quarta-feira, 23 de abril de 2014

Dia Mundial do Livro. Biblioterapia. O Graal pelos livros. Istixara ou a abertura à sorte de um livro.

Celebrando-se o Dia Mundial do Livro, manifestemos o nosso amor por eles e por quem os escreve e partilha, e façamos circular na corrente da Graça alguns elos desta grande força clarificadora, libertadora e unificadora...
Let us join today, in creative ways, the celebration of World Book Day, sharing, reading, loving and writing them, and being more in Wisdom and Love, what, in a certain way, is their essence and soul...
                                                  
Os Livros são certamente, após os seres humanos, a Natureza e os monumentos, quem mais nos pode entusiasmar, ensinar, maravilhar. Seja ao escrevermos, ao lermos, ao contemplarmos,  ao tocarmos, ao encontrarmos, recebermos ou darmos...
Pelos livros entramos em regiões luminosas de novos conhecimentos, a nossa psique troca raios telepáticos e as sinapses dos nossos neurónios fortificam-se, pois a boa leitura aumenta as relações clarificadoras das bases das nossas futuras acções e criações, e suas compreensões e sentimentos...
                                              
Cada livro que passa pelas nossas mãos, e que é bem acolhido pela nossa alma, contém tantos valores e potencialidades de transmissão de conhecimentos e de estabelecer relacionamentos, para a melhoria de nós e do mundo que imediatamente a nossa alma expande-se, alimenta e melhora núcleos das suas memórias e intencionalidades coloridas e participa de uma comunhão invisível e subtil quase ou mesmo infinita (os que escreveram mas já partiram, os anjos, as musas, a Divindade), pelo que ignorância e dor, receios e conflitos podem desaparecer ou diminuir. Tal é um dos aspectos da biblioterapia...
                                                          
Bem aventurados os que sabem ler com os sentidos físicos e anímicos despertos e aspirando a melhorar ou mesmo à mais alta evolução espiritual possível, não só sua mas também dos outros...
Bem aventurados os que fazem sacrifícios para comprar e ler os livros, os que calcorreiam cidades e terras em busca deles em bibliotecas, livrarias ou casas, os que saltam refeições para os adquirir, os que queimam as pestanas no amor de os lerem pela noite a dentro, os que choram ou se extasiam com eles, os que os leem a dois ou em grupos unificantes, os que por eles fazem amigos e unem religiões e credos diferentes, ou ainda os que elevam o Graal do seu coração, ou comungam com o Santo Graal do mundo espiritual, ao os lerem, meditarem, escreverem,  partilharem, amarem...
                                                           
Abrir um livro à sorte, mas com invocação e oração,  e receber dele uma mensagem, é uma forma sagrada de nos abrirmos à inspiração superior, e muitos podem ser os níveis ou mesmo seres (e invoca-se mesmo a Divindade...) com os quais poderemos interagir em tal acto.
Chama-se no Irão Istixara a essa abertura de um livro sagrado, que não é só o Corão mas também as obras poéticas de Hafiz e de Saadi, os dois grande poetas iranianos, mas entre nós portugueses alguns o fazemos nem que seja no livro que, estando próximo das nossas mãos ou do nosso olhar, nos convida subitamente a tomá-lo, segurá-lo, recebê-lo, abri-lo e que se nos oferece na sua substancialidade e intimidade, e em particular nas linhas que os nossos olhos vão bater ou intuir...
Duas amigas iranianas fazendo o Istixara com a obra poética de Hafiz em Teerão.
                                        
Chamo  "Abertura do Grande Livro da Vida" ao acto ritual de segurar o livro com as duas mãos na linha do eixo da nossa coluna e fazê-lo descer do olho espiritual até ao queixo passando pelo nariz e a boca, onde pronunciamos algum nome sagrado ou invocativo da Divindade ou das suas qualidades. Depois levamo-lo até à altura do coração e ficamos alguns momentos com ele entre as mãos, sentindo-o envolvendo-o com o coração espiritual e nesse momento abrimo-nos plenamente ao Espírito e ao Grande Livro dos Livros, aquele que é escrito por todos os seres do Cosmos e em especial, na nossa página, por nós e os seres que nos estão mais afins.
O nosso coração e o livro ardem então invisivelmente de luz, amor e de aspiração e, aberta a página e lidas as linhas, o que sentirmos devemos meditar um pouco, quem sabe se para intuir e receber mensagens do que devemos fazer em consequência. E dar graças...
                                                         
