segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Tarot, arcano X, a Roda da Fortuna. Imagens arquétipas, símbolos energéticos, iniciações conscienciais.

A Roda da Fortuna é um dos arcanos do Tarot cuja origem iconográfica e doutrinária facilmente se descobre pois desde o séc XI se encontra desenhada em manuscritos e  mosaicos. Duas serão as suas principais fontes, indirectamente  a rotação dos moinhos para tirar água e, mais directamente, a Consolação da Filosofia, de Boécio, escrita em latim no séc. VI e amplamente divulgada como súmula da Sabedoria Ocidental, nela  se encontrando esta imagem como metáfora da transitoriedade, instabilidade e volubilidade dos estatutos e bens do mundo, e portanto da Fortuna,  a personagem que dialoga com a Filosofia, nesse belo condensado da sabedoria greco-romana cristianizada.
Tenta-se transmitir-se, primeiro, a ideia que os bens do mundo são relativos e que a outros fins, que a sua posse e fruição, devemos dar prioridade no nosso caminho de vida.  Em segundo, com a imagem-força de centro e periferia,  alto e  baixo  e do desabrochamento, rotação e ciclicidade das estações e estados de vida, nomeadamente riqueza-pobreza, sugere-se aprendermos a fluir com todas as situações, pois são sempre mais ou menos instáveis, e a sintonizar e singrar com as ondas e correntes planetárias e cósmicas luminosas Divinas, com os seus mais altos e libertadores propósitos. 
Nesta imagem de um Tarocchi renascentista italiano primordial, os Trionfi de Visconti Sforza, uma das mensagens será a de estarmos maduros para suportar os altos e os baixos que a vida, imparcial e como que vendada no seu automatismo de causas e efeitos,  invariavelmente traz, sintonizandocom o alto, com a Criança eterna (puer eternus), o espírito puro observador, ou mesmo, num dos veios tradição cultural e espiritual portuguesa, o Imperador ou  Rei-Rainha do Mundo, criança ou estado puro, no qual se pode ainda ver ou intuir o Espírito, santo activo. Anote-se que a criança tem orelhas de burro, algo que se pode estranhar e que pode remeter, para a capacidade de ouvir e de persistir, como para o Asno de Ouro, de Apuleio, romance semi-biográfico acerca dos mistérios da Antiguidade greco-romana e que em Eleusis tiveram um dos seus pontos máximos.
Estamos todos nesta roda da vida e da sociedade, que tanto nos leva ao sucesso como nos leva abaixo, e nas dificuldades maiores há que ser o Atlas que carrega ou suporta o mundo, mas observando com lucidez, seja calado e dolorosamente, seja irradiando...

A Roda da Fortuna, nesta imagem do clássico Tarot de Marselha, deixou de conter seres humanos e passou para os animais, talvez com isso aludindo que a necessidade é que rege mais os animais e os instintos, e que o ser humano, sendo sobretudo um espírito, deve agir com o seu livre arbítrio, dando à manivela que faz rodar a roda do Karma, do Fatum ou do Devir e assim escapar do automatismo e da instintividade.
Diz-nos este arcano para estarmos preparados, pela vida justa e a oração-meditação, para as mudanças  constantes, frequentemente ciclicas. E lembra-nos que as leis da natureza, do Karma ou da causalidade, e do Dharma ou ordem Divina, na imagem qual interrogante e mistérica esfinge coroada e de manto recoberta, regem a manifestação pelo que, de acordo com as nossas acções e intencionalidades, o que semeamos colhemos. E tudo dentro da Alma Mundi ou, como hoje se designa, o vasto Campo Unificado de energia consciência que entrelaça ou abrange todas as mentes, por vezes em interacções bem subtis e inesperadas mas que nos seus níveis mais subtis e elevados inspiram-nos e alargam a nossa consciência (acima das descidas da roda) e aproximam-nos dos níveis espirituais e divinos iluminadores, plenificadores e libertadores.
A Roda da Fortuna diz-nos que, quando cairmos, errarmos ou adoecermos, deveremos tentar compreender a causalidade, aceitar e esforçar-nos por nos harmonizar, purificar, erguer e de novo alinhar-nos, orar e meditar, avançar, sorrir, dar graças e atrair a renovada vida e as bênçãos e graças.
Por este trisquel Celta escolhido para representar o arcano X  numa versão moderna do Tarot, mostra-se que a harmonia dos três mundos e níveis (físico, psíquico e espiritual) está em constante interacção criativa, com as espirais coloridas das partículas e ondas estruturando-se coerente e ordenadamente, sobretudo quando a auto-consciência, intensificada e harmonizadora, sintoniza e singra bem nas proporções e ritmos que nos constituem, nutrem ou envolvem, e consegue transformar os opostos em complementares, gerando sínteses das teses e das antíteses conflituosas, numa movimentação ou dança que apela tanto à nossa prática de exercício terapêuticos, como à nossa criatividade amorosa e sábia e ainda à invocação ou sintonização da Divindade e dos seus espíritos. 
                                                  
