Antero de Quental, e um poema de Matias Lima (ver no blogue) sobre a sua odisseia. |
É possível cogitar-se que Antero de Quental, em 11 de Setembro de 1891, pela noitinha, com 49 anos bem cruzados, ter-se-ia matado pela falta de Amor, que não recebera ou recebia, e sobretudo que não manifestava suficientemente, tanto mais que era um ser de coração, um cavaleiro do Amor, como em alguns poemas bem manifestou, nomeadamente no mais famoso Mors-Amor.
Ao longo da vida, as amizades de um bacharel revolucionário e poeta foram porém muitas e compensavam ou sublimavam a falta da entrega amorosa e recíproca com a mulher, e o que daí se pode gerar afectiva e espiritualmente, nessa união amorosa que na sua adolescência ele tanto poetisara e cristalizara, nomeadamente com o seu livro Beatrice, onde a alma de Dante e Beatriz e dos Fedeli d'Amore paira, e que ele até expressamente nomeia. Mas chegado a uma idade já avançada, sem amada, e em que a desilusão social e política era grande, nomeadamente com a frustrante presidência da Liga Patriótica do Norte, contra o Ultimato do imperialismo inglês, em 1891, e quando a felicidade de ter as duas filhas adoptivas consigo como realidade se esfumou, a solidão agigantou-se, e a ferida da falta do amor plenificante ter-se-á aberto demasiado em chaga do coração, intensificando a lancinante nostalgia ou ânsia de libertação da Terra e partida para o além.
As doenças físicas, ou um suicídio, são frequentemente consequências de problemas psíquicos e a fonte principal destes são a falta de amor e a falta de plenitude de felicidade criativa.
Antero intelectualmente, criativamente, conseguira ainda assim nos dois últimos anos de vida gerar e partilhar na Revista de Portugal algo do seu sistema filosófico, sob o título Tendências gerais da Filosofia na segunda metade do séc. XIX, já que abandonara a poesia, algo drasticamente, ao considerar que ela estava morta para o futuro.
Era um nativo do signo do Carneiro, algo explosivo, e se isso poderia ter sido um trunfo enquanto líder de estudantes e agitador de ideias, chegado ao tempo da velhice poderia ser-lhe fatal: e assim a contrariedade de última hora, face ao seu projecto de estabilizar nos Açores tutelando as duas pequenas, e o confronto com o regressar a Lisboa ao divã-casa de Oliveira Martins, geraram desilusão e repulsa e reactivaram o impulso de encontro com a morte, a amiga, a amada, a misteriosa, a libertadora.
Se como ele escrevera em epígrafe de um dos seus poemas "morrer é ser iniciado", porquê recear e adiar esse momento ou mesmo passagem, já que havia partes em si que acreditariam até numa vida post-mortem, se uma bala faz em segundos o trabalho sofrido de meses e anos de envelhecimento e agonia?
E assim foi: sentou-se no banco, ao anoitecer, olhou o largo e o mundo e oceano pela última vez, terá invocado apenas a Morte, ou quem sabe algo do Absoluto, e desfechou o primeiro tiro. Mas não tendo acertado muito bem, disparou um segundo. Não lhe estava porém destinada a morte rápida, e esteve de experimentar um ou duas horas de sofrimento antes de morrer. O que terá pensado no seu cérebro e olhar tão tingidos de sangue e dor, sombra e noite?
Só quando um dia encontrarmos Antero de Quental no além é que poderemos saber. Terá pensado: "O que eu fui fazer.." ou antes, abrindo-se-lhe a visão espiritual, disse: "Avancemos"?
Todavia, quando o corpo falece e a alma se liberta, que consciência tinha ele, ou seja, estava Antero mesmo auto-consciente e desperto no seu corpo espiritual, ou não?
Pela sua demanda de gnose tão grande em toda a vida, deveria estar bastante ou suficientemente consciente, embora o choque psíquico dos últimos momentos fosse certamente intenso, avassalador, talvez como o abrir duma comporta para que a enxurrada se solte e passe. E assim tristeza, cansaço, angústia, desilusão terão abatido a chama da sua consciência para um estado de semi-adormecimento, que provavelmente terá durado nesse além subtil algum tempo (mas quem o sabe cronologizar?), antes que acordasse e compreendesse onde estava e logo fosse certamente ajudado de novo (e por quem?) a caminhar.
Mesmo hoje, passados mais de 110 anos, orarmos por ele, enviar os raios possíveis de Luz e Amor do nosso coração para o seu coração espiritual, será certamente bom, invocando as bênçãos dos seres espirituais (mestres e anjos) e da Divindade, sob que forma for...
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