segunda-feira, 9 de outubro de 2023

Homenagem a Nicholai Roerich no 149º aniversário. Breve biografia. E vídeo dum texto seu sobre o Belo

                                                        

Nicholas Roerich, nascido em 9 de Outubro de 1874 em S. Petersburgo, na santa Rússia, foi um notável ou mesmo genial pintor, arqueólogo, curador de arte, professor, ensaísta e mestre espiritual. Formou-se de 1893 a 1898 na Academia Imperial de Arte, mas frequentou também estudos de Filologia e História na Universidade de S. Petersbourg, a Faculdade de Direito e o Instituto de Arqueologia, tendo viajado ainda para melhorar os seus estudos. Como grande amante do passado e da sua preservação, de 1904 a 1905 peregrinará por 40 cidades e vilas russas e desenhará uma série grande de monumentos antigos. Será director da Escola de Desenho da Sociedade Imperial para o Encorajamento das Artes de 1906 a 1917, expondo já na Europa. Com a revolução de Outubro de 1917 desilude-se do rumo do partido bolchevique e em particular de Lenine, embora participando ainda com Máximo Gorki na União das Artes, e como já vivia na fronteira da Finlândia por problemas de saúde circunstanciais, emigra para ela, partindo uns meses depois em 1919 para Inglaterra, onde entra em contacto com os meios teosóficos e espiritualistas. 

Pintura mais histórica, de 1911: a batalha de Kerzeneths.

 Em 1920 parte para os USA e obtém um bom reconhecimento, com as suas pinturas a serem expostas em várias cidades e criando o Master Institute of United Arts, o Corona Mundi International Art Center (dirigido pelos eu filho Svetoslav) e o Roerich Museum inicial, em Nova Iorque. Todavia, cada vez mais entusiasmado com a nova Era que se anunciava nos meios espiritualistas e que a sua mulher Helena particular e intimamente sentia, e da qual já estavam a transmitir o ensinamento do Agni Yoga, que um mestre famoso, um dos mahatmas dos meios teosóficos, Morya, lhes estaria a transmitir, partem para a Índia em Dezembro de 1923. 

Helena Roerich, inpirando-se com o mestre Morya.

Casara-se com Helena Roerich (n.1879) em 1901, após se terem encontrado em 1899, num local assinalado hoje com uma placa com o belo dito de Roerich: «Encontrei Lada, a minha parceira e inspiradora, em Bologoye, nas terras do príncipe P. A. Putyatin. Alegria!» Desse grande amor, que durou a vida toda,  geraram muitas obras e dois filhos, George, n. 1902, que será um orientalista, conhecedor do tibetano, e Svetoslav, n. 1904, que será pintor e com quem ainda me correspondi quando estive na Índia. 

Nicholai e Helena, George e Svetoslav..

 Pouco depois de chegados à Índia, o casal com os filhos parte para a fabulosa expedição à Ásia Central, de 1924 a 1928, com algum apoio do governo russo, atravessando o Sikim, Cachemira, Altai, Mongólia, Gobi, Tibet, Sibéria, Moscovo e bem relatada no seus valiosos diários. 

É após esta expedição que se estabilizará em Naggar, Kulu Vally, junto aos Himalaias, onde viverá com a família de 1929 a 1947 numa bela casa, com vista maravilhosa para os Himalaias, a cerca de 1700 metros de altitude e onde criam o Instituto Himalaico de Investigação Urusvati, que reunirá nomes importantes e publicará uma revista e algumas publicações. Todavia o sonho de uma grande comunidade e de um movimento de impacto mundial que sorria aos dois, como os ninhos de águia nas montanhas nunca atraem muita gente, gorar-se-á. Ficarão, além das influência directas e pessoais que exerceram, milhares de pinturas, livros e dois volumes de cartas que Helena escreveu com grande sabedoria ou mestria para cerca de 140 correspondentes. E após a morte de ambos milhares de documentos e objectos valiosos, preservados em institutos e museus, que alimentarão certamente por muitos anos investigadores e amantes do ensinamentos psico-espirituais bem avançados do casal Roerich. Eram sem dúvida pioneiros e a circulação das pessoas e das informações na época não tinha a fluidez que precisariam para realizarem mais as suas aspirações da era de Maitreya e do ensinamento da Ética viva.

