quarta-feira, 27 de outubro de 2021

Akbar, um pioneiro da espiritualidade e religião ecuménica. Alguns aspectos da sua vida e legado.

      O ecuménico imperador mogol Akbar, vindo a este mundo a 25 de Outubro de 1542, em Umarkot (hoje Paquistão), e regressando da Terra ao mundo espiritual donde proviera, a 27 de Outubro de 1605, contando 63 anos, ainda hoje está vivo, ou a ser estudado e meditado por muitos seres, permanecendo como um inspirador ou, quem sabe se, um guia e mestre. Mas não se pense que quando ouvimos algum islâmico, fanático ou não, a gritar  Allah Akbar se está invocá-lo, pois akbar significa apenas "grande", e na realidade a Divindade é grande, é imensa, não ficando contida nem delimitada em qualquer religião, por mais revelados que tenham sido os seus livros fundadores, ou fixados e canonizados posteriormente...

Jalal ud-din Muhammad Akbar, filho do 2º imperador mogol Humayun e de Hamida Banu Begum, esta uma persa xiita (ou shia), nascido no palácio-fortaleza do príncipe hindu Rana Prasada, que os acolheu após duas derrotas fortes em 1539 e 1541, recebeu influências do ambiente hindu e depois de tios persas em Kabul. Com morte do pai em 1555, apoiado por Bhairam Khan, notável militar xiita, passou a governar aos 13 anos, sendo proclamado Shahanshah, Rei dos Reis, em 14.II. 1556. Confirmou também então solenemente, já noivo desde os 9, o seu casamento com Ruqaiya Sultan Begum, de quem terá descendência, embora numa política de alianças com príncipes indianos assumiu mais casamentos. Aprendeu sobretudo a lutar, e destacou-se durante muitos anos pela sua estratégia e organização militar vitoriosa , mas já não a escrever nem ler. Todavia, como era dotado de grande ânsia de conhecimento e realização, gostava que lhe lessem livros e de dialogar e, portanto, apoiou escritores, historiadores, poetas e juntou muitos livros, criando uma biblioteca para a época muito grande, pois albergava mais de vinte mil livros, empregando nela muita gente, desde livreiros e encadernadores a escritores. Criou mesmo uma biblioteca para mulheres, e fomentou muito a educação feminina, que no Islão tendia a ser menosprezada.
Dotado de uma memória prodigiosa (sabia de cor muitos poemas de Hafiz, Saadi e Rumi) sagaz, afável, justo e místico, a dado momento de estabilização das fronteiras do império, proclamou como intenção e princípio político social Sulh-i-kul, a paz com todos, ou a paz universal, e nessa linha não aceitando a violência impositora de qualquer proselitismo religioso. Foi assim o iniciador, embora Timur já tivesse algo, duma política de aproximação das religiões dos diversos povos do seu império,  sobretudo a partir época em que as influências sufis e yogis se acentuaram nele, deixando de exigir o pagamento de uma taxa aos não islâmicos, em 1568, não apoiando as lutas entre sunis e shias e, sendo obrigado a tratar com os portugueses desde 1572 quando chega ao Gujarat,  interessando-se mesmo pelo Cristianismo e fazendo vir à sua corte, e protegendo-os, os padres de Goa, a capital da Índia Portuguesa, que anuíram ao seu pedido e que desde 1575 participaram nos debates na Ibadah khana, casa, khana, da Adoração, Submissão, Devoção a Deus, Ibadah.
A coroação celestial de Akbar. Folha do Shah Jahan Album, princípio do séc. XVII.    
  
Dotado de grande liberalidade e desprendimento, mandara esculpir sobre o portal da cidade imperial de Fatehpur Sikri por ele fundada, onde funcionava a Casa de Adoração (Ibadah-khana), o templo de longos debates, primeiro só entre islâmicos e depois com religiosos ou mestres das diversas tradições, a seguinte inscrição: «Jesus disse (a Paz esteja com Ele) o mundo é uma ponte. Portanto atravessa-a, mas não construas em cima dela».
Teve muitos contactos próximos com os padres jesuítas enviados de Goa (na 1ª missão, Rudolfo Aquaviva, António Monserrate e Francisco Henriques)  e entre as muitas histórias curiosas que já narramos nas Efemérides do Encontro do Oriente e do Ocidente, ou poderemos narrar, realce-se agora uma: quando partiu numa expedição a Cabul, em 1581,  levando consigo o Padre Monserrate, pediu-lhe que lhe mostrasse num mapa Portugal e a Índia, e discutiram assuntos como o celibato do clero e a identidade de Deus e do Espírito Santo, pela noite a fora. No regresso à então denominada Roma do Oriente, Goa, o P. Monserrate testemunhará por voz e escritos que Akbar clamava pertencer à seita dos místicos do Islão, os sufis, e que o mais lhe importava era contemplar Deus e repetir (zikr) os seus nomes.
                                                                   
