Nicholai Roerich junto à sua casa e à estátua de Guga Choan (aonde peregrinei), em Kulu Valey, numa pintura do seu filho Svetoslav. |
Nicholai Roerich (1874-1947), o notável pintor e escritor espiritual russo, não conheceu directamente Sri Ramakrishna (1836-1886), mas leu a sua biografia e ensinamento e nas suas viagens e estadias prolongadas na Índia contactou certamente com alguns monges da Ordem Ramakrishna, formado pouco depois da sua morte e terá escutado muitas histórias e parábolas desse grande yogi e místico da Bengala. E portanto resolveu homenageá-lo não só pintando-o mas também referindo-o em alguns livros e dedicando-lhe num dos seus dias de aniversário um texto no seu diário e que acabou por ser recolhido numa antologia publicada por Nanda Mooerjee, em Calcutta, em 1976: Sri Ramarishna in the eyes of Brahma(s) and Christian admirers., onde se coligem aliás os testemunhos de Rabindranath Tagore, Keshab Chandra Sen, Max Müller, Romain Rolland, Helmuth von Glasenapp, Conde de Keyserling (que esteve a conferenciar em Portugal e a quem Fernando Pessoa dirigiu uma carta), Albert Schweizer, Arnold Toynbee, etc.
Resolvi traduz-lo e transcrevê-lo, por ocasião dos 187 anos do nascimento de Ramakrishna Paramahansa (grande cisne), que embora tenha sido a 17 de Fevereiro de 1836, como os indianos se regem por uma cronologia lunar, a data neste ano recai apenas a 21 de Fevereiro.
O que encontramos de mais valioso neste testemunho, escrito no meio das expedições da família Roerich (e ainda me cheguei a corresponder com o seu filho Svetoslav) aos desertos e montanhas do Gobi e da Mongólia? Antes de mais a imagem de que as pessoas que se avantajam em algo, como as grandes árvores, devem ser fonte de benefícios para os outros. Ramakrishna foi um desses seres, que derramou a sua realização espiritual, amor e vitalidade pelos que o vinham visitar ou consultar. E em seguida que esses seres que seguem o Bem e o vivem tornam-se exemplos e líderes, gerando nos outros a conversão da limitada visão egoísta ou malévola numa de generosa e vasta inclusão, da qual dá o exemplo não só de Swami Vivekananda e os sucessivos monges e discípulos, e eu conheci bem e iniciaticamente alguns ao estar seis meses num centro da Missão Ramakrishna em Calcuta, em 1995, mas também dos jovens que confiam no seu professor ou mestre e que graças a tal ligação de mestre a discípulo intensificam muito as suas capacidades e mantém viva a tradição. Um terceiro ensinamento brota ainda deste invulgar e quase desconhecido testemunho: as pessoas que peregrinam para a Verdade ou para um mestre como Sri Ramarishna vencem todas as dificuldades pois mesmo as labutas e as crises que as envolvem ou agarram, são por elas suplantadas pela determinação interior e quando se juntam, pois a união faz a força, não só no número mas sobretudo na qualidade dos pensamentos, motivações e consciências. Saibamos então unir-nos luminosa e poderosamente para sermos faróis do Bem e invoquemos as inspirações dos grandes seres, como Sri Ramakrishna e Nicholai Roerich.
Sri Ramakrishna, por Nicholai Roerich, numa recriação livre nos Himalaias |
SRI RAMAKRISHNA
Extraído das folhas do diário, de Nicholai Roerich.
«Estamos nos desertos da Mongólia. Ontem estava quente e poeirento. A trovoada aproximava-se vinda de longe. Alguns dos nossos amigos ficaram cansados de subir os montes pedregosos de Shiret Obo. Quando retornávamos ao acampamento, avistamos à distância um enorme olmo karagatch, sozinho, avantajando-se como uma torre no meio do deserto infindável que o rodeava. O tamanho da árvore, os seus contornos de algum modo familiares, atraíram-nos para a sua sombra. A nossa experiência botânica assegurava-nos que na sombra vasta daquele gigante deveria haver ervas interessantes para nós. Em breve, todos os co-trabalhadores estavam reunidos à volta de dois poderosos troncos do olmo karagatch. A sombra profunda, profunda mesmo da árvore cobria mais de quinze metros em redor. Os troncos poderosos estavam cobertos com crescimentos de protusões fantásticas. Na folhagem abundante ouvia-se o canto dos pássaros e os ramos belos estendiam-se para todas as direcções, como que desejando dar abrigo a todos os peregrinos.
