domingo, 16 de outubro de 2016

Tarot XVI. O Raio, a Torre, a Casa de Deus. Significado dos seus arcanos, consciencializações energético-espirituais.

O arcano XVI, a Casa de Deus, ou a Torre fulminada, ou o Raio, nesta carta (e sem nome) de uma das versões mais antigas do Tarot, o milanês Visconti-Sforza, desenhado por volta de 1450, que se encontra na colecção Cary-Yale, mostra-nos uma energia celestial a abater uma torre e a precipitar as pessoas no solo, transmitindo-nos, entre outras sugestões ou mensagens que, subitamente, uma desgraça, uma tempestade, uma guerra pode desabar e devemos estar preparados ou saber lidar com tal. Ou que devemos consciencializar-nos e ter cuidado ou zelo com o nosso corpo e com as nossas edificações exteriores e interiores, e logo com os nossos actos, e as construções ou casas anímicas onde vivemos de sentimentos e pensamentos, de modo a antevermos se estamos a causar ou a provocar a queda delas e de nós próprios, e ainda se conseguirmos cair ou sair correctamente.
A representação dum tipo de fogo, labareda ou raio que desce dos céus e quebra o cimo, as ameias ou a coroa de uma torre, projectando dois seres, ou uma dualidade (homem-mulher, rico-pobre), para o solo, num primeiro nível de hermenêutica, recorda-nos as leis da causa e efeito (karma), e da impermanência e mudança, pelo que devemos constantemente saber observar o que se está a gerar no mundo, e igualmente julgar-nos e avaliarmos a solidez e a justeza tanto das fundações, acções e oposições, como das ligações aos seres, aos elementos, ao mundo físico, subtil e espiritual Divino.
Nas representações mais antigas francesas (Noblet e Vieville), que vieram condensar-se na versão definitiva do Tarot de Marselha, é mais a torre ou a árvore que são destruídas e não as pessoas, pois estas têm apenas de sair delas e escapam, provavelmente simbolizando a necessidade de não deixarmos limitar e aprisionar em confortos ou protecções mas sabermos sair das rotinas, posses e identificações para nos renovarmos e evoluirmos.
Court de Gebelin, um dos primeiros escritores ocultista e maçónico a escrever sobre o Tarot, em 1773, considerou esta carta  um aviso contra a avareza, já que o que cai de uma torre-depósito é moeda, ouro, dinheiro, e relacionou-a com uma história contada por Heródoto de um príncipe egípcio, país que ele considerava ser (algo infundada ou incomprovável) a origem do Tarot. Outras hipóteses históricas ou míticas foram também apresentadas.
Numa versão diferente, nos Tarots italianos da Etrúria, os Minchiate, com maior número de arcanos, realça-se a mulher, ou talvez a parte feminina da totalidade dual humana, a sair apressada de uma torre em queda ou em fogo, levando atrás de si um homem, ou seu par, e com as mãos apontando para o fogo celestial, o qual parece cumprir uma função purificadora e os obriga a sair de um estado ou de uma estabilidade pouco evolutiva, petrificante ou mesmo desagregante. É então um fogo renovador e a imagem não tem de ser temida, pelo que numa consulta  é necessário intuir bem o que envolve uma pessoa ou situação e que se deve aconselhar...
É pois um arcano de mudança e de renovação, para equacionarmos os nossos conservadorismos, excessos, teimosias e posições menos equilibradas face às que serão as mais justas, fundamentadas e adequadas à dinâmica nossa, individual ou colectiva,  com o ambiente natural, social, mundial, espiritual e Divino, por vezes surgindo bastante desafiante ou mesmo atemorizante e obrigando os seres a darem o melhor de si....
Num Tarot francês dos finais do séc. XVII, o arcano mostra-nos uma cena que pode ser a ocorrência de uma trovoada no campo, num panorama bem mais natural e com um raio vindo da nuvem-céu-sol a cair sobre uma árvore, junto a um pastor de mãos abertas para o alto, talvez como sinal de oração ou de entrega confiante, mais do que de espanto, com o seu rebanho ali perto. 
Poderemos pensar que a iconologia desta versão de novo nos lembra ou adverte dos possíveis karmas e acidentes, pondo-nos em guarda acerca das nossas falsas seguranças ou confianças, ou ainda nos nossos apoios, ou sob quem nos protegemos, já que mesmo as grandes e seguras árvores, em casos de tempestade, podem acabar por servir de pára-raios atractivo perigoso...
Por detrás deste arcano podemos, no nível psíquico colectivo, intuir tanto entidades invisíveis como as egrégoras (coalescências energéticas, ou ainda almas colectivas) e os psicomorfismos dinâmicos, ou seja, as ideias e crenças, as doutrinas e grupos que gostamos e logo alimentamos, os quais por seus defeitos, ou por excesso de confiança, submissão ou dependência nossa, podem ora cair energeticamente sobre nós e ferir-nos, ora desequilibrar-nos e fazer-nos tombar. Ou podemos ainda ler o aconselhamento a sairmos de um hábito, situação, mentalidade ou grupo, que não é o mais indicado para o nosso estado potencial no caminho evolutivo....
Há todavia na simplicidade e à vontade do aldeão, perante o raio que cai e o trovão que se ouve, a sugestão que devemos aceitar com naturalidade os acidentes e desastres naturais, ou o que acontece na sua inevitabilidade, vivendo-se uma vida trabalhadora, harmoniosa e meditativa e, logo, ora previdente ora então da melhor adaptação possível a tais súbitas ocorrências ou mesmo estados calamitosos...
No Tarot de Marselha, o nome dado a este arcano é A Casa de Deus remetendo-nos para uma intenção ou um estatuto sagrado, que é tanto exterior como interior, o qual não estaria a ser cumprido, no todo ou em parte, por alguns ou por muitos, como se pode deduzir das partes, pessoas e dinheiro do edifício que são destruídas ou arremessadas para fora... 
Será que a Casa de Deus quer lembrar-nos que qualquer construção, corporação, função (e logo as pessoas) e instituição deve estar ligada ao Todo, ao Bem, ao Divino, sob pena de poder ser abalada ou deitada abaixo?
Certamente, pois se a lâmina do Diabo nos alertava para não nos deixarmos prender por medos e instintos, frustrações e paixões violentas, a Casa de Deus avisa-nos que a Justiça Cósmica, a Providência Divina agem a qualquer momento e põe em causa as fundações, acções e aspirações incorrectas, ou os falsos paraísos, fazendo as pessoas caírem tanto em si como no solo da realidade, já despidas (ou para que se dispam) de tais excessos e avarezas, arrogâncias e violências e, no fundo, como que obrigando-as a libertarem-se.
É portanto um arcano que nos impulsiona a julgar-nos ou a avaliar-nos em vários aspectos a fim de discernirmos como poderemos harmonizar-nos melhor com ambiente, o campo unificado de energias e consciências em que vivemos e que em tantos níveis interagimos ou somos influenciados, mais ou menos conscientemente.
Já na versão do Tarot de A. Edward Waite (o livro na imagem anterior), realça-se o isolamento, a altitude desmesurada, a fundação pouco sólida, a hibris ou ambição arrogante que move seres, grupos e países, os quais acabam por ser castigados ou, se quisermos, impulsionados a corrigirem-se pela lei do karma e da Providência, através de vários tipos de perturbações, pois o que se semeia no exterior também se colhe no interior. A cena internacional tem certamente múltiplos casos deste emaranhamento causal vibratório, embora se tenda a separar tudo e não haja um discernimento como um país que bombardeia, oprime e interfere constantemente nos outros acaba por se tornar um monstro imperialista pesado na aura planetária e que fatalmente algumas das suas torres irão tombando aqui e acolá, dentro e fora. Não é pois por acaso que a violência doméstica dos USA é a que apresenta maior mortalidade mundial, e para tal tanto a iliteracia, as desigualdades sociais, o racismo e sobretudo a facilidade em se adquirirem armas sejam determinantes...
Arthur E. Waite propõe que esta carta seja ainda um aviso contra a materialização da espiritualidade, um fenómeno a que assistimos crescentemente com a edificação e desenvolvimento de grandes igrejas, seitas e corporações, frequentemente exploradoras das pessoas e materializando a espiritualidade em crenças literais e por vezes falsas dos textos, em emocionalismos e curas grupais de auto-sugestão algo contagiosas, em práticas e feitos mitificados e exageradamente valorizados. Por fim, acrescentemos as milhares de fantasiosas iniciações, mediunidades, contactos, canalizações e curas a que se entregam tantos pseudo-instrutore(a)s ou mestres, arrastando ou enganando e confundindo muita gente incauta ou pouco conhecedora, assim desviada do seu Caminho real por um tipo de carnaval da nova Era, perigo que três lúcidos mestres do séc. XX apontaram: Bô Yin Râ, Renè Guénon e Julio Evola.
Um desenhador do Tarot, e do XVI arcano, fabuloso...
Com efeitos, a materialização ou a mistificação da espiritualidade gerada por pseudo-canalizações, por ensinamentos duvidosos ou de fraca qualidade, os quais por vezes são vendidos a preços bem caros, fazem  a Casa de Deus tornar-se uma Torre  de egos e vaidades, falsidades e obsessores, a qual precisa de ser fulminada ou transmutada....
Esta lâmina alerta-nos portanto para termos cuidado com os grupos e práticas a que nos ligamos e também com as ideias e doutrinas que coroam as edificações psíquicas e físicas nossas e dos que nos rodeiam e que, sendo erradas ou injustas, nos aprisionam e que terão de ser mais tarde ou mais cedo abaladas ou destruídas,  por vezes tendo nós de cooperar corajosamente nessa denúncia dos falsos pastores ou gurus, e tantos são os que nos rodeiam, ainda que muitos seguidores...
