segunda-feira, 25 de outubro de 2021

"Oceano Nox", soneto de Antero de Quental. E hermenêutica dos 14 sonetos que o envolvem.

Os sentimentos e conceitos expressos por Antero de Quental no soneto Oceano Nox, Noite no Oceano, já terão sido mais ou menos levemente intuídos ou vivenciados por muitos ao longo dos séculos, em especial ao contemplarem a impassibilidade do mar ou a mudez dos elementos da Natureza em relação às interrogações e dores humanas. E Antero, com a sua especificidade de constituição anímica e formação filosófica,  ressoando com a Natureza e o oceano, gerou nesse encontro um significativo e bastante musical  soneto que nos faz imaginá-lo junto ao mar, por vezes bem áspero e encapelado que borda Vila do Conde:

                                                            OCEANO NOX
                                            (A A. de Azevedo Castelo Branco)
« Junto do mar, que erguia gravemente
A trágica voz rouca, enquanto o vento
Passava como o voo dum pensamento
Que busca e hesita, inquieto e intermitente,

Junto do mar sentei-me tristemente,
Olhando o céu pesado e nevoento,
E interroguei, cismando, esse lamento
Que saía das coisas, vagamente...

Que inquieto desejo vos tortura,
Seres elementares, força obscura?
Em volta de que ideia gravitais?

Mas na imensa extensão, onde se esconde
O Inconsciente imortal, só me responde
Um bramido, um queixume, e nada mais...»
 
Este soneto, intitulado Oceano Nox, Noite no Oceano, a que adicionamos a pintura de William Daniell’s Eddystone Lighthouse, During a Storm, encontra-se incluído na fase  final da criatividade poética de Antero de Quental,  entre os anos de 1880 e 1884-5, embora  a  data exacta da sua redacção seja desconhecida e se saiba que vários dos sonetos inseridos como sendo de 1880 a 1884 foram escritos na década de 70. Contudo o ambiente muito conseguido do diálogo com o mar inclina-nos a considerá-lo escrito na orla nortenha do oceano em Portugal e foi dedicado ao seu grande amigo, desde os primeiros tempos de Coimbra e da Sociedade do Raio, António de Azevedo Castelo Branco, de quem nos ficaram bastantes cartas valiosas enviadas por Antero.  
O soneto, apesar de Antero considerar os seus  últimos os mais equilibrados e já dotados de uma síntese espiritual, é ainda assim algo triste  e frustrado pelo que a ser mesmo da década de 80 ecoa o ambiente nocturno marítimo de Vila do Conde, onde  Antero vivia não longe do mar e, quem sabe, se o duma noite de Inverno em que tenha ouvido o oceano nesse registo ou leitura psíquica do seu som, embora este soneto seja apenas um entre outros semelhantes, escritos nesses tons tristes ou frustrados face a uma desejada comunicação ou realização maior ou melhor.
Todavia, estando  incluído no ciclo final cronológico 1880-1884 da edição dos Sonetos completos, dada à luz em 1886, ele deve ser lido contextualizadamente, ou seja, tendo em conta os que o antecedem e os que vêm depois, num total de quinze, pois uma narrativa, uma progressão, um fio da meada conduzirá ao último, o da entrega do coração na mão de Deus. Assim, só no fim deste texto é que encontra uma hermenêutica maior do Oceano Nox.
Ao observarmos o 1º, Transcendentalismo, bastante anterior pois foi escrito em 1876, vemos como que uma síntese da sua evolução espiritual, e  símbolos importantes usados noutros sonetos são vivenciados neste num sentido de calmo desprendimento do mundo e das suas ilusões, e numa estabilização  no espírito impassível, algo a que Antero aspirava e por vezes conseguia no seu estoicismo, mas talvez sem a grande profundidade e altura daplena experiência ou vivência do espírito, a que aspira e a que se refere uma ou outra vez... 
Significativamente, sendo o primeiro desta série, está dedicado ao seu grande amigo Oliveira Martins, enquanto que o último será dedicado à sua mulher Maria Vitória, que gostava muito dele, tal como ele dela.
No 2º, Evolução, este sim de 1882, mostra-se a evolução possível do ser humano desde a pedra até, como ele e outros seres humanos, só aspirar e adorar a Liberdade, e ecoa tanto as ideias evolucionistas biológicas de Darwin e as psico-filosóficas de Hegel como as orientais da metempsicose. O 3º é o mais longo, pois subdivide-se em seis sonetos, e foi publicado em 1875 na Revista Ocidental, intitulando-se o Elogio da Morte, de facto uma realidade que Antero muito cogitou e poetizou, levando como epígrafe inicial o famoso dito grego: Morrer é ser iniciado, que à morte de Antero o seu amigo Joaquim de Araújo bem glosou num poema que já interpretámos, dito helénico que Fernando Pessoa também citou e poetizou. E, nos seis sonetos de que é composto, Antero de Quental presta o seu culto, ou confessa a sua atracção ou mesmo paixão por ela, convencido que, como diz no soneto quinto: «Dormirei no teu seio inalterável, / Na comunhão da paz universal, Morte libertadora e inviolável».
Este ideal da morte para se dormir ou, tal como escreve no soneto final, descansar o coração na mão direita de Deus, compreende-se bem ou aceita-se em Antero de Quental pela muita atribulação que teve nos seus 49 anos de vida, com muitas noites quase sem dormir, a cabeça sempre a pensar e o coração algo desiludido. Mas no sexto soneto e último do Elogio da Morte, Antero vai mais longe e posiciona-se como filósofo e metafísico das elevadas concepções pois  afirma a identificação da vivência da morte com o Não Ser, que é o Ser único Absoluto.  
Esta posição filosófica, que é também a de algum modo a da filosofia oriental não-dualista (advaita) e talvez mais a da filosofia budista em geral era na época de Antero a de algumas filosofias do Inconsciente, e que cremos afirmada mais por especulação do que por real vivência, terá tido alguma influência e era válida em Antero quando  este se suicidou? 
Pensamos que infelizmente não, não entravam no Absoluto, tanto mais que  tal não será o destino dos seres individualizados ou espiritualmente imortalizados pois provavelmente só entrarão no Não Ser, no fim do ciclo de manifestação cósmica, se não é que será na Divindade Primordial.
No soneto seguinte, o 4º, Contemplação, não datado mas certamente da década de 80 (como uma carta a Carolina Michaelis, de Outubro de 1886, que o refere, nos permite deduzir), sente a mesma resposta que encontra nesta Noite no Oceano: «E dentre a névoa e a sombra universais/Só me chega um murmúrio feito de ais.../ É a queixa, o profundíssimo gemido/Das coisas que procuram cegamente/Na sua noite e dolorosamente/ Outra luz, outro fim só pressentido...», soneto que se insere na sua visão de uma Alma infinita nas coisas, num estado muito latente e que só no ser humano se autonomiza e eleva e que ele sentirá, pelo menos poeticamente e que procurará aprofundar filosoficamente...
O Lacrimae Rerum, As Lágrimas das Coisas, o 5º soneto, não datado, repisa a mesma percepção subtil triste da noite muda e da escuta dos suspiros das coisas nas trevas. Já no 6º, Redempção, enviado por carta ao seu jovem e bom discípulo e amigo Joaquim de Araújo (1858-1917) em 1882, em dois sonetos, e que foi dedicado a Celeste, a mulher do seu grande amigo Jaime Batalha Reis, Antero consegue ouvir no 1º  "as vozes do mar, das árvores, do vento"  e admitir a existência do "verbo crepuscular e íntimo alento das coisas mudas", o "espírito que habita a imensidade" e sentir a irmandade de alma com "as vozes do mar, da selva, da montanha", ainda cativas mas "ansiando pela liberdade". E no 2º alenta tais almas pois vaticina-lhes que um dia serão almas conscientes. Há uma visão ascendente seja de transformismo biológico evolucionista seja de metempsicose, isto é, a passagem de psiques ou forças anímicas  de uma forma para outra mais perfeita, algo  afim da tradição oriental, e da platónica e neo-platónica,  pois crê, e algo optimisticamente, que, desfeitas as formas ilusórias, tais incipientes almas conseguirão "pairar no puro pensamento", embora tal seja provavelmente sobretudo aplicável a ele próprio ou ao ser humano. Estes dois sonetos, com o Contemplação, conforme uma carta de Outubro de 1886 a Carolina Michaelis de Vasconcelos, para Antero «representam em forma de imagem e sentimentalmente uma das ideias fundamentais da compreensão das coisas, a que cheguei e em que fiquei, e que espero ainda desenvolver em prosa e com o rigor da exposição filosófica.»
                                                De Bô Yin Râ, ao espírito, à sua subtil voz...
No 7º soneto, Voz interior, enviado também por carta em Junho de 1883 a Joaquim de Araújo, com a nota: «É o último que fiz. Não me parece tão bem como algum dos outros, que lhe irei mandando, quando possa», Antero partilha a mesma estação de alma dos outros sonetos escritos em Vila de Conde, junto ao Oceano: "o bramir do mar tempestuoso", "o universo monstruoso", "um ai sem termo, um trágico gemido", mas no fim desponta (ou poetiza) finalmente uma luzinha bem valiosa no interior: «Só no meu coração, que sondo e meço,/ Não sei que voz, que eu mesmo desconheço,/ Em segredo protesta e afirma o Bem!»
Se os seus sonetos correspondessem a vivências interiores da alma de Antero de Quental, poderíamos afirmar que este da Voz Interior representa uma iluminação: pequena, simples, um sussurro interior mas que o fundamenta intimamente e lhe vai dar forças e esperanças, pois esta experiência da voz íntima, ou de tentarmos ouvir a voz da consciência, sentida ou manifestada neste soneto, e num ou outro mais, ecoará  em várias cartas aos amigos, em especial a Fernando Leal e a Jaime de Magalhães Lima, dois dos mais espirituais. Ora tanto este soneto como o seguinte foram dedicados a João de Deus, poeta  do amor natural e do cristianismo simples, que protestava contra o Antero do vazio e do não-ser, da tristeza e da morte. E assim no segundo soneto, o 8º do ciclo, intitulado Luta,  de 1884, embora envolto pela noite com a sua paz, esquecimento e sonho, afirma sentir o seu pensamento desperto por atracções divinas e o tropel de almas peregrinas, enquanto simultaneamente «ecoa, ó mar, a tua voz antiga».
O 9º soneto, Logos, bastante antigo, de 1875, como o seu nome indica deveria apontar para o reconhecimento da presença Divina, seja como Inteligência ou Intelecto, seja como Ordem e Providência, seja ainda como Amor. Todavia acaba por ser apresentado de uma forma  original mas estranha: a Divindade, ou o Génio,  ou ele próprio, ou a Razão,  surge como pai e irmão, como tormento e tirano, mas a quem ama mesmo assim,  deixando assim Antero transparecer algo das dualidades que o habitavam, ou mesmo estratos religiosos do passado (o Deus tão misto do catolicismo), algo que para um psicanalista torna este soneto dos mais ricos.
O 10º,  Com os Mortos, segundo Luís Fagundes Duarte datado de 1885, é outro soneto iluminado, embora o pedagogo António Sérgio o desvalorize, o segundo após a Voz Interior, e nele, ainda que haja alguma leve sombra ou dualidade inicial, rapidamente Antero anuncia a certeza da imortalidade da alma em dois tercetos finais magistrais e mesmo musicais, que diremos mesmo que podem ser  decorados, isto é, assumidos de cor pelo pelo coração, já que falam de meditação e comunhão no Amor e no eterno Bem, o último sendo mesmo como um mantra pontificial, isto é, de ponte e entrada nos mundos espirituais, algo que se desenvolveu nos Livros dos Mortos egípcios e tibetanos e se patenteou nas lamelas órficas, dos iniciados gregos, levadas ao peito com formulas religiosas de ascensão, na passagem para o Além.
 
 Ora o 11º soneto Oceano Nox, não datado, surge-nos neste seguimento e é face a eles uma noite escura, e de facto o que é tal ambiente senão isso tanto física como espiritualmente, usando-se esta expressão "noite escura da alma" para designar aqueles momentos em que um místico ou um espiritual, já depois de ter recebido luzes ou graças, se vê numa estação, momento ou fase mais árida, com menos luz a ser recebida, e menos graça e amor divino sentidos. Creio ser valiosa  esta analogia da noite no oceano ouvido como rouco e triste, com a noite de alma do peregrino espiritual, que Antero era e que todos somos, mais ou menos, com trevas e claridade na nossa demanda interior...
O seguinte, o 12º soneto, Comunhão, não datado mas provavelmente da década de 80, é outro dos sonetos mais luminosos, pois partindo da noite escura que o rodeia, reprime o pranto e assume a "fé dos antepassados e gerações  antigas" que o precederam, com humildade e "na comunhão dos nossos pais antigos".  E sabemos como isto é verdadeiro e como foi sempre uma linha de força da Tradição espiritual ocidental e portuguesa, tal como também bastante acentuadamente da africana, da japonesa e da chinesa, com o seu culto dos antepassados e que alguns missionários jesuítas souberam bem aceitar no seu esforço de conciliação e diálogo inter-religioso.
Pintura de Bô Yin Râ: Luz e Amor divinos nos que já partiram, oremos...

