domingo, 29 de outubro de 2023

Erasmo. "Satisfazer Momo", uma hipérbole muito proverbial. "Adágios", 74º do Livro IV. Comemorando o 557º aniversário da sua alma sábia perenemente.

A segunda edição dos Adágios, bem mais alargada, impressa em Veneza, com Aldo Manuzio, em 1508, como Graal da Sabedoria perene, e sobre a empresa aldina: Festina lenta. Apressa-te lentamente.

Os Adágios foram uma das mais difundidas obras nos séculos XVI e XVII e nela Erasmo exerce a sua função de transmissor da sabedoria perene da Antiguidade pagã ao serviço de uma formação mais tolerante, ecuménica e universal dos estudantes e humanistas europeus e duma crítica libertadora das ignorâncias, erros e superstições na religião, nos governantes, instituições e pessoas. Entre a primeira edição, de Paris, de 1500, Adagiorum Chiliades, e a oitava e última edição corrigida em vida e, como todas as outras em Basileia, em 1536, a recolha passou de cerca de 818 a 4.151 adágios ou ditos da sabedoria antiga.
Escolhemos um adágio importante por ser consagrado a Momo, um deus greco-latino pouco conhecido e que simboliza a capacidade crítica independente e justa, por vezes satírica, tão valiosa face aos falsos valores, cultos de aparências, desmandos, manipulações e opressões das autoridades, ideologias e mentes humanas, com as suas vaidades, egoísmos e fanatismos de pensamentos, actos e hábitos.
Ao longo do
s séculos Momo foi apresentado e caracterizado por diferentes autores, que Erasmo leu e  que nas suas obras cita por vezes, ainda que escrevendo parcamente sobre ele, e poderíamos citar no adágio Spartam nactu es, hanc orna, (II. v. 1) Esparta existe, orna-a [ou honra-a], referindo-se à educação dum príncipe que "devia ser erudita e com pequenos dentes, tingidos com o sal brilhante [candido] de Mercúrio, e não com o negro de Momo"  Contudo isso não o impediu de ser chamado de Momo, de ser um pagão ou um céptico que duvidava da fé cristã e seria mesmo irreligioso, e quem o assim o acusou foi nada menos que Lutero. Mas claro também houve vários sectores católicos que nunca aceitaram as críticas de Erasmo aos monges, a certos aspectos e aparências da Igreja, ou ainda à sua investigação crítica textual dos Evangelhos e por isso o evitaram (tal S. Inácio de Loiola que aconselhou os primeiro jesuítas a não o lerem, pois esfriava a devoção, quando de facto Erasmo tanto valorizou uma devoção sábia, a que chamava uma piedade douta, baseada na philosophia christi) ou atacaram-no mesmo mais ou menos fortemente, tais o síndico Nöel Beda, o cardeal Aleandro e os dominicanos espanhóis.
                                             
A partir da recepção eu
ropeia no século xv da tradição greco-romana, sucessivos humanistas de várias nacionalidades transmitiram os potenciais, sobretudo críticos e satíricos, do carácter de Momo, em obras literárias, filosóficas e artísticas, sendo Erasmo um elo entre eles. Para contextualizar mencionemos dos elos ou fontes greco-romanas Hesíodo (750-650 a. C.), Esopo (620-564, duas fábulas sobre ele) Platão (427-347),  Ovídio (43 a 17 d. C.),  Filostrato (170-250) e sobretudo o sírio Luciano de Samosata (125-180), pois Erasmo leu e traduziu as suas obras, sorridentemente, com Thomas More, nas quais os aspectos piores ou mais fracos dos deuses da teologia poética e popular, ou ainda as pretensões, vaidades e superstições humanas, são fortemente satirizadas.

O sábio humanista, arquitecto, tratadista, espiritual e poeta Leon Baptista Alberti, 1404-1472.

Entre os humanistas, além de Erasmo,  Leon Baptista Alberti (com a tão genial vida de Momus, expulso do céu para a Toscana, já de 1450 embora só publicado, prudentemente, em 1496), Johann Reuchlin (1455-1522), Anton Francesco Doni (1513-1574) e Giordano Bruno (1548-1600, com o Spaccio de la bestia triomfante, 1584, Londres) serão talvez os mais importantes de se lerem, sobretudo o primeiro e o último que escreveram profundas obras na sua forma mentis e face à contemporaneidade que os rodeava. 

Entre nós, se Gil Vicente teve algo ou bastante de Momo, ou se o Momo sobreviveu como rei satírico do Carnaval,  já  o menos conhecido humanista Jorge Ferreira de Vasconcelos (acima numa pintura recente), que põe  Momo a falar no prólogo da comédia Aulegrafia, deverá ser lembrado pela sua sabedoria e cavalaria de Amor em luta face ao começo da Inquisição e da Censura, tanto mais que tem sido tão trabalhado por Silvina Pereira e o seu Teatro Maizum, não sendo claro porém em que fontes, de Ovídio e Luciano a Erasmo e Reuchlin, mais bebeu.

Recebamos então Erasmo o adágio que é consagrado a Momo, Momo satisfacere, & similia (I.v.74) embora nas obras e noutros adágios haja mais referências, traduzido partir do confronto da anglo-americanizada tradução da Margaret Mann Philips, para a University of Toronto Press, de 1984, com a edição parisiense de Robert Estienne, de 1558, numa tradução final (e mais fiel, creio) bem portuguesa.

Erasmo, por Quentin Massys, em 1517, num altar europeu...

«Satisfazer Momo, & paralelos. É hipérbole proverbial. Hesíodo na sua Teogonia menciona um certo Momo, que tem a Noite como mãe  e o pai o Sono como progenitores. Este Deus tinha o carácter de nada produzir por si mesmo, mas contemplar com os olhos curiosos  as obras dos outros deuses, e se algo está omisso ou está incorrectamente feito,  criticar com suma liberdade. 

Por outro lado, Momus, quer dizer em Grego [Μῶμος] repreender.  Aristóteles, no De partibus animalium 3.2, fala dele como alguém que reprovava a Natureza por ter dado aos bois chifres na cabeça quando seria preferível adicioná-los nos flancos ou ombros, sem dúvida para poder ferir mais veementemente. Luciano aludiria a isto quando escreve (Verae Historiae, 2) que viu alguns bois cujos cornos não estavam na testa como é usual, mas debaixo dos olhos. Esta era a visão de Momo. 

Numa bela pintura de 1561, de Maerten van Heemskerc, Momo avalia as obras em certame dos três deuses, Atena, Poseidon e Hefaísto, e propõe bem simbólicas e até iniciáticas melhorias, embora Maerten não tenha acertado tanto...