Em 1582, no seguimento dos debates em que participara com representantes das várias religiões e tradições na Idabat Khana, e  do aprofundamento da sua intensa aspiração e procura da Verdade, que fora coroada com uma experiência espiritual muito forte já em 1578 (narrada assim pelo cronista Abu-l Fazl, de quem o Padre Monserrate dissera «que o acume do seu engenho superava o de todos os seus contemporâneos»: «uma alegria sublime tomou posse do seu organismo corporal. A atracção da cognição de Deus lançara o seu raio»), Akbar deixa mesmo de seguir os preceitos da sharia, a religião Islâmica no seu aspecto exterior de lei e prescrições e, tendo em conta os melhores princípios e ensinamentos do Zoroastrismo, Jainismo, Sufismo islâmico, Hinduísmo (onde já Kabir desenvolvia tal ecumenismo) e até Cristianismo, funda a Tawid ilahi, a Divina Unicidade, que veio mais  tarde a denominar-se Din-i Ilahi, a Visão ou Fé Divina, e que poderemos considerar um embrião pioneiro da tomada de consciência e formulação de princípios da Religião Universal, que subjaz ou coroa todas as particulares. 
Compreendendo que os vários níveis de consciência e evolução que estão vivos numa dada época não se transformam tão rapidamente, e que as pessoas seguem naturalmente o caminho da religião em que nasceram, e que portanto nunca ou dificilmente haverá uma que seja reconhecida como a melhor ou mais verdadeira pela maioria, a  Religião de Akbar, Di-i Ilahi, ou melhor, o seu grupo religioso, não possuirá livros sagrados ou revelados, nem sequer uma hierarquia sacerdotal, e terá como membros e seguidores apenas uma centena de seus próximos. E entre os seus ensinamentos, que valorizavam muito a pureza e a aspiração a Deus, a quem adoravam na Luz, na Chama e no Sol, pronunciando os Seus Nomes sagrados, um princípio era muito apreciado pela sua abrangência ecuménica: «A Divindade deve ser cultuada com todo o tipo de adoração».
 
O seu bisneto Dara Shikoh (na miniatura, a visitar um mestre yogi), o filho mais velho do imperador Shah Jahan (o construtor do Taj Mahal) e Mumtaz Mahal, continuará a sua visão e  testamento de forças anímicas, que lhe sulcariam a alma, dando à luz algumas obras pioneiras de traduções, de religiões comparadas e da unidade delas, uma das quais, as famosas Upanishads, da melhor sabedoria indiana, através do persa e da tradução para latim de Anquetil-Duperron, chegarão à Europa no final do séc. XVIII, sendo apreciadas por Hegel, Schopenhauer e outros, como os primeiros textos filosóficos e espirituais indianos acessíveis aos investigadores ocidentais. E mais não fez porque o seu irmão mais novo, o fanático Aurangzeb, o assassinou, em 1659, quando ainda só tinha 44 anos e tanto da Tawhid-i-Ilāhī e da Sulh-i-kul, a paz universal, os dois princípios de Akbar, se iriam realizar com ele. Ainda meditei junto ao seu túmulo e tenho no blogue e youtube algo da sua vida e obra comentada.
 Com Asoka, Kabir, Dara Shikoh, Ramalinga Swami, Keshab Chandra Sen, Devendranath Tagore, Ramakrishna, Paramahansa Yogananda, Gandhi, Bede Grifiths (que ainda conheci bem) e outros, Akbar foi das mais notáveis individualidades que procuraram a Divindade e a Verdade num diálogo e convivência ecuménica na Índia e que servem de exemplo para o Mundo inteiro...   
 

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