segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

Do Amor e do dia de S. Valentino. Uma pequena aproximação, para o ano da graça de 2022.

Emane flores e aves do seu ser e coração...

O dia de S. Valentino, um italiano santificado nos primeiros séculos, adquiriu a sua conexão de protector ou inspirador do amor humano a partir dos séculos XIV e XV, tornou-se a partir da generalização das imagens e postais dos meados do séc. XIX e no decorrer das últimas décadas na civilização ocidentalizada, um dia em que se celebra o Amor, em geral entre namorados, amantes ou casados, mão são mistérios se o Amor é um sentimento, uma energia, um princípio, uma ideia, ou mesmo a força por excelência e divina. E é tão, tão, tão rico de características, variantes, níveis, significados, metáforas, símbolos, imagens e representações que, fora da sua vivência pessoal e íntima, qualquer aproximação ou descrição do Amor é sempre como a da criança que quer vazar a praia para a sua cova na areia da orla do oceano.
                                            
                                     
 Geometria e aura subtil do coração...
Comemorar clara e dignamente o Amor nos dias de hoje, para além daquilo que dois seres que se amam mais exprimirão ou se ofertarão, é porém é t
arefa difícil, tal a quantidade de pontos opressivos do amor que escurecem a aura da terra, e fazem sofrer tanta gente. Comemorarmos demasiado ou apenas uma visão do amor romântico e egoísta, burguês, mesmo que com bastante cultura, estética e sentimento, pode ser uma traição ao verdadeiro Amor, que apela a que vençamos as trevas do ódio, da opressão, da ganância, da inveja, da prepotência que tanto ensanguentam a humanidade.
                                         
Quando escrevia este texto, sons vindos da rua e janela aberta sobre jovens valentinizando.
Haverá então que disc
ernirmos e denunciarmos alguns dos pontos fulcrais onde as forças mais negativas de anti-amor se exercem violentamente antes que possamos comemorar e invocar o amor humano, o amor terrestre, o Amor Cósmico, o Amor Divino.

Que pontos são esses, brevissimamente: o imperialismo do Reino Unido  e dos Estados Unidos da América norte-americano (tão arrogante, opressivo e vingativo em tanta parte, e lembremo-nos do lento assassinato anglo-saxónico e australiano de Julian Assange, um Cristo do séc. XXI), o do fanatismo racista e criminoso da Arábia Saudita e de Israel, os governos e agentes de autoridade super-opressivos e violentos da Austrália, França, Canadá e mais alguns, as ditaduras egoístas e gananciosas de bilionários e grandes corporações, nomeadamente as farmacêuticas e, finalmente, os jornais e meios de comunicação, na generalidade, no Ocidente completamente vendidos e logo manipuladores. De tudo isto resulta a predominância segmentos imensos populacionais mergulhados nas trevas da ignorância e logo massificados na banalidade de consu

mistas superficiais ou então, por reacção, extremizados ou radicalizados.

                                                           
Aquela Terra que muita gente de coração ou de bem desejaria, mas que a ganância e insensibilidade de uns poucos impede. Uma lástima, uma luta....

Lutemos então e oremos pela justiça, o conhecimento, luz, a paz, o amor em tais seres e povos tão subjugados pelo egoísmo, consumismo, racismo, imperialismo, autoritarismo, ou seja, pelas trevas, o ódio, a crueldade, a vingança, o mal, que existem em potencial em todos os seres e fora deles enquanto entidades demoníacas (pouco reconhecidas ou aceites nos dias de hoje), e mais manifestadamente em alguns mais insensíveis ou cruéis, criminosos ou assassinos.

Os espíritos da natureza, nomeadamente os anões, ainda existem, em verdade...

Passada esta parte dolorosa do panorama vivencial politico-social e que na realidade se afigura bem difícil de se vencer, aproximemo-nos da Natureza e do templo do Amor, mas pouco  devemos dizer pois ele é sobretudo uma vivência interna, uma demanda espiritual, uma construção interior, uma dádiva permanente irradiativa e apesar dos milhões de sermões ou declarações que o proclamam na realidade são apenas em geral palavras e leves sentimentos que se agitam, as pessoas pouco vibrando verdadeiramente no Amor todo poderoso...

                                                                       
Bem poderosa imagem da irradiação do Amor divino num ser. Algo, contudo, exagerada...