Assim os livros tornam-se não só os nossos melhores amigos e transmissores de conhecimento e de cura mas também veículos de inspirações supra-mentais que nos alinham, harmonizam e fortalecem...
                                                               
Certamente que podemos até tentar adivinhar que palavra ou mensagem mais forte vai sair quando abrirmos o livro. E se meditamos bem nos gestos e fases do processo "istixárico" não nos admiremos que a Providência Divina se manifeste ou, ainda,  que a Sabedoria do Grande Livro bafeje a nossa pequena alma..
                                                                    
Os livro são pois invocações e comunhões de almas, de forças, de estados de consciência, de Amor, do Ser.
                                                                   
Através deles comungamos com uma cadeia imensa de seres, desde os antepassados aos grandes seres que deixaram forças anímicas nos livros e que esperam que nós as continuemos, aperfeiçoemos, realizemos...
                                                                      
Bem aventurados os que procuram e encontram a luz, a verdade, o amor, e a harmonia nos livros e vão para além das leituras obrigatórias, da literatura light ou leve, dos romances policiais ou de cor-de-rosa, antes desenvolvendo, com obras substanciais formadoras e transformadoras, tanto o seu discernimento e vivência justa como os seus corpos subtis e espirituais de sabedoria, compaixão e universalidade...
                                                        
Boas, despertantes e unificantes leituras e inspirações, escritas e divulgações, aprofundamentos e comunhões. Que o Graal do seu coração brilhe e irradie mais!

domingo, 13 de abril de 2014

Miguel Carvalho, e a sua bela livraria alfarrabista em Coimbra...

O Miguel de Carvalho, bom conhecedor e amante dos livros e da cultura, e em especial com arte e nas artes, tem agora a sua livraria galeria numa nova localização Conimbricense, excelente, e com óptimas condições para nos poder ajudar a encontrar o que procuramos ou o que nos faltava...
      Visite-o, entre no mundo mágico dos livros antigos ou recentes dispostos em vários andares, e perca-se, encontre-se, encante-se....
E como ele faz anos, aqui vão os votos de boas inspirações e 

circulações da sabedoria e amor no seu novo ano de livreiro e poeta...
Livraria Alfarrabista - Miguel de Carvalho rua Adro de Baixo, 6. Coimbra. 239826014 ou 968079282... miguel-carvalho@livro-antigo.com,

Amplas e transparente janelas auguram uma boa expansão de consciência no interior...
O Miguel deixa-nos à vontade para garimparmos as caves e os andares altos da mansão da Sabedoria e da Beleza...
Aquele número da revista Orfeu que se escreve no céu e deve ser lido ou vivido na terra...
A arte africana e a portuguesa tanto apoiam como convivem graciosamente com os livros...
Uma das muitas divisões ou quartos onde raridades e banalidades nos convidam a folheá-las, a conhecê-las, a amá-las...
Uma das janelas, pelas sombras e perspectivas, aumenta a intensidade do "aqui e agora" mágico do momento irrepetível, do livro único, do eixo vertical que liga o a terra e o céu....
Nas caves profundas acumulam-se séculos de pensamentos, sonhos, esperanças, e estendem-nos as mãos subtis: «leva-me, lê-me, ama-me, dá-me vida...»
O Miguel e um augusto leitor antigo, e  os sacos de mais uma biblioteca que deixou de estar ou ser numa só alma, por entre a fluidez da luz e das ideias-forças que subtilmente circulam, inspiram, procuram...
No andar intermédio, além das estantes de livros, há a galeria de exposições e as mesas de trabalho ou apoio, para onde os olhares dos livros convergem, ansiosos de se movimentarem e seduzirem...
As capas dos contos ou romances intensos dos anos 20-30-40, do jornalista Reinaldo Ferreira, o famoso repórter X...
Almas caridosas que recolhiam os folhetim dos jornais e lhes davam uma capa amada e amável, que  serviria para as folhas perecíveis resistirem às intempéries do tempo e chegarem às mãos mãos, fazendo-nos sorrir, alegrar, sonhar...
Excelente anfitrião, bom dialogante e paciente, o Miguel Carvalho garante que alguma luz virá do alto, dos espíritos dos livros que sussurram em uníssono com os rouxinóis do Choupal, as ninfas do Mondego ou os discursos do Antero de Quental e da Sociedade do Raio...
Apareçam...

