domingo, 13 de abril de 2014

Dom Afonso Henriques, na igreja de Santa Cruz, em Coimbra. Breva animação da iconologia do seu túmulo jacente, e com vídeo.

Revisitação da Igreja de Santa Cruz de Coimbra, fundada pelo rei Dom Afonso Henriques para os frades Agostinhos em 1131, e que foi enriquecida com os belos túmulos quinhentista por Nicolau Chanterenne para o fundador e mestre de Portugal e o seu filho D. Sancho I.
Um mestre, apóstolo, guardião do Templo dá-nos as boas vindas!
O caminho é para a frente e para o alto....
Procura a Verdade e avança humildemente no Templo da Humanidade e da Divindade, e une-as o mais possível.
Em nós reina o Fogo celestial.. INRI.. In nobis regnat Ignis.
Abramos o véu da morte, com o Anjo, ressuscitemos nos corpos espirituais imortais....
D. Afonso Henriques, ressuscitado por Nicolau  de Chanterenne, em 1521, ora pro nobis, ora sempre por nós...
O túmulo do herói fundador feito Templo perene e flamejante...
O princípio Feminino Divino e do Amor, com os Anjos, compassiona e eleva....
Firme e forte está sua alma entre nós, ainda que só subtilmente vislumbrada...
Os Anjos também têm sentimentos e connosco vibram....
Do mestre fundador de Portugal, sua efígie calma e beatífica repousa no seu túmulo já quinhentista, mas sopra ainda o Logos ou Palavra que anima...
No cálice do coração se erguem e se recolhem os efeitos da divina aspiração: corações ao alto!
Anjos (ou quem sabe Arcanjos) tenentes das armas e corações dos Portugueses: quem os cultua e invoca?
                

sábado, 22 de março de 2014

Luzes sobre a vida, morte e destino de Antero de Quental, filósofo e poeta peregrino, nos 130 anos da sua partida.

