sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

Fernando Pessoa e os Mestres. A evolução espiritual do poeta e a sua compreensão dos Mestres.

                Fernando Pessoa e os Mestres.  
A aspiração, o interesse e a ligação de Fernando Pessoa aos Mestres, aos seres que se destacaram na realização espiritual e divina, ou no génio e mestria de si próprios e da criatividade, perpassa por toda a sua obra e podemos entendê-la ora como inata, ora como a apreensão da importância deles a partir das suas leituras, conversas e exemplos, ora como a consciência da possível acção subtil deles sobre si mesmo. 
Encontramo-la expressa, desde novo, em contos intitulados O sonho de Buda (em papel do jornalzinho caligráfico Palrador), Mestre, No Jardim (Horto) de Epitecto e, mais tarde, nas comparações entre Jesus e Buda, nos estudos intitulados o Sentido Oculto do Cristianismo e em designações utilizadas, tais como: o meu Mestre Caeiro, os Mestres do Concílio Pagão, os Encobertos Rosa Cruzes, os Superiores Incógnitos, os Mestres da Doutrina Secreta, os Emissários Desconhecidos, os Mestres ou Sacerdotes da Ordem do Templo, os Mestres das Eras, os Hierofantes, os Santos, os Sábios Invisíveis, a Hierarquia Oculta, a Grande Fraternidade, «que chamou a si Shakespeare», um escritor que será abordado várias vezes em textos sobre a consciência espiritual e a ligação aos Mestres que ele teria...
Também nos ensaios sobre a Iniciação, nos
estudos sobre o grau de Mestre na Maçonaria (onde «o Mestre representa a Palavra, a Sophia, a Terceira Pessoa»), nos mestres da sua alma: - o rei D. Sebastião, o arquitecto Hirão, o grão-mestre templário Jacques de Molay, o mítico fundador dos rosacruzes Christian Rosenkreutz e Jesus Cristo - e, por fim, na indagação e demanda do Mestre interno, de acordo com o que reconheceu por mais de uma vez ser um dos princípios fundamentais da iniciação ou da vida oculta e íntima: «quando o discípulo está pronto, o mestre está pronto também», tal demanda está bem presente.
Se alguns textos da sua adolescência serão contundentes críticas a Deus (sobretudo ao da versão bíblica, o Jeová) ou a Jesus, feito Deus, passada essa fase frequente na idade juvenil, talvez em parte devedora da morte prematura do pai e do aparecimento de um padrasto, de conversas com familiares e sobretudo das influências radicais de livres-pensadores, ateus, anarquistas e agnósticos, tais como Nietzche, Binet-Sanglé, Max Nordau eJohn M. Robertson. Mas tal influência anti-mestres foi contrabalançado pela acção do mestre-escola e bom latinista V. H. Nicholas, e pelas leituras de Shakespeare («um iniciado divino»), Novalis, Milton (cuja teologia do Paraíso Perdido «vive da luz cabalística»), Shelley («um alto intuitivo»), Carlyle, Henry Drummond, Ralph W. Emerson e Walt Whitman, valorizadoras dos heróis, sábios e santos, ou seja, das qualidades ou virtualidades criativas e luminosas do espírito, por alguns seres mais incarnadas, manifestadas.
A primeira tomada de consciência, de que há registo, da importância dos mestres do caminho espiritual, ou da gnose, aconteceu ao ler, ainda na África do Sul, e portanto antes dos 17 anos, causando-lhe grande impressão, a obra de Hargrave Jennings, The Rosicrucians, their rites and mysteries, transmissora de doutrinas e mistérios da Tradição universal, dos gnósticos, templários, herméticos e rosicrucianos, com extractos significativos de obras de Hermes Trimesgito, Sinésio, Robert Fludd e Thomas Vaughan, no que foi certamente uma iniciação juvenil e não só, já que está assinalada por três tipos de lápis e  tinta a sublinharem ou a anotarem o exemplar da obra, não datada mas sendo a quarta edição e ainda do séc. XIX, hoje depositada na Casa Museu Fernando Pessoa, no Campo de Ourique lisboeta, e consultável online.
Na realidade, desde cedo encontramos muitos poemas espirituais em que Fernando Pessoa pesquisa, trabalha ou exprime sensações, expressões e conceitos que tentam aproximar-se ou ecoar o Ser Divino, em si mesmo ou através dos mestres, ou ainda desvendar o mistério ora da Presença Divina ora da sua ausência, bem como da sua Luz clarificadora, em especial tão necessária face às dualidades e dificuldades da vida. Todavia, como rejeitou em vários aspectos e textos a Igreja Católica de Roma, embora prossiga na demanda do sentido oculto do Cristianismo, o seu labor é no panteísmo transcendental e no paganismo superior, culminando em Março de 1914 na intensa descoberta ou criação de um mestre, o guardador de rebanhos Alberto Caeiro.
Assim em 1914-15 encontramos Fernando Pessoa a laborar feliz nos seus estudo sobre as origens também pagãs do cristianismo, e sobretudo no paganismo superior, no regresso dos Deuses (outra forma das entidades supra-humanas serem denominadas), e na descoberta do mestre Caeiro, um antídoto contra a especulação filosófica ou mesmo o pseudo-esoterismo (que, diz-nos, afastam da apreensão directa da verdade), quando subitamente lhe surge a encomenda da tradução de livros teosóficos para a editora A. M. Teixeira, por parte de João Antunes, que dirigia a Colecção Teosófica e Esotérica, pondo-o em contacto com as descrições dos Mestres, dos famosos Mahatmas (em sânscrito,  grande alma ou espírito, maha atman), apresentados de forma algo mistagoga pelos dirigentes da Sociedade Teosófica, fundada em 1875, pela russa Helena Petrovna Blavastky e o seu companheiro norte-americano Olcott.
Muito impressionado com a abrangência e força
de tal explicação doutrinária do ser humano e do mundo, Fernando Pessoa reagirá contudo e, em vários textos, critica as metodologias, doutrinas e personalidades dos teosofistas, escrevendo, por exemplo, que «Blavatsky era um espírito confuso e fraudoso; mas também é fora de dúvida que recebera uma mensagem e uma missão dos Superiores Incógnitos», reconhecendo deste modo, não obstante os defeitos da transmissão, a existência e acção dos Mestres. 
Mas prefere procurar, o que já fazia aliás antes, o acesso ao Mestre, ao Espírito e à Verdade, no fundo a íntima ligação superior e divina, nas fontes ocidentais, em vez de o receber da tradição oriental, em segunda ou terceira mão, já pouco vivenciada, antes vulgarizadora e fatalmente distorcida.
Proveniente, todavia, da leitura desses livros da Sociedade Teosófica com aspectos da sabedoria indiana e budista, e provavelmente de outros autores, encontramos em Fernando Pessoa ecos do elevado conhecimento da Yoga Vedanta: «No ocultismo dos Índios o Mestre, a que os discípulos procuram, é a própria substância monádica do discípulo. «Eu próprio sou o cantor», diz-se no poema sagrado [Bhagavad-Gita]. Só há a procurar o que já se encontrou.», transmitindo assim a sua compreensão de um dos aspectos mais subtis da realização interior do espírito e do mestre interno, algo que escapará sempre aos profanos, e que foi aprofundado, por exemplo, com grande mestria, na tradição de outro ramo da realização espiritual indo-europeia, o iraniano, como os numerosos e valiosos estudos de Henry Corbin patenteiam.
Esta transversalidade universal espiritual e iniciática até ao Oriente, não muito frequente em Fernando Pessoa, mas para a qual já fora iniciado com a leitura da obra referida de Hargraves Jennings (com capítulos sobre a unidade das mitologias e religiões), ao de leve referida por Bernardo Soares no Livro do Desassossego («o rio Ganges também passa pela rua dos Douradores»), e trabalhada nas suas Rubayates, ao estilo do persa Omar Khayyam, surge bem mais evidente num dos seus pares da época, o ocultista William Butler Yeats, prémio Nobel e que traduziria no final da sua vida, com Purohit Swami, alguns dos 108 Upanishads, título que designa em sânscrito os ensinamentos secretos aprendidos junto aos mestres e que constituem os textos mais essenciais da tradição da Yoga Vedanta.
Poderíamos ainda referir nessa busca de inspiração e ligação superior, mas a um nível escorregadio, os anos de 1916 e 1917, em que tentou o mediunismo da escrita automática, com o resultado de termos hoje numa letrinha miúda várias respostas ou mensagens, apenas uma ou outra mais substanciais, algumas assinadas como provindas de um dos ilustres platonistas de Cambridge, Henry More, designando-se (ou sendo designado, «ele é um F. R.C.») como Frater Rosa Cruz, para além de outras mais prosaicas, assinadas com diversos nomes, tal como a de Joseph Balsamo (o famoso mago e ocultista), e que eram provavelmente auto-projecções, ou então entidades do mundo invisível brincalhonas. 