Na areia à volta das raízes são visíveis numerosos trilhos causados pelos animais. Ao pé das pegadas largas de um lobo estavam as pequenas marcas do dzeren, o antílope local. Um cavalo passara também e a seguir a ele estava a pegada pesada de um búfalo. Todo o tipo de pássaros se encontrava ali e parecia que a população inteira local estava de visita à sombra acolhedora da árvore. O olmo-karagatch lembrava-me especialmente das gigantescas árvores banyam da Índia. Tais árvores foram desde sempre o local de encontro de abençoados ajuntamentos. Muitos viajantes encontraram neles descanso físico e espiritual. Muitas narrativas sagradas foram cantadas debaixo dos ramos convidativos das banyan. E assim o gigante solitário no deserto mongólico encaminhara a nossa memória vividamente para a sombra do banyan. Os ramos poderosos do karagatch lembraram-nos também de outras grandes realizações da Índia. Que alegria pensar na Índia!
Os pensamentos voltaram-se para Sri Ramakrishna, o grande efulgente da Índia. A volta deste nome glorioso há muitas definições respeitosas. Sri, Bhagavan, Paramahansa - todas óptimas oferendas pelas quais as pessoas desejam exprimir a sua estima e reverência. A consciência de uma nação sabe como presentear as palavras de honra. E no fim de contas, acima de todos os títulos mais venerados, permanece sobre todo o mundo o grande nome único - Ramakrishna. O nome pessoal tornou-se já um grande nome de todas as nações, um conceito universal. Quem não ouviu tal Nome Abençoado. A concepção de bondade e benevolência verdadeiramente correspondem-lhe. Excepto os de coração petrificado, ninguém se oporá ao Bem!
Sri Ramakrisna a cantar em intensa comunhão espiritual e divina. Fotografia real da época. |
Lembramo-nos como em vários países cresceu a compreensão do efulgente ensinamento de Ramakrishna. Para além de vergonhosas palavras de ódio, para além da malévola destruição mútua, - a palavra Felicidade (ananda), que está próxima de cada coração humano, espalha-se largamente tal como os poderosos ramos da árvore sagrada banyan. Nos caminhos humanos de procura, estes chamamentos de boa vontade brilharam como faróis. Nós testemunhamos e ouvimos frequentemente falar acerca dos modos inesperados como pessoas sinceras na sua demanda encontraram livros do ensinamento de Ramakrishna. Nós próprios chegamos ao livro [o Evangelho de Ramakrishna] de um modo muito invulgar.
Centenas de milhares, talvez mesmo um milhão de peregrinos reúnem-se no dia memorável, no nome do Abençoado Bhagavan ou Amado. Eles reúnem-se, chamados por um impulso interno do coração, de boa vontade e rejuvenescem por lembranças e esforços jubilosos. Não será isto uma notabilíssima expressão da vox populi? Este é o julgamento da nação, a reverência do povo, que não pode ser compelido nem dirigido à força. Como luzes inesgotáveis elas espalham-se de umas para as outras formando uma chama inextinguível, pelo que tal reverência nacional não é obscurecida, mas irradia mesmo através das comoções destes tempos do mundo contemporâneo.
Presentemente muitas crises agarram as pessoas. Pode acontecer que o espírito das pessoas se torne confuso e distraído do que é fundamental espiritualmente. Nos nossos dias ouve-se frequentemente o lamento pelo desmoronar das fundações. Mas este milhão de peregrinos, reunidos por sua livre vontade é a melhor prova viva de que acima das confusões de hoje vive no corações um inesgotável espiritualidade e esforço em direcção ao Divino. Estamos optimistas e conquistamos todos os obstáculos através da boa vontade.
Contemplemos os peregrinos apressando-se para venerarem a memória de Ramakrishna num dia de calor intensíssimo, sem se assustarem com as distâncias. Não é isto um acontecimento notável, já que não é um dever obrigatório o que aproxima e junta todos os diferentes viajantes? Um coração puro e um esforço sincero conduzem-nos imperativamente aos lugares consagrados pelo nome [e vibração] de Ramakrishna. Tal ajuntamento ou reunião espiritual é a mais preciosa evidência nos nossos dias. É maravilhoso que no meio do trabalho pesado, por entre dúvidas e depressão, as pessoas possam ser iluminadas pela chama da gratidão e veneração. Os seus corações chamam-nos sincronicamente. Não estão a reunir-se para a destruição, nem para discussões ou insultos, mas com o fim de unirem os seus pensamentos sobre e para o Bem.