Da Vida e Morte, e da peregrinação do Ser de Antero de Quental no Espaço e Tempo, deste mundo e dos outros, poderia ser outro título para esta incursão por entre as brumas e ensinamentos da vida e sobretudo morte de um dos nossos maiores,  Antero de Quental, bastante melhorada  agora para os 130 anos da sua partida, ano da graça de 2021. 
Talvez possamos considerar em geral na vida de cada ser humano tanto o tempo da vida natural, entrelaçado no tempo histórico circunstancial, como o tempo ou decurso ideal, o que desejaríamos de perfeição, de Amor, de plenitude...
Uns seres morrem mais cedo, por circunstâncias várias, e outros mais tarde, maduramente, e o porquê é sempre tão variado e complexo de se deslindar que apenas poderemos perseverantemente sondar, fragilmente deduzir, subtilmente sentir e intuir, tentando nas nossas vidas merecermos viver com mais consciência e qualidade, aproximando-nos da nossa realização mais elevada, a  qual se entretece na dos outros, tal como Antero de Quental vivendo atribuladamente como cavaleiro em demanda da Justiça, Liberdade, Verdade e Bem, solitário mas convivente e tocando pela sua poesia, diálogo e epistolografia tantos seres,  que a sua morte embora precoce pode "desculpar-se" pela sua tão intensa e fulgurante juventude e influência geral.
Ora na vida de Antero de Quental (18-IV-1842 a 11-IX-1891), a que circunstâncias principais  se deveu o seu suicídio, a forma mais radical de se equacionar e solucionar o dilema da durabilidade e da esperança neste tempo e espaço terreno, ou de se concluir a peregrinação terrena, com todas as consequências que tal pode acarretar em relação às energias anímicas que o envolviam e constituíam e que deixou por cumprir?
Muitas foram e têm sido as hipóteses e causalidades admitidas e, depois de ter lido, reflectido e meditado algumas bem como o facto em si da morte (nunca suficientemente...), penso que foi o seu fundo ardente e idealista, instável no seu terreno físico com dificuldades grandes de digestão (um provável estrangulamento do piloro) e de dormir, as quais estariam intimamente relacionadas com sistema nervoso muito sensível e sujeito a astenias de vontade, o qual, por uma série de circunstâncias exteriores e interiores, foi ficando hipersensível em certos aspectos e afectado em relação às suas capacidades de responder às expectativas de vida, e que com o decorrer delsta se foi exaurindo, até nos Açores soçobrar perante um súbito e inesperado volta a face no seu desejado futuro de lutador idealista regressado à ilha natal de S. Miguel.
Naturalmente com os 49 anos de idade, na altura bastante mais maduros dos que de hoje, Antero foi-se tornando ora inquieto e excitado, ora abatido e deprimido, ou mesmo apreensivo, com as ideias que lhe passavam pela cabeça e as situações e empresas que tinha pela frente, nomeadamente, nos últimos dias da sua vida, quando no regresso aos Açores com as suas pupilas, esse projecto de recomeçar a vida na terra natal, próximo delas, inesperadamente foi por água a baixo.
É natural, igualmente, que a sua visão da Vida-Morte, algo influenciada pelo  niilismo e de algum modo pelo Budismo, com a cruz cada vez mais pesada da sua existência corporal e com a esperança do futuro sossegado subitamente desaparecendo sob horizonte plumbeamente carregado de nuvens açorianas, tenham contribuído para a partida voluntária e para nós precoce...
O facto de não ter conhecido melhor a tradição Perene, seja a indiana Yoguica mais do que a Budista, ou mesmo a tradição espiritual ocidental, embora tivesse lido e relido a mais católica e humilde Imitação de Cristo e alguns místicos profundos alemães, os da Theologia Germanica, não lhe terá permitido receber as melhores bênçãos das suas cogitações e meditações, as quais portanto não foram eficazes em termos de harmonização psico-física e de realização espiritual.
O não ter encontrado e se unido à sua Beatrice (a quem dedicou um dos seus mais belos poemas adolescentes), à sua possível amada entre as que conhecera, algumas das quais o fizeram apaixonar e chorar, contribuiu também para que a sua dor e desilusão da existência terrena, que iria intensificar-se com seu regresso a Lisboa para viver com a sua irmã, com quem não se dava muito bem, se tornasse insuportável...
O não ter equilibrado bem a razão-pensamento com a imaginação-sentimento, nem ter encontrado a profissão e os meios ambientes receptivos ao seus ideais éticos, filosóficos, políticos e espirituais, potenciou os problemas psico-somáticos e as insónias, acabando por aos 49 anos estar  envelhecido e com poucas forças para continuar a lutar e a criar, sobretudo confrontado com o ruir das ilusões que projectara no retorno calmo à sua matriz açoriana.
O suicidar-se poderá ser visto então tanto como uma decisão corajosa e madura, como uma retirada para o além perante as fragilidades psico-físicas e as contrariedades ou desilusões que foram tombando sobre si e mais fortemente no último mês de vida.
Destas contrariedades, três das últimas foram talvez determinantes, além das desilusões anteriores amorosas e profissionais: no Porto, fora em 1891 o presidente da Liga Patriótica do Norte, uma tentativa de estudantes, intelectuais e gente mais patriótica e revolucionária de reagir ao Ultimatum do imperialismo inglês, mas que não conseguiu durar muito, nem ter o dinamismo desejado,já que as divergências entre os dois partidos, monárquicos e republicanos, e entre as personalidades agentes, acabaram por a fragmentar e fazer com que Antero perdesse a sua última cruzada pela Liberdade, embora com dignidade, e da qual sobreviveu um notável discurso, impresso até em folha volante, ainda hoje valioso...
Regressado aos Açores, sob esse peso, mas levando consigo o  tesouro do seu coração (as duas pupilas, Albertina e Beatriz) e com a esperança que conseguisse assentar, Antero vê que tem de separar-se dessas duas órfãs do seu grande amigo Germano Vieira Meireles e que estavam ao seu cuidado há vários anos, pois a sua irmã Ana Guilhermina, que ele pensava que poderia  educar as crianças com ele, não se deu nem com o clima açoriano nem com elas, decidindo voltar para Lisboa, e ficano por ela decidido que elas já estavam grandes demais para ficarem com Antero, gerando-se assim provavelmente a causa determinante circunstancial do suicídio..
Finalmente, a terceira causa ou circunstância foi o clima húmido e enublado, algo depressivo para certas pessoas, a exasperar e a abater demasiado os seus nervos, digestões e insónias, forçando-o a reconhecer que não conseguia ficar na ilha no meio do Oceano, ainda que fosse essa a sua intenção. Instaladas as filhas adoptivas, dilacerado por tal separação, compra o bilhete de barco para Lisboa, mas nos últimos dias entra no fatal desassossego que o encaminha para a ponte da eternidade...
Vemos então avolumarem-se vários factores que contribuiriam para lançar Antero de Quental (luz e amor estejam na sua alma) na decisão de se encaminhar, destemido ou perdido, para a passagem sempre difícil da morte para os outros mundos. 
Deveremos pensar que a responsabilidade principal foi dele, com plena consciência e livre-arbítrio, pela sua desilusão filosófica, social e afectiva, e por opção niilista ou dor religiosa, para além do desespero ou desgaste em que se encontrava de não conseguir digerir (pelo que tomava uma só refeição por dia) nem dormir?
A penúltima pintura que dele nos resta, realizada por Columbano pode-nos fazer perguntar se está próxima do retrato real, ou se foi mais a imaginação do pintor a retratá-la assim, mas o próprio Antero a considerou exagerada e fantasmagórica, pois Bordalo parece mostrá-lo já algo entre este mundo e o outro, pelo olhar dualizado (no lado esquerdo forte e no direito morto), pelo alongamento à El Greco que foi emprestado à face de Antero, bastante desequilibrada na simetria desenhada, magra e com as entradas na testa já tomando conta do cimo da cabeça. Da escuridão da roupa e do fundo resulta uma evocação da morte e Antero surge como que tendo-a já dentro de si ou mesmo perspectivando-a, fitando-a, calma e destemidamente, e não olhando para nós...
                                      
     Antero, pensador trágico, no final da vida, carregado por Columbano Bordalo Pinheiro...
Como Antero é dos nossos pensadores ou poetas filósofos  quem talvez mais dialogou com a morte e a aceitou ou amou desde cedo e ao longo de toda a vida, não terá sido tal familiaridade decisiva para a facilidade de se lançar tão decidido no acto extremo do suicídio?
Oiçamo-lo, num dos muitos exemplos possíveis dessa sua paixão funesta poética, nos dois últimos tercetos, do soneto VI, no Elogio da Morte, afirmando que ainda que possa ser pecado o suicídio, não é o sonhar e adorar a Morte, como libertadora, como a paz inefável, identificando-a com o não-Ser absoluto, ou mesmo com a Divindade:

"Em mim seduz-me a paz santa e inefável,
E o silêncio sem par do inalterável,
Que envolve o eterno amor no eterno luto.
 
Talvez seja pecado procurar-te,
Mas não sonhar contigo e adorar-te,
Não ser, que é o Ser único absoluto"

Entre o morrer naturalmente de envelhecimento e o sofrimento e as desilusões dolorosas que sentia se continuasse vivo no corpo físico, entre o mistério do que o aguardava e a serenidade silenciosa a que aspirava ou em que acreditava vir a encontrar ao libertar-se do corpo, Antero optou por partir, com mais ou menos lucidez e desprendimento, com mais ou menos dor e desespero, com mais ou menos dúvidas e confianças...
O pensamento, que certamente teve, de que, ao deixar assim as duas jovenzinhas, iria infligir-lhes um grande sofrimento, não o poderia ter detido?
E na despedida a elas e em que estiveram abraçados vários minutos a chorar (teriam intuído as jovens algo?), quando foi decido o regresso a Lisboa, teria ele já sentido ou intuído o anúncio do corte da vida, fazendo portanto com elas uma despedida total, ao estar supra-consciente que o afastamento do seu convívio e missão pedagógica que tanto o alegrara, seria definitivo, e que a partida para Lisboa não aconteceria e tudo agora era sinal e  símbolo da partida algo trágica na sua ilha natal para o seio misterioso da morte precoce?
Deveremos então pensar que, nas determinantes do acto, o perder a companhia das crianças terá sido o contributo mais forte na causalidade de se desiludir da vida e apressar o encontro com a morte e o além?
Ou terá sido antes o seu enfraquecimento psico-somático, com toda a quota parte de desilusões, desagradáveis para quem fora um forte, génio e santo e se via agora algo fraco, isolado e frustrado, tendo ainda a puxá-lo, senão a sedução ou o calmo amor, pelo menos uma certa visão da morte como paz, liberdade e acesso ao Nirvana da extinção dos desejos e da ignorância e da entrada na impessoalidade, de certo modo numa visão errada de entrada num além libertador, contribuindo ainda para tal os suicídios recentes de Júlio César Machado e de Camilo Castelo Branco, este privado da visão?
Em verdade, terá ele pensado que chegara mesmo a hora de partir, que o principal já estava feito, desde a educação das crianças às suas poesias e textos filosóficos, e que pouco mais poderia contribuir para mudar o curso dos acontecimentos ou as características do espaço cultural e anímico-espiritual nacional, tanto pela sua incapacidade em completar o livro final da sua Filosofia, no qual tanto trabalhara (e do qual as Tendências gerais da Filosofia Portuguesa na segunda metade do séc.XIX, publicado em 1890, foram e constituem um notável sinal e resumo) como pelo próprio meio, pouco receptivo ao alto idealismo das suas aspirações, visível no Programa de Trabalhos para as Gerações Novas, título de um trabalho que destruíra?
Sabermos exactamente que estados anímicos e ideias mais passavam ou estavam no seu foco de identidade consciencial, e quais o guiaram ou empurraram nesse momento dramático, escapar-nos-á sempre, sem pensarmos sequer em entidades ou egrégoras insidiosamente invisíveis, e provavelmente só ele nos poderá um dia deixar ver as proporcionalidades causais que dedilhámos...
De qualquer modo, no muro ou cerca do Convento da Esperança, no banco do jardim, sob a palavra Esperança e a âncora que estavam atrás da sua cabeça, e depois no Hospital de Ponta Delgada, teve o seu purgatório forte, passando ainda uma hora de sofrimento grande, angustiante e purificador, pelo menos pela consciência da dor, conforme terá assinalado com os olhos quando lhe perguntaram como se sentia ou sofria...
                                            
Um pouco da aura do poeta de algum modo ainda paira sobre o banco, encostado à cerca do convento da Esperança, debaixo da âncora em relevo e a palavra Esperança, impulsionando-nos a pormos em acção criativa, livre e luminosa tal virtude, tendência e aspiração de Amor e Sabedoria, de Justiça e Verdade, que nele e em todos nós habita como essência e virtualidade íntima,  a ser actualizada perenemente e conforme a nossa estação no Caminho...
Interroguemo-nos ainda empaticamente: o que se passaria no seu espírito e mente, ou como viu e sentiu esses momentos? Estava lúcido, sentindo o pulsar do corpo já quase exangue? Alguma clarividência o acompanharia já como ser em corpo anímico liberto do corpo?
Os testemunhos dos médicos que acorreram imediatamente ao local mostram-no a ouvir e a responder com os dedos e com os olhos às perguntas sobre se tinham sido um ou dois tiros, qual fora o primeiro e se tinha muitas dores.
Mas estaria a sua alma erguida, como guerreira, pronta a partir do despojo mortal, auto-ferido na batalha final, ou antes a sua alma estava fragilizada, quem sabe se até envolta numa momentânea egrégora de tristeza, mais do que de desespero e perdição, que o obnubilou?
E, admitindo presenças invisíveis, Quem o acompanharia ou mesmo recebeu no além, nesse momento, tanto mais que o seu último soneto, escrito em Agosto de 1885, seis anos antes de morrer, intitulava-se já algo profeticamente Com os Mortos, e é certamente dos mais felizes e luminosos, pois após duvidar da perenidade do ser, conclui: «Mas se paro um momento, se consigo//fechar os olhos, sinto-os a meu lado// de novo, esses que amei, vivem comigo,// Vejo-os, ouço-os e ouvem-me também, // juntos no antigo amor, no amor sagrado,// na comunhão ideal do eterno bem»
Qual a lucidez presente? Seria o seu despertar anímico supra-corporal realizado até então suficiente para ver com a visão espiritual alguns amigos, antepassados ou guias, certamente depois de morrer?
O velho lema ou mantra grego Morrer é ser iniciado (invocado, glosado e questionado uns dias depois pelo seu devoto amigo Joaquim de Araújo, no poema Na Morte de Antero, e anos mais tarde por Fernando Pessoa glosado no poema Iniciação), actualizou-se  naquelas trágicas condições, de  modo iluminante para ele e para a travessia que empreendia?
Pelo que sabemos dos relatos dos acompanhantes dos últimos momentos, Antero de Quental manteve-se lúcido, quem sabe se até mais lúcido do que antes, agora que se esvaziava o balão corporal pressionante sobre a sua alma e esta se soltava dele, mas de relatos clarividentes só teríamos os pseudo-escritos por Antro, transcritos pelo famoso médium Fernando de Lacerda (1865-1918), e dados anos depois ao público como mensagens psicografadas incluídas no livro Do País da Luz, mas que são de qualidade mais do que duvidosa...
Qual seria verdadeiramente a sua expectativa-crença do que iria acontecer, e que influência teve isso no que lhe sucedeu ao morrer e depois com o decorrer do tempo, já em corpo subtil?
Pensaria ele em adormecer, dissolver a personalidade, libertar-se da ignorância, mergulhar corajosamente no abismo,  que certamente mais de uma vez sentiu entre si, e no mistério do Cosmos e do Ser dos Seres ou mesmo Não-Ser, ou  haveria ainda alguns restos das crenças cristãs, expostas por exemplo no soneto Na Mão de Deus?  Ou antes admitiria e desejaria avançar como espírito em corpo subtil, qual Cavaleiro ou Fiel do Amor invencível, como se vê no poema Mors-Amor, em que o cavalo negro da Morte é vencido pelo cavaleiro ou vontade de Amor?
Para que nível do mundo subtil partiu então Antero, e quantos quanta de consciência espiritual já desperta tinha ele unificado em si, para poder avançar auto-consciente?
O Santo Antero, como lhe começou a chamar a mulher de Lobo de Moura, Maria Ermelinda, e que Eça de Queirós lapidará como: O génio que era um santo, próximo do pensador duplicado por um santo, de Anselmo de Andrade, partiu mesmo como um viajante desperto, ou quase, para o mundo espiritual, ou a aura do líder de uma geração, do animador de Cenáculos sucessivos e da Sociedade do Raio e o sonhador da utópica Ordem dos Mateiros não correspondia já à realidade, pois as circunstâncias da vida teriam enfraquecido  o seu sistema nervoso e a alma e, logo, pelo menos transitoriamente, a assunção e a manifestação do seu luminoso espírito?
Alguns dos testemunhos dos últimos meses de Antero (tais os do seu primo e grande amigo Sebastião d'Arruda, ou o de Manuel da Câmara) mostram-no ainda a filosofar com grande qualidade e apontam para uma queda abrupta nos últimos dias, face ao fracasso do regresso aos Açores, à perda das jovens e ao sofrimento das insónias e da dispepsia. Quanto às descrições dos momentos finais mostram um estoicismo grande e certamente uma lucidez apurada até pela dor...
                                              
