O PALÁCIO DA VENTURA
O soneto O Palácio da Ventura, publicado nos Sonetos Completos como tendo sido escrito no período de 1862 a 1864, e do qual não há manuscritos, é certamente dos mais emocionantes e impressionantes, pois em duas quadras e dois tercetos percorremos um tempo e espaço imensos, e chegamos mesmo ao objectivo da vida. E Antero fá-lo com tal arte que somos investidos na Cavalaria do Amor, na demanda lutadora pelo segredo e objectivo último da existência, seja a Ventura ou Felicidade, ou o Amor, a Verdade, a ligação à Divindade.
E tal como ele, cada um de nós irá avançando na demanda conforme a sua escolha ao que aspira, ao que deseja, ao que entende ser o fim principal da sua vida. Antero de Quental apenas nos mostra neste soneto como a peregrinação e luta da vida é arquetipicamente profunda, poderosa, infinita, embora em geral não nos apercebamos de tal dimensionalidade, a não ser em momentos de maior felicidade ou infelicidade, de indignação ou amor, de estudo, criação ou iluminação, e como pode ser dramática no desfecho.
Podemos pensar que a escolha que ele fez não foi a mais feliz, não foi a da felicidade, ou então que não acertou nos meios ou caminhos para a realizar, e não recebeu os apoios (sociais e subtis) que precisaria e assim não chegou aos portais do palácio ou do templo da Ventura levando já a luz acessa em si e por isso só viu trevas e ouviu o silêncio negativo.
Este é um ensinamento importante de pensarmos e repensarmos, ou meditarmos frequentemente: o que é para mim, o que será para mim, o mais importante na vida? E o que é que eu estou disposto a oferecer, a sacrificar, a dar, de mim e do meu, por tal?
Podemos auto-investigar-nos ainda: o que devo eu desenvolver, nomeadamente interiormente e verticalmente, para realizar, para alcançar, para chegar a tal? E estou a ser persistente e criativo, não desanimando facilmente, não caindo perante as adversidades e ataques de críticos ou mesmo inimigos?
Deixemo-nos então investir nesta cavalaria dos Fiéis do Amor, em que Antero de Quental foi um elo da tradição Espiritual Portuguesa. Vejamos a vida como uma grande peregrinação ou demanda, ora acordados ora em sonhos, ora em esforços anelantes no exterior ora no interior, ora com a espada desembainhada e o coração abnegado, ora com a palavra, a oração, a aspiração, o mantra ou jaculatória em irradiação.
Suponhamos que é o Amor o que escolhemos mais desenvolver e encontrar: estamos dispostos a amar o ser complementar mais do que a nós mesmos? Estamos prontos a sacrificar-nos plenamente pelos outros? Saberemos despertar de noite e orarmos e meditarmos para que o Amor e a Divindade estejam mais vivos em nós, já que tanto tempo durante o dia ele não está consciencializado nem bem vivido e a nós a ele unificados?
Ora vivermos mais na luz do Amor diariamente é fulcral, pois só estando mais despertos auto-consciencialmente na presença irradiante da Luz e no Amor divinos, o mais tempo possível, ou então mais intensamente de quando em quando, é que poderemos chegar à fronteira do além, ou às portas do palácio da Ventura, ou às portas do reino do Céu, preparados, e aptos a ver a fonte da Luz ou a sentir o Amor, e ouvirmos ou comunicarmos com os seres de tais planos.
Não foram os ais de Antero, nem serão os nossos ais, de sofrimento, de lamentação ou de desengano, que nos abrirão a porta da visão espiritual ou da entrada no santuário ou palácio da Ventura, mas sim todos os momentos em que recebemos e vimos a Luz do Amor ou então a manifestamos, transmitimos ou irradiamos sobre os que precisavam, ou sobre as condições adversas que nos desanimavam ou esmagavam. Antero no famoso soneto Mors-Amor, neste blogue já bem trabalhado, manifesta tal amor vitorioso, e bastante autobiograficamente...
Certamente que teremos de pacientar, de perseverar frequentemente pois mesmo os grandes místicos e santos e santas atravessaram as noites escuras da alma, mas souberam manter a chamazinha no coração e, na visão interior aquilo, fosse o Graal ou a Estrela, ou a quem, fosse o Anjo da guarda, Nossa Senhora, Jesus ou o Pai, a que aspiravam.
Antero vê o silêncio e a escuridão, algo que quase todos de noite vemos e sentimos, embora o silêncio, devido aos excessivos ruídos exteriores citadinos, não seja tão profundo que permita interiorizarmos e ouvirmos a "voz" do espírito ou do anjo, sentirmos essa fala subtil íntima, num diálogo de amor que une os seres através dos planos diferentes deste universo tão multidimensional e infinito e ainda tão pouco consciencializado na sua riqueza virtual de fraterna comunicação sábia e amorosa e de elevação à transcendência divina e Unidade.
Mas quem desenvolveu, quem trabalhou, quem procurou durante a vida tal comunicação, tal demanda de iluminação e de comunhão quando chegar às portas e bater e pedir, ser-lhe-á aberto, será reconhecido e conseguirá ver onde outros só pensarão haver escuridão e trevas.
Extrapolando para o momento da morte de Antero de Quental, e ressalvando ele ter apenas querido sonetizar na linha do pessimismo e da descrença, meditemos sobre as duas hipóteses futurantes do soneto enquanto auto-biográfico do seu pensar: 1ª, onde esperava ele entrar e quem esperava encontrar? Ou a 2ª, entregava-se à morte que ele entendia (com mais ou menos dúvidas...) ser libertadora e aniquiladora das suas dores, cansaços e limitações?
E nós, o que vamos acendendo em nós e logo no exterior? Lucidez, visão clara, Luz e Amor, ou deixamo-nos enrolar e sujeitar às narrativas externas e alienações que tanto nos diminuem ou enfraquecem? E o que estamos assim a preparar de ventura ou desventura?
Saibamos avançar corajosa e vitoriosamente, luminosa e amorosamente, em comunhão com o tão abnegado Antero de Quental (muita Luz e Amor nele!) e outras almas amigas e espíritos celestiais, vencendo obstáculos e adversidades...
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