando-nos: «Ter sempre na memória o mártir Jacques de Molay, Grão Mestre dos Templários, e combater, sempre e em toda a parte, os seus três assassinos – a Ignorância, o Fanatismo e a Tirania.»
                         
Testemunhou pois bastante e bem a Tradição
secreta, a Hierarquia e Fraternidade dos discípulos e mestres que, ao longo dos milénios, tem impulsionado e inspirado a marcha da humanidade e da qual vai sendo também a hora de aceitarmos mais a sua existência e a possível acção interna inspiradora de modo a que, abrindo-nos a eles, ou sintonizando-os, possamos ser mais inspirados ou iniciados no caminho da realização espiritual e Divina.

Mensagens solsticiais e natalícias. Postais de Boas Festas belos e perenes. Com esperança para um futuro melhor.

BOAS REALIZAÇÕES DO CORAÇÃO
Que a pureza da neve e das estrelas do céu nos inspire sempre...
                                   Liberdade e convivialidade fraterna entre todos os seres..
        Reuniões de almas amigas, e que sabem dialogar ou mesmo cantar, religam ao Amor divino...
                 Que a tua alma esteja carregada de dons para os que fores encontrando no caminho...
                           Descidas de bênçãos espirituais: cada criança é uma luz na noite dos tempos..
         Meios de transporte antigos que tanto encantavam. Mas o caminhar pelos campos continua...
   Todos subimos às costas de alguém e viremos também a servir outros, para haver mais Luz e alegria.
              Orar, cantar aproxima-nos dos seres angélicos, mais próximos da Fonte Divina....
     Que os anjos e mestres nos protejam, inspirem e impulsionem no caminho do Amor e da Verdade...
                                  Que o Amor divino arda e irradie mais musical e ritmicamente, em nós...
 
                              Do tão misterioso quão poderoso abraço e ósculo unitivo humano, angélico e divino...

sábado, 2 de dezembro de 2017

O enigma da morte de Antero de Quental. Diálogos e reflexões. Dezembro de 2017...

   Quando Antero de Quental resolve morrer fisicamente, quando renuncia à sua vida e ego no corpo terreno, poderemos nós pensar que estamos diante de um sacrifício, de um fazer sacro, de um entregar-se a Deus, de um assumir doloroso de uma morte-renascimento voluntária e abrupta?
Como não sabemos bem a quem se estava a dar, a entregar Antero : se à desistência, se à morte endeusada, se à morte redentora, se à Divindade, se ao Não-Ser ou se, simplesmente ao simples descanso e paz, ou quem sabe ainda se a uma mão divina ou à substância infinita e omnipresente divina, ficamos na dúvida.
Para complicar a solução temos de confessar que não temos  meios de saber qual o pensamento ou os pensamentos e sentimentos que o animavam, ou impulsionaram, no momento de premir o gatilho, ao que consta duas vezes, tal  como ele terá confirmado com os dedos,  sentado naquele banco de jardim pintado de verde e sob o signo da âncora e da Esperança, num dos anoiteceres mais trágicos da ilha açoriana.
Havia ainda hesitações, ou cogitara e decidira que chegara mesmo a hora naquela  tarde pois não tinha condições para continuar a viver na Terra e já concluíra a sua missão?
Face ao seu trajecto de líder da geração intelectual mais notável do seu tempo, como não pensarmos na morte de Sócrates, mestre da juventude de Atenas, tendo de tomar a cicuta pelas suas mãos calmamente, ou na do mestre Jesus repudiado por judeus e romanos e mesmo assim entregando-se a Deus sem rancores, ou a do sufi Hallaj quando não se retratou, e por isso foi morto, de ter proferido o herético ana al-haqq, ou seja, que Deus nele afirmava ser ele Deus?
Vários aspectos da vida de Antero parecem convergir, após uma juventude fulgurante, para o não-ser, para o não-existir, para o não encontrar o seu lugar e plenitude na Terra e assim, retraída a plenitude  criadora nele e com a sua doença psicosomática, as forças da passagem para o outro mundo e portanto da morte, internas e externas, cresceram. 
E como sempre cultivara não só o destemor perante a morte como o desprendimento em relação ao amor da vida, intrinsecamente corajoso e desde jovem líder no dar o passo inicial revolucionário,  também o passo fatal voluntário de cruzar o umbral  e ver o que resultaria surgiu-lhe como apetecível, natural, consequente, inevitável, não sabemos se nocturna e sombriamente, se numa subtil tonalidade de amanhecer e de se libertar das sombras terrenas que provavelmente o apoquentavam... 
Deve ter sentido, porém, que faria sofrer algumas almas, em especial as suas duas jovens pupilas Beatriz e Ermelinda, bem como um ou dois amigos e isso poderá ter sido o mais doloroso nessa sua ingenta via sacra, quantos metros até chegar ao banco, quantos minutos até desfechar do revólver a sentença de fim de vida...
                                             Indis)Pensáveis: 11 de Setembro de 1891 - O último passeio de Antero
Possivelmente não estava ressentido com as pessoas (e uma seria a irmã) ou ambientes que o encarreiraram e apressaram nessa vereda estreita que o levava a tal acto de abandono samuraico da vida terrena. 
A última representação iconográfica de Antero, uma pintura feita pelo seu primo Sebastião d'Arruda.
 Morria assim simplesmente em sincronia com uma desadaptação geral derivada da sua própria evolução psicosomática de envelhecimento e desagregação, que pouca harmonia realizava com o seu Eu superior e com o meio ambiente e que já era incompatível para o seu eu lúcido mas desgastado  face à constante insuficiência dos nervos, da digestão, do sono e da qual resultava a vida no corpo físico se ter tornado um purgatório de certo modo inútil.
Poderemos interrogar ainda o outro lado do enigma:  quando ele sai do corpo físico para que níveis ou planos invisíveis vai, que cores e densidade de alma ou do corpo psico-espiritual leva, que tipo de sentimentos-pensamentos o envolverão durante mais ou menos tempo, o que pensaria ele de tal voo? 
Quem estava por perto? Quem foi o primeiro ser a apoiá-lo? A sua mãe, o Anjo da Guarda, Germano Meireles?
E o que se passou na sua psique? Apenas a perda de consciência, o entrar num adormecimento? Ou o choque violento do tiro estilhaçaria tal possibilidade e um tipo de dilaceramento psíquico surgiu como contraparte do rasgar de artérias, nervos e tecidos cerebrais pelas duas balas?
Respostas difíceis...
E hoje, após tantos anos de pensamentos e escritos sobre a sua vida e obra, e certamente muitas orações por ele, como está e onde se encontra a alma espiritual de Antero de Quental? 
 