A última representação iconográfica de Antero é descrita assim por quem o conheceu a partir de uma pintura feita pelo seu primo e querido amigo Sebastião Arruda:  "Sebastião d'Arruda, nos lençóis, Antero deitado ao lado, por cima da roupa, envolto no chaile-manta, ambos, olhos fitos no tecto, deleitados em íntima palestra". "Queriam-se como irmãos aqueles primos. "
Face à riqueza da sua vida e personalidade, face aos contrastes psíquicos que manifestou, face ao nível elevado da sua demanda da Verdade, as interrogações subsistirão talvez até para manterem entre nós Antero de Quental vivo, na alma e no mistério, na poesia e no testamento filosófico (título este de um ensaio que o meu amigo e convivente Sant'Anna Dionísio lhe consagrou), tornando-o frequentemente revisitado e aprofundado em ensaios e colóquios, assim se iluminando não só ele como também nós e os ensinamentos que realizou e as ideias-forças  e impulsões anímicas desafiantes que nos deixou: "Quisera desenvolver a teoria do supremo Bem, roteiro do espírito para a felicidade eterna", tal como nos diz o seu amigo Manuel da Câmara...
O "Supremo Bem", quantos de nós aspiramos a tal? E interrogamo-nos de novo: como estaria no fim a sua relação com o Ser Divino, ou o Absoluto, a Verdade, a Fonte Primordial?
Foi descansar Na Mão de Deus, tal como imaginou nesse soneto muito apreciado pelos pensadores mais católicos, ou morreu pela dor da ausência de Deus, como queria outro açoriano, Rebelo de Bettencourt? 
Ou antes a Divindade, seja como Bem supremo, ou como Razão Pura, ou ainda como presença luminosa íntima, foi-lhe nascendo já no além mais ou menos lentamente por subtis modos no interior da sua alma, possivelmente depois da revisão da vida e de uma certa fase purgatorial?
E hoje quem é ele?
Certamente não um ser que entrou no Nirvana do Não-Ser mas bem pelo contrário, provavelmente um peregrino dos mundos da Manifestação ou mesmo já, quem sabe, um dos discípulos ou mestres que tenta inspirar os portugueses e não só?
Mistérios da vida e da morte, enigmas luminosos mas dialogantes e clarificantes que nos interpelam a meditar e a ver, a viver e a ser mais verdadeiros e livres, profundos e plenos...
                                              
         O Anjo interpela-nos: - Como está tua alma e a sua ligação com o espírito, o Bem, o Amor, a Divindade? Intensifica-a, aqui e agora....

sexta-feira, 21 de março de 2014

Comemoração dos 45 anos do IADE. Homenagem a Lima de Freitas e a alguns professores, tal como o Arq. João Rebolo.