Dom Afonso Henriques, na igreja de Santa Cruz, em Coimbra. Breva animação da iconologia do seu túmulo jacente, e com vídeo.

Revisitação da Igreja de Santa Cruz de Coimbra, fundada pelo rei Dom Afonso Henriques para os frades Agostinhos em 1131, e que foi enriquecida com os belos túmulos quinhentista por Nicolau Chanterenne para o fundador e mestre de Portugal e o seu filho D. Sancho I.
Um mestre, apóstolo, guardião do Templo dá-nos as boas vindas!
O caminho é para a frente e para o alto....
Procura a Verdade e avança humildemente no Templo da Humanidade e da Divindade, e une-as o mais possível.
Em nós reina o Fogo celestial.. INRI.. In nobis regnat Ignis.
Abramos o véu da morte, com o Anjo, ressuscitemos nos corpos espirituais imortais....
D. Afonso Henriques, ressuscitado por Nicolau  de Chanterenne, em 1521, ora pro nobis, ora sempre por nós...
O túmulo do herói fundador feito Templo perene e flamejante...
O princípio Feminino Divino e do Amor, com os Anjos, compassiona e eleva....
Firme e forte está sua alma entre nós, ainda que só subtilmente vislumbrada...
Os Anjos também têm sentimentos e connosco vibram....
Do mestre fundador de Portugal, sua efígie calma e beatífica repousa no seu túmulo já quinhentista, mas sopra ainda o Logos ou Palavra que anima...
No cálice do coração se erguem e se recolhem os efeitos da divina aspiração: corações ao alto!
Anjos (ou quem sabe Arcanjos) tenentes das armas e corações dos Portugueses: quem os cultua e invoca?
                

sábado, 22 de março de 2014

Luzes sobre a vida, morte e destino de Antero de Quental, filósofo e poeta peregrino, nos 130 anos da sua partida.

