domingo, 15 de outubro de 2023

Os "Sonetos" de Antero de Quental vistos por Fernando Leal, e a 1ª carta de Antero a Fernando Leal, oito anos antes. E o soneto Mors-Amor. Com gravação vídeo.

                                       
Fernando Leal (1846-1910), no final do seu livro Relâmpagos, Porto, 1888, numa das cinco Notas para o leitor francês, a dedicada a Antero, as outras sendo sobre Gomes Leal, João de Deus, Baudelaire e Byron,  Auguste Vacquerie,  escrevendo em francês e para os leitores franceses, exprime a sua tristeza por a poesia portuguesa ser pouco conhecida na Europa e oferece-se, se o Destino lhe permitir, traduzir poemas de João de Deus e de outros poetas vivos e mortos para uma Antologia, apresentando então em seguida, segundo a sua sensibilidade e visão,  o seu amigo Antero de Quental e os Sonetos

                                         
Gravamos o texto completo das duas páginas do livro Relâmpagos, traduzindo-as do francês, e agora transcrevemos apenas a parte inicial, bem valiosa, para o conhecimento de Antero de Quental e da sua obra já que vamos poder  ler ou ouvir um seu grande amigo e poeta, nascido na Índia e um dos poucos acolhidos por ele no seu retiro, de 1881 a 1891, em Vila de Conde: 

«Darei algumas traduções de um poeta fora de série, Antero de Quental, autor das Odes Modernas e de um livro de Sonetos. Este último livro, do qual se poderia dizer que foi sonhado numa montanha ideal, é de facto excepcional pelo poder de visão psíquica, pela perfeição serena, austera, sóbria, da ideia e da forma, pela resignação e a sinceridade, pela emoção dolorosa, pela inefável beleza e pela bondade suprema de que ele está impregnado.
Um dos melhores amigos do poeta, o eminen
te historiador Sr. Oliveira Martins, fez preceder o livro de um prefácio onde a obra e o autor são bastante bem estudados, ele bem mais do que ela. Os estrangeiros poderão de resto fazer uma ideia dos Sonetos de Antero de Quental, pela tradução alemã que acabou de publicar o professor Storck, tradutor das obras completas de Camões. Por outro lado, o crítico inglês Sr. Burton anunciou um estudo sobre os Sonetos e sobre o seu autor. Quanto a mim, no meu desespero de condensar em algumas linhas, (o que eu não saberia fazer mesmo em algumas páginas), a poesia e a filosofia deste livro complexo, que reflecte diversas fases do coração e da mente  [du coeur et de l'esprit] do poeta,  tento transmitir as impressões predominantes em mim dizendo que se revela ali frequentemente como um Job, sentado não sobre o monturo, mas sobre uma nuvem, e por vezes como um Bouddha, tremendo e fazendo-nos estremecer sobre o sopro desesperante do nosso fim do século...» (...) 

Fernando Leal em Velha Goa, no fim da sua vida na Terra.

Quanto à carta que oito anos antes, em 2 de Junho de 1880,  Antero de Quental endereçou da lisboeta rua da Fé nº 12 a Fernando Leal, agradecendo o livro Reflexos e Penumbras, que este lhe enviara, e que pelo teor mostra-nos que já lera algumas das suas traduções francesas, ei-la nas suas linhas mais valiosas para este artigo:

«Ex. Sr.
Incómodos graves de saúde, e em seguida uma viagem por eles motivada, me impediram de agradecer há mais tempo a V. Ex.ª o volume dos seus versos com que me brindou, e ainda mais as palavras, que, com mão sumamente benévola, traçou na primeira página. A leitura do livro, revelando-me um bom e nobre espírito, tornou para mim aquelas palavras, de gratas, preciosas. Há por todo ele, um perfume de boa vontade - no sentido evangélico da expressão - e de elevação moral, que me encantou. A alma é e será sempre a essência das boas letras. Por este motivo, e ainda por outros secundários, prefiro no seu livro a parte original às traduções. Victor Hugo é, quanto a mim, pouco menos de intraduzível, não tanto pela originalidade do pensamento, como pela singularidade e não se se diga excentricidade da forma. Entretanto, é certo que V. Ex.ª, dadas as enormes dificuldades do cometimento, fez muito, e por vezes conseguiu naturalidade da expressão, que é pedra-de-toque.» (...)

Oiçamos então Fernando Leal sobre Antero e traduzido por mim do francês, e Antero de Quental com a leitura final do seu soneto Mors-Amor na tradução em francês de Fernando Leal, inserida que estava no mesmo livro Relâmpagos. Tela de fundo, Antero, por Maria de Fátima Silva, a quem agradecemos.

                               

Sem comentários: