sábado, 1 de novembro de 2025

O Poema sobre a Morte, no Profeta de Kahil Gibran. Tradução e hermenêutica realizada no dia de Todos os Santos e do Samhain de 2025. Ornado de pinturas do poeta maronita e universalista oriundo das montanhas do Líbano.

Nestes dias de comunhão entre vivos e os ditos mortos, como são os dois primeiros dias de Novembro, devemos reflectir sobre a Morte e a vida depois da Morte, se estamos preparados para ela, se não temos receios ou dívidas, se estamos cientes que somos espíritos imortais dotados dum corpo psico-espiritual, com os seus sentidos subtis, e  já devem estar algo desenvolvidos quando deixarmos o corpo físico e passarmos a viver  no misterioso Além. Mundo dos espíritos que no final do séc. XIX e começos do XX foi tão investigado ou melhor demandado por tantos cientistas e curiosos, em especial nos  cultores do magnetismo, espiritismo e ocultismo, com múltiplos frutos, melhores e piores, ainda que a visão do Além aceite pela maioria dos humanos continue ainda muito limitada e condicionada.
Quanto ao dia de Todos os Santos, ou o Samhain celta, de ligação aberta entre os seres espirituais celestiais e os humanos incarnados, pois cada de um nós dar-lhe-á a crença e atenção que quer, e fará a sua prática, a sua devoção a quem quer que seja que ame ou venere mais, com tantos santos e santas, ou mestres e mártires, no fundo grandes almas ao seu dispôr, pela menos nominalmente. Liberdade plena, pois..
Tal como para os Santos e Santos, o dia dos Fiéis Defuntos, ou dos Mortos,  neste dia 2 de Novembro de 2025 ocupando no calendário terrestre um Domingo, consagrado aos antepassados, familiares e pessoas amigas que já partiram, permitirá de novo cada um prestar preito de devoção ou amor, ou sufrágio, com os pensamentos, actos e orações, a quem quiser. Liberdade criativa e afectiva, ou por vezes intuição de quem deseja ou então precisa de tal comunhão e oração.
Relembro agora apenas as últimas pessoas amigas que partiram, há meses a brilhante (música, línguas e esoterismo psico-vibratório) e querida Sandra Pinheiro, e há dias o tão ponderado e sensível Artur Morais Vaz, médico e espiritualista do Porto, já desprendido da vida, com o coração físico cansado, contemplando muito o oceano e o pôr do Sol em Espinho onde vivia ultimamente e que nos últimos meses foi um dos tão raros interlocutores de espiritualidade vivida, das experiências anímicas e questões que vivenciamos no caminho, tendo eu ainda lhe enviado um bom livro de Rupert Sheldrake, editado pela Piaget, já que me pedira o que eu tinha em português das ligações entre a ciência moderna e a espiritualidade. 
Livro que curiosamente fora do Afonso Cautela, e que eu anotara profusamente numa centena de páginas iniciais, e que viajou bastante até chegar às mãos e última leitura do Artur. Que ambos, e acrescento ou incluo agora o Afonso Cautela, outro querido amigo ecologista e radiestesista, e que, com votos e raios do nosso amor chegando até às suas almas ou invocando bênçãos, estejam ascendendo ou vivendo nos estados conscienciais e planos luminosos que merecem. 
Auto-retrato do poeta maronita e universalista oriundo das montanhas do Líbano.
 Para continuarmos a trabalhar e a homenagear o libanês Kahlil Gibran (1883-1931), que acreditava na reincarnação, tal como o médico portuense Artur Morais Vaz também afirmava por intuições nítidas,  apresentamos então o último dos vinte e seis poemas que constituem o tão valiosa quão reimprimido e lido, O Profeta, é o consagrado à morte, embora devamos relembrar que  Kahil Gibran era ainda relativamente jovem, quarenta anos. E como ele morre ou desincarna oito anos depois e de uma cirrose, prematuramente, podemos interrogar-nos se já tinha alguma intuição do que lhe viria a suceder, e se muita da experiência de pessoas amigas e de família a falecerem, o inspiraram? 
Sua mãe, filha de um padre maronita católico, e sua iniciadora na religião natural e mediterrânica
 Kahlil Gibran não fala no poema dos mortos ou como os podemos lembrar, ajudar, celebrar, intuir mas apenas ensina, com belas analogias do grande Livro da Natureza, a compreendermos e logo a aceitarmos melhor a morte natural, embora não a crueldade, o assassinato, o genocidio, guerra injusta, a que ele tanto se opôs e criticou, numa obra toda marcada pelo seu anseio de Justiça, Liberdade, Fraternidade, Universalidade...
                                                                 
«Então [a sacerdotiza vidente] Almitra falou, dizendo:
Perguntar-te-íamos agora sobre a Morte.
E ele respondeu:
Poderias conhecer o segredo da morte.
Mas como o encontrarás
a não ser que o procures no coração da vida?
A coruja cujos olhos limitados à noite estão cegos para o dia
não pode desvendar o mistério da luz.
Para realmente captares o espírito da morte,
abre o teu coração amplamente ao corpo da vida.
Pois a vida e a morte são uma,
assim como o rio e o mar são um.