O mesmo Luciano evoca-o em vários outros lugares, especialmente no diálogo Das Heresias, contando esta história dele:  Minerva, Neptuno e Vulcão competiam entre si para o  melhor artífice. Cada um deles produziu uma espécie notável da sua arte: Neptuno modelou um touro, Minerva excogitou uma casa,  Vulcano compôs o ser humano. Momo foi escolhido como árbitro do certame e examinador da habilidade artística. Ele inspecionou a obra de cada um; à parte das deficiências que  repreendeu nos trabalhos dos outros, ele queixou-se principalmente que na feitura do homem o artista não adicionara algumas janelas ou portinholas no peito [Este aspecto da visão do coração foi entre nós realçado por Jorge Ferreira de Vasconcelos, e aponta para uma linha de aperfeiçoamento gnóstico], para que se possa examinar o que está escondido  no coração, cavidade que fez com muitos recessos sinuosos.  Platão menciona também esta fábula. Filostrato, na carta para a  mulher, escreve acerca de Momo a sua maneira de ver: "Não conseguira encontrar nada a repreender em Vénus, excepto ter caluniado a sua sandália por ranger,  com um som perturbante, como se fosse muito tagarela. Se Vénus tivesse vindo sem as sandálias, como tinha saído do mar, toda nua, Momo não teria descoberto de modo algum oportunidade de a deitar abaixo."

Este deus não é tão apreciado como os outros,  porque poucas pessoas admitem livremente as suas repreensões, contudo não sei se qualquer um da turba dos deuses dos poetas é mais útil. Nos nossos dias contudo, o nosso Júpiter exclui  Momo e apenas ouve a Euterpia [a musa da Música e da poesia lírica], antepondo o brando ao que é salutar.

A forma celestial de inspiração ou musa, musical e lírica,  Euterpe, por Egide Godfried Guffens.

Consequentemente este Momo providencia várias formas de adágio, quer em Platão que escreve na República, 6, que o estudo da filosofia é tal que nem Momo o pode repreender. Ou quando a Vénus de Luciano (Dearum Judicium 2), prestes a enfrentar o julgamento, diz que nega hesitar mesmo que Momo seja o juiz. Ou quando Cícero  escreve a Aticus, livro 5.20.6: "Quanto ao que diz respeito ao objectivo principal das vossas exortações, o mais importante ponto de tudo em que laboras,  que eu satisfaça mesmo esse Momo Ligurino, morra se algo pudesse ser feito mais elegantemente!" Portanto as espécies deste provérbio  terão todas este género de forma: "Não hesitarei em lutar contigo mesmo se o Momo entre na disputa." "inculpável é a vida da pessoa  que o próprio Mono não pode deitar abaixo [carpere]." "Esta face nem o próprio Momo poderia repreender." Nem recusaria o julgamento de Momo." Ou "essas coisas satisfazem o próprio Momo". E assim se pode modelar qualquer co-símile. A esta forma pertence aquela expressão de Ovídio acerca da forma [bela] de Adónis: "Mesmo a inveja louvaria tal face".
Brevem
ente, todo género desta hipérbole obtém uma espécie de provérbio, tal como quando Terêncio diz de uma família miserável: "A própria Saúde se desejasse salvar esta casa não poderia." Igualmente, acerca dum lugar fortemente municiado: "Esta cidadela nem mesmo Marte a expugnaria." Sobre uma pessoa firme e pertinaz: "Nem sequer o próprio Vertumnus [deidade das estações e transformações] poderia alterar o seu ânimo."

Rubens pinta Vertumnus, seguindo o XIV conto das Metamorfoses de Ovídio, quando persuade Pomona, ninfa dos bosques, deusa dos frutos e pomares, a se casarem.  A celebração festiva de ambos era a 13 de Agosto.

Sobre uma mulher demasiado desejosa do homem, "O libido dessa mulher nem o próprio Priapo saciaria." Quanto a algo muito improvável, "Nem a própria Peitho  persuadiria tal pessoa." 

Peitho, a deusa da persuasão, pela eloquência e o amor, companheira de Afrodite.
 De algo difícil de manter em silêncio, "Nem o próprio Harpócrates nem Angerona [Deuses do silêncio] conseguiriam conter."

Angerona, desenhada para a sábia Isabel d'Este, no séc. XV.
"No meio de tanto barulho nem o próprio Sono agarraria o sono." Acerca de uma pessoa demasiado desconfiada e dissidente, "Neste nem a própria Fé teria fé." Da pessoa veementemente astuta, "Esse ludibriaria o próprio Argus." "Esse homem é tão miserável, que o próprio invejar pode recusar." Em verdade,  já mencionáramos esta forma de persuasão no início desta obra.»

Argus, o vigilante, com mil olhos no corpo.... Saibamos vigiar, discernir, velar, e perseverar para que as lâmpadas e chakras do nosso corpo espiritual estejam bem luminosas na ligação espiritual e divina... E vivam Erasmo e as energias conscienciais da mensagem do  humanismo, da sabedoria, da lucidez e da paz em nós e no mundo!

sábado, 28 de outubro de 2023

Erasmo, biografado por Pierre Bayle no pioneiro "Dictionaire Critique et Historique", 1696. Nos 557 anos do seu aniversário

                                              

No seu pioneiro e imenso (in-folio de 4 vols, cerca de 2800 páginas e seis milhões de palavras) Dictionaire Historique et Critique, dado à luz em Amesterdão e que teve a 1ª edição em 1692, e a 2ª revista, corrigida e aumentada em 1702, gerador ainda publicações de justificação e defesa das ideias e afirmações em que fora criticado ou atacado, o historiador e filósofo francês Pierre Bayle (1647–1706), numa das entradas da letra E, biografa Desidério Erasmo, através da sua típica metodologia duma entrada sucinta e sincopada, apoiada depois em várias notas factuais detalhadas, prolixas mesmo.
                                               
Por ser uma visão concentrada por um dos mais independentes e lúcidos filósofos do começo do Iluminismo, altamente influente
pelas suas obras e em especial pelo seu dicionário, percursor da Enciclopédia d'Alembert e Diderot (e Voltaire chamar-lhe-á o Arsenal do Iluminismo), valerá a pena relê-la, tanto mais que, tendo sido forçado a emigrar de França por perseguições religiosas, quando iam encerrar em 1681 a Universidade Protestante de Sedan onde ensinava, foi em Roterdão, cidade de nascimento de Erasmo (1466-1536),  que ele se estabeleceu e exerceu o magistério filosófico e, por fim, demitido  por invejas, afadigou-se no seu riquíssimo Dicionário biográfico de mais  de duas mil pessoas valiosas na História do pensamento humano, tentando libertar o conhecimento histórico, filosófico e religioso acerca delas de muitos erros e calúnias. O seu projecto inicial tinha sido mesmo um Dicionário de Erros, visando ainda corrigir e substituir o Le Grand Dictionaire Historique  do teólogo católico Louis Moreri, bastante mais abrangente geográfica e historicamente mas muito limitado em termos críticos, científicos e de não subordinação religiosa.
Pierre Bayle recebera um
a educação protestante, pois nascera numa família francesa em que o pai era um pastor calvinista e, embora se convertesse ao Catolicismo durante cerca de dezassete meses, voltou depois ao protestantismo, mas sempre com uma grande tolerância e independência, o que não agradava aos protestantes mais ortodoxos, tal o seu colega Pierre Jurieu e mais tarde os que se viram biografados criticamente no seu Dicionário. Como tanto em livros como no Dicionário criticou muito da Igreja Católica, foi considerado um céptico, um livre pensador, por vezes mesmo um ateu, mas será mais correcto considerá-lo um fino demolidor de erros e lugares comuns,  um inquiridor da verdade e logo irónico quanto a muita matéria mitológica e religiosa proveniente em grande parte da antiguidade greco-romana e da Bíblia, mas crendo em Deus, e logo um fideísta, ou seja, quem tem fé ou aceita a existência de Deus mas que sente insuficientes as racionalizações e dogmatizações de tal Mistério supremo, não aceitando o que as religiões tentam impor aos crentes sem discernir bem o que será certo. Uma posição coerente, para quem não sendo um místico valorizava muito o discernimento da Verdade verdadeira.  

