quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

"O que está vivo na tradição do Humanismo", de Pina Martins. (2ª p.). Tradução e gravação de Pedro Teixeira da Mota...

Na 3º e última parte do seu escrito O que está vivo na tradição do Humanismo, intitulada "O Humanismo como retorno às Fontes e ao pensamento Irenista", o prof. Pina Martins explica que as fontes dos humanistas foram as cristãs e a patrística (dos primeiros padres da Igreja, tal como Clemente de Alexandria e Orígenes) para a gnose teológica; o pensamento grego para a demanda filosófica; e os textos gregos e latinos para os filólogos e escritores, estes impulsionando métodos mais críticos ou científicos de investigação e fixação dos textos, iniciados por Lorenzo Valla, Erasmo e os grandes impressores, como  Aldus, Froben e Estienne.
Desidério Erasmo, defensor da verdade, no seu scriptorium, por Quentin Metsys
                        
Desta abrangência de fontes resultou também uma certa aceitação da diversidade, por vezes conflituosa, da hermenêutica dos textos, abrindo caminho para um irenismo filosófico e religioso, ou seja, para aceitação tolerante de perspectivações diferentes. Algo hoje fundamental, em tempo de narrativas oficiais e extremar de posições ideológicas, e que teve então sua raiz.
Pina Martins escreve mesmo, talvez para manter viva tal tradição Humanista e despertar-nos de uma subjugação medíocre: «O respeito pelo outro não é mais do que um aspecto do respeito pelo ser humano. Nos nossos dias dá-se prioridade à melhoria da sorte do indivíduo nas suas relações com o trabalho e os meios de produção: este problema está intimamente ligado ao dos direitos do homem na comunidade, pois o Estado existe para a felicidade dos cidadãos, não são eles que têm de se sacrificar para assegurar um enriquecimento hipotético do Estado.» 
E, não sabemos se a sério se com ironia, pois escrevia em 1987, já que nos nossos dias passa-se o contrário, da prisão de Julian Assange à manipulação e opressão crescente das vozes discordantes do capitalismo oligárquico e imperialista que tenta reger o planeta, Pina Martins acrescentava logo em seguida: «Estas ideias, admitidas hoje em toda a parte, encontram-se já em alguns dos textos fundamentais do Humanismo...», citando a Utopia de Thomas More, com as suas seis horas de trabalho e Juan Luis Vives com as propostas de medidas para evitar a pobreza...
                              
  Marsilio Ficino, Picco della Mirandola e Angelo Poliziano, em 1485, em  Florença, num fresco de Cosimo Rosseli.
Transcrevendo a famosa frase de Pico della Mirandola, e que Pina Martins relembrava de quando em quando "philosophia veritatem quaerit, theologia invenit, religio possidet", "o amor da sabedoria (filosofia ou ciência) procura a verdade,  a teologia encontra-a mas só a religião a detém ou possui»", considera tal como aproximação à unidade ou ecumenismo das religiões, já que Pico della Mirandola, tal como Marsislio Ficino, reconheciam uma religião ou filosofia perene, a prisca teologia, que sempre se transmitira, estudando-a nas diferentes religiões e tradições, algo que é hoje uma mentalidade ou visão bem mais corrente, embora com retrocessos nas seitas e mentes fundamentalistas. Certamente que podemos sentir e postular ainda a  religião, que possui a verdade, no seu nível mais elevado e íntimo  como a religação espiritual e divina.
Um dos mais belos e enigmáticos livros com imagens do Renascimento, O  Sonho de Polifilo, de Francesco Colonna.
      Depois de ter equacionado levemente a união da imagem e do texto ao longo dos séculos, sem ainda observar a actual predominância crescente dela, nomeadamente digital, Pina Martins questiona-se quanto à capacidade de ele ou outros fazerem sínteses completas, pois nem sobre o Renascimento nem sobre o saber contemporâneo os melhores seres as poderão fazer, cabendo-nos apenas participar com as nossas contribuições, estudos e investigações, nomeadamente sobre os temas e textos maiores do Humanismo, dos quais enumera no fim treze, da Theologia Platonica de Marsilio Ficino ao Quod nihil scitur de Francisco Sanches, de modo a que possamos revificá-los e frutificá-los nos nossos dias, tal como Pina Martins tão bem realizou, culminando mesmo com a sua Utopia III.
 
 Segue-se então a leitura e simultaneamente tradução do texto francês, com alguns comentários meus, em prol da Tradição Humanista em Portugal e, nestes dias do centenário do seu nascimento, como homenagem de coração e de espírito  ao ilustre investigador, bibliófilo, bibliotecário, professor e amigo José V. de Pina Martins.                                                                                

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