sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Jaime de Magalhães Lima. "As Doutrinas do Conde Leão Tolstoi". Biografia e apresentação digital da Introdução.

Jaime de Magalhães Lima, aveirense, anteriano, tolstoiano, vegetariano, pacifista, defensor da língua portuguesa, um dos mestres espirituais de Portugal... 
Jaime de Magalhães Lima (Aveiro, 15-X-1859 a 26-II-1936), cursou Direito em Coimbra e foi um dos grandes amigos de Antero de Quental, apesar de 17 anos mais novo, como ele ardendo pela justiça, a beleza e a Sabedoria, - a Santa Sofia -, tão exaltada na tradição russa -, por ela peregrinando até à Rússia, à Iasnaia Poliana de Tolstoi, o profeta da não-violência e da vida simples e religiosa, tornando-se um divulgador activo das potencialidades do pensamento de Tolstoi.
Casando-se com Maria do Cardal de Lemos Pereira de Lacerda Sant'Iago, de Condeixa-a-Nova, de quem teve um filho e duas filhas, viveu depois com as duas filhas, que o apoiaram totalmente, numa quinta, no Eixo, junto a Aveiro, onde seguiu as indicações que Tolstoi lhe passara de trabalhar mais com as mãos, conforme podemos ouvi-lo numa entrevista dada a António Cértima em 1922: « - Veja isto: a Vida depende-me dos calos que tenho aqui. Meço a minha felicidade, a minha paz – pelo trabalho que tenho e para que quero viver. Planto por ano mais de 2000 árvores. Tudo quanto vê por aí fora – e aponta a quinta que entra pela janela pelo topo das ramarias e perfumes das macieiras – é obra minha, graças a Deus. Planto árvores, muitas árvores, segundo as minhas preferências... Sou eu que as podo, que as limpo, que trato delas, enfim. Os pessegueiros, então merecem-me cuidados enternecidos: as suas flores dão-nos uma impressão viva de sangue – de corpo que se crucificasse, que se martirizasse por nós!... Faço arte com a terra como na página dum livro que escrevo. A quinta podia dar-me maior rendimento se eu não a submetesse aos meus intuitos de estética... tenho-a sacrificado muito à beleza. Mas não me arrependo. A minha arte, que é cristã, procura sempre Deus.»
Jaime de Magalhães Lima foi um ilustre escritor e participou em numerosas revistas, tais como a Revista de Portugal, Branco e Negro, a Atlântida, Pela Grei e no jornal mensal O Vegetariano, já que era convicto vegetariano, e deixou uma vasta obra de ensaísmo, traduções e poesia da qual destacaremos: 1886 - Estudos sobre a literatura contemporânea; 1889 - Cidades e Paisagens. (É nesta obra que descreve a sua viagem e encontro com Tolstoi); 1892 - As doutrinas do Conde Leão Tolstoi; 1902 - Vozes do meu Lar. 1908 - S. Francisco de Assis e seus evangelhos; 1909 - O ensino de Jesus : uma exposição simples (Tradução desta obra de Tolstoi): 1909 - A anexação da Bósnia e da Herzegovina pela Áustria (Tradução desta obra de Tolstoi); 1912 - O Vegetarianismo e a Moralidade das raças; 1918 - Do que o Fogo não queima. 1923 - A Língua Portuguesa e os seus mistérios. 1923 - O Côro dos Coveiros. 1926 - A arte de repousar e o seu poder na constituição mental e moral dos trabalhadores; 1931 - Dificuldades étnicas e históricas da insinuação do nacionalismo na arte portuguesa contemporânea; 1933 - O amor das nossas coisas: e alguns que bem o serviram.
Como a maior parte da sua obra está esgotada, apenas surgindo em alguns alfarrabistas, e tem bastante valor por vários aspectos, desde formais e estéticos a políticos e filosóficos, até à sua correspondência com Antero de Quental e ao facto de ser um dos mestres da Ordem Espiritual de Portugal, resolvemos partilhar a introdução feita em 1892 ao seu texto acerca das doutrinas de Tolstoi. 
Certamente que há aspectos ora datados ora exagerados, e sabemos que ambos foram bastante ascetas e austeros, talvez demais para os dias de hoje e por isso quando li o texto há alguns anos anotei-os, tal como os aspectos mais perenes e valiosos, dos quais algumas frases estão na legenda da imagem da página digitalizada...
A obra leva como dedicatória inicial: "À memória do meu querido mestre Anthero de Quental" e une assim estes três grandes seres, no anel das Três Graças...
Tolstoi. 
"Perguntamos se porventura não seguimos caminho errado e se o que ganhamos em riqueza vale o que perdemos em paz de espírito. Qual valeria mais - uma melhor distribuição dos bens da terra ou todas as descobertas científicas? A reforma económica ou a reforma moral? Ensinar o coração ou amontoar milhões?"
"Começamos a acordar dum pesado sono de embriaguez moral: uma nova Era parece abrir-se em que o Amor e o Bem terão o lugar que há pouco era dado ao Saber, à Riqueza e à Força..." 




