Antero de Quental em 1864 publicou no jornal Século XIX,
de Penafiel, dos seus amigos Joaquim de Araújo e Germano Vieira Meireles, duas poesias de uma senhora, D. Henriqueta Elisa (que acabara de dar à luz o seu segundo livro, Lágrimas e Saudades),
antecedidas dum texto valioso sobre a Mulher, em especial a que
escreve.
Como tal escrito não se encontra ainda na web e hoje é o Dia da Mulher resolvemos transcrevê-lo do volume I, das Prosas, Coimbra, 1923, de um exemplar que pertenceu a António Alvim.
A Propósito de umas poesias de D. Henriqueta Elisa.
«Um nome de uma mulher purifica a página onde se escreve, como uma só planta de aloés purifica uma floresta inteira.
Os
dedos grosseiros da crítica não tem que ver com estas finíssimas,
impalpáveis teias de seda, suspendidas entre flores, onde o céu deposita
as pérolas dos seus rocios da madrugada. São invioláveis como o
mistério, porque são misteriosas como a verdadeira belezas estas
poesias, que as mulheres escrevem como nós choramos - quando as mulheres sabem chorar... como nós escrevemos.
-
Basta ter um coração. Um coração feminino! Não há princípio de estética
transcendental, a mostrar-nos o caminho do belo, como esta bússola de
oiro sempre virada para o Norte misterioso do sentimento.
A ideia do homem corre desatinada, como folha solta da árvore, impelida por aquele vento rijo e frio que se chama a Dúvida.
Mas a intuição da mulher,
como pomba que voa direita ao ninho, sem bem ver, sem bem saber como,
anima logo com a corrente de ar que a há-de levar ao último horizonte da
harmonia.
Quem
adivinha é a alma: a Sibila da humanidade, que prediz as quedas e as
tristezas do coração! a feiticeira do mundo, que deita as sortes e
ensina o caminho da felicidade perdida!
Como
é flor tudo o que cai da amendoeira em chegando a primavera, assim é
poesia e beleza a chuva de flores ou lágrimas, que a alma, sacudida pela
inspiração, deixa cair sobre o solo duro da vida.
Ora
na mulher tudo é alma. Um seu cabelo que o vento levasse correndo pelo
espaço, seria isso bastante para encher o Universo de mais espíritos do
que sonharam Milton e Klopstok. Um seu olhar, se o céu se despovoasse de
seus anjos, seria o bastante e povoa-lo de novo das suas miríades.
Eu
creio de fé na beleza destas poesias, que as mulheres escrevem com mão
trémula, todas inclinadas sobre os ecos mais íntimos o coração. A minha
poética, por mais larga que seja, tentando avaliar a extensão daquele
eter puríssimo, parece-me então tão disforme como um anão pesado e
curto, que pretendesse medir, pela medida dos seus passos, a distância
que separa dois astros no céu.
Não
batas numa mulher, nem mesmo com um ramo de flores - dizia a doce mas
profunda sabedoria do Oriente. Ora a crítica é um molho de espinhos.
Sintamos
a beleza destas poesias e não as discutamos. A arte, que discute e
pensa e estuda, pode deslumbra-nos com a irrupção dos seus esplendores -
mas só o coração nos sabe fazer chorar. -
Entre um frase e uma lágrima quem hesitará?...
Uma lágrima é a melhor poesia.
É esse o soberano poema da mulher - a Piedade.»
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Seguiam-se as duas poesias, Guia dos Túmulos, que lemos e comentamos, e Lembras-te.
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Lemos e comentámos o texto em dois vídeos de 5 e 20 minutos.
Agora por escrito deste texto juvenil de Antero
realçaremos algo do que ele diz do coração e da alma, níveis
interiores do ser em muitos aspectos coincidentes: o coração sensível como
bússola, pelos seus sentimentos e intuições, do Belo, do Bem e da
Verdade. E a alma feminina que adivinha ou intui, a partir do seu
sentimento e amor, por contraposição ao pensamento e à dúvida do homem, e
que se expande nas dimensões subtis próprias, ora no no campo unificado de
energia consciência que une todos os seres ora nas profundezas da sua
intimidade, onde escuta a voz interior ou os ecos que a inspiram no seu
caminho de medianeira entre a terra e o céu, como lhe chamará Antero de
Quental noutro dos seus três textos dedicados à mulher, A Influência da
Mulher na Civilização, de 1860-61.
Possa
esta missão de religar a terra e o céu, o corpo e o espírito, a Humanidade e a Divindade
desenvolver-se cada mais harmoniosa e livremente em todas as mulheres-almas da
Terra, libertas de tantas opressões masculinas políticas, sociais e religiosas. Ligação à 1ª parte de 5 m.:
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