Busque então o amor no seu trabalho bem executado, no mais profundo de si (quando ora, medita ou contempla),  no encontro e diálogo verdadeiramente amoroso e unitivo com outro ser, com os seus familiares e amigos, e na sintonização ou religação com os espíritos da natureza, os guias, o seu mestre e os anjos dos planos subtis, ou mesmo com a Divindade em ou através de algumas das suas Faces ou Nomes invocadores que mais sinta afins e operativos.

O culto do chakra do coração como fonte especial do Amor foi grande na devocionalidade cristã

Ommm  Vishnu Narayana....

É por aqui que o amor se desperta e se intensifica mais e só posso desejar que neste dia por algum destes modos consiga chegar a despertar e a sentir mais o fogo do amor poderoso brotar do seu espírito e alma em comunhão com o que seja, ou quem seja, ou com o Todo, e não se deixe tanto manipular e subjugar. Viva o Amor libertador!

Emanação do Sol Primordial, por Bô Yin Râ...

Sabedoria Persa (13): "Ao deitares-te determinado no caravanseray, dormirás bem", comentado por Pedro Teixeira da Mota. E música de Loreena McKennitt: Caravanserai.

    

             «No albergue (caravanserai) da decisão,
           as pessoas dormirão bem.»

1º comentário: Conseguires determinar-te correctamente, após uma cogitação ou reflexão vasta e sensível, permitirá que durmas descansado e que viajes mesmo na direcção afortunada da decisão, algo que poderás sentir pelos sonhos e suas compreensões e,  depois, pelas decisões que tomarás e implementarás no dia seguinte.
Sabermos adormecer como qu
e numa estalagem ou caravanserai, que nos acolhe na travessia do deserto, e nos dá água fresca, cama, repouso e tempo para oramos e meditarmos, será meio caminho andado para resolvermos as nossas indecisões.

Avance bem luminosamente na caravana da vida, sabendo repousar nos albergues ou caravanserais.
Embora seja um provérbio citado e ilustrado da sabedoria persa ou iraniana (mas pouco interpretado), encontramos paralelos na tradição portuguesa, tal quando se fala de adormecermos para sermos inspirados pelo Espírito Santo do travesseiro, ou mesmo o Espírito Santo de orelha. Ou seja, que ao adormeceres tenhas criado um ambiente, pela oração ou meditação, que te harmonize de tudo o que se passou no dia e que te prepare o melhor possível para o sono e de sonhos, ou mesmo meditações, donde possas renascer ou acordar inspirado para o novo dia.

É um belo dito da sabedoria iraniana que tem também afinidades com a tradição pitagórica, que tanto recomenda, antes de adormecermos, meditarmos e revermos o dia, para assim, consciencializando-nos dos nossos erros, dúvidas ou esperanças, possamos semear nos sonhos e na disposição ou decisões do novo dia o melhor para ele, bem como a mais alta evolução espiritual possível nossa e dos outros seres. E então a grafia também utilizada de caravenseray, a terminar com o Y pitagórico da escolha certa para a via mais ascendente ou luminosa, deverá aqui e agora ser realçada...

Saiba usar bem o seu relativo livre arbítrio...

2º Comentário: O que é dormir bem? Não é necessariamente dormir de seguida, ou como um pedregulho que não se lembra de nada. Pode-se ter tido vários sonhos, acordado por mais ou menos tempo, o que para uns menos sábios seria uma insónia, e contudo tudo isso servir para se gerar mais claridade e discernimento no nosso cérebro e alma, de modo a que que as melhores decisões sejam tomadas e implementadas, e assim avançarmos sábia e harmoniosamente...

Convivência fraternas de almas peregrinas em satsangas imemoriais nas caravanserais

A própria estrutura do histórico albergue iraniano, com mais de 2.500 anos (e bem mencionado por alguns dos nossos viajantes dos Descobrimentos, tal António Tenreiro ou Pedro Teixeira), e que é hoje património mundial da UNESCO,  o caravanseray (de caravan- grupo de viajantes, e seray - habitação), tão frequente nas estradas e ligações através da Pérsia (tal a estrada Real ou a rota da Seda), aponta para este objectivo, já que em geral é uma construção com quartos para os peregrinos ou viajantes (outrora e seus animais, de fora) poderem descansar e recuperar e que tem no centro do quadrado, rectângulo ou círculo um pátio grande onde por vezes  se encontra a água ou poço, sempre bela imagem da fonte energética e espiritual da vida, a própria Divindade, ou que seja, das suas bênçãos e fortuna que se derramam, para as almas peregrinas  que demandam, merecem e  precisam...
                                       
