domingo, 9 de agosto de 2015

Tarot IX. O Eremita. Imagens arquétipas, símbolos iniciáticos...

O Eremita é uma das vivências, qualidades e arquétipos mais importantes da Humanidade recolhida e valorizada pelo Tarot, ao simbolizar o ser que recolhe-se e que,  pelo alinhamento interior e conhecimento subtil, acende ou acolhe a luz interior e avança por entre as trevas do desconhecido, da ignorância ou da oposição, movido pelo desejo, vontade e  aspiração, ora calma ora ardente, da Verdade, do Bem, do Amor, da ligação à Luz e à Divindade, vencendo assim as trevas e provações, dores e ilusões, numa determinação, modo de vida e consciência mais expandida e  espiritual,  que o vão tornando uma luz crescente em si e de algum modo, subtil, para os outros, já que, como a bela imagem (mas não tão interior) do Tarot sugere, a luz acolhida e o amor irradiam e iluminam...

                                                  

Pela vida mais centrada e a meditação ou contemplação mais adequada, a alma que consegue recolher-se no ermo, ou seja, criar um local de silêncio e solidão, mesmo na cidade, vai começando a despertar a Luz, ou receber a percepção dela no seu olho espiritual. Quando ela já brilha, a partir de todo o seu ser, e porque o  seu coração se torna um Graal de Amor e elevação, então a ligação com a vontade ou mesmo a beatitude Divina naturalmente irradia ou transmite a presença-energia-consciência do espírito e é uma pequena luz no seu ambiente e para o mundo, hoje tão dilacerado, oprimido e necessitado...

                                             

Ao longo dos séculos muitos shamans e eremitas, yogis, monges e yamabushi (do Shugendo, nipónico), ou mesmo qualquer pessoa a partir de certa idade, segundo a doutrina dos quatro asramas indianos (1º estudante casto, 2º vida em união, 3º seres mais recolhidos e, por fim, 4º, seres renunciantes do mundo, os sannyasins), praticaram o desprendimento das amarras e ilusões sociais, a solidão e exercícios mais profundos de auto-conhecimento, circulação energética, meditação e contemplação, por vezes em vidas itinerantes noutras, pelo contrário, recolhidos ou mesmo emparedados.
Os monges Cartuxos entre nós, com um convento em Évora (em 2019 extinto...), não muito longe da Serra de Ossa, onde terão eventualmente começado os primeiros eremitas ou cenobitas no Portugal cristão, observaram e cultuaram um recolhimento e silêncio grande, embora pautado por recitações de Salmos e outras passagens tão belicosas do Antigo Testamento, já demasiado desadequadas aos nossos tempos, ao continuarem a veicular uma concepção de Deus, o Jehová, quase pré-histórica, violenta, invejosa...

                                             

Entre os elos da Tradição Espiritual Portuguesa, onde muitos viveram algo ascética ou solitariamente, e seria injusto não referir, entre outros que viveram fora das ordens religiosas em que tal era natural, os iniciandos-iniciados Fernando Pessoa (um cristão-gnóstico que estudou o Tarot e a ele se refere), Dalila Pereira da Costa (eremita-sibila do Porto e do Douro) e Antero de Quental, que aliás Carlos Eugénio Correia Paço d'Arcos compara mesmo no soneeo que lhe dedicou a um eremita com o lampeão do platonismo.

Antero foi um dos que mais se destacou pois viveu bastante como eremita (e assim aparece em acima numa pintura de Francisco Metrass), "sonhou" e mencionou mesmo uma  Ordem dos Mateiros, de seres contemplativos vivendo nas salutares matas lusitanas, que seriam quem resistiria melhor e daria luz para clarificar as manipulações ético-civilizacionais que ele no final do séc. XIX já sentia em Portugal e na Europa, antevendo com certa clarividência o que vemos hoje de manipulações e opressões...

                                             

Oiçamo-lo até numa carta de 1865 a António de Azevedo Castelo Branco, valorizando o estado consciencial e vivencial mais eremítico: «o cenobismo, e a contemplação, o misticismo, se quiseres, são na sua inércia aparente, os mais rijos obstáculos que a liberdade de espírito pode opor à brutalidade invasora das condições fatais do mundo; são a maior vitória da consciência, o maior triunfo, com esta arma invisível e silenciosa, - a indiferença, o desdém». E nesta linha de interioridade realçaremos ainda outra carta, quando confessa a 14-XI-1886, a Jaime de Magalhães Lima, o seu desiderato de «chegar teoricamente até aquela profundidade de compreensão do «homem interior», como eles diziam, a que os místicos chegaram».