Erasmo a escrever, visto por Quentin Massys, em 1517, com alguns dos seus livros por detrás. Pintura executada e enviada para animar Thomas More, futuro mártir e santo, tal como John Fisher. Já Erasmo foi santo à sua maneira...
Pierre Bayle teve em Erasmo um dos seus principais exemplos ou mestres, já que era igualmente um esforçado investigador da verdade e um crítico de muito erro e superstição religiosa (e por isso foi tão atacado pelos mais fanáticos da ortodoxia cristã e protestante), e leu muito da sua vasta obra, escrevendo sobre ele e citando-o frequentemente nos seus livros. Assim, respeitando e admirando o seu grande valor, no artigo do Dicionário Histórico e Crítico tenta sobretudo dissipar várias calúnias e erros quanto à sua vida, maneira de ser, pensamento e obras. 

Na transcrição da tradução do artigo, entre parênteses vêm em maiúsculas as letras (A, B, C...) das sucessivas Notas de rodapé, que  se podem ler na íntegra no 2º volume do Dicionário Histórico e Crítico, mas que eu apenas transcreverei ou resumirei algumas, inserindo-as logo a seguir à letra em maiúscula da Nota, e num corpo de letra menor. Utilizei a edição de 1702 e uma versão policopiada (pelas edições Gamma, Belizet) da entrada Erasmo, na quarta edição de 1730, esta de mais prática leitura do texto corrido e as notas apenas no fim dele. 
«Erasmo (Desidério,
em latim Desiderius), nasceu em Roterdão a 28 de Outubro de 1467(A). Não se pode negar que foi um bastardo (B): era um escrúpulo mal fundado não ousar publicar-se tal no começo de século XVII (C), pois tal era já demasiado conhecido; mas não se podem negar algumas circunstâncias odiosas que os inimigos de Erasmo publicaram no tocante ao seu nascimento (D)

Terceira página do artigo sobre Erasmo, com as anotações enormes.
Com a idade de nove anos foi enviado para Deventer, onde fez óptimos progressos nos seus estudos; pois não é verdadeiro, como muitas pessoas acreditam, que ele tenha sido um espírito tardio (E: e cita as apreciações que os seus professores e pioneiros humanistas fizeram, 1º Rudolfo Agricola, que ensinava também na escola de Hegius, e que vendo as composições tão perfeitas do jovenzinho Erasmo o chamou e segurando-o pela cabeça e olhando-o bem nos olhos, disse-lhe: "Serás um dia um grande homem" e, 2º, Jean Sintheimus, outro regente da escola, que ficou tão feliz com a sua rápida capacidade de compreensão e retenção, que um dia o abraçou e beijou, dizendo: "Coragem, chegarás um dia ao mais alto grau da erudição")
Aos quatorze anos já não tinha pai nem mãe, e foi posto sob a condução de certos tutores que a exerceram muito mal, pois constrangiram-no a entrar no estado eclesiástico. Ele defendeu-se durante muito tempo; mas por fim foi obrigado a tomar o hábito nos Cónegos Regulares do mosteiro [Agostiniano] de Stein, próximo de Tergou. Algum tempo depois entrou ao serviço do Arcebispo de Cambraia, com a permissão dos seus Superiores e sob o hábito da sua Ordem; e não vendo nele  um protector com quem poderia contar, fez por ser ser enviado para Paris.
Tendo estudado nessa famosa cidade no colégio de Montaigu passou a Inglaterra: encontrou aí muitas pessoas que lhe prestaram justiça, e  acomodou-se maravilhosamente com a Erudição e outras vantagens do país (F); mas não vendo que poderia esperar por tudo aquilo que o tinha feito esperar, viajou para Itália. Viveu mais dum ano na cidade de Bolonha, depois foi para Veneza, onde publicou os seus Adágios, em seguida Pádua e por fim  Roma, onde a sua reputação era grande. Poder-se-ia ter estabelecido lá com vantagem, se as promessas magníficas dos seus amigos de Inglaterra não o tivessem feito voltar a esse país, no começo do reinado de Henrique VIII. Ter-se-ia fixado lá para toda a vida, se ele tivesse encontrado o que lhe tinham prometido; mas não encontrando o que lhe tinham prometido, fez-se receber como Doutor em Teologia na Universidade de Turin.
A casa onde Erasmo viveu em Basileia, desde 1800 metamorfoseada numa notável livraria antiquária: Erasmushaus...
Passou muitos anos em Basileia, e aí publicou muitos livros; saiu quando a Missa foi abolida lá [ou seja quando a Reforma Protestante se instalou] e retirou-se para Friburgo em Breisgau, donde saiu por razões de saúde e retornou a Basileia (G- Maria, Rainha da Hungria e Governante dos Países Baixos queria fazê-lo regressar ao Brabante, e tal foi a causa de ele se transportar para Basileia, tanto para a´fazer imprimir o seu Ecclesiastes, no qual ainda não tinha posto a sua última mão, que para dissipar os restos dum longa doença. Ele alojou-se na casa de Jerónimo Frobénio seu velho amigo e o seu desígnio era de se pôr no rio Reno para regressar aos Países Baixos logo que a sua saúde estivesse restabelecida e que a obra que tinha em mão fosse impressa. Esperando isto foi atacado de uma doença mortal») onde morreu a 12 de Julho de 1536. Foi aí enterrado honradamente, e prestam ainda muita honra à sua memória. Veremos noutra parte (no artigo sobre Roterdão) como ele é homenageado na sua pátria; e se pode contestar-se a Roterdão a glória de ser o local onde ele nasceu.

