domingo, 8 de março de 2020

Antero de Quental e a Mulher. "A Propósito de umas poesias de D. Henriqueta Elisa". Com vídeos.

Antero de Quental em 1864 publicou no jornal Século XIX, de Penafiel, dos seus amigos Joaquim de Araújo e Germano Vieira Meireles,  duas poesias de uma senhora, D. Henriqueta Elisa (que acabara de dar à luz o seu segundo livro, Lágrimas e Saudades), antecedidas dum  texto valioso sobre a Mulher, em especial a que escreve.
Como tal escrito não se encontra ainda na web e hoje é o Dia da Mulher resolvemos transcrevê-lo do volume I, das Prosas, Coimbra, 1923, de um exemplar que pertenceu a António Alvim.
A Propósito de umas poesias de D. Henriqueta Elisa.
«Um nome de uma mulher purifica a página onde se escreve, como uma só planta de aloés purifica uma floresta inteira.
Os dedos grosseiros da crítica não tem que ver com estas finíssimas, impalpáveis teias de seda, suspendidas entre flores, onde o céu deposita as pérolas dos seus rocios da madrugada. São invioláveis como o mistério, porque são misteriosas como a verdadeira belezas estas poesias, que as mulheres escrevem como nós choramos - quando as mulheres sabem chorar... como nós escrevemos.
- Basta ter um coração. Um coração feminino! Não há princípio de estética transcendental, a mostrar-nos o caminho do belo, como esta bússola de oiro sempre virada para o Norte misterioso do sentimento.
A ideia do homem corre desatinada, como folha solta da árvore, impelida por aquele vento rijo e frio que se chama a Dúvida.
Mas a intuição da mulher, como pomba que voa direita ao ninho, sem bem ver, sem bem saber como, anima logo com a corrente de ar que a há-de levar ao último horizonte da harmonia.
Quem adivinha é a alma: a Sibila da humanidade, que prediz as quedas e as tristezas do coração! a feiticeira do mundo, que deita as sortes e ensina o caminho da felicidade perdida!
Como é flor tudo o que cai da amendoeira em chegando a primavera, assim é poesia e beleza a chuva de flores ou lágrimas, que a alma, sacudida pela inspiração, deixa cair sobre o solo duro da vida.
Ora na mulher tudo é alma. Um seu cabelo que o vento levasse correndo pelo espaço, seria isso bastante para encher o Universo de mais espíritos do que sonharam Milton e Klopstok. Um seu olhar, se o céu se despovoasse de seus anjos, seria o bastante e povoa-lo de novo das suas miríades.
Eu creio de fé na beleza destas poesias, que as mulheres escrevem com mão trémula, todas inclinadas sobre os ecos mais íntimos o coração. A minha poética, por mais larga que seja, tentando avaliar a extensão daquele eter puríssimo, parece-me então tão disforme como um anão pesado e curto, que pretendesse medir, pela medida dos seus passos, a distância que separa dois astros no céu.
Não batas numa mulher, nem mesmo com um ramo de flores - dizia a doce mas profunda sabedoria do Oriente. Ora a crítica é um molho de espinhos.
Sintamos a beleza destas poesias e não as discutamos. A arte, que discute e pensa e estuda, pode deslumbra-nos com a irrupção dos seus esplendores - mas só o coração nos sabe fazer chorar. -
Entre um frase e uma lágrima quem hesitará?...
Uma lágrima é a melhor poesia.
É esse o soberano poema da mulher - a Piedade.»
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Seguiam-se as duas poesias, Guia dos Túmulos, que lemos e comentamos, e Lembras-te.  
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Lemos e comentámos o texto em dois vídeos de 5 e 20 minutos. 
Agora por escrito deste texto juvenil de Antero realçaremos algo do que ele diz do coração e da alma, níveis interiores do ser em muitos aspectos coincidentes: o coração sensível como bússola, pelos seus sentimentos e intuições, do Belo, do Bem e da Verdade. E a alma feminina que adivinha ou intui, a partir do seu sentimento e amor, por contraposição ao pensamento e à dúvida do homem, e que  se expande nas dimensões subtis próprias, ora no no campo unificado de energia consciência que une todos os seres ora nas profundezas da sua intimidade, onde escuta a voz interior ou os ecos que a inspiram no seu caminho de medianeira entre a terra e o céu, como lhe chamará Antero de Quental noutro dos seus três textos dedicados à mulher, A Influência da Mulher na Civilização, de 1860-61. 
Possa esta missão de religar a terra e o céu, o corpo e o espírito, a Humanidade e a Divindade desenvolver-se cada mais harmoniosa e livremente em todas as mulheres-almas da Terra, libertas de tantas opressões masculinas políticas, sociais e religiosas.
Ligação à 1ª parte de 5 m.:
                    

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