O 13º soneto, o Solemnia Verba, Palavras Solenes, escrito no seu dia de anos em 1884, é outro dos mais luminosos e vitoriosos, e ecoa o soneto Mors-Amor, a vitória sobre as dúvidas e a morte, e oferece uma outra alternativa ao cavaleiro do soneto do Palácio da Ventura, pois num valioso diálogo de auto-conhecimento «o coração feito valente",  através dos esforços e sofrimentos, consegue consciencializar-se que tudo serviu para se ter elevado e ver agora o Amor, sendo tal um princípio ou começo de o sentir, de o adorar, de o amar e manifestar.
O 14º soneto, e penúltimo, O que diz a Morte, não datado, é uma rendição ao seu amor da Morte, considerando-a como a grande libertadora, fazendo desaparecer da sua alma "paixão, dúvida e mal" e dores. Ora se a morte em certos aspectos liberta os seres do corpo e, se trabalharam bem em vida, os propulsiona para um plano de vida mais subtil, desperto e feliz, noutros casos não é assim e as pessoas ainda mais sofrem no além, se vão para lá muito ignorantes, rudes, violentas.  É um certo idealismo da morte o que Antero reflecte, pois tudo o que refere deveria ser harmonizado ou vencido em vida e não obtido com a morte, que não tem esse poder de terminar com os males, senão para o cérebro que acaba, e do corpo físico que começará a decompor-se. Podemos talvez detectar a impregnação de uma certa identificação de Antero ao corpo, ao cérebro e atribuindo exageradamente à morte uma capacidade libertadora anímica, o que não é forçosamente o caso, e menos ainda quando ela vem por suicídio.
O 15º soneto e final, Na mão de Deus, de 1882, é de novo um soneto luminoso, mas mesmo assim frágil, algo passivo, embora se possam considerar positivos e valiosos os sentimentos de humildade e de entrega a Deus. Compreende-se melhor este dormir do coração ou da alma na mão de Deus, se nos lembrarmos que Antero sofreu muitas insónias e momentos de grande desânimo, sendo tratado medicamente e não sabemos bem com que efeitos. Foi escolhido por Antero e Oliveira Martins talvez para dar um fim mais católico, pois emprega a palavra Deus a quem ele se entrega. Mas sabemos também que logo na altura de o redigir teve de explicar aos amigos, nomeadamente ao seu íntimo Alberto Sampaio, quem enviou o poema:«Não te assuste a palavra Deus. É um símbolo e ainda o melhor para exprimir uma certa coisa, que doutro modo não caberia em verso. Pura liberdade poética», tal como já publiquei neste blogue nos comentários mais extensos só consagrados ao soneto na Mão de Deus. E foi dedicado à mulher de Oliveira Martins, Dona Vitória, que era muito católica, "discreta e recolhida". Podemos realçar ainda a referência à mãe, a quem ele muito amava e na sua morte muito chorara. Neste sentido o soneto é até um bom bilhete de viagem para a morte, para a religação à mãe, talvez sua guia-curadora no além, e  à Terra Mãe e ao princípio Feminino Divino, no que este possa ser sentido ou realizado. Algo disto se passará com Fernando Pessoa, também muito ligado à mãe e saudoso até dela depois da sua partida...
Assim ficaram ordenados para sempre os Sonetos, embora não obedecendo rigorosamente à ordem cronológica que lhes foi atribuída, e cabe-nos então assumirmos mais fortemente a responsabilidade de caminharmos no sentido que ele indica, na linha de Platão ou dos neo-platónicos  e de outros peregrinos espirituais, de ultrapassarmos as formas imperfeitas de ideais e de paixão e de, mais ou menos despertos, comungarmos com o coração liberto na Divindade ou, se quisermos, estarmos à sua benigna direita, para usarmos simbologia religiosa conhecida ou consagrada pelas religiões pagãs ou pré-cristãs e as posteriores.
                                                              
