sábado, 11 de novembro de 2023

Ensinamentos comungados do Outono e das árvores. Tradições ou superstições, espíritos da Natureza e a missão de cada um.

Fotografias tiradas por mim no Gerês transmontano na terceira década do séc. XXI. Mas deveria ter posto também da serra da Estrela e do Marão.

Outono, Outono, Outubro, Novembro e Dezembro, noites com ruídos, gemidos e orações nas almas e casas, nos  campos e florestas, por entre chuvadas recorrentes ou inesperadas e as abençoadas abertas ou calmarias.
  Com as colheitas realizadas, após as nogueiras e avelãzeiras, a última árvore, e ainda de cultura biológica, o castanheiro, entrega os seus frutos, deixando-os cair, para bichos e homens, cobertos duma couraça de porco espinho. No S. Martinho, com a amiga lareira, serão consumidos com o sangue vinícola em memória da abnegação fraterna, e lembram-nos como devemos ser protectores da Natureza, da vida humana, animal e vegetal e como a vida é árdua e há que labutar e cooperar para se alcançarem os frutos valiosos e se quebrarem os revestimentos que os ocultam ou aprisionam.
As  nortadas ou as brisas do sudoeste vêm húmidas, frias e vão juntando as folhas e os detritos do ano em montões que os remoinhos, essas formações tão especiais dos ventos, se entretêm em fazer dançar em espirais ascendentes e descendentes, provocando em nós ora pressentimentos de presença de espíritos brincalhões, ora vagos desejos de partirmos, dançarmos, elevar-nos nesses subtis sopros invisíveis...
Os povos agradecem o fim merecido dum ciclo anual, o que receberam das colheitas, ou o dinheiro e, olhando à volta constatam a lenta interiorização do Inverno a começar e que em parte devem seguir...

Nas noites mais longas, posto o Sol, quem tem de, ou se atreve, a cruzar  os campos e montes, ouve por vezes estranhos crepitares ou sons que lhe podem parecer passos,  vozes, gemidos, lamentos. Bichitos, javalis ou raposas, árvores que estão para morrer, espíritos folgazões das colheitas a desaparecer, almas do outro mundo a lamentar-se dos males que por cá fizeram ou se fazem, ou que vêm rondar os que em breve se soltarão da Terra, quem saberá discernir ou intuir a proveniência de tais sons?
Conta-se, contudo, em alguns povoados nos meandros das serras, menos influenciados pela comunicação  moderna, que assim como certos animais hibernam, tais as cobras, assim certos espíritos da natureza, ao terem de perder as formas pujantes que a primavera e o verão lhes intensificaram, para se entranharem mais na terra e nas raízes das árvores que sustentarão agora na invernia, lamentam-se e são audíveis por alguns mais sensitivos. Estar-se-ão a queixar de não poderem ver, sem ser através da barreira da terra que os envolve, tanto os campos e o céu, como os seres humanos ou mesmo os celestiais devas?
Diz-se ainda das árvores cortadas no Natal para se fazer fogo comunal ou se venderem nas cidades, que tal sacrifício serve para libertar alguns elementais da Natureza que poderão  ascender a estágios mais elevados da sua evolução, crendo mesmo alguns que podem suas almas incorporar-se na de animais ou mesmo na humana mas, perguntados como sabem isso, o que não é unânime, os aldeões ou pastores que tal ecoam respondem que é da sabedoria dos antigos, que certamente pressentiam muito mais que hoje o interior ou a alma da Natureza nas suas múltiplas formas e seres...

” Então acham que as árvores e os bichos têm alma como os homens?”, perguntava-lhes.  "- Sem dúvida", respondiam-me em uníssono. E vai um de contar como viu o boizinho antes de entrar no matadouro a chorar, ou as lágrimas da seiva que as árvores deixam cair para o solo quando as cortam, sobretudo sem as avisar e agradecer antes de as matarem, ou o sofrimento de alguns animais quando os seus donos estão mal. E falam-me de lenhadores que morreram por não respeitarem árvores centenárias, essas que têm seguramente um espírito da natureza próprio.

