Pianista que é poeta, deixa transparecer a unidade dos sons, palavras, vibrações e seres e facilmente ressoa nas almas do que o escutam. No título da sua primeira obra tal se espelha: Intermezzo (Opus I), ou se quisermos, Interlúdio, e foi dada à luz em 1908 na Typografia da Empreza Guedes, na tão conhecida dos bibliófilos rua Formosa, no Porto. Nela anunciava o seu próximo Livro de Sonetos, que viria a sair em 1910, sucedendo-lhe ainda os Versos, na mesma excelente tipografia, em 1911.
Rodrigo Beça, assim se chamou o poeta e pianista, era um fiel do Amor, um panpsiquista, admitindo a pluralidade de vidas (num dos poemas) e considerava Antero de Quental uma autoridade, como se depreende do exemplar, que possuo da sua primícia, com uma dedicatória assinada pelo Pai, tocante marginália que tanto potencializa o livro, pelo que não quis ou não pude deixar de o homenagear e trazer à luz a sabedoria e amor da sua alma. Ou, se quisermos, ressuscitá-lo para a nossa comunidade e comunhão dos poetas (homens e mulheres) portugueses, espirituais, anterianos e fiéis e cavaleiros aprofundadores do Amor.
Reza assim a dedicatória escrita há cem anos sobre papel de boa qualidade e a abrir a bela impressão da saudosa tipografia Guedes, em sincronia com a qual, talvez, o desenho da capa se foi desvanecendo e é com esforço que delineamos ou recuperamos a musa feminina que nela foi impressa.
«A Eduardo Pinto, companheiro da memória, em recordação do nosso infeliz pianista, oferece com gratidão, o pobre pai do malogrado poeta»...
Não está datada a dedicatória, e assim não sabemos em que ano deixou a Terra (e o "malogrado" pode ter vários sentidos), e porquê, e em que estado afectivo, psico-consciencial ou anímico, mas dadas tais limitações de conhecimento, pelo menos por hora, pois quem sabe se alguma referência biográfica dele surgirá, nem que seja nos outros dois livros que publicou, aceitemos e oiçamo-lo antes na sua apresentação prefacial:
«O Intermezzo é uma colecção de versos d'amor.
Não só amor da mulher, mas o amor das coisas, da luz, do ar, das gotas d'água, das manhas de primavera, dos pobre, de tudo que tenha um aroma de Beleza ou um perfume de Bondade.
Não me cabe falar do valor do livro.
Desejo somente fixar nele os princípios, que presidiram à sua celebração e que constituem, por assim dizer, um programa de orientação literária:
Arte poética - nenhuma;
Não escrever um verso sem o sentir.
Ser simples;
Procurar Beleza sob todas as formas, sem atenção a regras nem convenções.
Não ser obscuro na ideia, nem empregar bizantinismos de forma.
Eis tudo.
Finalmente, se algum dia me perguntarem se não tenho vergonha deste livro, responderei como Antero de Quental no prólogo de uma colecção de versos da mocidade: «Não, nunca me envergonhei de ter tido 20 anos».
Duas Palavras, ou o prefácio de Antero de Quental às Primaveras Românticas |
Depois desta apresentação da sua poesia e onde parafraseia a justificação que Antero de Quental ofereceu quando, já entrado mais na fase revolucionária, com 30 anos, em 1872, resolver publicar as suas composições de amor adolescente e idealista, escritas entre os 18 e os 23 anos, As Primaveras Românticas, na realidade tão palpitantes da aspiração unificadora e agraciadora do Amor, vamos transcrever 6 das 62 poesias do Intermezzo, nas quais podemos sentir como os sentimentos e compreensões, as descrições e analogias do Amor por Rodrigo Beça são bem merecedoras da perenidade e logo de connosco nestes dias dialogarem....
A 1ª, pelo som, o nome, o mantra, a música, a cor, a suavidade, a elevação, a 2ª pelo panpsiquismo, pelo amor omnipresente e entrelaçador de coisas e seres, a 3ª pela vivência do amor unificador na Natureza, a 4ª pela navegação no oceano subtil do coração e da entrega plena, a 5ª sobre o amor todo poderoso e infinitamente sensível e descritível, a 6ª pela comunhão reciproca dos olhos e seus conteúdos e reflexos profundos:
Como se fosse
Aquele som duma pureza calma
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