Aliás, esta filiação rosacruz do famoso platonista de Cambrigde Henry More, julgamos nós ser uma invenção, ou então uma intuição de Fernando Pessoa, pois não está consubstanciada em factos conhecidos da biografia do sábio pastor anglicano, que debate com Descartes e Gassendi o mecanicismo das propostas deles e defende a visão espiritual e platónica da alma e do espírito como independentes do corpo, podendo quanto muito dizer-se que era um Rosacruz enquanto inserido na tradição ocidental platónica e cristã. 
Faltará certamente descortinarmos as fontes de Fernando Pessoa, e sempre difíceis quando sabemos que os alfarrabistas resolveram por vezes algumas das suas limitações financeiras, mas as referências a Henry More nas obras de Hargrave Jennings e em George Herbert Meads (1863-1931), possuídas e lidas por Fernando Pessoa, devem ser assinaladas, estando ambas na sua biblioteca hoje sita na Casa Fernando Pessoa.
Numa carta a Mário de Sá Carneiro, datada de
24/6/1916, em plena época de contactos com a teosofia e o ocultismo, confirmados até por algumas encomendas de livros, revelará as suas expectativas a propósito das escritas mediúnicas ou automáticas (que estarão também em voga, com o registo dos sonhos, no surrealismo francês contemporâneo) e da visão etérica e astral que lhe acontecera: «É que tudo isto não é o vulgar desenvolvimento de qualidades de médium. Já sei o bastante de ciências ocultas para reconhecer que estão sendo acordados em mim os sentidos chamados superiores para um fim qualquer, que o Mestre desconhecido, que assim me vai iniciando, ao impor-me essa existência superior, me vai dar um sofrimento muito maior do que até aqui tenho tido, e aquele desgosto profundo de tudo que vem com a aquisição destas altas faculdades».
Esta concepção “semi-trágica” do caminho do despertar e da relação com o mestre, provavelmente devedora em parte da literatura teosofista (nomeadamente da Voz do Silêncio, de Helena P. Blavatsky, e da Luz no Caminho de Mabel Collins, obras que traduzira para a editora A. M. Teixeira), surge de novo cristalizada numa concepção algo “temível” dos Mestres em 29/11/20, desta vez na carta à sua namorada Ofélia, justificando a sua primeira (já que voltarão a namorar seis anos depois) separação, quem sabe de uma relação que talvez o tivesse tornado mais mestre da sua vida e corpo: «Que isto de “outras afeições” e de “outros caminhos” é consigo, Ofelinha, e não comigo. O meu destino pertence a outra lei, de cuja existência a Ofelinha nem sabe, e está subordinada cada vez mais à obediência a Mestres que não permitem nem perdoam».
Se será verdade, ou seja, se estava a sentir um
influxo espiritual sobre ele dos mestres ou de um mestre, ou se era antes desejo, ou mesmo mistificação, é difícil termos hoje a certeza, mas cremos que exagerou pois os verdadeiros mestres não obrigam e respeitam o livre-arbítrio...
Talvez dessa época seja um texto sobre os três níveis da Iniciação (exotérica, esotérica e divina) não datado no qual diz a dado passo: «Há, depois, a iniciação esotérica. Difere da primeira em que tem que ser buscada pelo discípulo, e por ele desejada e preparada em si mesmo».
Esta aspiração consubstanciada num modo de vida e de meditação e a não recusa da ajuda indispensável dos mestres é por ele confirmada  ao escrever: «"Quando o discípulo está pronto", diz o velho lema dos ocultistas, "o mestre está pronto também".»
Mesmo já quando no final de 1917, em reacção ao espiritismo e à busca dos poderes ocultos, se analisa mais detalhadamente, num texto dactilografado de cinco páginas, não datado, intitulado Um caso de mediumnidade. (Contribuição para a actividade subconsciente do espírito.), considerando-os perigosos e que quanto muito deveriam estar reservados a uns poucos de investigadores, deveremos considerar ainda assim tal texto algo melodramático ou mistificador, pese a provável decisão de não fazer mais consultas ao mundo invisível e ensaiar escritas passivas ou automáticas. 
Com efeito, ao longo dos anos continuará ocasionalmente a assinalar sentir-se mais inspirado do Alto, como nos diz, por exemplo, num poema, templariamente: «Não meu, não meu é quanto escrevo.// A quem o devo?// De quem sou o arauto nado?», ou ainda registando com o símbolo da lemniscata que recebeu uma informação ou ensinamento de níveis superiores.