Depois, eu partia pela serra acima, a sós, para comungar com as árvores, ora transmitindo-lhes o meu amor, ora encostando a testa e pedindo que ma limpassem, ora abraçando-as pela frente ou pelas costas, ora sintonizando pelas mãos as forças poderosas que elas entre o céu e terra canalizam, ora sorvendo os aromas dos musgos. Falo-lhes mesmo por vezes, dirigindo-me ao espírito de natureza que nela habita profunda e subtilmente e eles parecem-me felizes por a maioria das pessoas  estar inconsciente deles e não os perturbar premeditadamente.

                                
Contemplo algumas árvores mais demoradamente e observo as rotações e espirais geradas ao longo dos anos, as formas subtis dos espíritos da Natureza que se foram revelando e admiro-lhes a perseverança com que lançam raízes nos terrenos mais rochosos e se erguem como verdadeiras colunas e eixos entre a Terra e o Céu, aceitando equânimes ou indiferentes todas as dificuldade naturais, ou ainda as conversas e vibrações desarmoniosas dos humanos que passam junto a elas, cegos à beleza e força delas.

  Mas realmente algumas há que são verdadeiras mestras, tal a sua imponência, beleza ou sugestibilidade,  verdadeiramente impressionantes, seja vistas de longe, ao aproximar-nos ou ao tocarmos-lhes e nos encostarmos.
Junto a essas tenho procurado sentar-me e interrogá-las meditando. O mais importante do que tenho sentido, compreendido ou intuído talvez seja ainda ainda a energia poderosa de Gaia, da Terra que irrompe verde com elas,  a riqueza inspiradora das suas copas, a geometria da suas folhas e ramos, e a exemplaridade da posição vertical, solitária e firme delas, batidas pelos ventos e neblinas. E embora encerradas nos seus eremitérios das alturas serranas, clamando ao mundo: 

                                       

“- Oh homens e mulheres de fracas vontades, quando aprendereis a perseverar mais na ligação entre a Terra e o Céu,  o mundo natural e o mundo divino,  a vossa personalidade e a centelha espiritual? Não nos vedes aqui de dia e de noite a ligar os mundos distantes e as profundezas terrestres, resistentes às tempestades e adversidades? E vós, qualquer vento ou frio, pesadelo ou desilusão vos derruba do vosso amor criativo, e já não sabeis da vossas raízes, essência e frutos que devereis gerar?”

Uma das lições mais elevadas que as árvores no dão assim é a de discernirmos as sementes que contemos e deveremos frutificar. Para isto, há que regá-las e fortificá-las, e não nos deixarmos distrair, alienar ou desanimar das  tarefas, deveres ou missões que competem a cada ser humano  incarnado na crosta terrestre e que se baseiam no auto-conhecimento espiritual (somos espírito, com alma e corpo) e no uso justo das capacidades ou dons úteis ao Bem Comum e à Verdade, não para o  ego, prazer, competição ou vaidade mas para o bem, a  beleza e a harmonia da Humanidade, da Terra Mãe e da Divindade.
Estimulam-nos assim a adivinharmos ou descobrirmos  as sementes, troncos e rebentos contidos potencialmente em nós e nos que no rodeiam, e quais se podem tornar flores e frutos úteis, ou que querem mesmo e suspiram que nós realizemos tais impulsos e potencialidades...
Para isto há que madrugar, sachar, regar, alimentar, fortificar, e não nos deixarmos distrair, alienar, desanimar perante os trabalhos simples ou complicados, banais ou extraordinários  que nos competem na nossa singularidade de seres espirituais incarnados na crosta terrestre a fim de que de todos esses trabalhos, sofrimentos e amores possa ir desabrochando ou abrindo as suas pétalas a flor frutífera em que o Espírito Divino brota de si mesmo e harmoniza e fortifica, inspira, alegra e nos impulsiona para a Luz e a Fonte...

Saibamos merecer em comunhão com a Natureza e as suas árvores as melhores realizações de amor e beleza, paz e vida espiritual...

Pintura do mestre alemão Bô Yin Râ.

2 comentários:

maria de f´tima dasilva coito de almeida disse...

Lindo e tão profundo! Grata, pela partilha.

Pedro Teixeira da Mota. disse...

Graças muitas, Fátima. Votos de um Outono e Inverno bem luminosos e felizes!