Nestes tempos em que o transhumanismo e o globalismo da elite oligárquica que rege o Ocidente, e não só, tenta reduzir o seres humanos a obedientes zombies e comedores de insectos, é bem importante reconectarmo-nos com as grandes almas que passaram na Terra luminosamente e deixaram ensinamentos que são portais para os seus conhecimentos, estados de consciência e mundos espirituais...
Pico della Mirandola, numa pintura quinhentista que pertenceu ao prof. Pina Martins, notável humanista, natural de Penalva de Alva, e pontificava no seu scriptorium. |
Neste dia 24 de Fevereiro de 2023, em que se comemoram os 560 anos do nascimento de [Giovanni] Pico della Mirandola, resolvemos, e cotejando a tradução francesa de Nicolas le Févre de La Boderie, adaptada por Olivier de Boulnoi e dada à luz em Jean Pic de la Mirandole, Oeuvres Philosophiques, na PUF, em 1993, traduzir do latim, da Opera Omnia, de 1557, alguns dos ensinamentos valiosos contidos num dos livros em que, constantemente na curta vida até 1494, Pico tentou demonstrar a unidade da tradição filosófica, religiosa e espiritual pré-cristã, oriental, grega e latina, com a cristã, a chamada Filosofia Perene ou Prisca Teologia, partilhando com grande genialidade e audácia as suas escolhas, discernimentos, intuições e realizações, que certamente não são fáceis de sentir e realizar em cada ideia e frase que apresenta.
Independentemente do que é mais seu ou mais das tradições que lhe chegaram, ou que demandou na Itália tão rica e livre do começo do Humanismo, o valor e a beleza das suas originais ideias acerca da felicidade nos seres humanos, elementos, plantas e animais que nos deixou são tão grandes que só as devemos estudar e aprofundar, ou então simplesmente admirar e deixar-nos elevar nos seus voos e arremetidas ao sagrado e ao Divino.
Marsilio Ficino, Pico della Mirandola e Angelo Poliziano, numa pintura mural na igreja de S. Ambrogio, por Cosimo Rosseli, 1486. |
Eis então alguns excertos do seu Heptaplo, do preâmbulo da 7ª exposição:
Donde, cada natureza, já que ela tem em si Deus de certo modo, já que tem de Deus quanto ela mantém de bondade (e tudo o que Deus fez é bom), e tendo a sua natureza perfeita em todas as proporcionalidades, ela ganha Deus enquanto se alcança em si, e se ganhar Deus é ser feliz, como já provamos, ela é feliz de certo modo. Esta é a felicidade natural que as diversas coisas são providas mais ou menos segundo a diversidade da sua natureza.
O fogo está carente de alma, participa porém de Deus por várias razões: primeiramente ele é, e cada um que é, é participado por Deus, que é o próprio ser ; por outro lado, como é uma certa espécie e acto, assemelha-se a Deus que é a primeira espécie e acto. E quando o fogo arde, ele revela a fecundidade divina; enquanto ele se contém nos seus términos, [ele revela] a justiça; e quando nos serve, a benignidade, e nisso imita a Sua natureza um pouco. Enquanto o fogo age assim, alcança a sua perfeição, e é tão feliz quanto é capaz de felicidade. [Comentário nosso: que beleza de empatia com o fogo, da vela à lareira, do coração humano ao divino...]
Em verdade, como dissemos acima, por esta felicidade nem as plantas, nem os animais, nem o homem, nem o anjo, atingem Deus, que é o sumo Bem, no próprio Deus, mas em si mesmos. É por isso e pelos graus naturais de de capacidade que a quantidade ou proporção (ratio) da felicidade varia. Pelo que, por isto só os filósofos colocaram a felicidade de cada coisa na operação óptima da sua natureza.[O swadharma oriental, a missão ou natureza própria de cada um.]
E dos anjos, a que eles chamam mentes e intelectos, ainda que confessem que a sua perfeição é soberana porque eles entendem Deus, eles não estimavam que o conhecimento que tinham de Deus fosse outro do que aquele com que eles se conheciam; de tal modo que eles deviam entender de Deus tanto quanto a Sua natureza estivesse representada na substância deles.
Também no Homem, mesmo se diversos autores sustentaram diferentemente, eles contudo encerram-na nos limites das capacidades humanas e sustentaram que era determinante na felicidade do ser humano o encontrá-la, seja só na investigação, como queriam os da Academia, seja mais na sua aquisição pelo estudo da filosofia, como disse Alfarabi.»
Saibamos pois aspirar, esforçar-nos, investigar, dialogar, meditar e amar a verdade, a unidade fraterna na natureza e no Cosmos, o Bem, a felicidade e o amor e ser divinos, e sermos...
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