Nesses anos e nos seguintes, em que faz a sua
transição (ou aprofundamento) do paganismo para o caminho iniciático, Fernando Pessoa vai lendo e conhecendo obras e ensinamentos ocultistas e esotéricos, muitas das quais encomenda do estrangeiro, seja de adeptos (de Pitágoras a Juliano Apóstata, de Ramacharaka e Eliphas Levy a Franz Hartman, de Arthur Edward Waite a Oswald Wirth), seja de Ordens, destas se destacando a Maçonaria e a panóplia tão fértil nesse final do século das ordens ocultistas inglesas, da Societas Rosicruciana in Anglia à Golden Dawn e à Astrum Argentinum, ou à Stella Matutina, todas elas referidas em textos, além de uma ou outra francesa, tais como o Martinismo de Papus, e a Sociedade Hermética dos Rosa-Cruz, fundada por Stanislas de Guaita no ano emblemático de 1888.
Nelas reencontra a noção dos mestres, que se encontra em quase todos os povos e tempos e indica a existência de uma Tradição viva (e vivida por muitos) de espíritos conscientes e capazes de se moverem ou contactarem os seres dos sucessivos degraus ascensionais da hierarquia dita angélica (descritos por ele numa elevação de níveis que leva dos «líderes, heróis, mestres aos semi-deuses, deuses e demiurgo, Pai, Filho e Espírito Santo» e que Fernando Pessoa investigará, teorizará e tentará mesmo ressurgir, primeiro como uma ordem psíquica nacional, depois como Ordem Terceira e Ordem Sebastianista e, por fim, como a Ordem de Cristo ou Templária de Portugal.
Com efeito, a noção dos Mestres, dos Psicopompos, dos Irradiantes da Arqui-luz, da Fraternidade espiritual, da Hierarquia, indica a real existência duma Tradição, vivida por alguns, desse corpo místico ou espiritual da Igreja e Humanidade, dessa satsanga ou companhia da Verdade, que se consubstancia nos mestres e ordens espirituais de cada povo ou país e que Fernando Pessoa não só investigará e teorizará como tentará mesmo fazer ressurgir sobretudo nos últimos anos da sua vida com a Ordem de Cristo ou Templária de Portugal, a propósito da qual nos deixou fecundas impulsões espirituais.
E se em Junho de 1919 nada resultara (de
contactos, amizades, ligações) de uma carta escrita aos ocultistas Hector Durville e seu filho Henri, directores do Institut du Magnetisme et du Psychisme, pedindo informações sobre o curso de correspondência de magnetismo pessoal, e descrevendo o seu psiquismo como o de um “histerico-neurasténico” e com pouca força de vontade, e confessando ainda divertidamente que «a minha vida psíquica é uma espécie de curso de desmagnetismo pessoal», já em 1929, depois de ter detectado no 1º volume das Confessions de Aleister Crowley, uma provável incorrecção no horóscopo quanto à hora de nascimento e o ter assinalado em carta endereçada aos responsáveis da editora, a qual foi lida e aprovada por Crowley e levou a uma correspondência entre os dois e à vinda do mago, auto-denominado mestre Therion, a Portugal, tendo Fernando Pessoa se encontrado algumas vezes com ele, numa relação ainda algo enigmática quanto às influências que terá recebido e às consequências na sua própria realização e evolução espiritual.
Todavia,  num escrito (não datado mas que cremos já depois da estadia de Crowley em Portugal em 1930) 
considerou-o um exemplo de magia negra, porque nas suas funções cerimoniais usava o sexo mesmo invertido e, sobretudo, recusava o dobrar o joelho diante de Deus, numa posição típica do orgulho e ambição, tão criticados por Fernando Pessoa enquanto formas que matam ou abafam o verdadeiro mestre e espírito em nós, bem como as suas ligações superiores.
Mas não se pode negar também a forte impressão
senão mesmo iniciação que Crowley lhe fez e que um documento só há poucos anos recolhido ao seu espólio na Biblioteca Nacional, revela: «Honra ao Mestre Therion…»
Numa post-Modernidade, em muitas doutrinas e
vivências culturais ainda emaranhada em análises e especulações meramente mentais sem referências espirituais e nada predisposta a aceitar hierarquias e leis invisíveis (donde até o lema «nem deus, nem mestre»), parecerá estranho esta admissão, no nascimento do Modernismo, dos Mestres e do mundo Espiritual, mas se olharmos pela Europa a dentro encontramos os casos exemplares de Rilke, Yeats, Mallarmé, René Guénon, Gustave Meyrink, Thomas Mann, T. S. Eliot, René Daumal, Herman Hesse, aliás já antecedidos, no romantismo, por Goethe, W. Black, Balzac, Nerval, Novalis e Villiers de L’Isle-Adam os quais dão testemunhos nítidos deles, e entre os quais Fernando Pessoa se pode afirmar como um confrade se não mesmo como um irmão, ele próprio por fim afirmando-se iniciado nos três graus menores dos Templários. 