Para finalizar, interpretemos então mais especificamente o Oceano Nox:
A primeira quadra mostra-nos os dois elementos naturais mais trabalhados por Antero de Quental e equiparados a aspectos humanos, o mar com a sua voz grave, e o vento, como o pensamento, irrequieto, ou seja, a água das emoções na voz, e o pensamento mental no vento. Antero  observa-os externa e internamente, mas junto a eles, sentindo-os e, como filósofo, interroga-os e ausculta-se sob tal efeito.
A segunda quadra introduz-nos num acto de meditação e contemplação: Antero de Quental senta-se para sentir e intuir e, do mar e do vento,  expande a sua consciência para o céu, o Universo e todas as coisas, nomeadamente olhando o céu que está nevoento e pardacento.  Será o céu coberto e acinzentado que faz mais Antero ler e assumir a tristeza, ou era já Antero que estava nesse estado de alma, seja por si mesmo, seja por osmose com a voz rouca, grave e algo muda do oceano?
Ora esta actividade de Antero de Quental é até uma prática milenar: a de se tentar ouvir alguma voz ou mensagem do som do vento, em si ou nas árvores (e pitonisas e sacerdotisas da Grécia faziam-no, tal no santuário de Dodone e de Delfos), e do som do mar.  E o que ele ouve ou sente é como que um lamento, um gemido que lhe parece sair das coisas, uma sensação e intuição que Antero ao longo da vida manifestou regularmente, e em especial até nestes quinze sonetos de 1880 a 1884 mas também em muitos outros,  já que era muito sensível e interrogava-se se, para além da polaridade natureza objectiva material versus voz da consciência espiritual, como sentiu assinalou no  soneto Voz Interior, devemos reconhecer uma natureza, viva, sensível, animada, nível que ele denominou a dada altura a "Alma infinita das coisas", ou noutros momentos "panpsiquismo" ou mesmo simplesmente "magnetismo universal", demanda esta a que se dedicará filosoficamente mais intensamente após ter abandonado o culto da poesia em 1884, e que culmina com redacção da sua obra final Tendências Gerais da Filosofia na segunda metade do século XIX, em 1891, na revista de Portugal, uns meses antes de morrer, e onde de certo modo consegue dar resposta, teórica, a tal busca da unidade da matéria e do espírito.
Quanto ao que ele sente ou intui nessas vozes da Natureza é que pode ser mais acertado ou  verdadeiro, ou pode ser apenas sobretudo um resultado da sua imaginação condicionada pelas suas inquietações e limitações. E assim Antero de Quental, no que se poderá chamar um esforço de animação ascendente dos dois degraus, o desejo e o pensamento,, discerne então seres elementares e uma força obscura universal, e pergunta-lhes: - Têm desejos, girais ou movei-vos por alguma ideia?
 Podemos pensar que Antero mais uma vez está a espelhar nos outros o que vai dentro da sua alma, pois um desejo inquieto de conhecimento, de amor e de felicidade atravessou-o desde novo e e o seu pensamento gravitou sempre  à volta de ideias, ideais e valores, o Amor, a Liberdade, a Verdade, a Justiça, o Absoluto, o Não Ser, e, logo, a Morte libertadora, irmã e amada, esta que não devemos contudo invocar tanto como ele, Manuel Laranjeira ou Florbela Espanca, que sucumbiriam precocemente a ela. Mas, por outro lado, se a alma infinita das coisas existe, porque não tais elementos considerados insensíveis terem consciência e serem capazes de sentir, amar e aspirar?
A resposta que Antero desejaria ouvir não vem neste soneto, pois apenas ouve um bramido, um queixume, e o que ele sentia no começo do soneto  confirma-se no fim, como se a tristeza e a incomunicabilidade dos elementos cósmicos fosse fatal. Algo que aliás já se passará bem explicitamente com o soneto Palácio da Ventura.
Como vimos na leitura resumida e contextualizante de todos os sonetos do ciclo final, esta Noite no Oceano pode ser vista como uma noite da alma e como um queda de percepção luminosa do sentido da existência, que por exemplo alcançara em sonetos tais como a Voz Interior e Com os Mortos.
Certamente para isto contribuiu a noção predominante nas correntes filosóficas com que Antero se alimentou que postulavam o Absoluto, o Divino, o Infinito como inconsciente imortal, e assim no terceto final, a Antero, do espaço infinito "onde se esconde o Inconsciente imortal", só lhe chega um som que lhe parece queixume e bramido, que como já vimos encontramos frequentemente noutros sonetos.
Faltou a Antero de Quental alcançar vivências interiores mais elevadas espiritualmente e logo uma concepção de Deus mais verdadeira e que substituísse o Inconsciente e não-Ser pela Divindade ou o  Espírito Divino, seja como ele for chamado, e que deveremos e poderemos sentir no nosso mais íntimo ser.
Antero de Quental foi a principal ponte para a modernidade em Portugal, e em vários aspectos, desde os literários aos políticos e filosóficos, mas nessa função pioneira e algo solitária pagou o preço e deixou o seu corpo nessa ponte e sobretudo a alma bem ardente e sofrida nos seus Sonetos, Odes Modernas e Cartas. A nós de o sentir, continuar e elevar, como alma espiritual, estrela luminosa...
A estrela do espírito, por Bô Yin Râ, que guia as almas na peregrinação...

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