sexta-feira, 24 de novembro de 2023

"A Franco-Maçonaria Mística" por Bô Yin Râ. Tradução do alemão para francês por Oswald Wirth, em 1926, e para português em 2023 por Pedro Teixeira da Mota.

Para celebrarmos o 147º aniversário do nascimento do notável mestre alemão Bô Yin Râ resolvemos traduzir do francês para português, este tão valioso texto escrito em 1925 em alemão por Bô Yin Râ e oferecido a Oswald Wirth, que o traduziu em francês e  o publicou em 1926 na revista mensal que dirigia Le Symbolisme organe d'Initiation a la Philosophie du grand Art de la Construction Universelle, com treze linhas de apresentação e duas pequenas notas, com pouca importância e que não transcrevemos. 

O texto de Bô Yin Râ é  bem valioso  sobre a essência da realização espiritual e que a Maçonaria Mística que surgiu nos primórdios civilizacionais saberia e transmitiria, ao ensinar a construir templos e edifícios exteriores e simultaneamente o templo espiritual interior, . As pedras vivas, a pedra de fundação são expressões da mesma linguagem e tradição no Cristianismo, que perpassara também nos mistérios egípcios e greco-romanos, e em vários dos seus livros Bô Yin Râ utilizará esta linguagem simbólica, com alguns dos seus quadros dando-nos perspectivas visuais dos templos internos ou espirituais de que os terrenos são aproximações.

  O texto é tão bom, toca nos aspectos mais importantes da realização espiritual e religação íntima divina, que dispensa, pelo menos por agora comentários, embora deva surpreender os mais conhecedores da obra publicada de Bô Yin Râ pois desconhecerão este texto, do qual provavelmente o original em alemão se perdeu ou eventualmente se encontra inédito. Oiçamos então o profundo e tão elevado ensinamento deste notável mestre.
                                        
