segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

Comemorações do centenário do nascimento do prof. Pina Martins. 1º. "A Pregunta de Pilatos". 1941.

"Dirige oculus tuo in te ipsum"
O investigador e professor José Vitorino de Pina Martins, que se formou em Filologia Românicas na Universidade de Coimbra em 1947 e teve um notável percurso como leitor de português em Roma e Poitiers, professor universitário em Lisboa, director do centro cultural da Fundação Calouste Gulbenkian em Paris, director dos serviços de Educação da mesma Fundação, Presidente e Vice-presidente da Academia de Ciências vários anos, organizador de dezenas exposições bibliográficas e biblio-iconográficas, participante e organizador de inúmeros colóquios, autor de centenas de conferências e publicações, nasceu em Penalva do Castelo em 18 de Janeiro de 1920, pelo que cumprindo-se agora o 1º centenário do seu nascimento certamente as nossas academias e universidades o irão celebrar na medida das suas capacidades. Eu, tendo dialogado e convivido com ele os seus últimos dezassete anos, e catalogado sucintamente a sua excelente biblioteca de Humanismo e de cultura portuguesa e italiana, deverei também participar e assim partilharei uma sua  biografia, páginas autobiográficas ainda inéditas e apreciações e transcrições de alguns textos mais significativos das suas obras.
A  primeira foi dada à luz em Coimbra 1941, quando tinha 21 anos. O pseudónimo utilizado foi Duarte Montalegre e com ele escreverá ainda mais alguns livros de poesia e ensaísmo juvenis.
                                        
Leva no frontispício A Pregunta de Pilatos poemas ascetico-filosoficos que foram escritos por Duarte Montalegre sendo escolar de Direito na Universidade de Coimbra. No verso indica que todos os exemplares serão numerados e rubricados pelo autor, já num requinte de amante do livro, o que confirmanos no nosso exemplar, havendo ainda um pequeno rectângulo com a indicação Edições Mensagem, certamente  sinal das forças anímicas, sonhos e aspirações intensas que em si se erguiam para o que ele viria a ser e a viver tão magistralmente ao longos dos anos, embora menos poética, católica e misticamente. 
As duas páginas seguintes, oferecidas a seu pais António Vitorino e sua mãe Maria Olímpia, expressam a Dedicatória:

«Não fora o vosso Amor
e eu não seria o ser que agora sou.

Junco altivo singrado sobre o mar,
- o mar da inquietação,
 

Meu ser vai procurando aquela luz
que o vosso beijo furtou ao meu anseio.

Vosso beijo fecundo de ansiedade
projectou-me no mar da imensidade.

E hoje, encarnação do vosso ser,
meu ser tenta sondar quem vos criou
e quem criou aquele que vos criou.
 

Da nau vogando ao longe,
abarquei com meus olhos o Infinito.

Nesse olhar foi meu ser ao Sol de Deus
desvairar-se de luz, de luz, de luz...

O Sol de Deus iluminou o meu olhar
e pôs nele centelhas vivas de inquietude.
 

E o sol fez de mim sol incandescente
a lucilar, a lucilar, eternamente...

Meus gritos de ansiedade e de furor
morreram, gemebundos, no momento
em que o sol se acendeu no firmamento.

Não fora o vosso Amor,
e eu não seria o ser que agora sou.

Desse beijo brotou meu duvidar
da minha dúvida surgiu a minha dor.

Da minha dor promanou a minha Fé.
Minha Fé, meu Duvidar e minha Dor,
Convergem no beijar do vosso Amor.


Que a luz do meu ser repouse alfim
na paz da vossa bênção paternal!»

Segue-se um excelente prefácio escrito em Vila Real de Santo António da autoria de Vitória Régia, pseudónimo da escritora algarvia Alda Silva Ferreira Mendes (n.1891, em Tavira), que leva como título Palavras ditadas pela Verdade ao meu coração e à minha consciência, e onde considera o livro um "pomo" - «a cativar os admiradores das Belas Letras e a principalmente a atrair para o deleite emocional, aqueles que, graças à Verdade, possuem o preciosíssimo Dom dum sexto sentido», revelando nestas palavras Alda o seu conhecimento tanto das Belas Letras do Humanismo como da espiritualidade, ao atribuir à Verdade vivida o dom merecido do corpo espiritual estar activo, ou seja, com o sexto sentido desperto ou mais intuitivo.
Antes dos poemas, que muito devem à sua sensibilidade e cosmovisão formada no Cristianismo e no Humanismo, com pequenas citações de alguns dos seus autores  no começo dos sete capítulos, tais como S. Agostinho, Petrarca e Malebranche e Byron, Pina Martins, aliás Duarte de Montalegre, escreve um antelóquio bastante biográfico e valioso que transcrevemos:
Pensei escrever em apêndice, um ensaio auto-crítico sobre o conteúdo metafísico, estético e humano da presente mensagem. Seria uma forma decisiva de libertá-la de análises mutiladoras, deformadoras. Ninguém melhor do que o autor, para, numa interpretação de auto-exegese, explanar o alcance emocional e intelectual dos meus poemas.
Circunstâncias, alheias ao meu querer, forçara-me a desistir do intento.
A presente mensagem descreve, através das ideias que contém, uma linha ascensional...
 A mocidade de hoje vive, intensamente, as angústias da jornada dolorosa para o porto anelado da Fé.
A poesia que escrevi não é, pois, individual, porquanto reflecte paisagens da alma da juventude hodierna.
De estrutura ascético-filosófica, ela esgarça-se, em volutas de Dor, para o céu de Deus.
Se houver uma sensibilidade, uma inteligência e uma convição, - uma alma em suma que me compreenda, e, depois de me compreender, ogive a sua prece ao Infinito, o que escrevi terá a sua razão pleníssima de ser.» 
Realce-se esta ascensionalidade do nosso ser em dor (e então na 2ª Grande Guerra quanta não seria em tantos jovens idealistas como o autor) para o céu ou realização e mundo espiritual, e a ogivação da nossa alma em prece de aspiração ao Divino Ser infinito e luminoso que nos abençoa. 
Que sejamos estas almas receptivas à Mensagem, à mente agindo sobre a matéria, em uníssono com Pina Martins...
Termine-se esta 1ª homenagem no centenário do seu nascimento, reproduzindo o poema com que coroa ou conclui a sua primeira dádiva bibliográfica à poesia e de certo modo à História do Livro e da Cultura em Portugal.

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