Comemoraram-se hoje os 45 anos do IADE, no Palácio Quintela, à rua do Alecrim em Lisboa, com uma palestra de José Carvalho Rodrigues, intitulada  O Magnetismo da Busca do Misterioso e centrada nas proporções geométricas e em Lima de Freitas, pintor que foi com António Quadros fundador desta prestigiada instituição, IADE - Instituto de Artes Visuais, Design e Marketing, dinamizadora de muitos cursos, projectos e actividades.
Foram ainda homenageados alguns professores e funcionários da casa, entre os quais o nosso amigo João Rebolo, arquitecto, já com 25 anos de magistério.
A exposição de obras de Lima de Freitas, um amigo sábio com quem dialoguei algumas vezes e a quem passei até um inédito pessoano, estava constituída sobretudo com capas de livros, páginas abertas e ilustrações, e encontrava-se patente no andar-térreo do palácio.
Partilhamos algumas fotografias do palácio e das suas pinturas, do evento e, por fim, da obra de Lima de Freitas, mestre da geometria sagrada...
Escadaria ad astra

Dos 12 trabalhos de Hércules
O arquitecto João Rebolo recebe um distinta caneta como prémio pela sua dedicação de 25 anos
Do alto descem as inspirações dos Deuses Olímpicos 
Do beijo da Verdade
Arte viva e ao vivo
Da vera efígie de Mariana nossa Soror
O alto cume que o Amor é nos obriga a procurar ser....


Da busca serpentina ascensional nos rosacruzes, em Fernando Pessoa e em Lima de Freitas 
Um belo pentagrama flamejante
Da busca pela geometria sagrada da visão e assunção do Espírito

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Dos encontros e relacionamentos. Da arte do amor relacional. Reflexões....

     Dos encontros e relacionamentos. Reflexões, nos transportes colectivos, o autocarro 727 da Carris...
I - O encontro entre duas almas é sempre um acontecimento luminoso porque naturalmente há sempre alguma complementaridade, há raios e energias mais abundantes de certas qualidades e chakras numa das pessoas que vão impulsionar a outra, nem que seja apenas nesse momento, o qual deve ser então vivido com o máximo da intensidade, de acordo com dois ditos da Tradição Perene: Aqui e Agora, português, e Icchi-go Icchi-e, um momento único, japonês.
Quando há mais plena atenção e amor, no encontro, os efeitos são mais profundos e duradouros e, além da intensificação irradiante e mesmo da inspiração que se pode sentir ou obter, é possível estabelecerem-se fios e canais subtis que farão com que se caminhe na Vida em melhor interacção com tais almas então conhecidas ou de quem se está mais próximo ou mais se ama...
Também as palavras pronunciadas e trocadas, ou então apenas imaginadas, podem, pela sua dimensão poética, mântrica e anímica, tornarem-se sementes e árvores por onde a seiva da Inteligência Amorosa Divina circula, estrutura, inspira e religa, ainda que em processos invisíveis e em durabilidade de efeitos que dificilmente concebemos...
Pronunciá-las vindas do coração, ou da nossa interioridade espiritual, conscientes de que elas são portadoras de forças luminosas e abençoantes é muito importante. Por vezes podemos mesmo estar a ouvir uma pessoa e simultaneamente estarmos a harmonizá-la ou a massajá-la com as nossas palavras ditas apenas subtilmente ou irradiantemente do chakra do coração...
Termos algumas que podemos cultivar, relembrar, entoar, meditar e volta e meia fazer uma bola de luz, ou uma chama quente, ou uma flecha ardente, e enviar a alguém, é fazer germinar a luz e o amor nas almas e no Caminho da Vida....

II - A vida é, apesar da unidade da consciência espiritual, tal como o fio de consciência que une as contas de cada dia do rosário da existência, feita da sucessão de múltiplas dualidades, tal como a noite e o dia, o prazer e a dor, a alegria e a tristeza, a confiança e a dúvida, a consciência e a inconsciência, num todo, ininterrupto, caracterizado portanto ora pelas mudanças psico-físicas ora pela estabilização de perenidade consciencial espiritual...
Sábio é o ser que consegue com calma e discernimento, paciência e esperança, cavalgar ou sujeitar-se a todos os contrários mantendo um estado equânime de consciência e a partir do fio, núcleo ou continuidade superior da consciência e operar a sua ligação aos níveis superiores do Universo e de si, ao Bem, ao Espírito e à Divindade ,deles recebendo o néctar da Luz e do Amor Divinos, ou as imagens e informações que por motivos e fontes diversas merece receber....
Saber dominar a atracção e a repulsão, a distração e a dispersão, ou equilibrar os diversos opostos harmoniosa e constantemente, de modo a que a alma não seja perturbada ou desalinhada do seu eixo vertical e espiritual, é então um dos objectivos desta vida de contrastes e de unidades, para que cada ser possa ultrapassar as limitações da sua imperfectibilidade e transitoriedade corporal e pessoal e ressuscitar na sua fulgurância e perenidade espiritual e assim dinamizando luminosa e amorosamente a vivência social...

III - A maior plenitude da nossa relacionalidade com as outras pessoas não depende tanto da racionalidade dos julgamentos, interesses e apreciações mas antes de factores mais subtis e anímicos, tais como afinidades e sincronias que, se frequentemente se revelam passageiras, de quando em quando se revelam mais profundas e duradouras e verdadeiramente dignas de serem cultivadas e fundamente interiorizadas e vivenciadas...
Vasto deve ser então o teu horizonte: a tua pátria não pode limitar-se a um torrão da terra mas deve ser a Terra Lúcida dos que aspiram à Verdade e ao seu Conhecimento vivido, partilhado e aprofundado. As tuas amizades não devem ser apenas as da tua escola, rua ou conhecimentos passados, mas sim a rede infinita de potenciais seres conhecíveis e dialogáveis dentro dos trilhos que podes e deves percorrer...
Mas como nada é dado como certo, como a aprendizagem e o contante endireitamento são partes estruturantes do Caminho, então deves saber morrer nas desilusões e horizontes que surgem inevitavelmente e depois, com o Sol do novo dia, renascer como um peregrino do Amor Sabedoria, sempre aberto às melhores manifestações de de Unidade que possas realizar, dos animais e humanos aos Anjos e à Divindade, qualquer que seja a face ou o nome mais afim de ti...
Assim que a tua irradiação seja como a de um sol, firme, sempre irradiante de luz e calor, isto é, de conhecimento e amor, de fé e de esperança...

sábado, 15 de fevereiro de 2014

A demanda de Antero de Quental. Improviso gravado diante da sua estátua no jardim da Estrela.

Mestre Antero, no jardim da Estrela, em Lisboa numa estátua algo imperfeita e truncada, mas mesmo assim sempre pronto a ouvir-nos ou mesmo a inspirar-nos...    
Breve improviso na noite de S. Valentim de 2014 e pequena leitura de alguns pensamentos de Antero, mas com o fim da bateria, interrompidos antes de que esperávamos...
"O ideal quer dizer isto: desprezo das vaidades, amor desinteressado da verdade; preocupação exclusiva do grande e do bom; desdém do fútil, do convencional, boa fé, desinteresse, grandeza de alma, simplicidade, nobreza, soberano bom gosto e soberaníssimo bom senso... tudo isto quer dizer esta palavra de cinco letras -- Ideal..."   Prosas, I. pág. 343.
 
Fotografia de um excerto de um artigo de Hernâni Cidade, com excerto de poema bem significativo da ânsia de Antero de libertar-se das formas transitórias e caducas e ascender à região do puro pensamento e da Consciência. 
Que intuíra ele desses níveis sem forma e de puro pensamento?
E nesses planos não continuarão os pensamentos a ter formas, mesmo o mais puro pensamento?
Será que a Consciência no seu plano e nível mais elevado essa sim, é sem forma alguma, havendo apenas comunicação íntima no Oceano de unidade de energia-consciência, ou mesmo aí, há formas das individualidades ou centelhas em intercomunicações no grande Oceano de Consciência Divina?                                                            Creio bem que sim: pequenas centelhas divinas....
Eis-nos com desafios anterianos e não só, pois  filósofos, discípulos e mestres os equacionaram e demandaram....

Antero de Quental, um mestre de Portugal. Acerca da sua biografia por José Calvet de Magalhães.

         Antero de Quental, inspirador idealista ético-espiritual...
                                     
                        No jardim da Estrela, em Lisboa..
Antero de Quental, talvez o escritor português mais carismático do século XIX, ressurge de tempos a tempos das brumas do passado graças a alguns fiéis da sua alma, vida e obra, seja os que o leem e o meditam ainda hoje, seja os que o sondam e investigam, tal o embaixador José Calvet de Magalhães que, depois de publicar as biografias de Eça de Queirós e de Almeida Garrett, deu à luz o livro Antero, a Vida Angustiada dum Poeta, em 2006 pela editora Bizâncio.
 
