terça-feira, 14 de janeiro de 2020

Biografia do prof. Pina Martins, sucinta e cronológica, no centenário do seu nascimento, 1920-2020

Dois notáveis erasmianos, à esquerda, Marcel Bataillon e à direita Pina Martins.
O prof. José Vitorino de Pina Martins nasceu em 18 de Janeiro de 1920, começo da noite, em Penalva de Alva, concelho de Oliveira do Hospital, distrito de Coimbra,  filho de António Vitorino de Abrantes Martins e de Maria Olímpia Faria de Pina. Educado num ambiente cristão católico e culto, desde muito novo, aos 4 anos, sentiu o amor pelos livros graças à biblioteca familiar, onde uma edição minúscula dos Lusíadas o encantou, começando depois a ler Connan Doyle e Júlio Verne. 
Na instrução primária recebeu o magistério inspirador  da professora D. Felicina Guilherme Hall, residente na aldeia das Dez, que o estimulou no amor e compreensão da leitura, além de memorização de passagens mais belas dos Lusíadas, desde a proposição à batalha do Salado e à formossíma Inês de Castro.
Frequentou o Seminário de Coimbra, "foi uma boa escola", dirá, onde aprendeu latim e literatura, não chegando à filosofia. Só depois entrou na escola Secundária, no Colégio de Brás Garcia Mascarenhas, em Oliveira do Hospital, "uma excelente instituição e ensino". Os exames de 3º, 6º e 7º anos foram prestados no Liceu D. João III em Coimbra, tendo a nota mais alta, 20, em Latim.
Em 1941 publica o seu primeiro livro sob o pseudónimo de Duarte de Montalegre, A Pregunta de Pilatos. Poemas ascético-filosóficos, a que se seguem em 1942, ano em que entra na Faculdade de Letras Juventude e Educação, e em 1943 duas obras: Angústia, poemas,  e o ensaio O Amor redenção do mundo moderno.  Alguns deles tinham sido publicados na conimbricense revista de cultura e formação católica Estudos, 1942.
A apreciação por carta de Teixeira de Pascoaes à sua primeira obra é elogiosa: «Li os seus poemas com o maior prazer espiritual. São cantos nascidos e não feitos, denunciando o ímpeto espontâneo da inspiração, que é, julgo eu,  a característica dos poetas autênticos...». Serão ainda vários os livros que publicará sob o pseudónimo de Duarte Montalegre, talvez custeados pela orientação  prestadas nas disciplinas de Latim, Filosofia e Literatura Portuguesa em alguns colégios de Coimbra.
Participou no movimento estudantil Coimbra que gravitava à volta da revista de cultura e formação católica Estudos, onde além dos artigos que publicou podemos ler por exemplo que na semana de estudos da Juventude Universitária Católica, realizada de 19 a 23 em Coimbra,  com nomes que se tornarão bem conhecidos como Francisco Sousa Tavares, Barrilaro Ruas (então presidente do C.A.D.C.) e Rui Cinati. Pina Martins intervém em três das sessões.
Em 1946, o prof. Joaquim de Carvalho convida-o a assistir na Universidade a uma conferência de Marcel Bataillon sobre Erasmo e fica muito impressionado com a qualidade do autor e do tema; quase trinta anos mais tarde, em 29-6-1973, em Paris, na avenue Jena, retomará essa amizade. Quanto a Erasmo e os Humanistas a semente também floresceu...

Em 1947 licencia-se em Filologia Românica na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra com a tese Miséria e Grandeza do Homem em "Les Pensées" de Blaise Pascal. Algumas publicações posteriores ecoarão a simpatia pelo existencialismo cristão e a fé de Pascal. 

Destacará, nos "excelentes" professores, Joaquim de Carvalho (certamente o seu principal iniciador), Rebelo Gonçalves, Damião Peres, Lopes de Almeida, Costa Pimpão, Paulo Quintela. Nos investigadores, Mário Brandão e Torquato de Sousa Soares.  Entre os condiscípulos havia os alunos exemplares destinados a professores, tais Américo Ramalho, Maria Helena Rocha Pereira e José de Castro Nunes, e os que pela sua cultura e talento literário prometiam, tais como Virgílio Ferreira, Fernando Namora, Carlos de Oliveira, Dario Martins de Almeida. Ou ainda Joaquim Veríssimo Serrão, João Antunes Varela, Gonçalves Rodrigues e Magalhães Vilhena. 