 A base ou razão fundamental da existência dos Mestres pode ser vista de múltiplos modo, tais como: «a humanidade é um vasto animal que dorme; o que se passa nela não é mais que os sonhos que lhe são impostos», ou ainda «o verdadeiro sentido da iniciação é que este mundo visível em que vivemos é um símbolo e uma sombra, que esta vida que conhecemos através dos sentidos é uma morte e um sono, ou, noutras palavras, que o que vemos é uma ilusão. Iniciação é o dissipar - um dissipar gradual e parcial – desta ilusão».
Ora este estado de ignorância e a necessidade de
se percorrer, de se trilhar, um caminho de inspiração, desvendação e iluminação implica a existência dos iniciadores e assim «iniciar alguém no sentido hermético, é conferir-lhe conhecimentos que ele não poderia obter por si, quer pela leitura de livros, quer pelo exercício da sua inteligência, por forte que seja, quer pela leitura de livros à luz dessa mesma inteligência».
No fundo, mestres que ora inspiram e catalizam ora transmitem energias e impulsos, práticas e correntes que despertam espiritualmente a alma, a libertam das trevas da ignorância e a abrem à luz interna, à linguagem dos pássaros, ao diálogo intuitivo com os símbolos e arquétipos, mestres e anjos, com a Luz da Verdade e o calor do Amor a irradiarem então das almas mais unidas a Deus.
Neste sentido dirá mesmo que na Iniciação se transmite ao discípulo um apressar evolutivo…
Contemplando a história e a Tradição Portuguesa, Fernando Pessoa considerou mestres certas figuras eleitas para o seu breviário, a Mensagem, tais como D. Afonso Henriques e D. João I («Mestre, sem o saber, do Templo/ que Portugal foi feito ser»), e Bandarra e P. António Vieira, pelo espírito profético que possuíam e a capacidade de clarividentemente vencerem as limitações do tempo e da mente, e por serem, como ele, arautos do que ele denominou, com sucessivos sentidos, o Encoberto e o V. Império.
                   
Mas talvez ainda mais importantes mestres foram D. Dinis, o transmutador dos templários portugueses, ameaçados de extinção, nos cavaleiros da Ordem de Cristo e sobretudo o Infante D. Henrique, o governador da Ordem de Cristo, e cujo lema Talant de bien faire, adopta como o princípio ou lema da sua tentativa de ressurgimento da ordem espiritual de Portugal, por ele nomeada como Ordem Templária, ou Ordem de Cristo, de Portugal e da qual virá mesmo a dizer, algo enigmaticamente no seu último ano de vida: «pertenço à Ordem Templária de Portugal. Posso dizer, e digo, que sou templário português. Digo-o devidamente autorizado. E, dito, fica dito». 
Dos seus contemporâneos, dos com mais conhecimentos espirituais, ainda se correspondeu, pedindo informações sobre o Sebastianismo, com Sampaio Bruno, autor do Encoberto e da Ideia de Deus, embora pouco ou nada tenha recebido, conheceu o poeta do Marão Teixeira de Pascoaes e o flamejante orador e pensador Leonardo Coimbra, com quem dialogou algumas vezes, e que, com Antero de Quental, foram para ele, como escreveu, os elos mais próximos da Tradição Espiritual portuguesa, em especial Antero de quem traduziu vários dos seus sonetos para inglês e pensou que ele tinha falhado no caminho iniciático da Ordem de Cristo por ligações maçónicas, algo que não está comprovado. 
Raul Leal (este iniciado por Aleister Crowley), Almada Negreiros, Augusto Ferreira Gomes, César Porto, Augusto de Santa Rita e Manuel de Meneses, e mais alguns, foram provavelmente seus dialogantes à volta ou sob os Mestres...
Ora como quem reconhece ou intui os mestres, e procura os mestres, aceita implicitamente a existência de discípulos, ou neófitos, ou ainda adeptos, Fernando Pessoa teorizou as condições de iniciação, essa dissipação das trevas e da ignorância, que nos desperta e nos torna mestres ou pelo menos receptivos e já conscientes do espírito e deles, e descreverá as provas ou testes para se atingir o grau de mestre na Ordem Templária de Portugal, desenhando até os rituais e redigindo alguns discursos para os neófitos e irmãos, receberem «luz, calor e vida».