«Apesar da aparência resultante da diversidade de ritos e obediências, existe uma só e única Maçonaria na Terra.
Os sistemas em prática reduzem-se a duas categorias, segundo a sua tendência seja esotérica ou exotérica.
A Maçonaria esotérica é velha como o mundo; foi ela a mãe das organizações exotéricas e da Maçonaria moderna dita humanitária.
O Ir: Henry Gray mostra-nos na [revista] Acacia, como ela se desenvolveu sob a influência das tradições dos Companheiros Artesões [des traditions compagnonniques]. Que nos seja permitido aqui chamar a atenção do leitor para uma evolução mais misteriosa, que não foi suficientemente tida em conta.
"Aprende a tomar conhecimento de ti mesmo!" Este é o preceito que está na base de toda a iniciação. A Maçonaria original, que se nos revela na essência da Maçonaria Mística, não é outra coisa senão o verdadeiro serviço divino aplicado a si mesmo. Eis como se exprime sobre este assunto um Mestre cuja competência se impõe:
No decorrer de uma longa série de milénios, o ser humano concebeu inúmeras formas de culto divino. Dependendo da representação que se conseguiu fazer da Divindade, alcançaram-se inúmeras possibilidades de expressão, desde as manifestações mais grosseiras 
até se atingir a mais alta espiritualidade.
Ora, todos os cultos procedem de uma concepção antropomórfica, como se Deus tivesse necessidade de ser servido pelo homem, como se a divindade esperasse do homem um serviço do qual ela não pode prescindir, tal como o ídolo inerte só é animado na imaginação dos seus adoradores que pelo culto que lhe é prestado.
Os modos superiores de semelhantes cultos são susceptíveis de fecundar o sentimento religioso, dando o impulso germinante a aspirações muito nobres, inspiradoras de símbolos expressivos de concepções refinadas.
Mesmo assim, tudo nestes cultos se reduz a um serviço humano e não divino, porque respondem à necessidade que o homem tem de fornecer ao seu próprio espírito um incentivo a se elevar, enquanto procura satisfazer a sua inteligência por formas cultuais que lhe permitem melhor discernir as suas relações com o fundo misterioso das coisas, objeto dos seus sonhos meditativos, que chegam a uma vaga adivinhação, a uma fé positiva ou ao esboço de um conceito filosófico.
Pode resultar para o ser humano uma estimulação poderosa impulsionando-o a descobrir o mundo espiritual, mas o seu avanço só é proveitoso à sua própria alma, pelo que não há serviço divino, no sentido rigoroso da palavra.
Servir a divindade pela celebração dum culto considerado como um tributo que a terra deveria ao céu não é o que consistiu o verdadeiro serviço divino. Este resulta da consagração livre de todas as energias e faculdades do homem para a realização da vontade divina, tendo em vista a sua dócil subordinação à direção do Deus vivo que se manifesta pela espiritualidade humana. Liberto do caos do desejo impetuoso, o verdadeiro servidor de Deus é objeto de um trabalho interior de cristalização, graças ao qual cada átomo energético sofre a influência da eterna força coordenadora cósmica, que o conduz ao lugar propício ao cumprimento da sua tarefa...
Que o ser humano peça aos cultos exteriores para contribuírem à sua elevação espiritual e que a acção do culto seja para a sua alma uma fonte de emoção salutar. Mas nem por isso deixará de ser certo que ele só pode unir-se a Deus devotando-se sem reserva à realização das intenções divinas.
Trata-se duma "servidão" que só pode conduzir à liberdade suprema. Quem serve aprende a reinar. Pela subordinação, o inferior tende a assimilar o superior, aceitando o ritmo vibratório dele. Na vida cósmica, a influência suprema transmite-se assim integralmente através de toda a cadeia dos éons.
As aspirações espirituais saudáveis do ser humano nesta Terra tendem, em última análise, à manutenção da individualidade em plena consciência por toda a eternidade, para além da dissolução do corpo e sem ser afetada por essa dissolução. Ora, como realizar esta imortalidade, senão pondo todas as forças em concordância com a centelha divina eterna: o núcleo de cristalização coordenador de tudo o que é consciente.
Todas as artes ocultas, incluindo as mais espantosas actuações dos faquires, não fazem avançar nada, pois os resultados obtidos limitam-se ao mundo da manifestação física, que desvanece-se para nós logo que o cérebro do nosso organismo animal deixa de estar à nossa disposição para transformar as nossas sensações.
De que servem, por outro lado, os privilégios de um visionarismo lúcido, que se presta, no máximo, à percepção das imagens geralmente não percepcionadas da aura planetária, onde as nossas formas-pensamento flutuam como fantasmas? E quando o visionário imagina consequentemente que as suas visões o levam para o mundo do puro espírito, está a ser vítima de uma ilusão grosseira e perigosa.
Não dissimulemos também a nós próprios a vaidade de todo o discernimento racional e de todo o conhecimento aplicando-se aos mundos do espírito, uma vez que toda aquisição é aniquilada assim que as funções do cérebro cessam. Nenhum vestígio permanece então na consciência animal, a menos que ela tenha conseguido antecipadamente, enquanto ainda possuía o cérebro, realizar a união com o seu Deus vivo, a centelha divina do nosso santuário interior.
Esta união de todas as forças da alma, de todas as possibilidades sensoriais, incluindo as que provêm unicamente do corpo, realiza-se no eu mais profundo, na intimidade mais sagrada da sensibilidade interior, a única capaz de sentir o divino e de o atingir no único santuário onde se pode encontrar o Deus que está efetivamente vivo em cada um de nós. A procura de semelhante união propõe-se ao ser humano enquanto tarefa espiritual, a única verdadeiramente digna de todos os seus esforços.
O Reino dos Céus sofre violência, e só os violentos se apoderam!
Sem "violência", como rejeitar as objecções incessantes de um intelecto apegado só ao mundo físico e às especulações que dele derivam? Como obter a calma interior que nos permite perceber o nosso eu no seu aspecto primordial, enquanto que Deus vivo, que, em cada momento da nossa existência nos recria à sua imagem? A eterna criação deste Deus faz de nós o que somos espiritualmente. Tornemo-nos cada vez mais semelhantes a ele, para que, participando no seu discernimento, possamos manter a nossa identificação de consciência através de toda a cadeia dos eons.
Não se trata aqui de um esforço tenso, nem de uma concentração torturadora da vontade, mas simplesmente de uma atenção constante para repelir com energia as intromissões indiscretas do intelecto, cuja presunção visa impor-se num domínio que lhe será sempre inacessível. Uma vez domado o intelecto, beneficiamos da grande calma recolhida, a qual permite  então que as nossas energias sentimentais se consagrem voluntariamente ao serviço do Deus interior, pelo qual vivemos e somos. Esta consagração permite ao homem eterno ressuscitar do seu túmulo, depois de ter nascido do espírito, para se tornar imagem e semelhança do seu "Pai" que está nele, no "céu" interior do homem.
Logo que conseguimos domar o nosso intelecto, ele presta-nos excelentes serviços como tractor favorecendo os nossos progressos, porque é bom considerar intelectualmente o que foi sentido em espírito. Juntamos assim os materiais de uma construção mental a erigir segundo as leis da lógica, a fim de nos ser possível conservar em boa ordem os tesouros da nossa sensibilidade interior. Estes correriam o risco de se dispersarem por todos os ventos se, graças ao abrigo que nós próprios construímos, não fossem subtraídos à agitação da nossa vida diária.