Dos amigos mais próximos referirá primeiro Amândio César, "um verdadeiro devorador de livros, e de textos poéticos modernos", e que "como poeta afirmava-se na sinceridade e autenticidade", sendo "profundamente religioso". Este por sua vez corresponderá numa dedicatória dum livro, em 1951: «Para o Duarte Montalegre - ao Querido amigo e ao Intelectual mais alto da minha geração, com um xi do Amândio». E, depois, seus bons amigo também, Dario Martins de Almeida, Henrique Barrilaro Ruas e Eduardo Lourenço.
De 1948 a 1955 foi leitor de Português em Itália, na Universidade de Roma La Sapienza, tendo frequentado o curso de Biblioteconomia do Vaticano,  seguindo  na disciplina de Storia del Libro as lições de Lamberto Donati um grande conhecedor do livro ilustrado do Renascimento. Na Universidade de Bolonha estudou as relações históricas entre Itália e Portugal no século XVIII (à volta de Ludovico Antonio Muratori), sob o magistério de Carlo Calcaterra. 
Em 30.III.54, aos microfones da Radio Vaticano, faz um sábio apelo em prol da libertação de Ezra Pound, detido há oito anos pelos norte-americanos, que será publicado por Leo Magnino (que fora leitor de Italiano em Coimbra), na versão inglesa de Olivia Rosseti Agreste, e no qual põe em causa  os Estados Unidos da América quanto a seguirem o que apregoam:«os princípios da liberdade humana e dignidade, e a supremacia dos valores espirituais». A História dar-lhe-á razão, tanto na altura, já que o Parlamento Italiano fez então mais pressão para a sua libertação (de um manicómio e conseguiu-a), como hoje em que a opressão dos direitos humanos e da dignidade humana é a política corrente ou vigente do império norte-americano.
Publica em Braga em 1954, sob o nome de Duarte Montalegre, o  livro de poesia Rio Interior, "dedicado a memória de Teixeira de Pascoaes", com uma ilustração de Martins da Costa, contendo no interior um poema dedicado à Primula, a sua mulher, italiana.  
 Em 1955 é transferido para o leitorado de português da Universidade de Poitiers, em França, onde trabalhou com Raymond Cantel. 
Em 1957 inscreveu na Universidade de Paris III (Sorbonne Nouvelle) as suas teses de doutoramento, nas quais trabalhou sob orientação de Léon Bourdon e Robert Ricard. 
Em 1961 foi convidado para assistente da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, regressando em 1962, e rege as cadeiras de História da Cultura Moderna (1962), de História da Cultura Clássica (1962-1963), de História da Literatura Portuguesa II (1963-1964) e de Literatura Italiana (1963-1972), valorizando o estudo da história do livro e das fontes antigas.
São desta época (1964) os seus Ensaios de Literatura Europeia, publicados nas Edições Panorama, ainda sob o pseudónimo de Duarte Montalegre, e onde escreve sobre  S. Francisco, Marco Polo, Leopardi, André Gide, Bernanos, Jacques Maritain, Giovanni Papini, Ezra Pound, Endre Ady, Luigi Salvini, Jose Maria Valverde, Ribeiro Couto (poeta brasileiro a quem dedicará outros estudos), Jorge de Lima, Werner Bergengreuen, Giusuppe Ungaretti, Luigi Fantappié, Raffaele Spinelli, a este autor tendo dedicado também publicações individuais.
Em 1965 com Paulo Quintela, Vitorino Nemésio e Justino Mendes de Almeida dirige as celebrações universitárias do centenário de Gil Vicente. 