  Seria supérfluo realçar-se que ele foi um dos maiores homens que jamais foram vistos na República das Letras: é uma verdade pouco contestada. Ele teve muitos inimigos, e entre outros Júlio Cesar Scaliger, que publicou contra ele as injúrias mais chocantes, mas não a de bastardo (I- «Em duas invectivas que escreveu contra ele e que encheu das mais atrozes injúrias que um declamador  possuído pode juntar para a batalha. Não é que Erasmo lhe tenha feito o mínimo de mal; ele tinha apenas lamentado a prevenção excessiva dos que eram então chamados Ciceronianos que acreditavam que não havia salvação para o Latim fora dos escritos de Cícero; e ao mesmo tempo tinha visto algumas manchas no Sol da Eloquência Romana [Cícero]. Scaliger berrou que isso era morte, parricídio e triplo parricida. Atirou todo o tipo de sujidades sobre a cabeça de Erasmo, e chamou-o cem vezes bêbado. Sustentou que Erasmo ganhando a sua vida como corrector na tipografia de Aldo Manuzio deixava escapar muitos erros, pois a embriaguez impedia-o de as notar». Pierre Bayle prova depois em dezenas de linhas como Júlio César Scaliger, nas suas duas invectivas ou querelas, e o seu filho José Scaliger mentiram e injuriaram desmedidamente, e que Erasmo fizera muito bem em não reconhecer a autoria da primeira invectiva atribuindo-a ao cardeal Aleandro, nem em responder-lhe.) A causa desta Querela não foi bem contada na Scaligerana (K- escrita pelo filho para sustentar a abalada memória do exaltado e invejoso pai). Isto é um pouco surpreendente, pois quem deveria saber melhor a verdade deste assunto que o filho do Agressor?   Erasmo pareceu muito sensível a esta Invectiva, e tentou fazer perecer os exemplares (L.- Anotemos que a baixeza de Scaliger foi tão grande contra Erasmo, nomeadamente numa série de poemas que escreveu invejoso contra ele, que Pierre Daniel Huet (1630-1721, um cientista e bispo, considerou que pelas suas poesias brutas e informes Scaliger tinha profanado o Parnasso.) Durante algum tempo desconheceu quem era o verdadeiro Autor (M) e atribuiu-o muito confiado a outra pessoa, o que merece ser observado. 
Aqueles que negam, que tenha havido inveja de [o Papa de] Roma o querer fazer um Cardeal, erram. (N- Alguns riam-se de ele ter sido convidado para Cardeal, mas por inveja, já que na realidade tanto Adriano VI, condiscípulo e amigo de Erasmo, como Paulo III quiseram e expressaram-no por cartas que Erasmo aceitasse o barrete cardinalício, o que ele recusou sempre por espírito de independência e para não dizerem que era um interesseiro). O boato que correu em Paris, que se trabalhava em Roterdão por uma nova edição das suas Obras foi infundado (O- «Segundo Guy Patin, os de Roterdão pela honra que testemunham à memória daquele que foi a honra do seu país, vão fazer à sua custa uma nova impressão de todas as obras de Erasmo. Eis uma notícia que me alegra. Ainda há virtude no mundo e pessoas honestas que têm coragem. Rezo a Deus que seja verdadeiro»). Esperava-se a sua Vida (P- No final das cerca de 70 linhas, Pierre Bayle regista: »Corre o barulho que o Monsr. Joly pôs a sua Vida de Erasmo entre as mãos dos Censores de Livros, afim de receber a Aprovação deles, e obter em seguida o privilégio de o imprimir. Desejamos que esta notícia seja verdadeira, e que esses senhores não tenham a dureza que obriga tantos escritores a queixarem.se que guardam muito tempo o manuscritos  e que apagam nesse tempo muitas coisas. Vede as Nouvelles de la Republique des Lettres, artigo III de Fevereiro de 1685» Anote-se que esta publicação de notícias respeitantes aos escritores e seus livros foi outra pioneira e útil obra de Pierre Bayle que lhe granjeou muito sucesso, fortificando a República das Letras), mas não vimos ainda a realização dessa promessa. De todas as obras as que foram frequentemente mais impressas foram os Colóquios (Q- Nesta extensa nota Pierre Bayle conta como surgiram impressos os Colóquios sem a autorização de Erasmo, quase apontamentos para estudantes de latim e ainda não aperfeiçoados, e como alguns inimigos declarados de Erasmo, tal o síndico da universidade de Paris, a Sorbonne, Beda, horrorizado com o sucesso que uma edição de Colinet obtivera, conseguira que eles fossem proibidos o que ainda veio a gerar mais procura, tanto mais que Colinet ao editar os 24.000 anunciara que iria ser provavelmente proibida. E tece considerações valiosas sobre a responsabilidade dos autores.) e o seu Elogio da Loucura (R). Ele teve dificuldade em aceitar que o pintassem (S) mas enfim ele deu as mãos a isso e Holbein, famoso pintor e seu amigo particular fez o seu Retrato, que Theodore Bezes ornou dum Epigrama que foi muito louvado [Mas que Pierre Bayle considera falso ou errado]. 
A pintura de Erasmo por Hans Holbein, numa fotografia num altar lisboeta.
 Porque Erasmo não abraçou a Reforma de Lutero, e porque ele condenou contudo muitas das coisas que se praticavam no Papismo, ele atraiu mil injúrias tanto dos católicos como da parte dos Protestantes (T- «Não se trata aqui  de examinarmos  se a conduta de Erasmo em relação à religião é boa. Direi somente que ele foi, parece-me, uma dessas testemunhas de Verdade que suspiravam  pela Reforma da Igreja, mas que não acreditavam que fosse necessário chegar a ela através da ereção de um nova sociedade [ou Igreja, protestante], que se apoiou primeiro em ligas e que passou prontamente a verbis ad verbera, de palavras para golpes)»
Uma das veras efígies de Erasmo, por Holbein, numa gravura oferecida por José V. de Pina Martins, entre nós um elo muito valioso do Humanismo, da Sabedoria perene e da Utopia. Lux, Amor!
Jamais houve alguém que fosse mais afastado do que ele dum humor impetuoso de certos teólogos que aprovam as vias de facto e que gostam de marcar a guerra. Erasmo amava a Paz, e sabia da sua importância (U- Uma das mais belas dissertações que se pode ler é a de Erasmo sobre o provérbio, Dulce bellum expertum. Ela mostra-nos que ele meditara profundamente os mais importantes princípios da Razão e do Evangelho, e as causas mais correntes das guerras. Ele mostra que a maldade de alguns particulares, e a parvoíce dos povos, produzem quase todas as guerras; e que uma coisa da qual as causas são tão reprováveis, é sempre seguida de um efeito muito pernicioso. E sugere que aqueles que pela sua profissão deveriam ser os mais empenhados em desaconselhar as guerras, são os instigadores...) 
Era um pouco sensível aos libelos que se faziam contra ele. Parece isto por causa das suas queixas aos impressores desses Libelos (x). Acreditou-se que era o autor de vários livros que não correspondem ao seu estilo (Y). Conta-se que a leitura das Cartas dos Homens Obscuros fez nele um grande impacto (Z- Sobre este livro anónimo crítico-irónico dos escolásticos ou ultra-ortodoxos repressores do livre pensamento e imprensa dos Humanistas,  e de alguns dominicanos, como  Johannes Pfferkorn, judeu convertido que perseguia o sábio Reuchlin,   que queriam a queima dos Talmudes e de outros livros heréticos, fabuloso na sua capacidade de fazer rir por vezes por modos pouco decentes, ainda não traduzido entre nós, e cujo autores principais foram Johan Crotus e Ulrich von Huten, em forma de cartas, diz-nos Pierre Bayle: «Fizeram-no tanto rir, que um abcesso que ele tinha na cara, rebentou. Já não foi necessário furá-lo como o médicos tinham ordenado. (...) Simler, que leu isto na vida escrita por Bullinger, observa que foi Jean Jacques Amien, nativo de Zurique, quem emprestou o livro que tanto fez rir Erasmo e com tanta utilidade. Não deveremos inserir isto entre os exemplos dos benefícios da leitura?»). 
Ulrich von Hutten (1488-1523), um cavaleiro humanista, poeta e satírico, que aderiu ao protestantismo e era violento opositor da Santa Sé e do poder papal na Alemanha. Tentou atrair Erasmo para o seio da Reforma luterana, mas em vão, este recusando mesmo vê-lo quando Huten, derrotado numa batalha decisiva, o procurou em Basileia.
Haverá agora uma nota sobre os erros de Moreri (AA, cometidos acerca da vida dos pais de Erasmo e da sua entrada para a ordem religiosa de S. Agostinho) e ainda acerca de outros que me limitarei a apontar. (BB, indica que foi em 1529 que a facção protestante em Basileia encheu doze carroças com imagens religiosas de várias igrejas e, empilhadas em nove filas diante da Câmara Municipal, foram queimadas para acabar "com a ideia do pequeno povo aproveitá-las para usos ou cultos domésticos". E que o caixão com o corpo de Erasmo foi levado apenas por estudantes da Universidade de Basileia, e não por todos os sábios do país, ainda que vários estivessem no enterro).
Não penso que tenham razão em dizer que Caelius Rodhiginus acusou Erasmo de ser um plagiário (CC, pois Erasmo começou a coligir e publicar os seus Adágios antes de Caelius Rhodiginus  publicar a sua recolha em 1516 nas Lições Antiquárias, e estas conteriam apenas  alguns provérbios greco-romanos que Erasmo poderia ter utilizado nas suas edições posteriores, sempre maiores, dos Adágios.)
 