No Tarot de Arthur Edward Waite (1857-1942), um ocultista e maçon anglo-americano que Fernando Pessoa muito leu, prezou, anotou, transcreveu e citou (três livros na sua biblioteca pessoal, impressos em 1924, 1925 e 1933), vemos o aumento da carga simbólica esotérica no enquadramento da carta, pois foram representados mais explicitamente a serpente do desejo incarnativo que nos traz à Terra e o deus Anubis egípcio a impulsionar para o alto a nossa estação momentânea na Roda da Vida. Anubis, nas cosmogonias egípcias, simbolizava, entre outros aspectos, a consciência que julga as almas à entrada do além, e está sob a esfinge da Lei, Justiça ou Ordem Cósmica.
Com efeito, eles foram enquadrados pelos quatro Evangelistas, símbolos dos quatro Elementos (terra, água, ar e e fogo) que de certos modos condicionam ou estruturam a nossa posição ou estação na roda e rota da vida, conforme os harmonizamos mais ou menos em nós, nos nossos actos, sentimentos, pensamentos e aspirações. Se tal acontece alcançamos mais uma certa imobilidade, silêncio, paz, ou mesmo o centro do nosso ser, o Espírito e, portanto, a religação à bênção reintegradora ou mais plenificadora do Ser Divino.
                                                  
Nesta versão a Anima Mundi intermediariza a cornucópia Divina e manifesta-se bela e ordenadamente, em Kosmos, na língua grega significando um todo ordenado e belo,  emanando de um Zeus ou Júpiter Celestial, com os doze signos astronómicos bem marcados, numa sinfonia a que somos chamados a contribuir generosamente, ou em tempos opressivos corajosamente, ao tentarmos comungar com ela profundamente e irradiar tal harmoniosamente, e nesse sentido Pitágoras falou da música das esferas que alguns conseguem ouvir pela calada da noite obscura...
Esta música das esferas ou som do silêncio, ou Aum, ressoa em todos os seres mas é apenas escutada, e em graus diferentes de som e de música, nos discípulos e discípulas mais harmonizados pela vida e trabalho, nomeadamente com os alimentos biológicos, as virtudes das plantas, as formas geométricas, os ritmos numéricos, as virtudes éticas, as artes expressivas e as práticas orativas, meditativas, contemplativas e anamnésicas. Tal comunhão, por vezes secundada pela respiração, e que é impossível se andamos a ouvir e a ver noticiários televisivos,  ajuda a sairmos em parte da vida superficial e tão alienada, girante e manipulada actual (em especial com as narrativas oficiais e seus comentadores e influenciadores avençados), para, dissociando-nos de tal brainwash, harmonizar-nos, fortificar-nos e vivenciarmos mais a sintonização com o Alto, a comunhão celestial e com a Fonte Divina.
Neste moderno e original Whispering Tarot, três meigas (da Galiza) ou sábias-bruxas-fadas da Natureza, quais três Parcas ou três Graças, presidem à manifestação octogonal do Sol e dos sete astros e, axializadas pela sua profunda e fecunda, ígnea e amorosa vivência da Natureza, convidam os seres a descer às suas profundezas e raízes para depois poderem subir aos cimos e altos, numa dança harmoniosa e convivial, por vezes mesmo de roda florestal familiar ou comunitária, em especial as celebradas nas épocas solsticiais e equinociais.
A Roda da Fortuna, vista pela da Tradição Oriental e Tibetana, sugere-nos ainda que constantemente teremos que saber meditar, intuir e escolher entre o que nos pode levar para cima ou para baixo, e que a regra oculta do "saber, querer, ousar e calar", vivida harmoniosamente pela lei do karma ("o que fazes, colhes") e iniciaticamente ("conhece-te e avança na Luz divina como luz"),  faz-nos não ficar dilacerados nas dualidades e  mundos infernais, purgatoriais ou paradisíacos e vivenciar ou entrar num estado búdico (sábio), nirvânico (sem desejos) ou, diremos nós, de ligação maior ao Espírito e à Divindade.
A essência da Fortuna, Sorte e Providência Divina diz-nos ainda que devemos ter fé ou sermos fiéis da Ordem do Universo, e da sua Sabedoria e Amor,  a Hagia Sophia, a Santa Sabedoria, a Anima Mundi, e abrir-nos criativa e bondosamente ao trabalho pelo Bem comum, ritmicizado pelas estações, luas, signos e ciclos semanais e diários, de modo a não cairmos em artificialismo, desvios e abismos mas, ajudados pela contemplação dos arquétipos ou psicomorfismos, na comunhão fecunda das ondas e informações, despertarmos cada vez a mais a nossa plenitude de Homem ou Mulher Universal...
                                                 
As cartas ou lâminas do Tarot são símbolos e mandalas para serem contemplados e depois vividos e re-intuídos; são arcanos, mistérios detentores de energias geradoras de subtis impulsos, metamorfoses e coerências na nossa interioridade.
As palavras com que descrevemos as cartas são quando boas e correctas apenas flechas menos ou mais ígneas destinadas a iluminar aspectos delas, potencialidades nossas, intensificadas pela junção do observador e da coisa ou símbolo observado num sub-campo do infinito Campo unificado energético consciencial, ao qual temos mais acesso ou ressonância pela nossa especificidade constitutiva e dinâmica e também pela frequência vibratória determinada pela nossa procura da verdade e de comunhão com o Logos, o Sol do Amor-Sabedoria divinos, em si, em nós e nos seres...
                                    
Este arquétipo e arcano lembra-nos ainda da importância de estarmos centralizados, de nos alinharmos com o eixo do mundo, com o Sol do sistema solar, do Cosmos e do Espírito em nós, e que deve haver um constante sintonizar do centro, um centrar-nos, face aos desafios e ameaças que vão surgindo e nesta terceira década do século XX como nunca se tinham visto e, logo, um caminhar cauteloso e firme ligado ao centro espiritual, e falando a partir dele, nas espirais irradiativas apropriadas.
                                           
O saber estar no centro da Roda da Vida, não nos identificando demasiado com o que acontece, vemos ou nos dizem, nos altos e baixos da vida, ou seja, sabermos recolher-nos ao ponto zero de observação pura, da consciência sem conteúdos objectivos, no centro da Roda, é um dos ensinamentos mais difíceis desta Roda da Vida e da Fortuna. Esfinge desafiante que é também símbolo do encontro entre as energias em triângulo da Terra e do Céu, e do fluir confiante e em diálogo com todos os seres animais e humanos (com as suas diversas polarizações, vestes e filtros...), e com os espíritos da natureza, Anjos e Arcanjos, na comunhão bela, geométrica e musical da Tradição ou seja, na circulação perene do Espírito e do Amor-Sabedoria, isto é, da Divindade que podemos contactar. E nestes sentidos, o dito "1+1=2, dois em um", significa a fortificação da unidade profunda e divina de cada um, a partir da complementariedade dual humana unida ou unificada em Amor...
                                                 
Sendo este arcano X um dos mais geométricos e mandálicos, isto é, com círculos concêntricos e que nos encaminham para um estado centralizado ou mesmo unificado, podemos escolher das imagens apresentadas, ou de outras, a que mais sentirmos. E então contemplá-la mais persistentemente, assimilando os efeitos benéficos e gerando ou enviando até por vezes ressonância orativa ou irradiativa em alguns seres, situações ou locais mais afins ou necessitados das orações mandálicas da nossa alma espiritual. Os desenhos de Emma Kuntz, são um exemplo bem propiciador, tais como os de Hilma af Klint, Bô Yin Râ e outros...
E se pudermos, de quando em quando, desenhar atenta e magicamente o nosso próprio Mandala (palavra masculina em sânscrito) e Roda da Vida e da Fortuna, num esforço de auto-diagnóstico, catarse e de individuação, ou alinhamento com a nossa individualidade espírito, melhor ainda...
Fiquemos com um mandala e uma citação de Carl Gustav Jung (que bem trabalhou nestas direcções, embora sem chegar, talvez, a uma realização maior do Espírito e da Divindade) clarificadora da peregrinação na Roda da Vida, da individuação e da invocação do centro, do Espírito e numa comunhão mística com o Todo e o Divino.

                                             
                                                                                    Lux Dei...

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