Em 1970 conclui uma das suas magníficas obras, que publicará em 1972, Sá de Miranda e a Cultura do Renascimento. I. Bibliografia, catalogando e comentando cerca de 1300 livros ou documentos mirandianos, muito deles reproduzidos. Das várias pessoas que de algum modo o ajudaram avultam investigadores como Gonçalves Rodrigues, Eugenio Asensio, Victor Buescu, Martim de Albuquerque, José Adriano Carvalho, e os livreiros Alfonso Cassuto, Américo F. Marques, António Tavares Carvalho, Ernesto Martins, Almarjão, João Rodrigues Pires e José Telles da Silva, a quem agradece.
Autógrafo de Sá de Miranda, e gravura a água forte e ponta seca de Martins da Costa.
Em 1972 dirige na Biblioteca Nacional a Exposição acerca d' Os Lusíadas,  sendo o responsável de Os Lusíadas (1572-1972). Catálogo da Exposição Bibliográfica, Iconográfica e Medalhística de Camões.  Prefácio de Manuel Lopes de Almeida. Introdução, selecção e notas bibliográficas de J. V. de Pina Martins. Lisboa, Imprensa Nacional, 1972. Cerca de 800 páginas, um trabalho gigantesco.
De 1972 a 1983 é Director do Centro Cultural Português, da Fundação Calouste Gulbenkian, em Paris, onde além de receber, com grande hospitalidade,  com a sua mulher Primula, os investigadores,  publicou mais de uma centena de edições de carácter científico no campo das letras humanas, num mecenato muito valioso, promovendo e participando em numerosas conferências, exposições e colóquios. Na colecção
Civilização Portuguesa começa a editar livros de grande sabedoria humanista, os dois primeiros sendo de Marcel Bataillon, Études sur le Portugal au temps de l'Humanisme, e de Eugenio Asensio, Estudios Portugueses, ambos no ano de 1974 e prefaciados por ele. Nos Arquivos do Centro Cultural Português de Paris organizará e publicará doze grossos volumes de alto valor cultural, três deles de homenagem a três grandes almas da "lusofilia universitária": Marcel Bataillon (em 1975), Leon Bourdon (em 1982) e Raymond Cantel (em 1983).
Viu contudo gorado o seu projecto de publicação em francês de uma biblioteca essencial da literatura portuguesa que a UNESCO e a Fundação Gulbenkian queriam publicar, por oposição da engenheira Lurdes Pintassilgo, então a representante Portuguesa,  algo de que sempre se lamentará. Já em em boa cooperação com a Universidade de Paris VIII instituiu cursos de Língua e Cultura Portuguesas no Centro  Cultural Português, em Paris, da Fundação Calouste Gulbenkian, que em 1983  tinham 178 alunos. 
Em 1973 identifica, estuda e publica o Tratado de Confissom (Chaves, 8 de Agosto de 1489), com "fac-símile, leitura diplomática e estudo bibliográfico", do primeiro livro impresso em português com caracteres góticos provindos de Espanha, a partir da descoberta que um livreiro alfarrabista, Tarcísio Trindade, fizera no norte de Portugal, em 1965.
Em 19 de Dezembro de 1974 defende durante seis horas as  teses de Doctorat d'État na Universidade de Paris III (Sorbonne Nouvelle), perante um júri presidido por Marcel Bataillon, do Collège de France, composto por Eugenio Asensio, Robert Ricard, Paul Teyssier, Raymond Cantel e André Saint-Lu, tendo alcançado com unanimidade a mais alta classificação. Será em 1976 que sairão nas Presses Universitaires de France, sob o título: Jean Pic de la Mirandole, un portrait inconu de l'humaniste. Une édition très rare de ses Conclusiones.
De 1974 a 1983 fundou e dirigiu com Jean Aubin o Centre de Recherches sur le Portugal de La Renaissance, na École pratique des Hautes Études (IVe section - Études historiques et philologiques), onde ensinou durante nove anos, dirigindo a cadeira de Civilização Portuguesa como chargé de conférences. 