Caelius Rodhiginus (1469-1525), outro pesquisador da sabedoria antiga.
Teriam mais razão se tivessem dito que ele foi acusado de ter apenas um conhecimento limitado da língua grega (DD), e de ter escrito demasiado à pressa o que  fazia imprimir (f). 
Nós vimos a crítica que lhe fizeram de ter gostado demasiado da bebida: não duvido que seja uma calúnia, pois [o próprio Erasmo] na mesma passagem em que confessa que não viveu sempre castamente, afirma que foi sempre muito sóbrio (EE- pois alimentava-se por necessidade, tomando o alimento quase como um remédio e entregue aos seus estudos não tinha tempo para se distrair em prazeres) e que se entristecia com o facto de ser preciso comer e beber para se viver. 
Caspar Barlaeus (1584-1648), um sábio defensor do valor de Erasmo, refutando e dissolvendo as mentiras propagadas contra ele.
O que Mateus Sladus, reitor do Colégio de Amesterdão, e grande adversário dos Arminíos, declamou violentamente contra ele (FF. Armínio foi um teólogo protestante que combateu a visão mais intransigente ou mesmo fanática de Calvino quanto a uma predestinação divina da salvação de cada ser, pois considerava que cada um tinha a capacidade de resistir ou de seguir a vontade divina. O Arminianismo foi muito perseguido pelos calvinistas, e era-o Mateus Sladus e naturalmente como Erasmo era pelo livre-arbítrio do ser humano e não pelo fatalismo da predestinação, foi atacado por vários protestantes. O próprio Pierre Bayle foi também vítima de tal fanatismo calvinista, nomeadamente por Pierre Jurieu) foi solidamente refutado por Caspar Barlaeus no ano de 1615, numa obra que tem por título Elenchomenos (...) Bogermannus in quo etiam crimina a Matthaeo Slado impacta Erasmo Roterodamo diluuntur (...)

De Erasmo, a Obra Toda, menos as traduções, dada à luz entre 1700-1703, em Leiden.
Correu o boato que vai começar em Leiden uma edição de todas as obras de Erasmo, e que será dirigida pelo Sr. Le Clerc. Este iniciativa é muito louvável, e todos os amadores das belas Letras devem desejar que ela seja executada. Pretendem que esta nova edição conterá alguns escritos que nunca foram impressos. Ela será sem dúvida mais bela que a realizada em Basileia em 1540 em nove volumes in folio, e que foi dedicado ao imperador Carlos Quinto. A epístola dedicatória foi feita por Beatus Rhenanus.»

                                         
E assim termina o artigo, aqui transcrito sem muito
das extensas notas, embora as mais valiosas tenham sido preservadas ou resumidas, tudo  para honra e glória (isto é, a bênção divina no corpo espiritual)   de Erasmo, de Pierre Bayle e dos cidadãos da República das Letras, na demanda e comunhão da Verdade, no dia do seu 557º aniversário, no ano da Graça (bem precisa...) de 2023. 

segunda-feira, 23 de outubro de 2023

Sant' Anna Dionísio: Leonardo Coimbra, uma "Vida Espiritual Intensa". Homenagem a dois elos da Tradição Espiritual Portuguesa.

Dalila Pereira da Costa, José Sant'Anna Dionísio e Pedro Teixeira da Mota, ao Sol, numa peregrinação à igreja românica de S. Cristóvão, em Rio Mau, com capitéis iniciáticos. Anos 80.

Sant'Anna Dionísio (1902-1991) foi um dos seres sábio e com mais idade que me acolheu com simpatia e disponibilidade e  me transmitiu em  diálogos algo da sua ligação à Tradição Espiritual Portuguesa, e assim me ensinou, impulsionou e advertiu. Apesar de bastante mais velho não deixou de se abrir a alguma da sabedoria espiritual, meditativa e oriental que eu desenvolvia nos nossos animados diálogos na década de oitenta em sua casa, onde frequentemente o visitava, desde 1983, pois dava aulas de Agni Raj Yoga no centro e restaurante Suribachi não muito longe e tinha bastante tempo entre as aulas matinais e as finais do dia.
Recuperar tais diálogos é quase impossível, ainda que seja possível que um
dia, em corpos espirituais possamos, ter acesso a todas as conversas que travámos e sentimos, se de facto uma parte de nós próprios consegue registar ou conservar tudo o que se passa em vida, ou mesmo se há um filme cósmico subtilmente correndo incessantemente...

Na actualidade, não sendo possível, só me resta pesquisar nos diários desses anos os registos, em geral breves dos nossos diálogos. Ou então socorrer-nos dos seus escritos que possamos conservar, dos livros com anotações, até de conversas, e vários deles com dedicatórias bem sugestivas, tal uma das primeiras, a das Obras Completas de Leonardo Coimbra, vol. I: «Ao seu bom amigo - recente mas, na realidade, e no melhor sentido filológico: - bom - Pedro (familiarmente Pedro Mota), discretamente portador de um verídico espírito religioso, ávido da sabedoria hindustânica e sequioso da meditação transcendente, na boa linha de Leonardo Coimbra, subscreve e dedica com plena confiança e Esperança, esta Obra bastante difícil mas tão rica e promissora, com um abraço de J. Sant'Anna Dionísio.» Porto, 14.III,1984.

Poderemos também socorrer-nos das suas colaborações em revistas e jornais, tanto mais que alguns dos temas ou acontecimentos neles tratados foram também dialogados, e diremos que almas pesquisadoras da sua vasta obra encontrarão muitos testos valiosos no Primeiro de Janeiro e no Diabo, além dos iniciais na Águia, onde foi um dos directores finais e talvez o causador do encerramento da revista, em 1932, ao expor desassombradamente num dos últimos números da Águia (sendo o posterior, já em polémica, apreendido) os plágios de Gustavo Cordeiro Ramos, um ministro e protegido de Salazar, admirador do trágico nacional-socialismo hitleriano.

A última série da Águia, a Vª, de1932, um dos últimos (três) números. Leonardo Coimbra está com a Sant'Anna Dionísio na direcção da inolvidável revista, apoiando-o no seu confronto com Cordeiro Ramos e o regime salazarista, que acontecera na IVª série, em 1928, e que levara ao encerramento temporário da revista, e em 1932, em parte, ao seu fim. O texto sobre Antero de Quental apoia ou testemunha tal linha de livre pensamento e verdade. Tanto Leonardo como Sant'Anna foram valiosos anterianos, na alma e pensamento e pelos livros que lhe dedicaram.    
Num dos nossos diálogos, José Sant'Anna Dionísio passou-me algumas cópias de publicações nos jornais,  tal uma de Julho de 1981, muito sugestivamente intitulado Vida Espiritual Intensa. Ora neste terceiro decénio do século XXI, com tanta espiritualidade e esoterismo em ampla comunicação e divulgação, alguns se rirão de tal título menosprezando o que de espiritual se poderia intensificar na época. Lembre-se contudo que a capacidade de leitura e reflexão de Leonardo Coimbra era extraordinária e muito abrangente e que tinha na sua biblioteca obras tanta sobre a Índia e os filósofos da Rússia como de psiquismo e espiritualismo.

                                                         

Que havia frequentes diálogos despertantes e levitantes de Leonardo com os seus alunos e discípulos nas mesas dos cafés ou nas aulas não há dúvidas, pois alguns narraram-no, mas meditações, orações, comunhões com a Natureza, devoção ao Divino foram por ele mais ensinadas (para além do que nos livros encerrou) e  justificarão o título de Vida Espiritual Intensa, ou o espiritual é mais abrangente e não de metodologias?
Vejamos então o
que nos dirá Sant'Anna Dionísio, no jornal Primeiro de Janeiro, de 6 de Julho de 1981, em relação ao genial pensador e pedagogo Leonardo Coimbra (1883-1936), de quem foi um esforçado e abnegado discípulo...

 Tendo em conta o ser, pensar e agir de Leonardo Coimbra, considera Sant'Anna Dionísio, a pacificação ou harmonização da meditação intensa, tácita, silenciosa com o humor cáustico convivente, que como dois polos o caracterizavam, não seria fácil dado que era ainda por cima um orador eloquente e frequentemente apaixonado, pelo que mesmo uma conversão religiosa (e que veio a suceder no fim da vida, após as mortes de familiares, por intercessão do Padre Cruz e para se casar e baptizar um novo filho), e que podemos desdramatizar tal como fraqueza (como alguns consideraram, pois sempre fora religioso e crístico), nunca silenciaria a sua demanda constante e independente da verdade.
E como exe
mplo dessa demanda heterodoxa, que se poderia mesmo apelidar de algo anarquista, "numa época em que oscilava entre as experiências metapsíquicas e a conversão religiosa ao indizível", conta-nos que um dia Leonardo,  com um pequeno círculo de estudantes, tentou  despertar ou ressuscitar um seu aluno acabado de morrer (Alberto Brás Vieira, por suicídio ou homicídio não se sabendo), em vão, e que disso guardaria doravante silêncio, embora n' A Luta Pela Imortalidade, 1918, descreva várias experiências metapsíquicas e transmita valiosos  intuições e conhecimentos.

Mas, pergunta Sant'Anna Dionísio, seria ele um provocador, um autor ininteligível,  lembrando os momentos culminantes da carreira meteórica e genial de Leonardo Coimbra: «desde aquela espécie de Sturn und Drang, [Tempestade e Ímpeto] que foi, entre nós, a época dos comícios de propaganda que precedeu a designada transmutação do regime político em Outubro de 1910, até à cruzada [pela revista e  movimento por ele co-fundados, em 1910 e em1912] da Renascença Portuguesa, e desde a abertura «escandalosa» da Faculdade de Letras do Porto [por ele fundada, de 1918 a 1928] e da questão ainda mais «escandalosa» do ensino religioso [que Leonardo Coimbra, como ministro da Instrução Pública, propusera] até ao discurso inaudito sobre A Rússia de hoje e o Homem de Sempre [1935, publicado depois em livro alargado], pairou sobre o autor do Criacionismo a opinião, surda ou clamante, ora vulgar ora doutoral, uma personalidade extremamente evasiva, num espírito espectacular e ininteligível».

Leonardo de Coimbra, na Av. dos Aliados, Porto, junto a um dos cafés de tertúlia, em 1932. Fotografia inserta por Sant'Anna Dionísio in Leonardo Coimbra. Contributo para o conhecimento da sua personalidade e seus problemas. Porto, Lello & Irmão, 1983.

Sant'Anna Dionísio rebaterá tal hipótese, que era erguida pelos seus adversários, pois embora sendo um pensador e orador temerário, foi-o com profundeza, originalidade e sinceridade, «filosofando como se vivesse num país de filósofos» e por isso fora invejado e criticado, até por Salazar, seis anos mais novo que ele, que, chamando-o, lhe teria dito:"que fizesse o possível para tornar o seu pensamento mais acessível", como nos narra em nota Sant'Anna Dionísio, baseado no testemunho do médico Ribeiro dos Santos.
E, discernindo
bem as características psíquicas de Leonardo Coimbra, observa luminosamente que «a sua obra de pensamento apresenta em altíssimo grau um estranho ar de elevação, de frescura, de poder sugestivo, e isso se deve ao desembaraço (íamos a dizer: ao tom allegro) que caracteriza cada página e cada palavra sua», algo que cremos corresponder   também à sua compleição atlética,   ao dinamismo, optimismo e comunhão levitante com a Natureza e com o Verbo, Palavra ou Sermo (como queria Erasmo) que dele fluía e arrebatava os convivas das tertúlias, ou os ouvintes das conferências, tendo o meu pai ainda o escutado e admirado. 

                                                               

"Cada ser fala de acordo com o tesouro e graal do seu coração" e o de Leonardo Coimbra era vasto e puro, forte e subtil, com vales e montanhas, sincrónico do ambiente do Marão, da serra da Lixa e das águas do Tâmega, um ser que dominava tanto as ciências matemáticas como as filosóficas e que, simultaneamente, de funda sensibilidade religiosa e poética, era atraído pelos conhecimentos metapsíquicos, espíritas, ocultistas, espirituais e numa base de universalidade, como alguns livros e revistas da sua biblioteca dispersada (tal como, trágica e silenciosamente, a de Sant'Anna Dionísio) confirmam.
Sant'Anna Dionísio concluirá considerando que «a recôndita unidade do seu pensamento e da sua vida, é ainda um fruto dessa profunda fecunda espontaneidade, que para tantos não passava de um vício incorrigível do velho Anarquista [já que na sua juventude o fora]. É caso para dizer: - Abençoado Anarquismo que permite a um homem realizar-se assim, de um modo tão belo e exuberante e ao mesmo tempo tão fiel a si mesmo.»

Saibamos ser livre e fiéis a nós próprios, bem como à Tradição Espiritual Portuguesa, da qual Leonardo Coimbra e Sant'Anna Dionísio foram elos luminosos,  e ainda aos mais altos potenciais de trabalhos e amizades, lutas, voos e desígnios que germinarem e ressoarem em nós.

sábado, 21 de outubro de 2023

Sete sonetos camoneanos de Florência de Morais, poetisa da revista de arte e crítica "Ave-Azul", de Viseu, e das tertúlias de Nova Goa.

Diana, luz na noite, inspiração na poesia, qual Florência de Morais...