 Na atmosfera da Terra, nos mundo subtis e ainda com um corpo subtil próximo do terreno, lentamente ganhando ainda forças de Luz e de Amor, para se elevar mais? 
Ou, sacrificialmente, com esse acto e pelas forças psíquicas e de consciência altamente desenvolvidas na sua vida, obra e epistolário, tornou-se um ser que se conserva nos planos invisíveis próximos da Humanidade e que nos vai interpelando, inspirando, sobretudo enquanto leitores e pensadores da sua vida e obra?
E quantos dos nossos escritos, pensamentos e sentimentos, orações e meditações, sorrisos e chamas chegarão até ele numa certa medida de utilidade ao seu caminho ascensional? 
                                    
O que lhe faltou mais na vida e que deve ser uma lição para nós? Amar, encontrar e viver com a amada? Ou também amar mais a Divindade interna, meditando-a, invocando-a e pressentindo-a no amor que lhe dedicamos e na felicidade que sentimos?
Que trabalhos e investigações na sua obra ele mais desejaria que prossigamos? O que melhor nos faça e torne, na verdadeira religião da Humanidade,  seres mais harmoniosos e livres?
Que valores núcleos mais altos ou significativos considerará  presentes na sua obra, podendo  fortificar-nos e impulsionar no caminho de uma Humanidade mais harmoniosa e luminosa?
O amor, a liberdade, a aspiração ao bem, a sinceridade, a coerência, o ser-se justo, o dinamismo psíquico transformador, a fraternidade, a Divindade, o espírito em nós?
Mistérios e desafios criativos....  Lux Dei!
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Texto dedicado a Eduardo Lourenço e à Ana Maria Almeida Martins, dois anterianos, já que há dois dias debatemos este tema na casa dele, estando ainda presentes a sua irmã e a sobrinha Isabel Fraga, tendo uma pequena parte do diálogo sido gravada e disponibilizada para o youtube: https://pedroteixeiradamota.blogspot.com/2020/12/na-partida-de-eduardo-lourenco-breve.html