Da Vida e Morte, e da peregrinação do Ser de Antero de Quental no Espaço e Tempo, deste mundo e dos outros, poderia ser outro título para esta incursão por entre as brumas e ensinamentos da vida e sobretudo morte de um dos nossos maiores,  Antero de Quental, bastante melhorada  agora para os 130 anos da sua partida, ano da graça de 2021. 
Talvez possamos considerar em geral na vida de cada ser humano tanto o tempo da vida natural, entrelaçado no tempo histórico circunstancial, como o tempo ou decurso ideal, o que desejaríamos de perfeição, de Amor, de plenitude...
Uns seres morrem mais cedo, por circunstâncias várias, e outros mais tarde, maduramente, e o porquê é sempre tão variado e complexo de se deslindar que apenas poderemos perseverantemente sondar, fragilmente deduzir, subtilmente sentir e intuir, tentando nas nossas vidas merecermos viver com mais consciência e qualidade, aproximando-nos da nossa realização mais elevada, a  qual se entretece na dos outros, tal como Antero de Quental vivendo atribuladamente como cavaleiro em demanda da Justiça, Liberdade, Verdade e Bem, solitário mas convivente e tocando pela sua poesia, diálogo e epistolografia tantos seres,  que a sua morte embora precoce pode "desculpar-se" pela sua tão intensa e fulgurante juventude e influência geral.
Ora na vida de Antero de Quental (18-IV-1842 a 11-IX-1891), a que circunstâncias principais  se deveu o seu suicídio, a forma mais radical de se equacionar e solucionar o dilema da durabilidade e da esperança neste tempo e espaço terreno, ou de se concluir a peregrinação terrena, com todas as consequências que tal pode acarretar em relação às energias anímicas que o envolviam e constituíam e que deixou por cumprir?
Muitas foram e têm sido as hipóteses e causalidades admitidas e, depois de ter lido, reflectido e meditado algumas bem como o facto em si da morte (nunca suficientemente...), penso que foi o seu fundo ardente e idealista, instável no seu terreno físico com dificuldades grandes de digestão (um provável estrangulamento do piloro) e de dormir, as quais estariam intimamente relacionadas com sistema nervoso muito sensível e sujeito a astenias de vontade, o qual, por uma série de circunstâncias exteriores e interiores, foi ficando hipersensível em certos aspectos e afectado em relação às suas capacidades de responder às expectativas de vida, e que com o decorrer delsta se foi exaurindo, até nos Açores soçobrar perante um súbito e inesperado volta a face no seu desejado futuro de lutador idealista regressado à ilha natal de S. Miguel.
Naturalmente com os 49 anos de idade, na altura bastante mais maduros dos que de hoje, Antero foi-se tornando ora inquieto e excitado, ora abatido e deprimido, ou mesmo apreensivo, com as ideias que lhe passavam pela cabeça e as situações e empresas que tinha pela frente, nomeadamente, nos últimos dias da sua vida, quando no regresso aos Açores com as suas pupilas, esse projecto de recomeçar a vida na terra natal, próximo delas, inesperadamente foi por água a baixo.
É natural, igualmente, que a sua visão da Vida-Morte, algo influenciada pelo  niilismo e de algum modo pelo Budismo, com a cruz cada vez mais pesada da sua existência corporal e com a esperança do futuro sossegado subitamente desaparecendo sob horizonte plumbeamente carregado de nuvens açorianas, tenham contribuído para a partida voluntária e para nós precoce...
O facto de não ter conhecido melhor a tradição Perene, seja a indiana Yoguica mais do que a Budista, ou mesmo a tradição espiritual ocidental, embora tivesse lido e relido a mais católica e humilde Imitação de Cristo e alguns místicos profundos alemães, os da Theologia Germanica, não lhe terá permitido receber as melhores bênçãos das suas cogitações e meditações, as quais portanto não foram eficazes em termos de harmonização psico-física e de realização espiritual.
O não ter encontrado e se unido à sua Beatrice (a quem dedicou um dos seus mais belos poemas adolescentes), à sua possível amada entre as que conhecera, algumas das quais o fizeram apaixonar e chorar, contribuiu também para que a sua dor e desilusão da existência terrena, que iria intensificar-se com seu regresso a Lisboa para viver com a sua irmã, com quem não se dava muito bem, se tornasse insuportável...