      O jornal Heraldo, de Pangim, noticiando em 1926 a morte, já em Lisboa, de Higino da Costa Paulino (nascido a 27/10/1868): «Homem aprimorado, artista de raça, foi entre nós sempre valioso o seu concurso em todas as festas de arte. Poeta e comediógrafo, era um ensaiador admirável (...)
     Que encantadoras noites se passavam em casa de Costa Paulino, onde a poetisa Florência de Morais, Visconde de Castelões e Fernando Leal se juntavam a "virtuoses" como a snra. D. Helena da Cunha Pereira e outras damas e cavalheiros, pondo em tudo uma tal nota de arte que eram noites de sublime prazer intelectual!
»...

Higino da Costa Paulino, um anfitrião de tertúlias literárias em Nova Goa.

Ora se Higino Costa Paulino e Fernando Leal (grande amigo de Antero de Quental) têm sido divulgados por mim e o 1º Visconde [Álvaro] de Castelões é bastante conhecido, notável engenheiro portuense (onde nasceu em 1859 e morreu em1953), tendo estado de 1891 a 1899 na Índia portuguesa, como director do caminho de ferro de Mormugão, e como poeta, já de Florência de Morais  a informação conhecida  é muito escassa: editou dois livros: Vagas (Versos Camoneanos), Viseu, na Tipografia da Folha, em 1901, que adquirimos recentemente ao amigo Miguel Carneiro, da livraria Moreira da Costa, no Porto; e Vozes da Índia, impresso em Nova Goa, pela Casa Luso-Francesa, em 1907. E prefaciou ainda um de  Anna Ayala e Adolfo Costa, de Mãos Dadas, com a mesma data de 1907, em Nova Goa. Das colaborações literárias sabemos apenas na revista de arte e critica, Ave-Azul, publicada entre 1899 e 1900  em Viseu (e dela ainda esperamos transcrever algo),  dirigida pelo inspirado e dinâmico casal Carlos de Lemos e Beatriz Pereira, precisamente a amiga sábia (que na revista, escreve um poema Psyche sob uma epígrafe da tradição Órfica) a quem dedica, com humildade, certamente um traço valioso de Florência, Vagas (Versos Camoneanos): «À minha carinhosa amiga D. Beatriz Pinheiro. Modesta homenagem à sua bondade e ao seu talento -.»

Referências a Florência de Morais há ainda  de um dos filhos de Higino da Costa Paulino e de Maria Helena Noronha, e sobrinho de Fernando Leal, o capitão António Noronha,  no seu livro Relembrando Goa: «Morávamos então numa velha e grande casa apalaçada do engenheiro Assa Castelo Branco, que foi casa solarenga, nos antigos tempos, dos Távoras, e onde hoje, dizem, foi construído o belo Hotel Mandóvi. Deram-se lá belas festas, «serões» e bailes que marcaram na sociedade de Goa desse tempo. Recitava-se, cantava-se, tocava-se e bailava-se também animadamente. Recitavam-se versos dos poetas Osório de Castro, Álvaro de Castelões, Fernando Leal e da poetisa Florência de Morais. E também do meu pai, que «dizia» maravilhosamente».  

E, mais à frente no livro,  sentindo a nostalgia em Lisboa desses tempos do fim da presença cultural e convivial portuguesa na Índia, refere-a de novo: «E outros pensamentos surgiam agora como dobres a finados.... como aqueles queixumes, ditos em versos por homens bons e sábios da portuguesíssima têmpera que eu muito admirava e que se reuniam de quando em quando em casa de meus pais, em amenos serões, tais como o velho Barão de Combarjua, tão acertado no seu dizer, o literato Visconde de Bucelas, o escritor e historiador Frederico de Ayala, os poetas Fernando Leal e Alberto Osório de Castro, Dr. Fragoso, tão original na suas teorias e meu pai [Higino da Costa Paulino]... e mais tarde, o romântico e célebre Visconde de Castelões, Álvaro de Castelões, que provocou o falado "Ultimato", a poetisa Florência de Morais... e neles, nesses versos, traduziram a mágoa que lhes ia na alma por todo aquele abandono para o qual não viam remédio, nem esperança...».

É pouco para reconstruirmos um pouco que seja da personalidade e da criatividade de Florência de Morais. Contudo, na Ave-Azul, nº 5, uma revista literária e de crítica rica, abrangente, muito bem dirigida e alimentada por dois poetas e escritores de valor, Carlos de Lemos e Beatriz Pinheiro, com boa colaboração: os lusófilos em Itália e na Europa,  Antero de Quental (póstumo, mas até porque Carlos de Lemos era um anteriano, pois  recebera uma bela e profunda carta de Antero em Fevereiro de 1888 elogiando a sua poesia e iniciando-a na missão de poeta), Joaquim de Araújo, Eugénio de Castro, Fausto Guedes Teixeira,  Camilo Pessanha, João Lúcio, Lopes Vieira,  Philéas Lebesgue, Maria Veleda,  Alice Pestana, Magalhães Lima, Adolfo e Severo Severo, etc, etc, encontramos mais dados.

De facto, na tão valiosa revista Ave-Azul, muito apoiante da Liga da Paz, e do movimento de emancipação da Mulher (com críticas fortes ao Padre Sena de Freitas e mesmo a Maria Amália Vaz de Carvalho), conseguimos descobrir o seu apelido completo Florência Pereira de Morais, pois Beatriz Pinheiro anuncia e partilha no nº5 as primeiras colaborações de Amélia Jany e de Florência de Morais, desta um poema Vesperal, escrito em Vila Real na noite de Natal de 1898 e duma grande riqueza de cores, imagens e sensações, provavelmente grminação de algum pôr do sol que avistaria de Vila Real onde morava.

Fotografia do poema Vesperal, obtida da revista Ave-Azul digitalizada na Hemeroteca.

Também na 2ª série, nº 3, de Março de 1900, outro belo poema, invocador dos poderes da Lua, intitulado Vigília, pleno da sua empatia com a Natureza, grande amor e compaixão. E no nº 10-11, um muito extenso poema Breviário d'Amor, de Maio de 1900, como os outros escrito em Vila Real e com a mesma tónica de grande espiritualidade e amor, embora neste os versos reflictam já um amor intenso recíproco e em esperanças luminosas desabrochando. Oiçamo-la, apenas nas duas quadras iniciais,  cantar tão belamente a esperança do Amor, num poema que mereceria ser todo transcrito por alma devota:

«A Esperança do porvir é um lar novo
Onde dorme a sorrir a Felicidade;
Donde se avista o mundo todo em globo
aborto em santa espiritualidade.
 
É este o sonho meu, o teu, o nosso;
das nossas almas a elevada esperança;
onde fantasia teu coração novo,
e o meu de fantasiar se não cansa.»

Para concluir, no nº 12 da Ave-Azul, quando finda a magnífica aventura editorial, Carlos Lemos e Beatriz Pinheiro elogiam e agradecem a plêiade de colaboradores, destacam as pugnas pelos ideais da paz, da emancipação de mulher e da fraternidade e espiritualidade verdadeiras, não se esquecem de nomeá-la: «Diminuta, como era natural num país onde as damas por via de regra não se entregam ao cultivo de letras, a colaboração feminina, diminuta muito embora, foi honrosíssima, e para termos ensejo de a declarar, lhe guardamos para o fim a referência. Abrilhantaram as páginas na nossa revista: - em prosa: D. Ana de Castro Osório e a Dra. Sofia da Silva - em verso: D. Teresa Luso e D. Florência de Morais; - em prosa e verso: Maria Veleda» e, claro, Beatriz Pinheiro, com dezenas e dezenas de páginas valiosas.