                                                                   

Viajou ainda pela Ásia Central, numa 2ª grande expedição, esta à Mongólia, Manchúria e deserto do Gobi, paga pelo governo norte-americano, graças a um amigo, secretário de Estado de Agricultura, Henry Wallace, com fins botânicos de recolher plantas contra a erosão dos solos.  De ambas as expedições nasceram valiosos diários de viagem, ensaios e estudos científicos que mostram bem a sua comunhão profunda com a Mãe Terra e particularmente com as montanhas. Mas ao longo de toda a  sua vida colaborou em numerosas revistas e jornais  com artigos de grande qualidade, mais entusiásticos por vezes mas sempre plenos ou mesmo flamejantes de conhecimento, sabedoria e ética viva.

Uma iniciação na abóbada dos Himalaias, santa Umahimavat
Em 1935  Nicolai Roerich estará em Nova Iorque para assinar com o presidente Roosevelt e outros chefes de Estado o Pacto Roerich, também denominado Bandeira da Paz, um tratado para a protecção das  instituições científicas e artísticas e do monumentos históricos, que 22 países das Américas assinaram e anos mais tarde 35 ratificaram.

                                       

Hagia Sophia, a Santa Sabedoria protegendo as cidades e monumentos

 Aquando da II grande Guerra, no começo, a 2 de fevereiro de 1939, escreve numa carta ao seu amigo Pavel Fedorovich Belikov,  um dos seus  futuros biógrafos: "Aqui estou eu, a escrever-lhe esta carta num tempo de dificílimas complicações do mundo. Agora, é até estranho falar de paz, mas apesar de tudo, nós ainda pronunciamos esta palavra sagrada. Pronunciamos também a palavra de defesa da Pátria. Ficaremos horrorizados com todas as agressões e compreenderemos plenamente o sentido profundo da defesa da Pátria.»

                                                   
           Uma das obras pintadas aquando da II grande Guerra, evocando os heróis antigos da Rússia
Deixou muitos textos e obras literárias, artísticas, científicas e de espiritualidade, sendo mais de sete mil as suas pinturas, várias como murais ou mosaicos, muitas para cenários de óperas de Wagner, Moussorgsky, Borodin, Rimsky-Korsakov e Materlink, ou bailados, tal a famosa Sagração da Primavera, e muitíssimas dos Himalaias e de temas heróicos, lendários e religiosos da Rússia, do Cristianismo e sobretudo da Índia e Tibete. 

Chintamani, a misteriosa pedra preciosa da sabedoria e realização himalaica e que se diz que Nicholai Roerich foi portador dela

Foi membro de dezenas de Academias em todo o mundo e reconhecido, admirado e amado por muitos grandes seres que testemunharam por diversos modos o seu apreço, considerando-o ao nível de um Tolstoi, dum Gandhi, dum Romain Rolland, dum Rabindranath Tagore, em suma, um verdadeiro rishi, o sábio vidente dos Vedas, nos tempos modernos. 

Roerich no seu centro e ashram de Naggar, junto a Gugi Chauan, e com o seu barrete tradicional himalaico.

Rabindranath Tagore elogiou-o assim: «As suas pinturas tocam-me profundamente. Fizeram-me realizar que a Verdade é infinita. Quando tentei encontrar palavras para descrever a mim próprio quais eram as ideias que as suas pinturas sugeriam, não consegui. Era porque a linguagem das palavras  só pode exprimir um aspecto particular da Verdade (...) Quando uma arte pode ser expressa (ou explicada) completamente por uma outra então é um fracasso. As suas pinturas são distintas mas contudo indefiníveis pelas palavras - a sua arte é ciente de independência porque é grandiosa».