Um grande poder está contido num pensamento benévolo unido [de muitas pessoas]. A Humanidade deve valorizar tais sublimes manifestações, que são a causa de todos estes pensamentos unitivos e construtivos. O pensamento do Bem é criativo! O Bem nunca destrói, incansavelmente constrói e eleva. Por injunções do bem são afirmadas essas fundações eternas, que foram transmitidas à humanidade pelos melhores registos de leis sagradas. O pensamento do abençoado Bhagavan [Bem amado] para o criativo Bem permanecerá para sempre como a maior herança espiritual da humanidade.
A luz é especialmente poderosa durante as horas de trevas. Possa a Luz ser eternamente preservada! Nas suas parábolas acerca do Bem, Ramakrishna nunca diminuiu ninguém. E não só no Ensinamento, em parábolas, mas nos seus próprios actos ele nunca tolerou maldade. Lembremo-nos das suas atitudes reverentes para com todas as religiões. Tal abrangente modo de ser e de ver tocará mesmo um coração de pedra. Na sua vasta visão, o abençoado Bhagavan possuía certamente um conhecimento directo [ou intuitivo, clarividente] real. O seu poder de cura, transmitia-o livremente. Nunca fazia nada que não fosse útil. Esgotou a sua força [vital] em incontáveis dádivas abençoadoras. E mesmo a sua doença foi devida certamente a esse esforço constante de derramar a sua energia espiritual para a cura dos outros. . E neste dar-se generosamente Ramakrihsna manifestou a sua grandeza.
Em todas as partes do mundo o nome de Ramkrishna venerado é. Também se reverencia Swami Vivekakanda, que simboliza o verdadeiro discipulado. Os nomes de Ramakrishna, Vivekananda e da gloriosa hoste dos seus seguidores permanece como uma das mais notáveis páginas da história da cultura espiritual da India. A espantosa profundidade de pensamento, que é característica da Índia, a bela manifestação do Guru e do Chela (discípulo) - relembra ao mundo inteiro os ideais básicos. Passam as eras, modificam-se por completo as civilizações, mas a mesma relação sábia entre o Guru e o discípulo mantem-se, tal como se estabelecera desde a antiguidade mais remota. Desde há muitos milénios as palavras que já se registam as palavras de Sabedoria.E há muitos mais milénios antes disso eram preservados, por transmissão oral. E nesta transmissão sagrada de boca a ouvido talvez eles fossem mais preservados mais seguros do que por registos escritos. A habilidade de manter o significado correcto depende do desenvolvimento de uma consciência sábia e nisto está contida a aplicação de pedras preciosas do passado para um futuro brilhante.
Não só o valor duradouro do Ensinamento do Bem afirmado por Ramakrishna, mas precisamente a necessidade de tais palavras em especial para os nossos tempos é inquestionável. Quando a espiritualidade, como tal, é tão frequentemente refutada através de fórmulas interpretadas incorrectamente, então a afirmação construtiva irradiante como um farol torna-se especialmente preciosa. Basta uma pessoa saber o número colossal de edições da missão Ramakrishna, ou lembra-se do vasto número de cidades na qual a Missão Ramakrishna tem os seus ramos. Estes números não requerem exageração. Não há uma nervosidade artificial nem premeditação neste ajuntamentos tão criador de pensamento. Tudo é realizado profundamente nem em tumulto nem correria, mas cresce na mais elevada comensurabilidade.
Os pensamentos acerca de Deus, que Ramakrishna tão generosamente ensinou, devem despertar os melhores lados dos corações humanos. Ramakrishna sempre pregou contra os negadores e destruidores. Ele era em todos os aspectos um construtor para o Bem, e os seus admiradores, baseados nos exemplos do seu Ensinamento devem desenvolver os melhores tesouros escondidos dos seus corações. Tal criatividade benéfica é muito activa. E isso transmuta-se naturalmente também nas melhores realizações em todos os caminhos da vida.
Reunindo-se no memorável dia do aniversário de Ramakrihna, os peregrinos não temem a poeira das estradas, não se assustam com o calor fatigante, mas são preenchidos por uma aspiração ao serviço do bem, para o grande serviço da Humanidade. Serviço à Humanidade - grande é esta orientação ou injunção de Ramakrishna!
Reverência ao Professor ou Mestre!
"Eu lembro-me de um pequeno hindu que encontrou o seu Mestre. Nós perguntamos-lhe: É possível que o sol brilhe para ti, se o visses sem o Mestre?
O rapaz sorriu. O Sol permaneceria como o sol, mas na presença do Mestre doze sois brilhariam para mim
O Sol da sabedoria da Índia brilhará porque nas margens de um rio está sentado um jovem que conhece o Mestre».
Símbolo da Ordem Ramakrishna, com o cisne ou hamsa que discerne e ama a verdade e o bem. |
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