O não ter equilibrado bem a razão-pensamento com a imaginação-sentimento, nem ter encontrado a profissão e os meios ambientes receptivos ao seus ideais éticos, filosóficos, políticos e espirituais, potenciou os problemas psico-somáticos e as insónias, acabando por aos 49 anos estar  envelhecido e com poucas forças para continuar a lutar e a criar, sobretudo confrontado com o ruir das ilusões que projectara no retorno calmo à sua matriz açoriana.
O suicidar-se poderá ser visto então tanto como uma decisão corajosa e madura, como uma retirada para o além perante as fragilidades psico-físicas e as contrariedades ou desilusões que foram tombando sobre si e mais fortemente no último mês de vida.
Destas contrariedades, três das últimas foram talvez determinantes, além das desilusões anteriores amorosas e profissionais: no Porto, fora em 1891 o presidente da Liga Patriótica do Norte, uma tentativa de estudantes, intelectuais e gente mais patriótica e revolucionária de reagir ao Ultimatum do imperialismo inglês, mas que não conseguiu durar muito, nem ter o dinamismo desejado,já que as divergências entre os dois partidos, monárquicos e republicanos, e entre as personalidades agentes, acabaram por a fragmentar e fazer com que Antero perdesse a sua última cruzada pela Liberdade, embora com dignidade, e da qual sobreviveu um notável discurso, impresso até em folha volante, ainda hoje valioso...
Regressado aos Açores, sob esse peso, mas levando consigo o  tesouro do seu coração (as duas pupilas, Albertina e Beatriz) e com a esperança que conseguisse assentar, Antero vê que tem de separar-se dessas duas órfãs do seu grande amigo Germano Vieira Meireles e que estavam ao seu cuidado há vários anos, pois a sua irmã Ana Guilhermina, que ele pensava que poderia  educar as crianças com ele, não se deu nem com o clima açoriano nem com elas, decidindo voltar para Lisboa, e ficano por ela decidido que elas já estavam grandes demais para ficarem com Antero, gerando-se assim provavelmente a causa determinante circunstancial do suicídio..
Finalmente, a terceira causa ou circunstância foi o clima húmido e enublado, algo depressivo para certas pessoas, a exasperar e a abater demasiado os seus nervos, digestões e insónias, forçando-o a reconhecer que não conseguia ficar na ilha no meio do Oceano, ainda que fosse essa a sua intenção. Instaladas as filhas adoptivas, dilacerado por tal separação, compra o bilhete de barco para Lisboa, mas nos últimos dias entra no fatal desassossego que o encaminha para a ponte da eternidade...
Vemos então avolumarem-se vários factores que contribuiriam para lançar Antero de Quental (luz e amor estejam na sua alma) na decisão de se encaminhar, destemido ou perdido, para a passagem sempre difícil da morte para os outros mundos. 
Deveremos pensar que a responsabilidade principal foi dele, com plena consciência e livre-arbítrio, pela sua desilusão filosófica, social e afectiva, e por opção niilista ou dor religiosa, para além do desespero ou desgaste em que se encontrava de não conseguir digerir (pelo que tomava uma só refeição por dia) nem dormir?
A penúltima pintura que dele nos resta, realizada por Columbano pode-nos fazer perguntar se está próxima do retrato real, ou se foi mais a imaginação do pintor a retratá-la assim, mas o próprio Antero a considerou exagerada e fantasmagórica, pois Bordalo parece mostrá-lo já algo entre este mundo e o outro, pelo olhar dualizado (no lado esquerdo forte e no direito morto), pelo alongamento à El Greco que foi emprestado à face de Antero, bastante desequilibrada na simetria desenhada, magra e com as entradas na testa já tomando conta do cimo da cabeça. Da escuridão da roupa e do fundo resulta uma evocação da morte e Antero surge como que tendo-a já dentro de si ou mesmo perspectivando-a, fitando-a, calma e destemidamente, e não olhando para nós...
                                      