                                      

Talvez a expressão usada por Antero de "desdém" não seja tão adequada como a que Erasmo, um ser que viveu de muitos modos este arcano IX do Eremita, embora viajando e correspondendo-se muito, e não sendo nada por extremismos nem mortificações, empregou como título de uma sua obra de juventude: O Menosprezo do Mundo. E neste século XXI, o mundo entrando demasiado nas almas, pelo globalismo ou mundialismo informativo, infelizmente carregado de desinformação, manipulação e violências, o arquétipo do eremita tem de ser relembrado e aplicado em várias circunstâncias, tal como nos confinamentos e nas restrições energéticas e de viagens pelos preços, pois o principal está dentro de nós...

                                             

O Eremita, como vemos no Tarot de Marselha, o mais clássico ou usado a partir dos séculos XVII e XVIII e logo um dos mais arquétipos e dos melhores para se contemplar e meditar, avança graças à experiência e ao amadurecimento que vai conseguindo laboriosamente, e o bastão em que se apoia simboliza tanto a energia psico-vital, denominada, na Índia, enquanto circulando ao longo da coluna vertebral Kundalini ou Shakti e que nela circula, como também a força de vontade que liga verticalmente a Terra e o Céu, vontade ou ânimo que ele exerce no seu dia a dia e nas suas práticas interiores, pois com tal bordão ou vontade se apoia e fortalece nas lutas e dificuldades.
Ad astra per aspera foi o lema de Paracelso, um nobre viajante e eremita renascentista, Aos astros pelas vias ásperas, lembrando-nos que constantemente teremos de esforçar-nos, de perseverar, de ultrapassar-nos...
Algumas energias descem no ser recolhido e aberto ao alto também pelas costas, que ele endireita ao meditar, consciencializando-se delas, enquanto pela frente a aura e os chakras as irradiam luminosamente, e podemos dizer que, ao controlarem-se instintos, desejos, pensamentos e ego, as polaridades vermelho e azul, quente e frio, masculino e feminino, solar e lunar, activo e receptivo são trabalhadas e harmonizadas e não estão inconscientes, fragmentadas, dispersas e incontroladas, o mesmo se passando com as energias psíquicas que a cada momento e situação devemos gerar, intercomunicar.

                                          

O ser que desenvolve a sua capacidade e qualidade de Eremita, de solitário ou solitária não-massificado, de sacerdote ou sacerdotisa natural e não mero trabalhador-consumidor-espectador obediente aos crescente autoritarismo repressivo mundial, torna-se então um transmissor da claridade espiritual no mundo e, ao não ser tão manipulado por eles e pelos meios de comunicação que eles dominam, não se perdendo no consumismo, pode desprender-se, simplificar a sua vida ou viver mesmo no campo, trabalhar ou peregrinar pelas florestas e selvas, onde os animais e aves podem até reconhecê-lo, sentindo a oval luminosa e florida (da imagem do Tarot) e aproximar-se até num diálogo de emanações e intenções bem valioso.
"Saber, querer, ousar e calar", é ainda um lema da alma no caminho iniciático, no qual e em quem as palavras e silêncios são apelos a que o azul e o verde imensos da Divindade, da Natureza e do espírito nos abençoem e os quais podemos ver pela visão no olho espiritual, que as acolhe, assimila e luminosamente irradia...

                                                 

Quando nos embrenhamos, com este arcano mais trabalhado, sintonizado ou aceso, nos bosques ou nas montanhas, ou mesmo nos jardins e vielas, o nosso amor luminoso pela Divindade, a Natureza e os seus seres emana e os sinais e ondas são, pelo nosso silêncio e calma, mais acolhidos, compreendidos e interagidos, seja nas qualidades e mensagens das nuvens e ventos, seja nas movimentações e simpatias das aves, cães e lobos, seja apenas nas trocas de energias luminosas que os seres, árvores e penedos, cristais e animais, as flores, aves e crianças partilham...

                                                                    

Sempre houve também mulheres que viveram mais numa intimidade e isolamento e que aprofundaram o recolhimento e o silêncio interior e por tais práticas intensificaram a sensibilidade e a ligação ao seu próprio espírito e à luz e  mundos subtis e espirituais. Entre nós foram muitas as monjas e sorores que trilharam tal caminho interior, algumas forçadas e contrariadas outros aproveitando tal situação para desenvolverem não só a sua realização espiritual como também manifestarem dotes artísticos, literários e compassivos valiosos.
Quando a mulher se recolhe e não se dispersa, ou faz o seu retiro, mais ou menos temporário, como alma só, eremita ou recolhida, ela clarifica a sua alma e mente, aproxima-se do seu espírito (trabalho sempre bem difícil...) e pode comungar beneficamente da Alma do Mundo ou Campo unificado de Consciência informação, bem como das mestras e mestres, anjos e Divindade, e assim as suas energias luminosas e amorosas irradiarem mais naturalmente do Graal do seu coração sobre o ambiente e os seres que entrem em contacto com ela. Ou mesmo irradiar por todo o seu corpo no abraço ou união...

                                             

Seja como amante da natureza e do seu silêncio, seja da meditação e recolhimento, seja já do acolhimento e da protecção, seja como mãe ou amante, a mulher é inatamente uma transmissora luminosa do Amor e da Paz, que são estados conscienciais cultivados por ela naturalmente como flores no jardim da sua alma, por vezes muito vasta e amorosa, permitindo-lhe, nas suas meditações, retiros, silêncios, orações e comunhões, expandir-se consciencialmente para fora dos limites do seu corpo e do seu cérebro-mente e no contacto com tais planos interiores inspirar-se e recarregar-se para as suas tarefas no quotidiano

O arquétipo do Eremita, como vemos neste arcano de uma das versões primordiais da Renascença Italiana, numa espécie de Saturno e Deus do tempo, do karma e do destino,  lembra-nos, com a clepsidra na mão, quão precioso é o tempo, pois muito veloz é a sua passagem na duração terrena da vida individual, pelo que, embora devamos amadurecer naturalmente, há que orientar os impulsos, instintos e necessidades, ordenando as prioridades e fazendo desabrochar as melhores frequências vibratórias e coloridas na nossa alma, por uma vida de constante aprendizagem, diálogo e serviço, apoiada na respiração e meditação iluminante do interior, para que assim se vá dando a destilação íntima da Sabedoria-Amor e a indispensável criação do corpo espiritual que avançará desperto no post-mortem...

                                                             

Avance pois no dia a dia com prudência nos seus passos, qual serpente cautelosa e discreta, com a sua coluna vertebral verticalizada a permitir a ascensão energética e com a luz e o calor do Amor no graal do seu coração e todo o seu ser, apoiado na firmeza das intenções harmonizadoras e clarificantes na cabeça e no bordão da força dos mantras ou orações sacralizantes e sob a bênção e presença da estrela do Espírito, numa consciência bem expandida e sintonizada com o grande Campo de Energia Consciência-Informação que nos rodeia e onde temos o nosso ser, a Anima mundi dos greco-romanos.
                                              
Tal como esta recriação moderna do Eremita sugere, devemos ser uma alma espiritual que pratica o silêncio e o auto-conhecimento mesmo na cidade moderna e que, com as vagas do pensamento relativamente estabilizadas, sem se deixar destruir ou imobilizar por dúvidas e conflitos, dispersões consumistas e ilusões das aparências, manipulações dos vírus e medos, falsos heróis ou vitimas, se torna um ser consciente interiormente, forte no seu sistema imunitário físico e psíquico, e irradiante da Luz íntima, e ora aspirante ora comungante da Divindade, na verdade e para o Bem de todos...
                                                

 Meditate under the Bodhi or Budhi tree, axis of the inner worlds, and be a light in the night. Medite sob a árvore iluminante e eixo do Cosmos, e eleve-se com ela, luzindo nas trevas.
Os seres que se recolhem e meditam na e sob a árvore, e eixo dos mundos, e se auto-conhecem luminosamente, são lâmpadas no nicho da noite, discípulos dos Mestres da Luz Primordial (para a quais esta carta também nos remete), mães e pais da Aurora de um dia, de uma época e de um tempo mais vasto e profundo, iluminado e harmonioso...
Medite então mais tempo que os breves minutos diários, seja quando acorda de noite, seja uma ou duas vezes no fim de semana, para harmonizar-se, receber a luz, fortificar-se e sentir e ver onde está no seu Caminho e orientar-se inspiradamente, vitoriosamente...
Muito discernimento e coragem, persistência e aspiração divina, para que a Luz e o Amor brilhem mais em nós e em muitos...

                       Graal, Graal, Brasil, Índia, Rússia, Irão e Portugal... 

4 comentários:

DaLheGas disse...

Gostei muito. Abençoado tempo heremitando pela leveza dos passos.
1 abraço fraterno!
Gui

Pedro Teixeira da Mota. disse...

Muitas graças! Abraço luminoso!

Magga Barbosa disse...

Gratidão pela partilha luminosa. Abraço afetuoso. Om

Pedro Teixeira da Mota. disse...

Muitas graças, Magga. Inspirações para as suas interiorizações e auto-consciencializações espirituais, e consequentes boas criatividades. Abraço.