Rabindranath Tagore e Ananda Coomaraswamy |
Briser le toit de la maison foi o título escolhido pelo historiador de religiões romeno Mircea Eliade para um valioso artigo seu (com o subtítulo bem importante Simbolismo arquitectónico e fisiologia subtil) e depois em 1985 para um livro (com um subtítulo alargado, A criatividade e os seus símbolos), e sem dúvida que ele é fortemente simbólico-imagético da libertação dos limites e da evasão, ou então da abertura plena do nosso cimo (o chakra ou centro de forças sahashara) à descida energética inspiradora, iluminadora e libertadora.
Embora afirme que sem dúvida Ananda Coomaraswamy foi um dos sábios mais eruditos e criadores do século XX e destaque o seu papel na valorização da arte indiana e na demonstração da continuidade entre a Índia pré-ariana, o vedismo, o bramanismo e o budismo, bem como no estabelecimento de paralelismos entre diversas civilizações e religiões, põe algumas reservas ao que Ananda Coomaraswamy entendeu e escreveu sobre a Filosofia Perene (em geral sem a querer definir porque a seria limitar) nomeadamente quando Coomaraswamy parece apresentar uma certa rigidez metafísica que Eliade chega a atribuir à influência de René Guénon, já que eles procuravam estabilizar-se numa realização ou concepção de Deus metafísica e algo matemática e não tão aberta à diversificação que surge na história, frequentemente pessoalizada, tal a do meu deus ou do deus da minha religião. Podemos na realidade observar em Coomaraswamy, tal como em Guénon, uma visão ou entendimento do tipo advaitico indiano, ou seja, de uma Unidade Divina, sobretudo metafísica e intelectual, sendo as variantes dos deuses seja locais, nacionais ou pessoais, em geral emocionais e dualistas, e portanto não tão elevadas ou essenciais como a que reconhece um só Espírito Divino.
Ora Mircea Eliade (1907-1986, e que viveu de 1941 a 1944 em Portugal) contesta tal entendimento pois para o historiador das Religiões é «maravilhoso haver essa diversidade de ideias sobre o modo de ser único de Deus», e crê mesmo que «cada estrutura teológica representa uma nova criação espiritual, uma compreensão recente e uma melhor aproximação da realidade última», o que pode ser um optimismo enganador pois a humanidade em certos aspectos está talvez mais materializada e superficializada e logo incapaz de acolher as possíveis compreensões mais recentes e melhores que porventura alguns teólogos, visionários ou mestres espirituais possam conseguir, embora mesmo eles com bem mais dificuldade que nos tempos antigos, que eram bem menos dispersivos. Mircea Eliade sem ser um cego crente no progresso infinito da Humanidade mas parecendo-a defender pelo menos religiosamente, não se lembrou da teoria dos ciclos e como poderemos estar numa fase de decadência, tal a Kali Yuga indiana.
Valoriza bastante porém as análises hermenêuticas ou interpretações de imagens, mitos e símbolos que Coomaraswamy fez e que são úteis ao historiador das religiões, ao orientalista e ao historiador de arte, realçando a sua tremenda erudição manifestada em notas de rodapé extensíssimas que em si seriam novos artigos.
Neste artigo e capítulo, após as quatro páginas consagradas a Ananda Coomaraswamy, Mircea Eliade passa ao francês Henry Corbin, especialista do Zoroastrismo e do Islão Shia e disso falaremos provavelmente noutro texto. Acrescente-se porém que noutro dos capítulos, A Soberania nos Indo-Europeus, Mircea Eliade cita bastante Coomaraswamy e a propósito dos rituais alternativos antigos ou primitivos em que já estaria «o desejo obscuro de reintegrar os dois princípios opostos, e partir daí, de reconquistar a unidade primordial», considera que tal foi bem visto por Ananda Coomaraswamy que realçou a partir de textos como a Satapatha Brahmana, importância da unidade dos dois princípios Mitra e Varuna, ou Agni e Indra, que correspondem ao Sacerdócio e ao Reino ou Realeza: «Vira-te para mim, para que nó nos unamos; eu dou-te a prioridade», diz Varuna, o Reino, a Mitra, o Sacerdócio. É o casamento ou união destes dois princípios na política, no soberano e na interioridade anímica, que reintegra cada ser numa era ou ordem nova, que Eliade denomina como a serenidade do Soberano perfeito, a sabedoria do Asceta, e à igualdade de amor do Marido perfeito. No fundo trata-se da união da consciência espiritual-sacerdotal, com a activa, guerreira, de poder material, tarefa que caberia a cada um de nós.
Depois de realçar a capacidade das notas elaboradíssimas e a utilização de palavras e vocabulários tradicionais de vários povos, o que é muito exigente para o comum leitor, elogiá-lo-á abertamente:
«Este admirável sábio, duma imensa erudição, duplicado por ser pensador profundo e audacioso, consagrou os vinte últimos anos da sua vida a trazer à luz as grandes linhas da Tradição Perene conservada sobretudo, pensava ele, nas tradições indianas, - sem que se esquecesse de mencionar as réplicas ocidentais, especialmente platónica, judaica e cristã», a que acrescentamos a celta e a nórdica, ou hiperboreia, a egípcia e a persa ou iraniana.
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