Pascoaes, Cavaleiro do Graal por Jacinto do Prado Coelho.
Artigo na Revista Litoral, dirigida por Carlos Queirós, sobrinho de Ophelia, a namorada de Fernando Pessoa. Dado à luz no nº 5, de Dezembro de 1944.
Neste valioso ensaio de Jacinto Prado Coelho, podemos ver já na página seguinte a desmistificação que fez anteriormente, ao reconhecer quão ilusória e frágil é a poesia (meramente) imaginativa e quimérica, que se ilude frequentemente nas fantasias que imagina ou desenvolve, por mais nocturnas que sejam, pois não ela está assente numa visão interna ou subtil da realidade, num desabrochar equilibrado e consciente dos seus sentidos espirituais...
Esta terceira página, muito rica de caracterizações, tem contudo alguns erros, decorrentes por Jacinto Prado Coelho pouco conhecer dos mundos subtis e espirituais, ou ainda da existência da clarividência, ou mesmo o que é o caminho místico, pois ainda que tenha lido algo não tem experiência de tal e não consegue discernir com claridade se o que Pascoaes escreve ou descreve é realidade interior e verdadeira.
A imaginação, em Pascoaes, desperta, cria fantasias ou como Prado Coelho escreve, gera "um mundo quimérico de sombras impalpáveis", mas que o poeta no seu êxtase abraçaria e beijaria, para depois, passada tal excitação, se reencontrar de novo na miséria humana, algo que Pascoaes aceitaria humildemente, qual prelúdio da noite escura dos místicos, exemplarmente referida por S. João da Cruz. Ora o conhecimento astral, tão visível na penetração gnósica de Pascoaes, é fatalmente impreciso e ainda mais quando é bem maior a imaginação criativa do que a clarividência objectiva. E poderíamos certamente questionar-nos e tentar investigar com que vivências espirituais ou unitivas mais poderosas, e logo algo inefáveis, foi Pascoaes presenteado ou agraciado, ou se antes ele não se terá presenteado imaginativamente, como muitos poetas o fazem? Cremos que certamente terá tido alguns momentos bem iluminativos seja na comunhão com a Natureza, numa interiorização rflexiva e meditativa, e em diálogos com amigos espirituais mais afins, tal Leonardo Coimbra e outros, como Sant'Anna Dionísio registou numa visita que fez a Gatão, e transcrevi para um artigo do blogue.
É bem discutível a oposição que Jacinto Prado Coelho estabelece entre S. João da Cruz, eminente teólogo e na demanda de uma regra, e o poeta lírico sem gnose ou doutrina que balbucia cantos, já que S. João da Cruz embora tendo certamente que regrar-se a si e à sua confessada S. Teresa de Ávila, sobretudo pelos perigos inquisitoriais, mesmo assim demandava o graal do amor e do conhecimento e não a regra. Quanto a Pascoaes, apesar de livre pensador, anarquista e comunista em certos níveis e sem limites na sua imaginação, tinha muito boas leituras de teologia e história do cristianismo e alguma gnose esotérica (Rudolf Steiner, Edouard Schuré e o Phileas Lesbegue (1869-1958) e portanto não balbuciava liricamente, embora certamente exagerasse nas suas capacidades identificativas ou identitárias, ou na suas realizações interiores, natural num poeta telúrico, dedicadíssimo a uma escrita torrencial e aberto ao Infinito, ou ao mítico Absoluto.
Jacinto do Prado Coelho discerne todavia que noutros cantos se encontra em Teixeira de Pascoaes uma capacidade de, na noite e no silêncio da abóbada celeste contemplada, conseguir ir mais longe que as trevas e ver a luz (até a incriada, como o poeta pensa) e sentir a Divindade, algo que certamente Pascoaes terá realizado, seja na linha de um panpsiquismo, como Miguel de Unamuno quis, ou numa linha mais católica de pureza, esperança, alegria e moral, como Jacinto do Prado Coelho aponta, certamente algo condicionado pela mentalidade predominante na época. Tal paganismo era natural, enquanto alma vivendo na natureza, gentleman vivendo no campo e bastante comungante com a riqueza e o mistério dos seres que o rodeavam, emanados da subtil Divindade, que ele demandou embora não tanto realizou intimamente, pois a sua melhor teorização da religião, da religação a Deus, é sobretudo poética e panteísta, lusitana e saudosista. E nesta comunhão do corpo místico da Tradição espiritual portuguesa saudamos tanto Joaquim Teixeira Pascoaes, como Jacinto Prado Coelho, e relembraremos que na morte de Pascoaes, Jacinto, no número especial que os Cadernos de Poesia lhe dedicaram, escreveu e bem que: «quando Pascoaes, no seu caixão de verde pinho, foi descansar no cemitério rústico, libertou-se e ressuscitou, deixando este palco de personagens grotescas, obrigadas a serem o que não são. O corpo mal arrefeceu e já o Poeta se volveu num Mito. "A lembrança duma criatura é de natureza divina; as coisas que a sugerem são altares, aonde a Imagem está presente, mas invisível"», citação esta de Teixeira de Pascoaes que, numa rápida hermenêutica nossa, aponta para uma memória akásica ou astral de tudo, contendo todas as imagens do que se passou em qualquer lugar, ou então para a possibilidade de certos locais que nos lembram alguém permitirem evocar mais facilmente a sua alma, ou imagem dela, na nossa visão interior...
Nestes tempos de tantos conflitos e pandemias, vacinas e novas ordens mundiais opressivas, fiquemo-nos com o último poema do seu livro Últimos versos, datado de Agosto de 1952, pouco conhecido e tão actual:
PAZ
«Como ao terror do Inferno
Sucedeu
O horror do Nada!
A inquietação moderna,
A antevisão
Da cósmica catástrofe
Prometida
Por sábios e teólogos
Apocalípticos.
Divino Orfeu, vem tu salvar-nos.
Tange, de novo, a lira!
Amansa as feras.
Que o teu cantar volatilize
A estátua em bronze do deus Marte!
E esculpa, em oiro amanhcente,
Sobre o mais alto
Pincaro do mundo
O Anjo simbólico [ou real]
Da Paz.»
2 comentários:
Pedro, pelo que me foi dito, Pascoaes, vinha várias vezes visitar Anrique Paço D`Arcos a Lisboa. Poderemos pensar que não só vinha visitar o amigo como sentiria alguma necessidade de se embrenhar de vez em quando nos movimentos da cidade? e depois voltar para o seu casulo na montanha?
Belíssimo texto, Pedro. Muitas graças.
Sim, Fátima, ele vinha voltamente a Lisboa provavelmente nesse sentido de visitar e dialogar com amigos e discernir melhor o que se passava a vários níveis. Graças!
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