     Antero, pensador trágico, no final da vida, carregado por Columbano Bordalo Pinheiro...
Como Antero é dos nossos pensadores ou poetas filósofos  quem talvez mais dialogou com a morte e a aceitou ou amou desde cedo e ao longo de toda a vida, não terá sido tal familiaridade decisiva para a facilidade de se lançar tão decidido no acto extremo do suicídio?
Oiçamo-lo, num dos muitos exemplos possíveis dessa sua paixão funesta poética, nos dois últimos tercetos, do soneto VI, no Elogio da Morte, afirmando que ainda que possa ser pecado o suicídio, não é o sonhar e adorar a Morte, como libertadora, como a paz inefável, identificando-a com o não-Ser absoluto, ou mesmo com a Divindade:

"Em mim seduz-me a paz santa e inefável,
E o silêncio sem par do inalterável,
Que envolve o eterno amor no eterno luto.
 
Talvez seja pecado procurar-te,
Mas não sonhar contigo e adorar-te,
Não ser, que é o Ser único absoluto"

Entre o morrer naturalmente de envelhecimento e o sofrimento e as desilusões dolorosas que sentia se continuasse vivo no corpo físico, entre o mistério do que o aguardava e a serenidade silenciosa a que aspirava ou em que acreditava vir a encontrar ao libertar-se do corpo, Antero optou por partir, com mais ou menos lucidez e desprendimento, com mais ou menos dor e desespero, com mais ou menos dúvidas e confianças...
O pensamento, que certamente teve, de que, ao deixar assim as duas jovenzinhas, iria infligir-lhes um grande sofrimento, não o poderia ter detido?
E na despedida a elas e em que estiveram abraçados vários minutos a chorar (teriam intuído as jovens algo?), quando foi decido o regresso a Lisboa, teria ele já sentido ou intuído o anúncio do corte da vida, fazendo portanto com elas uma despedida total, ao estar supra-consciente que o afastamento do seu convívio e missão pedagógica que tanto o alegrara, seria definitivo, e que a partida para Lisboa não aconteceria e tudo agora era sinal e  símbolo da partida algo trágica na sua ilha natal para o seio misterioso da morte precoce?
Deveremos então pensar que, nas determinantes do acto, o perder a companhia das crianças terá sido o contributo mais forte na causalidade de se desiludir da vida e apressar o encontro com a morte e o além?
Ou terá sido antes o seu enfraquecimento psico-somático, com toda a quota parte de desilusões, desagradáveis para quem fora um forte, génio e santo e se via agora algo fraco, isolado e frustrado, tendo ainda a puxá-lo, senão a sedução ou o calmo amor, pelo menos uma certa visão da morte como paz, liberdade e acesso ao Nirvana da extinção dos desejos e da ignorância e da entrada na impessoalidade, de certo modo numa visão errada de entrada num além libertador, contribuindo ainda para tal os suicídios recentes de Júlio César Machado e de Camilo Castelo Branco, este privado da visão?
Em verdade, terá ele pensado que chegara mesmo a hora de partir, que o principal já estava feito, desde a educação das crianças às suas poesias e textos filosóficos, e que pouco mais poderia contribuir para mudar o curso dos acontecimentos ou as características do espaço cultural e anímico-espiritual nacional, tanto pela sua incapacidade em completar o livro final da sua Filosofia, no qual tanto trabalhara (e do qual as Tendências gerais da Filosofia Portuguesa na segunda metade do séc.XIX, publicado em 1890, foram e constituem um notável sinal e resumo) como pelo próprio meio, pouco receptivo ao alto idealismo das suas aspirações, visível no Programa de Trabalhos para as Gerações Novas, título de um trabalho que destruíra?
Sabermos exactamente que estados anímicos e ideias mais passavam ou estavam no seu foco de identidade consciencial, e quais o guiaram ou empurraram nesse momento dramático, escapar-nos-á sempre, sem pensarmos sequer em entidades ou egrégoras insidiosamente invisíveis, e provavelmente só ele nos poderá um dia deixar ver as proporcionalidades causais que dedilhámos...
De qualquer modo, no muro ou cerca do Convento da Esperança, no banco do jardim, sob a palavra Esperança e a âncora que estavam atrás da sua cabeça, e depois no Hospital de Ponta Delgada, teve o seu purgatório forte, passando ainda uma hora de sofrimento grande, angustiante e purificador, pelo menos pela consciência da dor, conforme terá assinalado com os olhos quando lhe perguntaram como se sentia ou sofria...
                                            