Aos Mestres, aos seres que entre a humanidade
adormecida e a Divindade desconhecida servem de pontes e de guias e que, de modo subtil e invisível, influenciam e inspiram não só os que se querem libertar como a própria evolução da humanidade, Fernando Pessoa dedicou várias poesias de grande sensibilidade, inteligência e visão, tal a de 9-5-34, intituladA Sup[eriores] Incógnitos, e assim se inicia: «Nunca os vi nem lhes falei/ E eles me tem guiado/Segundo a forma e a lei/ Do que, ainda que conhecido,/ Tem que ficar ignorado», e que publiquei pela 1ª vez em 1988 na obra Poesia Profética, Mágica e Espiritual.
Mestres, pois, amados, e não é descabido afirmarmos que por mais de uma vez a sua invocação ardeu no coração de Fernando Pessoa e que na sua boca os seus nomes foram escudos protectores contra o que ele considera os três assassinos do mestre, «a Ignorância, o Fanatismo e a Ambição», que então como agora, tentam impedir ou matar a nossa vida espiritual e a ligação com os mestres e Deus. Isto nos diz em 4/1/1934: «Há cinco Mestres de minha alma/Por (Em) cinco pontos me levanto/Da estrela que me resplende calma/E tem no meio o sinal santo/A letra que nos traz dos céus/A sigla do nome de Deus//./Foi o primeiro um Arquitecto/Morreu sob o imperfeito tecto/Por não dizer nosso Segredo. /Três assassinos (agressores) o mataram/Nas três portas em que o acharam. //. Seu nome, virgem de traição/Está em meu ser como um remédio/Contra o que é fraco em coração, /Contra o dissídio e contra o tédio. /A sua imagem de exumado/Quando é que serei levantado?»
Mestres, designando aqueles que, já unificados
com o espírito, são capazes de despertar ou intensificar a potencialidade espiritual latente do ser humano que, como a bela adormecida, espera pelo príncipe ou mestre encantado que a saiba beijar correctamente, ou que lhe saiba soprar as palavras mágicas perdidas, as que fazem com que o coração e a intuição despertem para o espírito e a revelação da unidade, tal como vemos no poema Eros e Psique, em que Fernando Pessoa glosa a tradição iniciática grega e o romanceiro popular indo-europeu (a Bela adormecida ou a Shakti indiana), mostrando a união do espírito do peregrino com a alma, a amada princesa adormecida. 
Fernando Pessoa, mestre?
De certo modo, não só pela procura da Verdade na
 qual, segundo as suas teorias de iniciação, cumpriu os requisitos iniciáticos, mas também pela sua genialidade de criador e posterior influência literária universal, destacando-se o acto mágico ou demiúrgico da criação dos três heterónimos: Alberto Caeiro, a natureza pura e simples revelada por quem a sabe ver sem pensamentos e preconceitos, ou em quem está «o nosso espírito apenas como preceptor dessa realidade», tal como ela é, mas que no fundo, iniciaticamente, é apenas a intuição directa do neófito; Ricardo Reis, mestre do velho paganismo epicurista e estóico, vencendo o amor da vida e o temor da morte (tendo-os...), e Álvaro de Campos, avatar dos tempos modernos e tecnológicos, estilhaçando a estreita, deformada e formatada personalidade e vida burguesa e, pela multiplicidade extrema, procurando prometaica, alquímica e perigosamente romper tais opressões e coletes normalizadores e democráticos, tenderia a chegar à Unidade, à Universalidade...  
O que em alguns textos de um modo ou outro foi afirmando: «O grau de Mestre será, da mesma maneira: 8) o escrever poesia épica, 9) o escrever poesia dramática, 10) a fusão de toda a poesia, lírica, épica e dramática em algo para lá de todas elas.».
 Três persona (resultantes de um acto de magia mental, como nos diz) que acabam por ser os exemplares dos três graus menores da iniciação de Fernando Pessoa, o ortónimo, ele próprio, o fino estudioso de linhas e entrelinhas dos ensinamentos, na Ordem Templária de Portugal: «Para obter o Grau de Neófito é preciso passar as três provas do Pórtico – vencer o Mundo, a Carne e o Diabo. Para obter o Grau de Adepto Menor é mister passar as duas provas do Átrio – vencer o amor à vida como vida e o temor da morte como morte. Para obter o Grau de Mestre do Átrio é mister passar a prova do Altar – vencer o apego à personalidade, a noção de que cada qual é o que é, obter a de que cada qual é o universo inteiro e que estão nele, e são ele todos os outros homens», testes e condições que Fernando Pessoa realiza nos anos finais da sua vida, estes três graus sendo referidos nos termos de "iniciação, avanço e completude".