Em 1975, a partir da ideia da então leitora de português em Roma, Elsa Gonçalves, coordenou, em Roma, sob a égide da Accademia Nazionale dei Lincei, do Instituto de Alta Cultura e da Fundação Calouste Gulbenkian a mostra bibliográfica sobre Camões e il Rinascimento Italiano para a qual redigiu igualmente o  catálogo, co-prefaciado com Luciana Stegagno Picchio, e no qual estavam descritos os 64 incunábulos e quinhentistas italianos expostos e considerados como fontes da poesia de Camões, «uomo del Rinascimento, formato dall'Umanesimo e attento a tutti gli interessi culturali e storici di un'epoca in cui l'uomo guarda alla realtà concreta del mundo», que «non esalta solo la storia del Portogallo, glorificando la scoperta della via marittima per le Indie: esalta sopratutto l'uomo capace di trionfare di ciò che la leggenda gli presentava come ostacole insuperabile, come prospettiva catastrofica».
Em 1976 esteve a pronunciar conferências no King's College de Londres e a dirigir um seminário em Oxford sobre o Humanismo português e sobre Giovanni Pico della Mirandola.
Em 1980 viaja ao México com seu grande amigo Eugenio Asensio, onde proferem conferências camonianas no Colégio do México, e peregrinam tanto Teotihuacan como o santuário de Nossa Senhora de Guadalupe. De tal resultará a publicação em 1982, com Asensio, do Luis de Camões. El Humanismo en su obra poética. Los Lusiadas y las Rimas en la Poesia Española (1580-1660), onde a dado momento afirma: «Por lo que toca al neoplatonismo, aunque los poemas de Camões especialmente los poemas líricos, no dejan lugar a duda, el mismo poeta nos dejó un testimonio claro en el monologo del personaje central de una de sus piezas, el Auto llamado Filomeno. En él, se habla de Platón, del Bembo, de Garcilaso, de Laura y de sonetos». 
Regressa a Portugal em 1983, já que fora convidado a ocupar o lugar de professor da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e a ser  Director do Serviço de Educação da Fundação Calouste Gulbenkian, actividade em que se exerce um mecenato cultural de teor social e humanista inigualável na história da Fundação e das múltiplas entidades culturais que necessitavam de apoios.
De 1985 a 1990 foi o Professor-Bibliotecário da Biblioteca Central da Faculdade de Letras, enriquecendo-a em vários aspectos. Em 1990, a Bibliotecária Assessora principal Lydia Pimentel elabora a bibliografia do seu antecessor, expondo 99 obras na Biblioteca: 16 de estudos bibliográficos, 59 de estudos críticos, 15 prefácios, 6 testemunhos e 3 traduções. Após algumas peripécias virá a ser esta  Biblioteca da Faculdade de Letras a possuidora dos livros antigos do prof. Pina Martins. Já em 1998, para uma pequena exposição na Biblioteca Nacional, Manuel Cadafaz de Matos cataloga, prefacia e descreve 129 Trabalhos Científicos de um grande investigador, José Vitorino de Pina Martins.
 Pertenceu à Academia das Ciências de Lisboa como académico associado desde Abril de 1977, proferindo a sua primeira comunicação nas comemorações sobre Thomas More, em Junho do mesmo ano. E foi eleito sócio efectivo em 1985, nesse ano sendo o Secretário geral do 1º Simpósio Nacional sobre O Humanismo Português 1500-1600 (de que sairão as notáveis comunicações,  em 700 páginas em 1988, a sua sendo sobre Sá de Miranda e a recepção no século XVI de um Dolce still nuovo renovado), tendo sido várias vezes eleito para exercer magistralmente os cargos de Presidente e Vice-Presidente da sua Classe de Letras, e de Presidente e Vice-Presidente da própria Academia, além de Inspector da magnífica Biblioteca, que bastante protegeu e valorizou, tendo publicado comunicações suas e de outros académicos.
 A época que mais o atraiu e investigou foi o  Renascimento, mas tanto recuando nas raízes como prolongando-o nas  frutificações, caracterizando-o na sua 1ª fase, a do auge do Humanismo, como «a reinvidicação da dignidade da humanitas e o primado do homem na cidade terrena, e a descoberta dos valores essenciais que o interessam através das letras humanas e o estudo das fontes antigas»,  a qual termina com o Concílio de Trento; já a sua segunda fase é mais naturalista, utópica e científica, representada respectivamente por Giordano Bruno, Tommaso Campanela e Galileu Galilei, "o último dos grandes pensadores do Renascimento".