Um pouco da aura do poeta de algum modo ainda paira sobre o banco, encostado à cerca do convento da Esperança, debaixo da âncora em relevo e a palavra Esperança, impulsionando-nos a pormos em acção criativa, livre e luminosa tal virtude, tendência e aspiração de Amor e Sabedoria, de Justiça e Verdade, que nele e em todos nós habita como essência e virtualidade íntima,  a ser actualizada perenemente e conforme a nossa estação no Caminho...
Interroguemo-nos ainda empaticamente: o que se passaria no seu espírito e mente, ou como viu e sentiu esses momentos? Estava lúcido, sentindo o pulsar do corpo já quase exangue? Alguma clarividência o acompanharia já como ser em corpo anímico liberto do corpo?
Os testemunhos dos médicos que acorreram imediatamente ao local mostram-no a ouvir e a responder com os dedos e com os olhos às perguntas sobre se tinham sido um ou dois tiros, qual fora o primeiro e se tinha muitas dores.
Mas estaria a sua alma erguida, como guerreira, pronta a partir do despojo mortal, auto-ferido na batalha final, ou antes a sua alma estava fragilizada, quem sabe se até envolta numa momentânea egrégora de tristeza, mais do que de desespero e perdição, que o obnubilou?
E, admitindo presenças invisíveis, Quem o acompanharia ou mesmo recebeu no além, nesse momento, tanto mais que o seu último soneto, escrito em Agosto de 1885, seis anos antes de morrer, intitulava-se já algo profeticamente Com os Mortos, e é certamente dos mais felizes e luminosos, pois após duvidar da perenidade do ser, conclui: «Mas se paro um momento, se consigo//fechar os olhos, sinto-os a meu lado// de novo, esses que amei, vivem comigo,// Vejo-os, ouço-os e ouvem-me também, // juntos no antigo amor, no amor sagrado,// na comunhão ideal do eterno bem»
Qual a lucidez presente? Seria o seu despertar anímico supra-corporal realizado até então suficiente para ver com a visão espiritual alguns amigos, antepassados ou guias, certamente depois de morrer?
O velho lema ou mantra grego Morrer é ser iniciado (invocado, glosado e questionado uns dias depois pelo seu devoto amigo Joaquim de Araújo, no poema Na Morte de Antero, e anos mais tarde por Fernando Pessoa glosado no poema Iniciação), actualizou-se  naquelas trágicas condições, de  modo iluminante para ele e para a travessia que empreendia?
Pelo que sabemos dos relatos dos acompanhantes dos últimos momentos, Antero de Quental manteve-se lúcido, quem sabe se até mais lúcido do que antes, agora que se esvaziava o balão corporal pressionante sobre a sua alma e esta se soltava dele, mas de relatos clarividentes só teríamos os pseudo-escritos por Antro, transcritos pelo famoso médium Fernando de Lacerda (1865-1918), e dados anos depois ao público como mensagens psicografadas incluídas no livro Do País da Luz, mas que são de qualidade mais do que duvidosa...
Qual seria verdadeiramente a sua expectativa-crença do que iria acontecer, e que influência teve isso no que lhe sucedeu ao morrer e depois com o decorrer do tempo, já em corpo subtil?
Pensaria ele em adormecer, dissolver a personalidade, libertar-se da ignorância, mergulhar corajosamente no abismo,  que certamente mais de uma vez sentiu entre si, e no mistério do Cosmos e do Ser dos Seres ou mesmo Não-Ser, ou  haveria ainda alguns restos das crenças cristãs, expostas por exemplo no soneto Na Mão de Deus?  Ou antes admitiria e desejaria avançar como espírito em corpo subtil, qual Cavaleiro ou Fiel do Amor invencível, como se vê no poema Mors-Amor, em que o cavalo negro da Morte é vencido pelo cavaleiro ou vontade de Amor?
Para que nível do mundo subtil partiu então Antero, e quantos quanta de consciência espiritual já desperta tinha ele unificado em si, para poder avançar auto-consciente?
O Santo Antero, como lhe começou a chamar a mulher de Lobo de Moura, Maria Ermelinda, e que Eça de Queirós lapidará como: O génio que era um santo, próximo do pensador duplicado por um santo, de Anselmo de Andrade, partiu mesmo como um viajante desperto, ou quase, para o mundo espiritual, ou a aura do líder de uma geração, do animador de Cenáculos sucessivos e da Sociedade do Raio e o sonhador da utópica Ordem dos Mateiros não correspondia já à realidade, pois as circunstâncias da vida teriam enfraquecido  o seu sistema nervoso e a alma e, logo, pelo menos transitoriamente, a assunção e a manifestação do seu luminoso espírito?
Alguns dos testemunhos dos últimos meses de Antero (tais os do seu primo e grande amigo Sebastião d'Arruda, ou o de Manuel da Câmara) mostram-no ainda a filosofar com grande qualidade e apontam para uma queda abrupta nos últimos dias, face ao fracasso do regresso aos Açores, à perda das jovens e ao sofrimento das insónias e da dispepsia. Quanto às descrições dos momentos finais mostram um estoicismo grande e certamente uma lucidez apurada até pela dor...
                                              
A última representação iconográfica de Antero é descrita assim por quem o conheceu a partir de uma pintura feita pelo seu primo e querido amigo Sebastião Arruda:  "Sebastião d'Arruda, nos lençóis, Antero deitado ao lado, por cima da roupa, envolto no chaile-manta, ambos, olhos fitos no tecto, deleitados em íntima palestra". "Queriam-se como irmãos aqueles primos. "
Face à riqueza da sua vida e personalidade, face aos contrastes psíquicos que manifestou, face ao nível elevado da sua demanda da Verdade, as interrogações subsistirão talvez até para manterem entre nós Antero de Quental vivo, na alma e no mistério, na poesia e no testamento filosófico (título este de um ensaio que o meu amigo e convivente Sant'Anna Dionísio lhe consagrou), tornando-o frequentemente revisitado e aprofundado em ensaios e colóquios, assim se iluminando não só ele como também nós e os ensinamentos que realizou e as ideias-forças  e impulsões anímicas desafiantes que nos deixou: "Quisera desenvolver a teoria do supremo Bem, roteiro do espírito para a felicidade eterna", tal como nos diz o seu amigo Manuel da Câmara...
O "Supremo Bem", quantos de nós aspiramos a tal? E interrogamo-nos de novo: como estaria no fim a sua relação com o Ser Divino, ou o Absoluto, a Verdade, a Fonte Primordial?
Foi descansar Na Mão de Deus, tal como imaginou nesse soneto muito apreciado pelos pensadores mais católicos, ou morreu pela dor da ausência de Deus, como queria outro açoriano, Rebelo de Bettencourt? 
Ou antes a Divindade, seja como Bem supremo, ou como Razão Pura, ou ainda como presença luminosa íntima, foi-lhe nascendo já no além mais ou menos lentamente por subtis modos no interior da sua alma, possivelmente depois da revisão da vida e de uma certa fase purgatorial?
E hoje quem é ele?
Certamente não um ser que entrou no Nirvana do Não-Ser mas bem pelo contrário, provavelmente um peregrino dos mundos da Manifestação ou mesmo já, quem sabe, um dos discípulos ou mestres que tenta inspirar os portugueses e não só?
Mistérios da vida e da morte, enigmas luminosos mas dialogantes e clarificantes que nos interpelam a meditar e a ver, a viver e a ser mais verdadeiros e livres, profundos e plenos...
                                              
         O Anjo interpela-nos: - Como está tua alma e a sua ligação com o espírito, o Bem, o Amor, a Divindade? Intensifica-a, aqui e agora....

sexta-feira, 21 de março de 2014

Comemoração dos 45 anos do IADE. Homenagem a Lima de Freitas e a alguns professores, tal como o Arq. João Rebolo.

Comemoraram-se hoje os 45 anos do IADE, no Palácio Quintela, à rua do Alecrim em Lisboa, com uma palestra de José Carvalho Rodrigues, intitulada  O Magnetismo da Busca do Misterioso e centrada nas proporções geométricas e em Lima de Freitas, pintor que foi com António Quadros fundador desta prestigiada instituição, IADE - Instituto de Artes Visuais, Design e Marketing, dinamizadora de muitos cursos, projectos e actividades.
Foram ainda homenageados alguns professores e funcionários da casa, entre os quais o nosso amigo João Rebolo, arquitecto, já com 25 anos de magistério.
A exposição de obras de Lima de Freitas, um amigo sábio com quem dialoguei algumas vezes e a quem passei até um inédito pessoano, estava constituída sobretudo com capas de livros, páginas abertas e ilustrações, e encontrava-se patente no andar-térreo do palácio.
Partilhamos algumas fotografias do palácio e das suas pinturas, do evento e, por fim, da obra de Lima de Freitas, mestre da geometria sagrada...
Escadaria ad astra

Dos 12 trabalhos de Hércules
O arquitecto João Rebolo recebe um distinta caneta como prémio pela sua dedicação de 25 anos
Do alto descem as inspirações dos Deuses Olímpicos 
Do beijo da Verdade
Arte viva e ao vivo
Da vera efígie de Mariana nossa Soror
O alto cume que o Amor é nos obriga a procurar ser....


Da busca serpentina ascensional nos rosacruzes, em Fernando Pessoa e em Lima de Freitas 
Um belo pentagrama flamejante
Da busca pela geometria sagrada da visão e assunção do Espírito