Num texto mais antigo ou juvenil, Fernando Pessoa escrevendo sobre «os três processos de «libertação ou ascensão», que resume no hindu, no cristão e no rosa cruz, e cujos excessos ou desvios resultam no ascetismo que odeia a personalidade, no misticismo que odeia a inteligência, no voluntarismo que odeia a lei, conclui que o ser «mais completo é aquele que consegue reunir em si as três aspirações, e realizar a ascensão por todos os caminhos ao mesmo tempo, embora por uma só via. O que, abstendo-se, sublimando-se e aproveitando-se, se diviniza pois se anula, se excede e se transforma. É esse verdadeiramente o Mestre, o que, livre do mal e do bem, conhece a lei...».
Eis um texto que, embora não da sua maturidade,
deixa ver algumas linhas da transformação iniciática que Fernando Pessoa crê ou prevê na ascensão a mestre, mas que conhecerá ser bem mais difícil, tal como registará quanto a uma das razões: «Para todos quanto queiram mais da vida que o nada que ela é em si mesma, a regra é aquela que, em um dos seus modos, os três graus maçónicos simbolizam. Entramos aprendizes pelo sofrimento, passamos companheiros pelo propósito, somos erguidos (levantados) Mestres pelo sacrifício. De outro modo não se chega, na arte como na vida, à Cadeira, que é o trono de Salomão».
Esta ideia está também glosada em escrita
inspirada ou mediúnica no último ano da sua vida: «O neófito sabe que só se readquire a nova alma com sofrimento e saudade. O sábio conhece o que o neófito sabe. O mestre aplica o que o sábio conhece». Aliás, do sofrimento da sua vida, falam-nos muito o Livro do Desassossego, a sua própria morte prematura, ou, por exemplo, ainda outra glosa: «Para se ser um Mestre temos de imitar os mestres e temos de sofrer e “morrer” portanto».
A noção real e interna de Mestre será muito trabalhada ou interrogada, por vezes em níveis bem subtis e difíceis, tal como se vê no seguinte fragmento: - «A alma da alma é um homem aparte de cada homem e isto é o Mestre, um Anjo da Guarda. A alma desta alma é Deus (ou isto é apenas no génio e inspiração?)», um conjunto perguntas com valor na Tradição Espiritual Portuguesa, dado o seu nível íntimo e elevado. 
No mesmo texto, acrescentará: «Individualmente alma e corpo são um, mas a alma é mestre do corpo no sentido inferior, assim como o Cristo é mestre no sentido interior. Está o mestre separado contudo inseparado? Quando a morte ocorre a unidade dual torna-se uma unidade dupla? É este o significado da frase Grega, “morrer é ser iniciado"?», aqui desaguando numa correnteza que de Plutarco a Antero de Quental inspirou meditações, reflexões, sonetos...
Noutro texto, acerca dos vários níveis possíveis de serem encontrados no aprofundamento interior diz que nos primeiros sentidos de interpretação do Mestre, que é o ego íntimo, ele é a alma e, nos mais elevados sentidos, Deus, Cristo e o Ser que não se conhece.
De facto, um dos níveis elevados da grande obra
iniciática é a revelação do Mestre, que surge mencionado, por exemplo, nos cinco níveis que nos apresenta do simbólico Desejado e Encoberto: «o homem, a esperança, o símbolo, o Mestre, o Cristo», acrescentando ainda que a progressão neles implica um trabalho iniciático de ascese, conhecimento e amor pelo qual se irá «talhando o corpo espiritual do Rei para que nele, uma vez formado, o Segundo Advento carnalmente se faça», afirmação que está de acordo com a doutrina tradicional tanto do corpo glorioso como dos avatares, as manifestações da Divindade ou dos grandes Mestres, na Humanidade, ainda que qualquer especulação sobre se um mestre regressa de novo ou quando tal acontecerá, seja sempre falível e ilusória...
São também muitos os fragmento soltos dedicados ao estudo do grau de Mestre na Maçonaria, ou os dedicadas aos mestres da tradição Rosacruz, desde Valentim Andrea, Bacon e Shakespeare a Robert Fludd, Thomas Vaughan, e já do seu tempo Arthur E. Waite, embora reafirme mais de uma vez que estes são apenas expositores, e que os verdadeiros mestres rosacruzes nunca alguém os conheceu.
Numa importante glosa da Tradição ocidental,
maçónica, diz-nos: «o Templo de Salomão é a alma humana. Sua expressão interna e suprema, o Mestre, é morto (no astral) pelos três assassinos: - o Mundo (desejo dos outros), a Carne (desejo de si) e o Diabo (o desejo de mais que si) e é este último que dá no Mestre, na fronte (isto é, na parte mais sublime do ser) o golpe mortal. A Grande Obra é o elaborar em nós o com, no sentido estrito e pessoal, que não reincarnarmos, a transmutação (aqui mesmo) do chumbo do nosso ser perecível no ouro do nosso ser que não perece».
De registar aqui a menção da fronte, zona
principal e fundamental de visão (o terceiro olho) e de irradiação espiritual, bem como a alusão ao talhar do corpo espiritual imperecível ou de glória, o augoeides, na designação dos neo-platónicos, bastante referidos por Fernando Pessoa como elos importantes da Tradição Espiritual Ocidental.
Mas será Jesus Cristo, nas suas várias dimensões, aquele que depois de ser desvalorizado ou rejeitado na sua fase anti-religiosa ou de sociologia ateia e libertária (em que as suas leituras omnívoras o levaram demoradamente por Binet-Sanglé, Max Nordau ou John M. Robertson) e de paganismo transcendentalista, se torna por fim o Mestre e Desejado da sua vida, ou do seu ser, conforme o seu testamento ou nota autobiográfica de 1935, um ano final importantíssimo, no qual escreve artigos e textos (estes não publicados) em defesa das associações secretas, nomeadamente da Maçonaria, com a sua tradição dos Mestres, atacadas pelo conservadorismo, o salazarismo e o catolicismo.
Na verdade, redige em 30 de Março de 1935  a sua esclarecedora carta autobiográfica (certamente na linha do seu mestre em jovem Antero de Quental, que escreveu em 1887 a sua carta autobiográfica a Wilhelm Storck), na qual se afirma “Cristão gnóstico”, fiel «à Tradição Secreta do Cristianismo, e «iniciado, por comunicação directa de Mestre a Discípulo, nos três graus menores da (aparentemente extinta) Ordem Templária Portugal».
Refira-se ainda noutro texto seu, com certa originalidade, que «o progresso em Cristo, na Ordem, é feito em três estágios – o primeiro revelando Jesus da Nazaré, ou simplesmente, Jesus; o segundo o Cristo de Glória. O terceiro o Cristo de Deus. O primeiro é simples, o segundo contém a unidade essencial de todas as fés e a sua auto-transcendência no Cristo da Glória. O terceiro contém a auto-transcendência mesmo disto, a visão final», aspectos ascensionais que nos remetem para a gnose não-dual e para a iniciação humana e universal, com o mestre Jesus e o Cristo ou Logos cósmico, e apontam para a desejada libertação na Consciência Suprema.
Não dissera ele na carta, algo preparatória, a Adolfo Casais Monteiro, de Janeiro de 1935, que «segundo a nossa afinação espiritual, poderemos ir comunicando com seres cada vez mais altos», os mestres e as hierarquias celestiais. Ou como explicitou ainda noutro texto: «a nossa comunicação, mesmo na sua maior elevação, não pode ir mais além do que a Segunda Pessoa; portanto União com Deus e União com Cristo significam a mesma coisa, pois só podemos ser um com Deus em e através de Cristo», assim se atingindo a Pax Profunda, por ele designada como correspondente à realização de que «In nobis regnat Iesus, não quere dizer “Jesus reina em nós” mas “É em nós que Jesus reina”, em nós, que não nos templos externos», a qual florescerá no cruciforme corpo de glória róseo esbranquiçado.
Lembraremos que o nome Cristo ou Christos é a tradução grega da palavra hebraica messiah, que significa ungido, e que Cristo foi considerado por S. João como o Logos dos gregos,  a Inteligência-Consciência Divina no Cosmos, sendo de certo modo a fonte onde todos os Mestres comungam, e à qual nos devemos abrir para depois irradiar ou partilhar harmoniosamente.
Em verdade, pelos anos fora da sua vida a sua ligação, ou desejo dela, com os mestres será
uma constante, patente em textos ou poemas. Em 1930 fala bastante da Ordem Espiritual de Portugal, que nos inspira a todos, na famosa carta ao conde de Keyserling. E, em 1935, terminará o seu testamento ou nota auto-biográfica exortando-nos: «Ter sempre na memória o mártir Jacques de Molay, Grão Mestre dos Templários, e combater, sempre e em toda a parte, os seus três assassinos – a Ignorância, o Fanatismo e a Tirania.»
                         
Testemunhou pois bastante e bem a Tradição
secreta, a Hierarquia e Fraternidade dos discípulos e mestres que, ao longo dos milénios, tem impulsionado e inspirado a marcha da humanidade e da qual vai sendo também a hora de aceitarmos mais a sua existência e a possível acção interna inspiradora de modo a que, abrindo-nos a eles, ou sintonizando-os, possamos ser mais inspirados ou iniciados no caminho da realização espiritual e Divina.

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