Ainda peregrinei à sua casa e centro em Naggar, com grande vista para os Himalaias ao longe mas perto, por duas vezes, contemplando demoradamente os seus maravilhosos quadros e desenhando-nos num caderno diário e dando-lhe os meus títulos. E meditando bem no seu mahasamadhi ou local onde se encontram os seus restos mortais, já que espiritualmente é um mestre cósmico...
Duas pinturas, pelo menos, de Nicholai Roerich encontram-se em Portugal, uma delas no museu Machado de Castro, talvez porque fora eleito membro da Academia de Coimbra, a esta hora certamente menosprezada nas reservas e logo não irradiante para o público, no habitual sintoma da ignorância, desvalorização ou limitação espiritual de muitos dos nossos responsáveis artísticos, culturais e políticos.
  A vida e obra de Nicholai Roerich foram  divulgadas ainda em vida dele, nos anos quarenta, por Raul Fontes e o crítico de arte suiço Émile Schaub-Koch. Já os ensinamentos do Agni Yoga do casal Roerich começaram a chegar a Portugal no final dos anos 70, via publicações da Fundação Educacional e Editorial Universalista  FEEU,
brasileira, na altura dirigida por Treiger, sendo distribuídos em Lisboa pelo irmão Manuel Lourenço no seu ramo na Sociedade Teosófica. Entretanto com o meu irmão Luís realizamos uma exposição em Guimarães, na livraria galeria Orpheu, e outra na cooperativa Pirâmide no Porto sobre os Movimentos espirituais e a Era de Aquário, que incluíam Nicholai Roerich, Bô Yin Râ, Paramahamsa Yogananda, e Aurobindo e o seu sonho de Auroville. No começo dos anos 80 ensinei, com mais regularidade em Évora, Covilhã, no restaurante Suribachi no Porto e Lisboa uma síntese de Agni Raja Yoga, divulgando e partilhando ainda os livros e alguns ensinamentos, a par de outros mestres, em páginas avulsas, conforme a da imagem.

Anote-se finalmente que hoje 9-X-2023, dia do seu aniversário, gravei em três partes a tradução do francês, levemente comentada, dum seu inspirador texto, intitulado O Belo, que pode ouvir e ver no meu canal no youtube, a 1ª sendo:   https://youtu.be/YefJSwxDYfk                  

Jesus sentado, desenha para o mestre Morya os fundamentos do ensinamento e do caminho espiritual, como relata num dos livros do Agni Yoga: pelas mãos e os pés se entra no Templo.

   Leiamos ou oiçamos Nicholai Roerich numa das suas linhas de força com que muito se entusiasmou, talvez enganando-se um pouco na iminência de uma nova era espiritual, ou mesmo da vinda de Maitreya, o novo Buda esperado: 

Krishna tocando a sua flauta em Naggar. Roerich pensava que ele ali passara.

«Himalaias! Aqui é a abobada dos Rishis (sábios-videntes védicos). Aqui ressoou a flauta sagrada de Krishna. Aqui relampejou o abençoado Gautama Buddha. Aqui se originaram todos os Vedas. Aqui viveram os Pandavas. Aqui — Gesar Khan. Aqui — Aryavarta. Aqui está Shambhala. Himalaias — joia da Índia. Himalaias — tesouro do mundo. Himalaias — símbolo sagrado da Ascensão... O ser humano deve dedicar-se inteiramente ao labor criativo. Aqueles que trabalham com Shambhala, os iniciados e mensageiros de Shambhala não se sentam reclusos — eles viajam por toda a parte».


Como notável pedagogo, ou mesmo mestre espiritual, fiquemos ainda com uma pensamento seu valioso: «Educar não significa dar um conjunto de informações técnicas. Educação é formar uma consciência do mundo e tal é atingido por uma síntese, não de desastres mas de perfeição e criatividade. O verdadeiro conhecimento é alcançado por acumulações internas, pela coragem de se ousar...»

                                                           

Pintura de Nicholai Roerich, no seu jardim em Naggar, Índia, junto à estátua da devi himalaica Gugi Choan, realizada pelo seu filho Svetoslav. 

Muita luz e amor para família tão fabulosa e que não deixou descendência física mas imensa, quase infinita artística, cultural e espiritualmente. Que nos inspirem!

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