quarta-feira, 13 de outubro de 2021

"As Cidades", do encontro luso-nipónico, no livro "Figuras de Silêncio, de Armando Martins Janeira. Breve resumo, 2ªparte....

Em "As Cidades", a II parte das Figuras de Silêncio.  A Tradição Cultural Portuguesa no Japão de Hoje, obra publicada em Lisboa, em 1981, e que já abordámos a I parte, "O Passado e o Presente",  Armando Martins Janeira  descreve as raízes históricas das interacções realizadas após a segunda grande Guerra em treze localidades marcadas pelo encontro luso-nipónico: Tanegashima, Kagoshima, Hirado, Sakai, Kyoto, Yamaguchi, Oita, Yokoseura, ilhas de Amasuka, Nagasaki, Sendai, Kobe e Tokushima, narrando e ilustrando fotograficamente bem os acontecimentos e as personagens importantes do diálogo, partilhando ainda os seus sentimentos e intuições. Após, no artigo anterior, um resumo das seis primeiras, seguindo os títulos e as informações de Armando Martins Janeira, passamos agora a mais três, os títulos em ítálico, com pequenos acrescentos contextualizantes: 

 Oita, a cidade onde existem mais evocações portuguesas, no sudoeste de Kiushu, era no século XVI, Funai, capital da província do Bungo, regida pelo clan Otomo, do qual Yoshishige, filho do dáimio de então protegeu os portugueses, desde  o início da chegada destes em 1546 mas exerceu tal sobretudo já como dáimio (1550),  com Francisco Xavier a permanecer entre Setembro e Novembro de 1555, seguindo-se outros missionários que receberam várias benesses de modo que se concretizaram os melhores aspectos da acção portuguesa no Japão: o 1º orfanato (sobretudo pela sensibilidade de Luís de Almeida) e o 1º hospital no Japão, ampliado em 1559,  com uma secção para leprosos e doenças contagiosas e outra para os feridos e doentes, e onde Luís de Almeida (1525-1583) brilhou (teria "o dom da cura", no dizer do P. Cosme de Torres),  formando mesmo médicos japoneses. E funda-se um colégio, no «qual se liam duas lições, uma de humanidade e  outra de língua do Japão», que vieram frutificar num vocabulário e dicionário e na gramática de João Rodrigues. Em 1578, Otomo Yoshishige (1530-1587, na imagem em baixo) divorciou-se da mulher que se opunha e fez-se baptizar, passando a ser D. Francisco de Bungo, e pensou mesmo em fundar uma cidade só de cristãos, com a sua 2ª mulher, já convertida, e foi um dos apoiantes da 1ª embaixada do Japão ao Ocidente, em 1582, através do seu sobrinho Mancio Ito. Hoje a cidade está geminada com Aveiro e o hospital chama-se Luís de Almeida, mas este exerceu os seus dons de cura, de evangelização, de mestre de obras e arquitecto e de diálogo por muitas partes do Japão...

8 - Uma cidade assassinada, Yokoseura, já que hoje é apenas uma «aldeia de duas dúzias de casas» e na altura, tendo uma boa baía,  os missionários, em acordo com o dáimio Sumitada e assinando o padre Luís de Almeida, fundaram o porto de Nossa Senhora da Ajuda  e uma cidade, com residências religiosas e igrejas, intensificando-se as chegadas das naus portugueses e o comércio. Em 1563 o dáimio Omura Sumitada (1533-1587) fez-se baptizar e recebeu o nome de Bartolomeu, conforme a imagem em baixo. Todavia, a fatalidade do fanatismo exclusivista aliciou o dáimio ou Dom Bartolomeu e «começou imprudentemente a destruir os templos budistas e  a perseguir os seus fiéis». Tal causou a revolta de um filho e a destruição total da cidade e do porto, fugindo os missionários e nunca mais aportando os barcos comerciantes e evangelizantes. 

Em 1962 foi erguido um monumento, um cruz de oito metros de altura,  sem cerimónias oficiais, mas  Armando Martins Janeira estando presente e sendo olhado com curiosidade e espanto por uns poucos de habitantes não resistiu ao impulso de comunicação da palavra ou verbo, e que tão bem narra: «Pareceu-me descortinar no olhar daquela gente um fundo de simpatia, de afinidades invisíveis, que quatro séculos de ausência não haviam conseguido apagar.  Um impulso irresistível, que me vinha do fundo da alma, levou-me a aproximar-me. Dei uns passos para o grupo. E falei-lhes. Recordei-lhes como há quatro séculos homens do meu longe país ali tinham vindo visitar os seus maiores para lhes trazer a palavra e o amor do Ocidente. E que eu agora ali voltava para lhe reafirmar a mesma amizade. Em Cristo e em Buda, todos somos irmãos, e o mesmo Sol ilumina todos os homens e fecunda a terra inteira. Em nome de Portugal vinha saudá-los e exortá-los a que nos guardassem a antiga amizade. E jurei-lhes a nossa amizade, em nome deste mar sagrado que nos aproximou.» E vieram um a um sorridentes apertar-lhe as mãos...

Depois tem uma nova surpresa comovente, crianças e adultos de casas espalhadas pela estrada emergiam gritando e sorrindo "Yokoso (bem vindo), Yokoso! Porutogaru san (senhor Portugal)", quando se encaminhava para a pequena aldeia no alto da montanha onde se plantou a «típica cerejeira japonesa, que não dá fruto, e cujas folhas de pétalas duplas, zazakura, são duma alvura leve e luminosa.    

E recolhe-se  pensando o futuro em que, tal como a sakura crescerá, também o mesmo aconteceria à liberdade em Portugal. E em seguida, à chegada de barco a Hirado, ao pôr do sol, tem uma elevada experiência interior:«senti um estranho alvoroço. Não era a gente que eu ia lá ver, nem era a novidade de uma pequena cidade moderna que me alvoraçava - era uma voz clara e imensa, feita das vozes de todos os homens que em barcos lavraram o oceano e que, como eu, foram demandar ao desconhecido, na terra e no mar, o mistério que as vidas passadas dos homens, com todas as suas glórias e sofrimentos, não revela; que está algures em nós, e que urge descobrir antes que a morte nos visite....». Muito valioso este apelo de auto-consciencialização espiritual, salvífica, ou seja, iluminadora para agora e para a vida depois da morte... 

9 - Pérolas verdes do mar Japonês, as ilhas de Amasuka, a sul da península de Shimabara, tiveram em vários locais interacções com os missionários portugueses, destacando-se  o P. Luís de Almeida , em Kawachinoura,em 1569 baptizando o senhor feudal de Amasuka; o P. Francisco Cabral em Hondo, em 1571;  e o P. Luís Fróis assinalando «a piedade e devoção dos senhores de Amakusa, D. Miguel (Amakusa Hisatane) e seu filho e herdeiro D. João (Akusa Tanemoto) na sua História do Japão, onde menciona terem havido 30 igrejas, em 1582.

Todavia o mais valioso do encontro foi a introdução da tipografia através de caracteres móveis, saindo dos prelos em Kazusa, em 1591 Sanctos no Gosayu, uma vida de santos, baseada no Flos Sanctorum. Com a perseguição de Hideyoshi a imprensa foi levada em 1592 para Amakusa onde um resumo da obra de Frei Luís da Granada foi impresso em 1592, Fides no Doxi (em cima), o Dictionarium Latino Lusitanium ac Japonicum, em 1595, e uma versão da Imitação de Cristo, em 1596. Em 1597 foi levada para Nagasaki onde laborou até 1611. No total sobreviveram até aos nossos dias vinte nove livros, entre eles destacaremos ainda as Fábulas, de Esopo, Esopu no Fabulas, da qual vemos o frontispício: 

Armando Martins Janeira afirmará reconhecido o trabalho linguístico:  «o trabalho realizado foi notável. Pela primeira vez a língua japonesa foi transvertida em caracteres latinos, com uma perícia que ainda hoje é louvada», mas será em Hondo, numa colina que se erguerá um museu com objectos da época, e se ajuntarão algumas pedras tumulares num cemitério, onde pontifica uma imagem branca de Maria e um baixo relevo em bronze de Luís de Almeida. E conclui com bela  sensibilidade reminiscente:«cada porto evoca perfis de caravelas balouçando na brisa; cada enseada ecoa ainda de vozes lusitanas alvoraçadas pela vista da terra, em busca de um gesto amigo.»

                                    

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