Em 1987 orienta uma exposição do qual sairá um catálogo bibliográfico bem ilustrado, onde são descritos 335 cimélios, escrevendo a introdução e as  notas, intitulado Erasmo na Biblioteca Nacional séc. XVI.

Os principais autores que amou, investigou e ensinou foram Giovanni Pico della Mirandola, Thomas More, Erasmo, Damião de Góis, Sá de Miranda, e tinha deles imagens nas paredes da sua biblioteca. E em seguida, dos italianos antigos, Dante, Petrarca (estes dois bastante), Bocacio, Lorenzo Valla, Marsilio Ficino, Angelo Poliziano, Cristoforo Landino, Girolamo Benivieni, Sadoleto, Doni, Baldassar Castiglioni e Tommaso Campanela. Dos mais recentes Giacommo Leopardi (1789-1837), «porventura, depois de Dante e Petrarca, a maior figura da poesia italiana de todos os tempos». 
Já dos outros europeus nomeemos John Collet, John Fisher, Guillaume Budé, Lefèvre D'Étaples, Étienne Dolet, Reuchlin, Nebrija, Arias Montano, Garcilaso de La Vega (da qual noticiou a descoberta de uma edição desconhecida adquirida na olisiponense Livraria Antiquária do Calhariz) e já no séc. XVII, Pascal.  Dos portugueses, além de Sá de Miranda (1481-1558) e Camões (1525-1580), destacaram-se Gil Vicente (1465-1536) João de Barros (1496-1570), André de Resende (1500-1573), Bernardim Ribeiro (1482-1552), D. Jerónimo Osório (1506-1580), Frei Heitor Pinto (1528-1584), D. Francisco Manuel de Melo (1608-1666), Luís António Verney (1713-1792), Almeida Garret (1799-1854) e Antero de Quental (1842-1891).
Dos seus contemporâneos homenageou vários com textos, nomeadamente Joaquim de Carvalho, Vitorino Nemésio, Victor Buesco, Fernando de Mello Moser (grande amigo e co-autor de um catálogo e exposição dedicada a Thomas More), Jacinto do Prado Coelho, Rómulo de Carvalho, Joaquim Veríssimo Serrão, Maria de Lourdes Belchior, Delfim Santos,  Félix A. Ribeiro e  seu mais querido amigo Eugenio Asensio (com quem convive desde 1965, em peripatéticas conversas e animadas buscas e trocas de livros raros), o notável descobridor em bibliotecas de exemplares de edições perdidas de Jorge Ferreira de Vasconcelos e D. Gaspar de Leão e que tão bem as estudou e partilhou. Publica mesmo em 1990, em 110 páginas uma sucinta biografia e encómio: Eugenio Assensio doutor Honoris Causa pela Universidade de Lisboa.

Eugenio Asensio, notável investigador e seu íntimo amigo...

Orientou vários seminários e conferências públicas e apresentou comunicações em numerosos congressos em Universidades da Europa e da América e em encontros internacionais que tiveram lugar em Portugal, Espanha, França, Inglaterra, Itália, Alemanha, Bélgica, Holanda, Suíça, Polônia, Hungria, Canadá, EUA, México e Brasil. 
Entre as suas principais obras, e mais volumosas, destacaremos Humanismo e Erasmismo na cultura Portuguesa do séc. XVI. Estudo e e textos. Paris, Fundação Calouste Gulbenkian, 1973 e Humanisme et Renaissance. De L'Italie au Portugal. Les deux regards de Janus, 2 vols., impressos pela Fundação Calouste Gulbenkian em Paris, 1989, contendo 25 anos de estudos sobre os principais autores e obras de humanistas italianos e portugueses, em 1000 páginas muito bem ilustradas e anotadas.