Se nos arcanos ou trunfos anteriores não havia indicação de forças fulminantes ou destruidoras provindas da Terra, e que causam os terramotos das casas e pessoas, esta versão da Torre, no Tarot de Aleister Crowley, denominada A Guerra, tem uma maior amplitude de causalidades destruidoras mas também transformadoras, realçando-se ainda nas pessoas, que caem da Torre guerreira, a sua desumanidade corporal, como que quadriculadas e postas em figuras esquemáticas e geométricas. 
As guerras (sempre violentas e a evitarem-se) e os acidentes naturais podem ser vistos no seus aspectos positivos como processos causando a detenção de pessoas maléficas-criminosas e a destruição de estruturas injustas, obsoletas, opressivas, ou seja, processos temporários e transmutadores, nesta versão do Tarot sendo tal sugerido tanto pela serpente da prudência e da energia ascensional interna, como pela pomba da pureza e da paz, tudo sob a omnividência Divina. e o Seu olho que vê tudo.
A Casa de Deus alerta-nos, poderemos ainda dizer por outra face do prisma, para a necessidade da abertura e desenvolvimento do nosso olho espiritual, sob as bênçãos dos mestres e da Divindade e para uma Humanidade que se deseja mais pacífica, fraterna e sábia. Devemos sair da nossa preguiça, nomeadamente de rotinas, sono e  sonhos, para despertar a nossa ligação íntima espiritual e, simultaneamente, através da concentração do pensamento e da acção, contribuirmos para causas que melhorem  o discernimento, claridade e felicidade das pessoas e do mundo.
Terminemos a nossa visitação deste arcano XVI, como orientação anímica a partir de uma cultura arquétipa e iniciática (e em especial no dia 16 de cada mês), com duas versões bem modernas e simples, uma sobretudo ecológica e optimista de cariz utópica, pois o que predomina é a exuberância colorida e fecunda da Natureza, em contraste com a Torre edificada egoística, artificial e desarmoniosamente e que por isso é  abanada ou destruída pelo conjunto das forças da Natureza, do Cosmos e da Providência, ou o Dharma indiano, no que pode acontecer seja numa calamidade exterior seja até numa revelação, êxtase, súbita abertura à Luz da Verdade, a qual pode atingir-nos como raio destruidor das nossas concepções ou rotinas obstaculizantes e que nos cegam ou ensombram...
                                         
Há certamente na intencionalidade de quem concebeu e desenhou modernamente este arcano o objectivo de nos fazer religar mais à Natureza, sairmos das cidades e dos seus edifícios e ambientes, por vezes tão estreitos, poluídos e opressivos, ainda por cima tão densificadas e manipuladas pelos meios de informação, com o Covid e suas vacinas, por exemplo, tão excessivamente atemorizadores, e pelas correntes do pensamento quotidiano, bem em contraste com a vida e o trabalho no campo, onde as forças e Espíritos da Natureza (tais como os duendes, fadas e devas) se manifestam mais, desvendando-se por vezes até em ventos, nuvens ou visões, e ajudando a tornar-nos mais plenos e felizes, numa Terra cultivada cada vez mais biológica, ecológica e justamente e, logo, mais amada, bela e salutar, qual a Terra Lúcida da Tradição espiritual Persa, tão bem estudada por Henry Corbin no séc. XX.
Eis-nos agora com a versão muito sensível, bela e libertadora da Torre que nos é dada pela pintora búlgara Rumi Rilska,  a viver ora em Portugal ora na sua bela terra natal, na qual representou a alma humana conseguindo soltar-se da Torre dos medos e opressões que lhe são lançados ou impostos, no fundo o labirinto e a prisão desgastante da vida moderna no plano físico e no tão conflituoso séc. XXI, e que se eleva livre para os mundos da criatividade, da beleza e da espiritualidade, ou mesmo do Sol da Divindade.
Para irmos concluindo, relembremos o conhecido dito: "se caíres noventa e nove vezes, levanta-te cem", para aspirarmos e avançarmos na felicidade, no amor, na Divindade.
Para finalizar mesmo, uma visão ainda possível deste arcano, e tida há pouco numa intuição, é a de que por vezes, neste dia, ou na sintonia deste arcano, podemos  ouvir ou ser o fogo do amor, a luz clarificadora, a voz esclarecedora, que deita abaixo os muros e permite o ser e força íntima e verdadeira virem ao de cima.
Ou seja, sermos nós a conseguir contemplar, ou mesmo a fazer descer, ou ainda a irradiar, as libertadoras dimensões, forças e formas do céu e do espírito, da verdade e da justiça em nós e sobre situações e instituições, hábitos e doutrinas, quem sabe se no país, em uníssono com o Arcanjo de Portugal, ou no mundo, por vezes tão necessitado de diálogo esclarecedor e consenso justo e pacificante...  
Aum Shanti!

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