Nas profundezas das tuas esperanças e desejos
jaz o teu silencioso conhecimento do além;
E como sementes sonhando sob a neve
o teu coração sonha com a primavera.
Confia nos sonhos,
pois neles está oculto o portão para a eternidade.
O teu medo da morte é apenas o tremor do pastor
quando ele está diante do rei
cuja mão está para ser posta sobre ele em honra.
Não está o pastor alegre sob o seu tremor,
porque usará o sinal honroso do rei?
Contudo não está ele 
mais consciente do seu tremer?

Pois o que é morrer senão ficar nu
no vento e derreter-se sob o sol?
E o que é cessar de respirar,
senão  libertar a respiração das suas ondulações incansáveis,
para que possa subir e expandir-se
e procurar Deus livre de pesos?

Só quando beberes do rio do silêncio
é que verdadeiramente cantarás.
E quando tiveres alcançado o cume da montanha,
então começarás a escalar.
E quando a terra pedir os teus membros,
então realmente dançarás.»
O que realçaremos neste belo, sóbrio e simples ensinamento sobre a morte: que devemos considerar a vida e a morte como uma só realidade, a ser vivida na unicidade da Vida, na união do espírito e corpo.
Muito valioso e a meditar-se é a frase:  "Nas profundezas das tuas esperanças e desejos está o teu silencioso conhecimento do além", que nos convida a sondarmos sinceramente as nossas aspirações e sonhos para deles brotar a intuição de como será para nós o Além, ou quem somos realmente. É um ensinamento original, em analogia com a Natureza e suas raizes e estações.  
Eis-nos com um grande hino de libertação do apego ao corpo, e logo às suas limitações: a morte liberta-nos e permite-nos começar a escalar mais rumo a Deus...
Seguem-se depois mais três ensinamentos profundos que escaparão a leituras e comentários superficiais, o primeiro bem subtil: diante do rei que o honra, ou da morte que o acolhe," não está ele mais consciente do seu estremecer?", apelando a uma autoconsciencia forte e alegre perante a morte. O segundo, descortinado ou glosado por muitos seres, nomeadamente Fernando Pessoa no seu famoso poema a Iniciação [que encontra bem hermeneutizado no blogue], que a morte é ser-se despido das vestes ou corpos subtis sucessivos. E o terceiro mais vivenciado na morte, o dos trâmites da respiração, incansável em vida, ofegante na morte, e por fim liberta da caixa ou gaiola torácica e expandida como energia pura elevando-se para Deus. 
Felizes os que saberão aprofundar a Arte de bem morrer, simples, que Kahli Gibran nos ofecere em linha de tradição perene com a de muitos outros sábios que escreveram as suas Ars Moriendi, tal Erasmo de Roterdão (para alguns um santo, ainda que muito lúcido), e que tiveram tantas edições populares, frequentemente sob a invocação da Nossa Senhora do Bom Despacho, aqui devolvida à sua matriz e origem a Unidade da Vida na Natureza e na Divindade, e que Kahlil promete que estará a guiar-nos nesses momentos de modo até jubiloso se aprendemos a ouvi-la no silêncio (das provações e meditações), sem receios, sem nos prendermos à fronteira ou umbral entre os mundos pois mesmo aí devermos sentir e exclamar como Goethe,  "mais Luz", ou como Kahlil Gibran diz, erguer-nos do corpo moribundo dançando ou avançando no corpo espiritual de luz ou glória...
Que assim seja! 
«Then Almitra spoke, saying, We
would ask now of Death.
And he said:
You would know the secret of death.
But how shall you find it unless you
seek it in the heart of life'?
The ow1 whose night-bound eyes are blind unto the day 
cannot unveil the mystery of light.
If you would indeed behold the spirit of death, 
open your heart wide unto the body of life.
For life and death are one, even as the
river and the sea are one.

In the depth of your hopes and desires
lies your silent knowledge of the beyond;
And like seeds dreaming beneath the snow 
your heart dreams of spring.
Trust the dreams, for in them is hidden the gate for eternity

Your fear of death is but the trembling
of the shepherd when he stands before the
king whose hand is to be laid upon him in honour.
Is the shepherd not joyful beneath his trembling, 
that he shall wear the mark of the king'?
Yet is he not more mindful of his trembling'?

For what is it to die but to stand naked
in the wind and to melt into the sun'?
And what is it to cease breathing, 
but to free the breath from its restless tides,
that it may rise and expand 
and seek God unencumbered'?

Only when you drink from the river of
silence shall you indeed sing.
And when you have reached the mountain top, 
then you shall begin to climb.
And when the earth shall claim your
limbs, then shall you truly dance.»
 

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