O que é essencial é que não nos abandonemos à direção do intelecto, quando, à luz pálida da nossa aurora intuitiva, enveredamos na via das explorações que nos devem conduzir à descoberta do núcleo vital que nos é comum a todos, tal como temos em comum o mesmo domicílio ultra-íntimo, uma mesma maravilha para sempre inconcebível, uma mesma "joia central da flor de lótus".
O intelecto é um excelente explorador, hábil a apanhar os traços susceptíveis de levar ao discernimento das coisas, cuja última manifestação se efectua através do mundo físico dos sentidos. Neste domínio, o intelecto merece toda a nossa confiança e devemos favorecer o seu pleno desenvolvimento, pois também ele é de essência divina e, desde que não ultrapasse as suas atribuições, a sua ação é benéfica.

Para chegar a Deus, não procuremos exteriormente, nem mesmo nesse exterior que tantos investigadores consideram como "interior", simplesmente porque não lhes é revelado por nenhum dos seus sentidos! A mente humana eternizar-se-ia em vão a procurar de Deus nas mais elevadas regiões espirituais; jamais a Divindade será encontrada aí, pois só se manifesta dentro de entidades espirituais: a divindade nunca será encontrada aí, pois só se manifesta no seio de entidades espirituais que são da sua própria natureza. Não procuremos representar-nos Deus isolado, como uma personagem existente por si mesma, confinada nas regiões espirituais mais sublimes; dele se dirá, como da força da natureza, que é acção até ao mais minúsculo átomo do universo físico, mas que se oculta a qualquer percepção direta.
Cabe a nós descobrir Deus em nós próprios, onde ele vive a sua vida eternamente criadora. Esta descoberta expõe-se a um erro de extrema gravidade, pois pode levar-nos a erigir-nos em ídolos aos nossos próprios olhos. É portanto prudente confiarmos nestes assuntos à orientação daqueles que já participam na consciência divina, cujas forças estão postas ao serviço de Deus e que vivem em união com o tipo primordial cri
ador.
                                         
É a estes eleitos que operam sobre a humanidade desde as eras mais recusadas que a Maçonaria deve as suas origens, pois, por intermediário da Arte, eles transmitiram ao homem ainda animal, o anúncio de um reino espiritual.
Sob a sua inspiração, o homem começou a construir. A construção do templo exterior fê-lo aprender a erigir um santuário no seu interior. Ao talhar a pedra para o edifício material, foi levado a trabalhar simbolicamente sobre si próprio, a fim de se adaptar ao Templo espiritual a que aspira tornar-se uma pedra viva.
Esta Maçonaria primitiva desenvolveu-se e manteve-se até ao Renascimento, época que determinou em declínio.
Num artigo intitulado Le Temple ensevelli, O Templo enterrado, propomo-nos explicar o que foi esta Maçonaria primitiva e como ela se constituiu.»

Bô Yin Râ.

Dado em português à luz no dia de aniversário de Bô Yin Râ, de 2023. Que ele nos possa inspirar luminosa e divinamente!

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