Dotado de grande energia e convicção tanto curava doentes, baptizava aos milhares, criticava os maus costumes, como comandava tropas contra os islâmicos e destruía os templos e as estátuas sagradas indianas. Armando Martins Janeira assinala desassombradamente tais violências: « O seu zelo ia até aos maiores excessos. Encorajava os jovens convertidos a destruir os templos hindus, a despedaçar e pisar os ídolos, reduzi-los a pó e cuspir-lhes em cima, o que penalizava [ou revoltava mesmo...] aqueles que conservavam as crenças tradicionais. Na opinião de Xavier, Deus "tem horror à oração dos infiéis", não escuta as suas aflições, porque todos os deuses são demónios disfarçados. Aqueles que adoram os ídolos estão perdidos e condenados ao Inferno; todos os que viveram e morreram antes de surgir a salvação cristã estão a sofrer as penas infernais; a alma divina dos recém-nascidos é-lhes dada pelo baptismo. Xavier requer insistentemente a instituição da Inquisição em Goa, a qual foi estabelecida em 1560.»
«Esta furiosa intolerância iria criar-lhe sérias dificuldades no Japão, onde viria a ser uma das causas da perseguição e expulsão do cristianismo. Os japoneses não admitiam a eliminação do xintoísmo. sobre o qual toda a autoridade imperial assentava, e repugnava-lhes aceitar que os santos budistas, como Sakiamuni, Amida, Kwanon (na imagem, do museu de Nara), tivessem sido "condenados ao suplício infernal"»
Referindo em seguida a não-violência em geral das religiões orientais, e em particular o budismo e o taoísmo, a que poderia ter acrescentado o jainismo, Armando Martins Janeira refere que «antes do cristianismo, o Extremo Oriente ignorava os extremos cruéis da crucificação, do auto-de-fé e de toda a forma de intolerância religiosa», e cita um jesuíta irlandês biógrafo de Xavier que, com coragem, afirma uma verdade que muito católico ainda hoje, no século da multi-culturalidade religiosa, não aceita: «O padre James Brodrick, um dos seus biógrafos, afirma, sem censuras, que o Santo não conheceu a verdadeira Índia, nunca compreendeu que estava na terra mais religiosa do mundo, a qual espalhou uma vaga de piedosa espiritualidade por toda a imensa China, Indochina, Coreia, Sião e Japão. Aquilo que os missionários consideravam um paganismo supersticioso e primitivo era uma religião evoluída e que atingiu formas de alta espiritualidade. «Se Francisco tivesse podido encontrar-se com o seu grande contemporâneo do Norte da Índia, o poeta religioso do Bhakti, Tulsi Das (na imagem em baixo), certamente teria reconsiderado as suas opiniões acerca da religião hindu», escreve o padre Brodrick. Reconhece Martins Janeira que era contudo essa ignorância do valor das outras religiões e o «simplismo da fé ardente e fanática» que dava mais força obstinada aos missionários, mas que em Xavier havia contudo humildade.
Apontando as viagens peregrinantes de Francisco Xavier, de Kagoshima para Hirado, e via Yamagushi para Kioto, a capital, onde nada consegue, realça que no regresso, em Yamagushi e depois em Bungo, conseguiu ser bem acolhido e fazer algumas conversões e baptizados, narrados pelo Padre Lucena, o seu biógrafo principal ou mesmo pelas suas cartas. Entretanto Xavier começa a pensar na China, sobretudo após o contacto com Diogo Pereira que lhe contara as perseguições aí feitas aos cristãos clandestinos (Kakure Kirishitan), e decide, com 27 meses de Japão, regressar à Índia em Novembro de 1551, aonde chega após viajem tormentosa e milagrosa em fins de Janeiro de 1552, e envia pouco depois mais três missionários para o Japão e parte para a China onde fundeia no porto de Sanch'wan, junto a Cantão, acabando por adoecer de febres e morrer em 3 de Dezembro de 1552, com 46 anos apenas. O seu corpo terá contudo vida longa e bem venerada, na catedral de Velha Goa, onde ainda hoje atrai anualmente milhões de cristãos e não só, numa coroação ecuménica que ele próprio não admitiria ou imaginaria na altura.
Será Alexandre Valigano, o seu sucessor na direcção jesuítica no Oriente, quem tentará com mais visão e capacidade dialogante continuar a evangelização do Japão, mas uma décadas depois com o xogunato tudo será destruído e além de algumas centenas de kakure kirishitan, cristãos clandestinos, ficará apenas «um inestimável legado de intercâmbio cultural representado pelos notáveis estudos deixados por alguns jesuítas e pelos valiosos relatórios e cartas destes descrevendo as condições político e sociais do Japão dessa época». E Armando Martins Janeira conclui este capítulo dedicado ao apóstolo da Índia e do Japão mencionando o que já referira e ilustrara (como vemos na última imagem) em alguns passos da II parte As Cidades, do seu livro: Kagoshima consagra-lhe um jardim, uma catedral, um monumento, um busto e um arco votivo; Yamagushi. uma igreja e uma grande cruz com a sua efígie; Hirado, uma estátua e monumento com a sua efígie, e «Sakai ostenta uma lápide no seu mais belo jardim, onde projeta construir-lhe uma estátua. A memória do grande pioneiro continua a animar hoje a fé cristã dos japoneses», dirá simpaticamente e, quem sabe, com verdade, para concluir o capítulo dedicado a Francisco Xavier.
Certamente que muito mais poderia ter sido dito ou aprofundado, mas para tal servirão as biografias dele e as cartas e histórias da missionarização da Índia e do Japão. Foi sem dúvida um figura importante do encontro ibérico-nipónico e os seus diálogos com um abade budista, Ninjit, em Kagoshima, em 1549 (como narro no dia 5 das Efemérides de Novembro neste blogue), ficaram até como uma semente ("ele mostra-se tão meu amigo que é maravilhoso"...) do diálogo inter-religioso que é hoje o paradigma premente e mais ou menos vigente, até para uma educação religiosa e espiritual universalista que a UNESCO deveria ou poderia impulsionar sem manipular (nomeadamente a partir do trabalho de representantes das religiões e até artes e ciências, sem com isso se querer acabar com a fabulosa diversidade das múltiplas tradições) educação para qual Armando Martins Janeira contribuiu pioneiramente com a sua grande sensibilidade e universalidade...
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