Jaime de Magalhães Lima, profeta para o séc. XXI: "Só a Rússia se apresenta em condições de dar solução aos problemas da civilização contemporânea..." 
Fim da Introdução ou Prefácio à obra....

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Antero de Quental, os partidos e a revolução, visto por Sant'Anna Dionísio, na obra "A Sinceridade Política de Antero", 1949,


Sant’Anna Dionísio nasceu a 23-II-1902 no Porto e, formando-se em 1924 em Filologia Germânica na Faculdade de Letras do Porto, veio a tornar-se um notável e dinâmico pensador e escritor, professor e jornalista, tendo acolhido com profundidade o magistério de Leonardo Coimbra, de quem foi um dos principais e mais fiéis discípulos e divulgadores. O seu amor pela sabedoria, a cultura, a liberdade, a verdade e Portugal fê-lo gerar muitas obras até desencarnar em 5 de Maio de 1991, tendo eu ainda participado nas cerimónias fúnebres, pois convivera muito com ele na década de 80, com numerosos diálogos, palestras e almoços juntos, em sua casa, sob o olhar amoroso e lúcido de Leonardo Coimbra, pintado por Eduardo Malta...
Entre os pensadores que mais amou
destaca-se Antero de Quental  tendo escrito sobre ele: Antero, algumas notas sobre o seu drama e a sua cultura, 1934 (que António Sérgio utilizaria "sem vírgulas dobradas"), a Tentativa de definição do que talvez seja permitido chamar o fracasso de Antero, revista Seara Nova, nº 733-34, 1942, o Testamento Filosófico de Antero de Quental (antologia), com anotações, 1946, e A Sinceridade Política de Antero, 1949, este tenho sido acompanhado por uma polémica na revista Seara Nova.
E como as suas obras são raras de se encontrar, eis as páginas iniciais do último livrinho (in-8º de 80 páginas), sobre a sinceridade ou autenticidade da singularidade política e moral de Antero, escrito, como dissemos,  em  polémica com Manuel Mendes e Fernando Piteira, que puseram em causa tal valor e atacaram tanto Antero de Quental como Leonardo Coimbra e Sant'Anna Dionísio...
Reproduzimos parte da obra, sobretudo para os Anterianos e, no Facebook, para os amigos e amigas da página "Antero de Quental, escritor".
Destaquemos, além da fina e tão sensível compreensão psíquica de Antero de Quental expressa por Sant'Anna, a actualidade de algumas ilações, críticas e propostas de ambos, nomeadamente quanto à formação de grupos ou partidos, à transformação interior e exterior e ao valor da independência moral, filosófica e política...
Capa da obra, edição de autor. Sant'Anna Dionísio conservava exemplares de algumas das suas obra e pus alguns à venda no restaurante Suribachi, da Maria Arminda, onde organizei uma conferência com ele e a Dalila Pereira da Costa.
Dedicatória: "Ao Pedro Mota, como singela lembrança de uma boa quadra de convívios em grande parte anterianos, oferece Sant'Anna Dionísio," sem dúvida um filósofo na linha estóica e pitagórica, com bastante de maiêutica, ou diálogo interrogativo, como o mestre de Platão ensinara. A sua compreensão de Antero era funda, e diríamos mesmo que uma mesma linha passava por Antero, Leonardo e Sant'Anna, a dos ardentes interrogantes da Verdade, combativos em tal demanda mental, social e espiritual.
Foi Antero o grande espírito, sincero, transparente, inteiriço?
«A labareda fugaz da Liga Patriótica do Norte...»





«No meio desta impressionante consagração do Artista e do Homem, do homem de ideias e de acção, do asceta e do interventor, do poeta e do filósofo - para tudo dizer, do Homem que fez da sua vida um voto de interrogação sobre o valor da vida e o viveu em consequência.



«Um homem unanimemente considerado como um valor espiritual e moral de importância...»



«A nossa ideia é a seguinte: constituir grupos autónomos com um programa comum, independente de todos os partidos políticos»...

Do lento melhoramento íntimo de todos...


«o génio profético do pensamento de uma futura revolução mais coerente e lúcida...», continua sempre vivo, a apelar a todos...

Batalha Reis, no In Memoriam de Antero: «o Povo, a massa das classes dirigidas, foi sempre para ele, o único, o misterioso mas verdadeiro herói da História, entidade colectiva, mas orgânica e individual, que criara os Mitos, as Religiões, as Artes, as Epopeias e que, de tempos a tempos, em momentos fatais de crise, providencial e inconscientemente, substituía os Códigos e iluminava o mundo com revoluções férteis...»

«Consumi muita actividade e algum talento, merecedor de melhor emprego...»


  Como homem de acção, a nossa divisa é esta: crítica e reforma das instituições; paz e tolerância aos homens»