Nesse mesmo ano de 1989 levava a Chaves "vinte e dois livros antigos de espiritualidade (1502-1592)" imprimindo a Câmara Municipal de Chaves um catálogo prefaciado e anotado por Pina Martins, Mostra Bibliográfica Comemorativa do Quinte Centenário do Tratado de Confissão (Chaves, 8 de Agosto de 1489), e concluía o seu estudo introdutório assim: «Portugal tem mais de oito séculos de existência. A sua unidade como Nação define-se como comunidade viva através da consciência colectiva da sua identidade histórica. É indispensável que todo o país saiba que a macrocefalia cultural pode vir a ser nociva para o equilíbrio moral da Pátria, como Francisco Sá de Miranda reconhecia, cerca de quatro décadas depois do aparecimento do Tratado de Confissom: Ao Reino cumpre ele/Ter a quem o seu mal [e bem] doa,/ Não passar tudo a Lisboa,/Que é grande o peso, e com ele/ Mete o barco na água a proa».
Em 1994, comemorando o V Centenário da morte de Giovanni Pico della Mirandola cria uma Exposição bibliográfica na Biblioteca Nacional, com 80 obras, saindo o Catálogo com prefácio, catalogação e nota bibliográfica de Pina Martins e os índices por Margarida Cunha, tendo eu contribuído com duas edições modernas de Pico, como ele assinala na dedicatória: "Ao Dr. Pedro Teixeira da Mota, como homenagem à sua cultura, oferece Giovanni Pico..., catálogo onde também figuram obra suas, com um abraço afectuoso, Lisboa, 25.III.95, José V. de Pina Martins.»
Em Março de 1998 é o responsável pela exposição na Biblioteca Nacional das comemorações dos 500 anos da melhor edição (a 3ª) latina da Utopia, publicando A Utopia de Thomas More, e o Humanismo Utópico 1485-1998. Catálogo de ums síntese biblio-iconográfica, onde descreve sóbria e judiciosamente 112 cimélios da Biblioteca Nacional e da sua Biblioteca de Estudos Humanísticos. Foi coadjuvado pelas suas discípulas Maria Valentina Sul Mendes, especialista em incunábulos, e Margarida Cunha, especialista em encadernações antigas e manuelinas.
Em 1999 publica em homenagem a Maria de Lurdes Belchior e à cultura Hispânica uma descrição bibliográfica de 25 Livros  do século XVI impressos em Espanha da Biblioteca de Estudos Humanísticos de Lisboa.
 Numa linha de doutrinador futurante, contendo propostas para os nossos dias, publicou em 2005 a Utopia IIIrelato em diálogo sobre o modo de vida educação usos costumes em finais do século XX do povo cujas leis e civilização descreveu fielmente nos inícios do século XVI o insigne Thomas More. Em 2006 escreve um Estudo introdutório à Utopia Moriana, na Utopia de Thomas Morus,   na edição (bilingue)  crítica, tradução e notas de comentário por Aires de Nascimento (um dos nossos melhores humanistas contemporâneos). E em 2007,  como historiador do livro e das mentalidades, bibliófilo e memorialista, as Histórias de Livros para a História do Livro, onde relata as peripécias da sua vida itinerante de amante da Cultura e do Livro, suas descobertas bibliográficas e seus encontros e diálogos com alguns dos melhores investigadores, livreiros e bibliófilos europeus, dos quais nomearemos apenas dois dos investigadores do Humanismo que mais apreciou e com quem conviveu tão agradavelmente, Marcel Bataillon e Eugenio Asensio.
Na realidade a sua casa era uma biblioteca viva, com livros sempre a entrarem ou a saírem, no fundo um museu ou casa de musas, onde alguns mestres pontificavam pelas pinturas, gravuras e medalhas, e pelos livros que tinham escrito, publicado ou sobre quem outros tinham  escrito. Com efeito, não era onde vivia com a sua querida Primula (e durante alguns anos com sua filha Eva Maria), no 2º andar na  Rua Marquês da Fronteira, também ele com as paredes cheias de livros menos antigos, que estava a sua biblioteca, mas sim no  5º andar, transformado em templo de livros, e que aí se oferecia aos olhares ou mesmo manuseio de investigadores, bibliófilos e amigos, no fundo todos frágeis peregrinos face aos mais de seiscentos quinhentistas que habitavam nas duas amplas salas.