Antero de Quental, nascido em 1842, a 18 de Abril, signo Carneiro, de fogo e, diz-se, do signo de impulsividade, em Ponta Delgada, ilha de S. Miguel, nos Açores, foi bem "um ilhéu que emigra", na expressão de Vitorino Nemésio, e a sua vida de andarilho e indisciplinado no fluir impermanente da vida foi tal que denominaram-no (e considerou-se de certo modo, embora em unidade com o helenismo) budista, não só pela sua aspiração intensa a um indefinível para além da impermanência das coisas e do ser, como também pela sua vida de génio celibatário itinerante (ainda que tivesse os seus amores), portador de sucessivas mensagens revolucionárias, na linha dos yogis indianos ou dos monges budistas, discípulos do Dhamma, da Ordem do Universo, e do Caminho do Meio realizado em sentidos libertadores por Siddhartha Gautama, o Buddha.
Talvez até porque os seus antepassados se tinham notabilizado na religiosidade católica e no livre-pensamento, Antero possuía energias místicas e independentes fortes e ao desembarcar em Coimbra aos 16 anos para estudar Direito lançou-se rapidamente  em leituras das correntes ideológicas, científicas e sociais que então sulcavam as mentes mais avançadas europeias, entre as quais se destacavam as do socialismo nascente, com Proudhon, e as do universalismo espiritual, impulsionadas pelos estudos das religiões e pelas obras de Jules Michelet e Edgar Quinet.
Grande parte da poesia e do drama de Antero de Quental testemunha, resulta, ou estava em sincronia, com o embate formidável de ideias anti-conservadoras e libertadoras, ao qual se entregou com o corpo e alma muito sensíveis, desenvolvendo especulações e estudos filosóficos e éticos notáveis, consignados no fim da sua vida sinteticamente nas Tendências Gerais da Filosofia na segunda metade do séc. XIX, e anteriormente em muitas análises culturais, sociais e políticas dispersas por publicações, jornais, revistas, e que  estiveram por detrás, dentro e por cima da sua notável e bela, embora frequentemente torturada, poesia. 
Contudo, o facto de terem sido destruídos por ele próprio dois escritos fundamentais acerca da sociedade, religião, metafisica e arte impedem-nos de cingir plenamente a fundura e abrangência do seu pensar, meditar, intuir e ser, ainda que certamente as suas cartas nos transmitam muito disso.
 José Calvet de Magalhães soube na sua biografia recriar alguns dos mais importantes acontecimentos da vida de Antero de Quental, e vemo-lo desde Coimbra, nas suas caminhadas com botas de sete léguas e nas audaciosas participações na Sociedade do Raio, donde saiu em 1862 o Manifesto dos Estudantes da Universidade de Coimbra à opinião ilustrada do país, ponto final no reitor Basílio Alberto de Souza Pinto e em hábitos universitários caducos ou praxes (e que diferença para os nossos dias, onde tais anacronismos opressivo-fascizantes ainda subsistem...).
E pouco depois entrará na intensa polémica literária do Bom Senso e Bom Gosto, 1865, que o desiludirá, entrando depois na intervenção social e ir amadurecendo à custa de muita dor e desilusão, movimento e reflexão. 
Todos estes aspectos exemplares da vida «do guia de uma geração» são bem descritos, numa prosa clara e directa que nos alicia invencivelmente, ou não fosse a vida de Antero de Quental uma travessia rápida e dramática do mar da existência, sempre em busca dos caminhos da Liberdade, da Justiça e da Consciência.
Diferentes interpretações da vida e obra de Antero são inevitáveis, e ainda mais seriam se conseguíssemos entrar nos aspectos íntimos das suas motivações, impulsos e atavismos, pelo que devemos confrontar bem as diferentes visões e compreensões oferecidas e que na realidade ora nos guiam ora nos desviam da verdade, dele próprio, da sua vida e drama.  
José Calvet de Magalhães crê, por exemplo, que a vida boémia estudantil provocou uma úlcera, que terá evoluído para o estrangulamento do piloro, causador das digestões difíceis, que ainda mais o perturbavam pelo seu regime espartano duma só refeição por dia. E pensa que o dr. Filomeno da Câmara e o sábio Jaime Batalha Reis, os únicos que teriam diagnosticado este mal, não o revelaram a Antero por a operação ser então impossível. 
Mas se pensarmos na constante busca de verdade que animava Antero, custa-nos a crer que não o esclarecessem sobre a causa dos seus males. Este aspecto é ainda importante pelas crises de insónia que sofria Antero, ou ainda pelos seus estados de fraqueza e nervosismo  e que para muitos serão determinantes no findar abrupto da sua vida...
As relações de Antero de Quental com algumas personalidades da época formam uma aura de grandes amizades, nascidas na idade  propícia da vida estudantil e no caso bem bafejadas,   temperadas e aprofundadas em debates idealistas e  acções abnegadas, com momentos até de capa e espada, com Camilo e Ramalho Ortigão (este batido em duelo), ou mesmo na inimizade com o torcido, ou algo invejoso, Teófilo Braga. 
Se devemos ou não condenar como coléricas certas atitudes ou cartas de Antero de Quental, ou se as devemos considerar antes expressões de indignação justa, será sempre motivo de controvérsia, mas não é evidente que o facto de pedir desculpa depois de algum acto  implique uma plena culpabilidade. Diga-se porém em abono de verdade que Antero  confessou por vezes em cartas ser de carácter colérico, ou seja, que se indignava fortemente com certas injustiças...
 Oliveira Martins foi um dos dialogantes mais próximos de Antero, mas isso não o impediu de receber uma resposta negativa quando o convidou a participar num ministério com ele. Para Calvet de Magalhães foi uma atitude bastante egoísta, mas discordamos pela simples razão que Antero lhe dá ou diz no fim da carta: «The right man in the right place».  Já noutra ocasião em que Antero de Quental se preparava para concorrer ao cargo de professor universitário foi a vez de Oliveira Martins o dissuadir fortemente, e creio eu para mal dos nossos pecados e vida de Antero...
Não nos espantaremos porém a atitude de Antero se soubermos a conta em que  tinha a generalidade dos políticos do pobre Portugal, tal como escrevera pouco antes a Oliveira Martins, justificando com ironia a sua breve passagem pela capital lisboeta:«Não ouvia senão falar em roubos, tive medo de encontrar algum ministro e ficar sem camisa»... 
       Contudo, em 1890, quando já iam bem longe os ímpetos mais revolucionários, ou a candidatura a deputado pelo idealista Partido Socialista, e se encontrava retirado, mesmo da poesia, ao rebentar a crise ultramarina que culminou com o Ultimatum britânico, Antero de Quental aceita assumir um cargo público, mas por delegação directa popular e fora do aparelho dos partidos e do Estado...
José Calvet de Magalhães descreve, talvez no capítulo mais conseguido do livro, a intrincada situação e o erguer efémero da Liga Patriótica do Norte, da qual Luís de Magalhães, que o convidou, diz:«Era preciso que à frente dessa Liga se pusesse uma consciência absolutamente pura e imaculada, um grande coração generoso e heróico, um nome que a todos inspirasse uma absoluta confiança e fosse já aureolado». 
 Depois de terem sido consultados os estudantes e aprovado o nome de Antero de Quental, este veio de Vila do Conde, sendo recebido entusiasticamente na estação de caminho de ferro da Boavista. E ao fim da tarde, com uma multidão diante da casa onde se hospedara, conta-nos José Calvet de Magalhães, «Antero apareceu a uma varanda, sendo recebido por uma estrondosa salva de palmas e novos e entusiásticos vivas. Pedindo silêncio o poeta disse algumas palavras de agradecimento, manifestando a esperança do bom êxito da campanha de renascimento da Pátria, em que ele agora acreditava sinceramente, em virtude do apoio que recebia dos estudantes», e era realmente esse o propósito que levava o venerando poeta-filósofo a entrar sem muitas ilusões na arena pública...
Bons tempos em que os estudantes eram uma das forças mais vivas, dinâmicas, revolucionárias da Pátria...
Em 7 de Março de 1890, quando o desapoio político partidário causava o findar dessa espontânea e idealista Liga Patriótica do Norte (embora não devamos esquecer alguma influência não só no eclodir da revolução do 31 de Janeiro de 1891 como no futuro movimento portuense da Renascença Portuguesa, de Leonardo Coimbra, Pascoais, Jaime Cortesão e Augusto Casimiro), Antero de Quental redige um «manifesto em que definia a sua posição pessoal e em que, em termos severos, condenava os dois grandes partidos monárquicos e, igualmente, o partido republicano, afirmando que deles nada haveria a esperar...» 
Era o velho panfletário que renascia, o Saint-Just de que falara Basílio Teles, com Luís de Magalhães, Sampaio Bruno, Jaime Magalhães Lima e o conde de Resende, os principais auxiliares da aventura patriótica nortenha. Mas Oliveira Martins, alertado para o facto, veio de imediato para o Norte e conseguiu convencer Antero a dar ordens de destruição dessa obra manifesto prestes a sair, da qual não escapará um só exemplar. De trágicas consequências este conservadorismo de Oliveira Martins, poderemos ousar pensar e escrever...
Desta intervenção de Oliveira Martins resultou um esfriamento temporário da amizade entre eles, um aumento do pessimismo do poeta e a perda dum documento importantíssimo, a qual, acrescentada à dos dois volumes do Programa de Trabalho para as Gerações Futuras, sacrificados no fogo em 1874 por Antero os considerar imperfeitos, deixou um vazio na evolução histórica das grandes ideias portuguesas e que terá feito alguma falta, face ao afundamento ideológico-cultural das sucessivas governações e mentalidades portuguesas... 
O que diria ou proporia Antero de Quental nos nossos dias? Ambientalismo forte, melhor orçamento para educação e saúde, controle das ingerências corruptoras de corporações e meios de informação, medidas de anti-corrupção, diminuição do número de deputados, unidade nacional supra-partidária, maior independência da tão vendida e manipula direcção da União Europeia, adesão ao BRICS? Mistérios...
  


Tudo se conjugava então após tal desilusão para o regresso final à ilha-mãe açoriana e as despedidas sábias e belas emergem imorredoiras: em Vila do Conde (onde passara os tempos mais serenos e felizes e onde nasceram os Sonetos de maior e mais equilibrada profundidade, ainda que sempre tingidos de um certo vazio espiritual e divino) separa-se ou despede-se de Alberto Sampaio, Jaime de Magalhães Lima e Luís de Magalhães, interrogando este Antero se «depois de ter habitado por tanto tempo aqueles privilegiados lugares ia sentir muitas saudades de tanta doçura e beleza. E Antero, em um daqueles sorrisos mágicos do seu cintilante humorismo, que tanto nos confundia o entendimento como nos alvoraçava a hilaridade, de pronto me respondeu: Não!…Não! Porque em virtude dos meus princípios filosóficos resolvi não ter saudades de coisa nenhuma!». 
Este estado de desprendimento e vivência numa perenidade espiritual sem apêgos ao passado, sem saudades de nada, é de facto uma característica dos nobres viajantes, cavaleiros do amor ou peregrinos da verdade...
E em Lisboa, uns dias antes de partir, em conversa com o seu amigo e condiscípulo Guilherme de Vasconcellos Abreu, estudante e mais tarde professor de sânscrito, este passa-lhe uma frase do fabulário de instrução moral, o Hitopadexa, que considerava apropriado aos Sonetos: «Tudo estudou, aprendeu tudo e tudo executou, quem voltou as costas à esperança e se ampara descansado em nada esperar», a qual Antero regista num papel, talvez vaticinando o encaminhar-se para o banco de jardim sob a palavra "Esperança", onde uns meses depois, já em S. Miguel, repentinamente e devido ao desgosto de ter de se separar das filhas adoptivas, ou porque os seus nervos não conservaram o estoicismo que desejava e pensava,  ou porque sentira que chegara ao fim a sua peregrinação neste vale de sofrimento e ignorância, terminou voluntariamente a sua passagem e demanda no labirinto terreno...
                                
Poder-se-ia pensar que após a publicação do In Memoriam, de 1896, da biografia de José Bruno Carreiro, e da edição das Cartas, por Ana Maria Almeida Martins, e de tantos estudos como os de Leonardo Coimbra, Sant’Anna Dionísio, Joaquim de Carvalho, Manuel da Câmara, Fidelino de Figueiredo, António Salgado Júnior, José Régio, Pina Martins, Eduíno de Jesus, Eduardo Lourenço, José Esteves Pereira, Leonel Ribeiro dos Santos, etc. etc, não mais, não mais haveria a dizer, mas de facto cada nova geração tem a obrigação de revisitar os seus maiores e aprofundá-los com as luzes suas e, assim, esta obra de José Calvet de Magalhães, ainda que não indo tão fundo como mereceria nos aspectos mais íntimos de uma biografia, ou nos filosóficos e metafísicos (tal como se observa no capítulo intitulado Tendências Gerais da Filosofia), vale não só por clarificar aspectos da conimbricense e secreta Sociedade do Raio (embora não refira a menos conhecida Ordem dos Mateiros), das estadias em França, do Grupo dos Cinco, das amizades e inimizades e da lenda da santidade (excelentemente pintada no "Um génio que era um Santo", no In Memoriam de Antero de Quental, por Eça de Queirós), como também por conter um capítulo muito bom acerca das relações internacionais na crise Ultramarina e da famigerada Liga Patriótica do Norte.
E, finalmente, esta obra de Calvet Magalhães vale, por nos permitir reviver, numa estruturação fluída, um itinerário único e sempre actual de beleza, sinceridade e ardente demanda da verdade, num corpo a corpo com a morte que a todos espera, mas a qual, para quem bem viveu, "é mais rutilante na sua noite, que a luz do dia" (e assim esperemos transfigurá-la), e sobretudo para quem no Caminho conseguir persistir no sondar dessa tão difícil  de ser escutada (pois há que cultivá-la da meditação) voz da Consciência ou talvez melhor do Espírito, do Mestre ou Deus interior, a qual como Antero nos segreda:

    "Só no meu coração que sondo e meço,
    Não sei que voz, que eu mesmo desconheço,
    Em segredo protesta e afirma o Bem!"