Que o seu nome completo era Florência Júlia descobrimos pelas genealogias online e que foi casada com Augusto Pereira de Morais, 1º barão de Gouvinhas, certamente o inspirador ou co-autor do Breviário d'Amor. E através dum seu sobrinho neto, José Alberto Morais de Almeida, que ainda a conheceu, que ela era filha do Visconde de Morais e morrera entre 1949 e 1950. E que  recebia  inspirações de noite,  transcrevendo-as então à luz do candeeiro de azeite para que não se esfumassem. Também a notável escritora duriense Dalila Pereira da Costa me confessou fazer algo do género na calada noite, sob diminuta luz pois era onírica e de planos subtis a inspiração.

 Resta-nos agora lê-la no seu livro Vagas (Versos Camoneanos), onde nos damos conta que lera e meditara bem Camões mas também muito outros poetas, nem que fosse só pela valiosa revista Ave-Azul  notando-se na sua personalidade amorosa e compassiva o idealismo tanto perene como o contemporâneo de Antero de Quental  e a luta contra o Ultimato do imperialismo inglês e o desalento disso gerado, em Antero de Quental, por exemplo, talvez uma das causas do seu suicídio já que muito se empenhara na malograda Liga Patriótica do Norte.  No que  Florência Pereira de Morais nos confessa e poetiza, provavelmente nos seus vinte e cinco anos, sentimos a sua alma algo sofrida em ressonância com Portugal, consciente da dificuldade da  plenitudes mas firme no amor da Pátria-Mátria e do Bem e aspirando a mais Luz e Amor, clamando mesmo pela Iniciação da pomba ou do Espírito santo.
Transcrevemos sete sonetos dos vinte cinco que deu então à luz em Vagas e que passados mais de cem anos voltam merecidamente a permitir o singramento dos fiéis do Amor da Tradição Espiritual Portugal a que ela pertenceu e que em Camões teve um dos seus maiores mestres, e
com quem Florência Júlia se inspirou e se iniciou.
Oiçamo-la com a alma bem atenta e o graal do coração receptivo, pois a correnteza iniciática da poesia que se derrama ondulantemente, é um elo, um farol da Tradição a chamar-nos, a impulsionar-nos:
                                                      
                                                      I
Venho pedir à Alma sublimada
e grande e inatingível do Poeta,
na humilhação de mísera violeta
dum cedro olhando a coma, fascinada;
 
ou antes como areia sepultada
do mais profundo escolho em funda greta,
aspirando subir à onda inquieta
do mar na vastidão desenrolada;
 
a esmola dum suspiro, dum suave
adejo místico dessa áurea ave
da Inspiração, a Pomba iniciadora...
 
Porque eu sou pobrezinha; em desajuda
do Céu tenho vivido, em vida ruda,
sem bafejo da Vida-Criadora. 
 
III 
Tiveste um peito vasto onde, acendrados,
viveram sentimentos poderosos;
cantando ou batalhando, jubilosos;
por meigo Amor e pela Pátria ousados. 
 
Nas lutas que travaram enrijados
e mais no seu cuidado cuidadosos,
ao coração leal, mais fervorosos
se viam dia a dia acorrentados.
 
À pátria deste um escudo burilado
pelo fogo da Fé, com os primores
dum sentimento altivo, acrisolado.
 
Fundiste o oiro da alma e os fulgores
da tua mocidade no legado,
mas criando leais ressurgidores! 
 
IV
Sem ti, sem a tua obra alevantada,
- de sangue, ao fim da luta, tão escassa,
sucumbiria a lusitana raça:
a Pátria morreria escravizada.

Mas soava mui alta e mui ousada
a tua voz que as almas despedaça...
No peito onde vibrava, uma couraça
lhe cingia, p'ra luta receiada.

Em cada peito uma muralha altiva
fizeste levantar, destemerosa,
e renascer a antiga fé mais viva.

D'aí o vivo ardor, a nova idade,
enrijecendo a gente victoriosa
para exigir da Pátria a liberdade.
 
XVII
 Subir até à radical Verdade
Até ao nível da suprema Razão;
achar os fundamentos da Paixão:
- impossível à pobre Humanidade!

Mas entretanto, quem não lutar não há-de
em busca do ideal da perfeição?
Embora não se chegue à conclusão,
faz-se um dever dedicar-lhe a vontade.

Cada passo que atrás nos fôr ficando,
na selva escura do desconhecido,
é um facho de luz que vai entrando:

Um abismo em vida convertido:
E, do Futuro, os nautas esperando,
mais um farol em saudação erguido.

XXII
 Eu queria vibrar electrizada
da fantasia que arrebata os poetas,
embora fosse como as borboletas
pela chama cair estonteada.

Mas antes embeber-me fascinada
nas vibrações dos sons, de dor repletas...
Palpar... sofrer essas tensões inquietas
que vão à Dor, terna ou alucinada.

Descair no desmaio da ternura
em êxtase aéreo, elysial,
ou subir o calvário da tortura

escrava dum martírio sem igual,
para conseguir, se muita dor depura,
extremar, distinguir o bem do mal.
 
Dois dos sonetos não transcritos.

XXIII
Se com todo o calor que n'alma assiste,
na ânsia duma chama que a fascina,
bastasse a inaugurar uma doutrina
que fosse a remissão desta hora triste;

daria vida quanta em mim existe
latejando no cérebro - que o domina:
- ilusão levantada como ondina
que, enquanto a espuma dura, só subsiste.

Mas que onda efervescente - em almas fortes,
derrubando inimigas cohortes
na luta de atingir o seu ideal,

galgando pelos espaços do infinito,
mostra que, o que para muitos fora um mytho,
é na colheita o fruto mais real.

XXV
A ti, Camões, à tua Pátria amada
que minha é também e amo tanto,
oferta à minha alma o pobre canto
duma voz frouxa e pobre, mas ousada.

Se à minha invocação não for negada
da Graça-Iniciadora o meigo encanto,
de sob o gasalhado do meu manto
soará a fraca voz aviventada.

Seja a tua memória o meu auxílio
e a doce inspiradora, a mim sustendo,
dos páramos [alturas] da Luz, ao meu exílio,
 
benigna a remissão à culpa breve
de vir, desajudada, - «cometendo
o duvidoso mar num lenho leve».

Saibamos ler e meditar estes sonetos e neles nos religarmos «à grã-corrente» e, ainda que no «duvidoso mar num lenho leve», preservarmos firmes no Caminho. E saudemos particularmente os tertulianos na Índia, os participantes na tão valiosa quão esquecida (merecedora de quantos estudos e  congressos?) revista de Viseu Ave-Azul e especialmente Florência de Morais. Lux, Amor!
Delicada vinheta das Vagas do oceano Divino, florescendo na alma de Florência de Morais, de quem desejaríamos saber mais, nomeadamente da sua brilhante mas misteriosa passagem pela "Índia portuguesa".