segunda-feira, 3 de novembro de 2025

Emblemata sacra: um poema de amor à presença divina no coração da alma unificada, por Adriaen Poirters.

                                                            

Adriano Poirtiers foi um religioso do Brabante do século XVII (1605-1674) que, formado em filosofia e dedicado à educação religiosa das almas na época da contra-reforma, aproveitou o começo dos livrinhos devocionais com imagens do coração ornado de presenças e símbolos para partilhar as  doutrinas e crenças católicas, e o caminho da realização interior ou místico, com a sua sensibilidade e criatividade.

 Aproveitando o sucesso da iconografia do coração em emblemas religiosos que começavam a circular com sucesso ilustrando livros, sobretudo desde a Pia Desideria, Desejos Piedosos, que já comentámos neste blogue,  publicou vários livros em que os inseriu e um dos mais belos foi O Sagrado Coração, Het heylich herte, ilustrado por van Philip Fruytiers e Peter Clouwet, e editado por Cornelis Woons, em Antuérpia, 1669, num in-8º de 271 páginas, cheio de ensinamentos morais e religiosos, dedicado a São Estanislau Koska, e que abre com um longo elogio prefacial a este atribulado jovem polaco (1550-1568, canonizado em  1767), inclui ainda um emblema consagrado a S. Francisco Xavier, ambos os santos estando representados em duas gravuras, de melhor qualidade até que as dos emblemas do coração, provavelmente por as chapas tipográficas  terem sido abertas originalmente para este livro, enquanto que as do coração já deviam provir de matrizes mais usadas. 

Na vigésima segunda e última ilustração, que representa o estado final da alma no caminho espiritual, quando a Divindade e a Trindade se reflectem e estão no coração da alma devota, e que leva uma inscrição em latim sobre a dificuldade do caminho crucificante ou purificador culminante na felicidade da unificação divina, Adriano ergue-se num efusão amorosa, coroando o texto todo escrito em holandês e com partes em latim, com um belo e instrutivo poema-oração em francês, 

Trabalhando de quando em quando na tradição dos livros de emblemas, dada a beleza e profundidade de conhecimento e realização afectiva espiritual deste poema resolvemos traduzi-lo, dá-lo a conhecer. Que inspire mais seres a perseverarem no caminho espiritual que, passando pela purificação e iluminação, encontra a sua plenitude na profundidade do íntimo do peito e do coração, na religação com o Espírito e a Divindade, na luz e  amor.  

 

«Ó Deus, como é doce o pensamento
da alma que se sente ferida
dos dardos do vosso santo amor!

Que excesso de alegria,
quando a vossa admirável presença
tem o coração, de noite e de dia.

Que Espírito me fará entender
Em qual livro eu poderia aprender?
a grande alegria de te amar!

As vossas crianças podem muito bem dizer
que o vosso amor é um martírio,
no momento em que não se pode exprimir.

Ó Deus, o amor das almas santas!
Ó Deus, o sujeito das minhas queixas
O único fim dos meus desejos.

É por vós que se suspira,
em vós e por vós eu respiro
Em vós estão os meus maiores prazeres. 

O Dieu que douce est la pensé
de l'ame que se sent blessée
des traits de votre saint amour!

Quel excess de rejouissance,
ou votre admirable presence
tiens le coeur de nuit & de jour.

Quel Esprit me fera compreendre
dans quel livre pourray-je apprendre
la grand joy de vous aymer,

Vos nourissons peuvent bien dire
que votre amour est un martyre,
domt l'heur ne se peut exprimer.

O Dieu! l'amour des ames saintes!
O Dieu le sujet de mes plaintes!
L'unique but de me desirs.

C'est aprés vous que se soupire,
en vous & pour vous je respire
En vous sont mes plus grands plaisirs.»

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