Saibamos pois adormecer e atr
avessar a noite no caravanseray dos peregrinos ou amigos e amigas de Deus e, quer dormindo, sonhando, orando, meditando ou pensando, recebamos as melhores bênção para a jornada seguinte, em geral começada até sob a Aurora, Husa, ou Usha, na tradição proto-indo-europeu indiana e iraniana, tão cultuada como face refrescante e entusiasmante da Divindade no globo terrestre, tal como  sentem os peregrinos das grandes rotas, seja de Isfahan ou da Seda, de Santiago ou de Fátima...

Pintura de Bô Yin Râ... E segue-se música de Loreena dedicada à caravanserai:

                    

domingo, 13 de fevereiro de 2022

Sabedoria Persa (12), Omar Khayyam, Não sejas apenas uma sombra vã. Um ruba'i, ou quadra, comentada por Pedro Teixeira da Mota.

                                      

Esta quadra de Omar Khayym  será em geral interpretada no sentido da ilusão e evanescência do mundo e dos seres, podendo despertar várias associações na cultural anima mundi nossa, tal como uma primeira, a da famosa roda da Vida, ou roda do Destino, ou como Omar Khayyam lhe chama ainda a Roda dos Céus, que gira, gira e ora nos faz descer em desgraças e dificuldades ou elevar em ganhos e realizações.

Ou ainda à Deusa Fortuna, que rola sobre a esfera do mundo ao sopro dos ventos, ora bafejando-nos nos momentos de êxito ora abandonando-nos numa tempestade e naufrágio. Contudo, a imagem que nos brota logo directamente é da lanterna mágica, a antiga predecessora da maquina de projectar filmes: O Sol, ou a Fonte de Vida emana raios luminoso para o  écran do mundo ou, noutra imagem, para as paredes da sua esfera roladora, e nós somos apenas evanescentes imagens ou sombras que aí passam, sofrem, amam e desaparecem.

«Esta roda sobre a qual giramos
É semelhante a uma lanterna mágica.
O Sol é a lâmpada, o mundo o écran,
Nós somos as imagens que passam.»

Comentário:
Encontramos então nesta quadra o sábio às voltas com os enigmas e mistérios do Universo e como tudo parece sombra e ilusão, algo muito patente entre nós noutro poeta que oscilou entre a gnose e a descrença, e também cultivou o vinho como meio alquímico, Fernando Pessoa, e que tanto traduziu quadras de Omar Khayyam como  escreveu as suas próprias, para além de em muitos poemas denotar tal influência e nem tanto na linha do vinho do amor mas mais da consciência da sombra e sonho que é a vida...
Encontramos na versão maturamente preparada por Fernando Couto e bem prefaciada (embora tingida de certo agnosticismo e pouco conhecimento da essência sufi) por Eugénio Melo e Castro, pequenas variantes de tradução deste ruba'i, o nº115: 
«Esta abóbada celeste, sob a qual nós vagueamos,
compara-o a uma lanterna mágica
de que o sol é a lâmpada.
E o mundo é a tela» 
 
Todavia, na realidade por outras quadras de Omar Khayyam vemos que ele sentiu que era no amor e no vinho material, afectivo ou espiritual que estava a chave que rodava a porta do coração, o "abre-te sésamo" bem pronunciado, e que nos faz comungar com a Unidade da vida divina ou, se quisermos e conseguirmos, mesmo com a Divindade íntima...
Poderemos então pensar que nesta quadra Omar Khayyam, dando conta do misteriosa origem e destino dos seres nos alerta para não sermos meras sombras evanescentes, mas que saibamos assumir a nossa vontade e livre arbítrio e conscientemente religar-nos tanto à nossa essência ou espírito que perdura e é eterna, como à Divindade, o Sol do Amor primordial, e logo agirmos na roda da vida como actores-autores responsáveis, despertos, lúcidos, amorosos e clarividentes.
É em outras «ruba'i»s que encontramos mais fundamentação para esta última hermenêutica espiritual transmitida, e esperamos apresentá-las e comentá-las brevemente. 
                                                 

sábado, 12 de fevereiro de 2022

Sabedoria Persa (11): "Agarra-te às cordas do vento". Dito comentado por Pedro Teixeira da Mota

 O  dito décimo primeiro, anónimo,  que os organizadores das Sources de Sagesse Persane, Eugen Hettinger e Cornelia Pechtota escolheram é mesmo muito concentrado, embora a sua pluridimensionalidade simbólica seja grande. Diz-nos muito simplesmente:

 «O náufrago agarra-se às cordas do vento.»

Comentário: Somos todos náufragos no Oceano da existência e por isso tentamos sobreviver nadando ou agarrando-nos ao que podemos. Assim na vida avançamos sós, ou dando as mãos aos outros, aos guias, aos astros, ao vento.
Qual a regra de verdade, ou de coerência, ou de objectivo no nosso navegar?
A de lutarmos por não soçobrar e antes a pura luz do Amor clarificar, alcançar e partilhar. 
As cordas do vento a que se podem agarrar as pessoas podem ter características, valores e eficácias diferentes. Quais são as mais fortes, firmes e seguras? 
Temos de conseguir discernir nos vários níveis da realidade em que navegamos quais são então esses laços que estabelecemos com o que nos rodeia e que implicam influências e interdependências.
A que recorremos mais quando adoecemos, enfraquecemos, duvidamos?
As cordas do vento é uma imagem muito bela, que nos remete para navegações míticas, aventurosas, de demanda, e em Portugal a tradição das viagens marítimas foi muito grande ao longo dos séculos, até a União Europeia ter consigo acabar com grande parte da frota marítima portuguesa. Mas até então, quantas navegações, tempestades, naufrágios, quantos seres agarrados pelas suas orações ao ventos desejados?
Seria necessário relermos a Peregrinação de mestre Fernão Mendes Pinto, ou as relações reais que Bernardo Gomes de Brito compilou na perene História Trágico Marítima para conhecermos e sentirmos esses momentos, em que pessoas, barcos e circunstâncias foram salvas pelas cordas e fios dos ventos e porventura por quem os sopra ou influencia.
A imagem que nos é oferecida como acompanhamento do dito "agarra-te bem às cordas do vento e da respiração-aspiração", de um cervídeo com asas, é bela e pujante, e impulsiona-nos a lançarmos as mãos e o coração ao mais alto possível, pois assim as asas crescerão e soprados, pela nossa respiração e aspiração alcançaremos a desejada comunhão...

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

Sabedoria Persa (10). Omar Khayyam, Respira alegremente o presente, antes que partas. Quadra comentada por Pedro Teixeira da Mota, com música: رباعیات خیام . استاد شجریان.

Eis-nos com a primeira quadra de Omar Khayyam, na antologia francesa das Sources de Sagesse Persane que temos comentado, uma quadra muito rica de significações, ao realçar como a respiração ou sopro está em constante acção e logo podendo ser usada na transmutação de estados afectivos e psíquicos, os quais frequentemente nos escapam ao controle, ou não são os melhores para as harmonias do campo unificado de consciência e informação mundial.
Omar Khayyam é neste poema um mestre espiritual instruindo-nos a estarmos mais conscientes da nossa respiração e como ela é o factor neutral e puro que pode alterar a balança das polaridades, ou pelo menos evitar que as soframos desequilibrada ou inconscientemente, apelando antes a conseguirmos sentir a alegria, a felicidade pura de vivermos no presente tão frágil quão divino do aqui e agora. Eis o ruba'i:

«Entre a fé e a descrença, a respiração.
Entre a certeza e a dúvida, a respiração.
Alegra-te no sopro presente onde vives,
Pois a própria vida está no sopro que passa.»
 
Há um espaço ténue frequentemente entre as águas claras e as escuras, entre a dúvida e a certeza, o amor e o ódio,  a luz e a sombra, o qual pode ser facilmente alterado pelas circunstâncias ou o calor de uma discussão. Discerne pois bem onde estás e respira com intensidade e o melhor possível, para estares em paz ou poderes mesmo alcançar valiosas, belas e verdadeiras interacções e realizações.
Entre o céu e terra corre uma circulação ininterrupta energética e consciencial que liga também o teu passado ou futuro e é só no presente que a tua plena criatividade se pode exercer nos sentidos mais libertadores possíveis. Respirar então bem o presente, senti-lo, desfrutá-lo, ajuda-nos a determinar-nos bem conscientemente, amorosamente, sabiamente.
Consultada uma versão em inglês, a de Justin Huntly McCarthy, dada à luz em 1889, e onde ele narra tanto as vicissitudes da primeira tradução ocidental, de 1858, de Edward FitzGerald, como a génese da sua paixão pelos Ruba'iyat de Omar Khayyam e logo da sua demorada tradução em prosa, encontramos a quadra da Antologia, no meio da XVI: «Only a breath divides faith and unfaith, Only a breath divides belief from doubt. Let us then make merry while we still draw breath, For only a breath divides life from death». Tal como lemos, o final recebeu um tradução do persa diferente da que transcrevi: «Gozemos enquanto ainda respiramos, Pois apenas uma respiração separa a vida da morte».
Podemos então de novo realçar o estarmos alegres na vida, o vivermos harmoniosamente, e sabermos até desfrutar a riqueza da respiração que nos anima, e neste sentido tantas práticas espirituais assentam em consciencialização e realização de diferentes tipos de respirações e energetizações possíveis.
Já na tradução de J. B. Nicolas, Les Roubaïates, editada na parisiense Seghers, em 1965, encontramo-la na quadra 20: «A distância que separa a incredulidade da fé é apenas a de um sopro, a que separa a dúvida da certeza é igualmente um sopro; passemos então alegremente este espaço precioso de um sopro, pois a nossa vida está separada da morte também pelo espaço de um sopro». Ou seja, despertemos e rejubilemos no presente e avancemos bem conscientes da preciosidade da respiração vital, amorosa e espiritual.
Omar Khayyam (1048-1131), nascido em Nishapur, no Khorasan, nordeste do actual Irão, foi um genial poeta e filósofo, matemático e astrónomo e a sua obra oscila entre o epicurismo e o espiritualismo, entre o cepticismo e a visão da unidade do Universo. Pouco após a primeira tradução ocidental ganhou grande reconhecimento nos meios  de vanguarda da época, tal o dos pré-rafaelitas e espalhou-se por todo o mundo, a Portugal também chegando, nomeadamente com Gomes Monteiro, Alberto J. Jardim, Fernando Pessoa, que traduziu algumas quadras e se inspirou para várias suas, Fernando Couto, A. César Rodrigues, Maria Alhiete Galhoz (com as suas Canções de beber - Ruba'iyat na obra de Fernando Pessoa) e Halima Naimova (Umar-i Khayyam. Ruba'Iyat, com cinquenta e uma quadras traduzidas directamente do persa), com estas duas almas luminosas e tão dedicadas à cultura tendo eu ainda dialogado algumas vezes. 
Discutir-se a espiritualidade mística sufi ou não de Omar Khayyam tem dividido, como a respiração-sopro da quadra, o campo dos especialistas, tanto mais que o seu primeiro tradutor considerava-o um epicurista, materialista e anti-religioso.  Destaquemos porém que um bom mestre da espiritualidade yogui tão afim da sufi, consagrou-lhe de 1937 a 1944 uma série de artigos que se tornaram em 1994 um tratado bem ilustrado. Nada mais nem menos que o autor da famosa e valiosa Autobiografia de um Yogi, o mestre indiano Paramahansa Yogananda: Wine of the Mystic. The Rubaiyat of Omar Khayyam. A spiritual interpretation, na qual considera que Omar Khayyam tinha uma elevada realização espiritual, assinalada pela sua visão interior e a ligação à Divindade ou ao Um. Esperamos um dia trabalhar e partilhar algo desta aproximação e visão, invocando as inspirações e bênçãos de tão grandes almas da tradição persa e indiana... Segue-se um vídeo com algumas quadras ou rub'iyat, bem musicadas e cantadas...

                          

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

Sabedoria Persa (9): um dito gentil imemorial, comentado por Pedro Teixeira da Mota...

A nona fonte da Sabedoria Persa encontra-se  também em muitos povos, e aconselha-nos a sermos mais gentis, a estarmos mais atentos a cada momento quanto ao que poderemos dar aos outros e ao mundo de melhor. O dito, como a maioria deles, foi comentado viajando num autocarro lisboeta, e acrescentado na transcrição.

«A delicadeza é uma moeda que enriquece
não a quem a dá mas a quem a recebe.»

Comentário:
O respeito,  a compaixão, o amor, a solidariedade e o sacrifício pelos outros são qualidades elevadas na espécie humana e são elas que mais fertilizam e aperfeiçoam a humanidade e, quando bem vividas e praticadas, dão luz às almas tanto dos que recebem como dos que dão.
O famoso dito da sabedoria indiana, tão próxima da iraniana, pela irmandade dos Vedas e do Avesta, de que "tens direito à acção que te compete mas não aos frutos dela" (Bhagavad Gita, 2.47), diz-nos algo neste sentido: o que fazes aos outros não te faz direito a ter frutos neles, não saberás se frutificarás neles, mas sobre a tua alma os efeitos das qualidades manifestadas caem imediatamente, embora por vezes imperceptivelmente. Tenta pois seres o mais cuidadoso e delicado e nestes tempos de redes sociais procura acautelares-te na crítica forte que possas achar que se deva fazer.
Ser respeitador e simpático com os outros, compartilhar ou acolher alegrias e dores com sensibilidade e paciência, prepara as almas para abraçarem e atravessarem as provações ou exigências que inevitavelmente se deparam no caminho da auto-realização espiritual e humana.
Que a tua alma e aura seja um tanque ou lago de montanha que recebe constantemente as energias do céu, pela respiração, a vista exterior e interior, os esforços, os sentimentos e os pensamentos, e as acumula, assimila, aperfeiçoa e irradia para todos os vales e seres da Terra, com delicadeza ou amor...

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

Sabedoria Persa (8), de Hafiz: um ghazal comentado por Pedro Teixeira da Mota, com música e voz غزل حافظ

Nesta oitava semente da Sabedoria Persa encontramos um excerto dum poema  de Hafiz em que, na sua linha de fiel do Amor, o vinho inebriante e alquímico é exaltado. A imagem ambiental é famosa, a da estalagem ou tenda, muitas vezes no deserto fora da vila, onde o vinho, proibido pela religião islâmica, era derramado, vinho  metáfora do amor que a secura e o formalismo da religião ou da vida social não conseguem frequentemente manter vivo, fresco, circulante. E assim os santos ou mais puros, ou que tal se consideram, pode ser que um dia tenham de pedir a uma mulher ou a uma prática mais mística, a graça ou vivência unitiva que lhes faltava do Amor.

«Receio bem que os santos,
que criticam os embriagados,
venham a ter de ir um dia
dizer as suas orações na loja de vinho»
 

A identificação com certos ideais, doutrinas, regras de vida, comportamentos se  leva a sentimentos de superioridade ou mesmo à condenação dos outros,  é certamente perigosa e nociva, ao estarmos a separar-nos dos outros e ao pensarmos que detemos a verdade, ou somos melhores ou mais puros
Ora a verdade é muito mais abrangente e misericordiosa, inclusiva e amorosa que as nossas limitações, preconceitos e zelos e por isso devemos tentar desenvolver mais o amor desinteressado, a abertura do coração, a aceitação do outro, da diferença e do que aparenta ser  erro, ou mesmo pecado, mal.
Na balança da alma, seja por julgamento externo seja por auto-avaliamento próprio, conta mais a abertura do  coração e a irradiação do Ser Divino que está em nós para os outros, do que a separatividade, a superioridade, o conhecimento, a posse aparente da razão ou da verdade.
Se te valorizas demais, terás fatalmente de ser humilhado e rebaixado pela vida. Como podes julgar tão facilmente os defeitos dos outros sem saberes das causas e dos processos em curso? Para quê criticares, discutires e tentares convencer o outro, se para isso ele não está preparado ou disposto?
Dar mais exemplos vivos, vivenciar, solidarizar-se, eis o caminho. 
Sê amor, sê tu próprio o estalajadeiro que fornece o vinho do amor fraterno e ao divino, que tanto o que critica como o que é criticado bem precisam...
Não te deixes prender demasiado em hábitos, padrões, valores de tal modo que percas tanto a capacidade de simpatia e amor adaptativo com o que te rodeia, como a capacidade de estares mais em amor provindo do teu interior, ou da reciprocidade da tua alma afim.