Na oriental pontificava uma grande pintura de Thomas More, com centenas de obras moreanas, e de outros humanistas ingleses, tais como John Fischer e  John Colet, bem como de  humanistas europeus; na parede a norte desta sala estavam as mais volumosas obras, de religião (tal como a Bíblia Poliglota Complutense, obra prima da tipografia espanhola, sob a protecção do cardeal Cisneros, ou alguns volumes da Bíblia Poliglota Plantiniana, de Arias Montano), de bibliografia, dicionários e outras de referência, enquanto a sul uma vasta e cheia secretária tinha as costas ao sol que entrava forte quando as persianas não eram baixadas.
 Já  na sala a Ocidente brilhava a belíssima pintura seiscentista de Giovanni Pico della Mirandola, rodeada de inúmeros cimélios quinhentistas raros do humanismo italiano e em particular de cerca de cem impressos por Aldo Manuzio, o sábio impressor onde Erasmo estagiou na sua aprendizagem do grego e que foi o inventor da letra itálica, que fez diminuir o tamanho dos livros, o que  agradou a Erasmo, pois por vezes os livros viajavam pesando dentro de barricas ou tonéis de vinhos. Pina Martins, em 1994, coadjuvado por duas suas valiosas discípulas e amigas da Biblioteca Nacional, Maria Valentina Sul Mendes e Margarida Cunha editou o Catálogo Edições Aldinas, Séculos XVI e XVI.
A norte desta sala ocidental estavam os livros portugueses dos séculos XVI, XVII e XVII, de humanismo e de história, com alguns de poesia peninsular, nomeadamente Sá de Miranda, Garcilaso de La Vega, Francisco de Sotto Mayor.
Tinha ainda uma espécie de andar superior com livros de estudo humanístico e literário não muito antigos,   acima destas duas salas nobre da sua biblioteca que desaguavam ainda para a cozinha e a dispensa  com livros que não lhe interessavam e que trocava ou vendia.
Era nestas duas salas   bem ornada das pinturas e guarnecida de duas boas secretárias e sofás que recebia Pina Martins afavelmente os que o procuravam para receber seus conselhos, para admirar os seus cimélios ou aqueles que ele convidava. 
Lembro-me neste sentido de uma celebração em pequeno grupo do dia de nascimento e morte de Platão, na linha do que a Academia Platónica florentina de Marsilio Ficino realizava todos os anos, realizada em 1996, pois a dedicatória de um livro assinala: «Ao Dr. Pedro Teixeira da Mota, como lembrança deste dia ficiano de 7.XI.99 em que dialogámos sobre o pensamento platónico na Biblioteca de Estudos Humanísticos, oferece Livros Quinhentistas sobre o Amor o seu amigo e colega de pesquisas bibliográficas, José V. de Pina Martins». 
Nesta apostilha bibliográfica considera o comentário de Marsilio Ficino Sopra lo Amore o ver'Convito di Platone, como a grande fonte dos tratados de Amor renascentistas, nomeadamente nos Dialoghi di Amore de Leão Hebreu (o que prova bastante neste livro), Gli Asolani, de Bembo,  Natura di Amore de Mario Equicola e  Cortegiano de Castiglione. O Amor em Marsilio Ficino surge-nos então como o meio da alma dotada da Verdade passar a estar formada de Verdade, e assim consciente e cosmicamente imortalizada e à Divindade religada... Assim seja...
Desencarnou no dia 28.IV.2010, em Lisboa, já com 90 anos, libertando-se na sua própria casa, a três metros das estantes de uma das divisões da sua biblioteca, do corpo físico já enfraquecido, partindo luminosamente para o mundo espiritual, como de algum modo foi dado a ver dois dias depois, no enterro, nas maravilhosas nuvens que se manifestaram no céu, coroando e infinitizando o zimbório e Basílica da Estrela.
Recentemente, no ano de 2021, Manuel Cadafaz de Matos deu há luz mais um número da sua valiosa Revista Portuguesa de História do Livro, dedicada em grande parte a ele e em que contribuímos os dois, publicando ainda o catálogo da sua biblioteca, hoje na Faculdade de Letras de Lisboa.

Sem comentários: