quarta-feira, 13 de setembro de 2023

Aleksandr Dugin e a visita do presidente da Coreia do Norte Kim Jong Un à Rússia, a convite do seu presidente Vladimir Putin.

A propósito da chegada de Kim Jong Un, o presidente da Coreia do Norte, ao Cosmodromo Vostochny, na Rússia, a convite de Vladimir Putin, para amplos diálogos e acordos, o notável ideólogo da libertação do Ocidente do jugo do excepcionalismo e liberalismo opressivo, Aleksandr Dugin, escreveu no próprio dia 13 de Setembro de 2023 uma mensagem que é simultaneamente uma visão actual da geo-estratégica da Humanidade e um dar as boas vindas ao presidente de um povo irmão, heróico na sua resistência, tal como também o são o Irão e a Bielorússia. Oiçamo-lo, a partir da minha tradução duma transcrição na rede social VK.com,  no seu estilo e mentalidade corajosa e desafiante:

«"A Rússia revoltou-se, mas continua a ser uma colónia": escreveu na sua conta do Telegram, Aleksandr Dugin apelando a que se aprenda com a República Popular Democrática Coreana.
Aleksandr Dugin acredita que a Rússia só pode realmente contar com a ajuda dos que estão a seguir o caminho da luta total contra o domínio do Ocidente. Aqueles que defendem seriamente a sua soberania, baseando-se numa visão própria soberana do mundo.
 
As rosas iranianas divinamente perfumadas de Isfahan e de Teerão...
É o caso do Irão, onde o primado dos valores e da cultura tradicionais sobre o liberalismo ocidental está proclamado. É o caso da Bielorrússia, onde o chefe de Estado é o garante da liberdade do povo e, por conseguinte, o inimigo do Ocidente.
É a Coreia do Norte, onde se seguem as ideias do Juche, que significa "soberania", "autossuficiência".
"O Ocidente e as suas pretensões à verdade devem ser rejeitados radicalmente. Como o heróico povo Juche e os sábios e firmes iranianos. Como os Bielorrussos afáveis e corajosos, fiéis à sua identidade", escreveu o filósofo no seu Telegram.
Na sua opinião, o Ocidente é digno apenas de ser um objeto de estudo, como uma borboleta ou um cogumelo. É apenas uma região, uma das províncias da Grande Humanidade. A Rússia precisa de uma descolonização profunda da consciência, de uma apropriada visão soberana do mundo.
"Rebelámo-nos contra o domínio ocidental, mas continuamos a ser uma colónia em muitos aspectos. Uma colónia mental. E não devemos hesitar em aprender com os que já percorreram um grande caminho heróico na senda desta sublevação.
Kim Jong-un, seja bem-vindo. O Extremo Oriente será agora [poderá ser agora mais]  livre", concluiu Dugin.»
 
  Entretanto saíram à luz do dia algumas das palavras iniciais do encontro do presidente da Coreia do Norte com o da Rússia, tal como a Tass.com, um dos poucos canais russos que ainda se pode ver no Ocidente "democrático", noticia:
«A República Popular Democrática da Coreia acredita que a Rússia está a travar uma luta sagrada pela sua soberania e segurança e Pyongyang apoia todas as decisões tomadas pelo Presidente russo Vladimir Putin, afirmou o líder norte-coreano Kim Jong Un durante as conversações com o seu homólogo russo.
"Actualmente a Rússia está a travar uma luta sagrada para proteger a soberania e a segurança do seu Estado, ao mesmo tempo que combate as forças hegemónicas que se opõem à Rússia", disse Kim, acrescentando que a sua visita chegou num "momento especial".
O líder norte-coreano manifestou o seu total apoio aos dirigentes russos. "Sempre apoiámos todas as decisões tomadas pelo Presidente Putin ou pelo governo russo", afirmou Kim. Segundo ele, Pyongyang está a tentar desenvolver ainda mais as suas relações com Moscovo.»
Horas mais tarde,  /TASS/ noticiou:  «O líder norte-coreano Kim Jong Un exprimiu a sua confiança de que o exército e o povo russos serão vitoriosos sobre a "cabala do mal" que enfrentam, que alimenta ilusões expansionistas, num brinde durante um almoço formal com o Presidente russo Vladimir Putin.
"Estamos confiantes de que o exército e o povo russos obterão inquestionavelmente uma grande vitória na luta sagrada para castigar a cabala maléfica com pretensões hegemónicas e que alberga ilusões expansionistas, e [vencer a luta] para se criar um ambiente estável para o desenvolvimento", afirmou o Presidente russo ao fazer um brinde no almoço com Putin.

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Message of Alexander Dugin, on 13 September 2023, writen on his Telegram chanel:
 "Russia has rebelled, but it is still a colony": Dugin urged to learn from the DPRK. 
Alexander Dugin believes that Russia can only really count on the help of those who are following the path of total struggle against the dominance of the West. Those who seriously defend their sovereignty, relying on a sovereign worldview.
This i
s Iran, where the primacy of traditional values and culture over Western liberalism is proclaimed. This is Belarus, where the head of state is the guarantor of the freedom of the people, and therefore the enemy of the West.
This is North Korea, where they follow the ideas of Juche, which means "sovereignty", "self-reliance".
"The West and its claims to the truth must be rejected radically. As heroic Juche people and wise and steadfast Iranians. As kind and courageous Belarusians true to their identity," the philosopher wrote in his Telegram.
In his opinion, the West is worthy only to be an object of study, like a butterfly or a mushroom. This is just a region, one of the provinces of the Greater Humanity. Russia needs a deep decolonization of consciousness, a proper sovereign worldview.
"We have rebelled against Western domination, but we are still a colony in many ways. A mental colony. And we should not hesitate to learn from those who have already passed a great heroic path along the path of this uprising.
Kim Jong-un, welcome. The Far East will now be free," concluded Dugin.»

Alexandre Dugin, com a sua filha e mártir Darya Dugin Platonova... Lux! Amor!

terça-feira, 12 de setembro de 2023

Hanieh Tarkian: o General Suleimani como exemplo de estratégia Multipolar. General Suleimani as an example of Multipolar Strategy.

                                        

                                      

Pelo actualidade do que a professora italo-iraniana Hanieh Tarkian,  na Conferência Global Multipolar, sob a inspiração de Aleksander Dugin, em 29 de abril de 2023, disse sob o tema O General Suleimani como exemplo de Estratégia Multipolar, resolvemos transcrever e traduzir as suas sábias e oportunas palavras a fim de contribuir para o alargamento ou aprofundamento da visão e compreensão de quem nos ler (paz, luz e amor nas almas) acerca do que se passou no Médio Oriente com o general Suleimeni e o que está a acontecer agora no mundo, nomeadamente a emergente multipolaridade fraterna e libertadora, que tem no BRICS, liderado pela Rússia, a frente futurante, a que se opõem os opressivos excepcionalismo norte americano e globalismo da nova Ordem mundial, liderada pelo Fórum Económico Mundial e a maioria dos governantes e políticos ocidentais.

  «Bismillahi ar-Rahmani ar-Rahim, 
 Em nome da Divindade todo compassiva e agraciadora.
 Salamun alaykum, a Paz esteja convosco.

 Obrigado por me terem convidado. Gostaria de começar por recordar os mártires do mundo multipolar, aqueles que lutaram contra o terrorismo militar e ideológico do Ocidente e dos grupos globalistas, e em especial o general Suleimani e Daria Dugina.
                                                  
                                                                     
A primeira coisa que gostaria de salientar é que a nova ordem multipolar já existe, já não estamos em transição.
Penso que foram alguns acontecimentos importantes que tornaram esta transição mais tangível: no Verão de 2015, o general Suleimani foi a Moscovo e, alguns meses mais tarde, a Rússia interveio na luta contra o terrorismo na Síria, ao lado do governo legítimo de Bashar Assad e das forças da Resistência, incluindo o Irão e o Hezbollah. Assim, creio que 2014, com o golpe de Estado na Ucrânia, e 2015, com a intervenção da Rússia na Síria, foram os anos em que a transição da ordem unipolar para a ordem multipolar se tornou mais tangível, com a Rússia e outros países a tomarem plena consciência de que o Ocidente não é fiável e as suas políticas são perigosas. Em particular, os mais de doze anos de luta contra o terrorismo, o qual é apoiado pelos países ocidentais e contra o qual lutam a Síria, o Irão, o Iraque, a Rússia e o Líbano, marcaram uma divisão no mundo, de um lado os países globalistas e belicistas e do outro os Estados que querem salvaguardar os seus interesses, a sua identidade e a sua cultura.
                                       
Deste modo existe ag
ora uma oportunidade para se reforçar a ordem multipolar, na qual a colaboração e o diálogo coexistem e não há necessidade de destruírem-se identidades culturais, religiosas e nacionais, como aconteceu na ordem unipolar. Se conseguirmos alcançar esta verdadeira colaboração, e não a colaboração globalista, será precisamente este tipo de colaboração que nos permitirá redescobrir a nossa identidade, bem como preservá-la e reforçá-la sem se sentir a necessidade de destruir a identidade dos outros, e vimos este tipo de colaboração no Médio Oriente com as forças da Resistência que lutam contra o terrorismo. Os grupos globalistas e belicistas queriam um estado perpétuo de instabilidade que lhes permitisse explorar e roubar os ricos recursos dos povos livres do Médio Oriente. No entanto, falharam no seu plano de conquista total desta região estratégica, bem como na imposição total dos seus interesses ao resto do mundo.
Para completar a realização da ordem multipolar é necessário unir forças e, para isso, podemos seguir o modelo da luta contra o terrorismo no Médio Oriente: de facto, ao criar unidade e colaboração entre as diferentes forças de resistência, o general Soleimani conseguiu mudar o que era o plano para um novo Médio Oriente, e lembramo-nos da ex-secretária de Estado Condoleezza Rice quando definiu o bombardeamento do Líbano por Israel em 2006 como "as dores de parto do Novo Médio Oriente", um Médio Oriente que teria estado ao serviço dos grupos globalistas e belicistas. 
Mas o general Soleimani, com as forças de resistência na Síria, no Iraque e no Iêmen, conseguiu deter esse plano, e não só isso: ele também encorajou a Rússia a envolver-se, e o seu desempenho foi decisivo na derrota do ISIS na Síria.
                                                      
A escola e o exemplo do General Soleimani podem ser um modelo para todos os povos: a escola ideológica de Soleimani conseguiu unir indivíduos de diferentes tradições religiosas e nacionalidades para combater o terrorismo e opor-se à hegemonia de grupos globalistas e belicistas.
Liberdade para o mártir Júlio Assange....
Não estamos já numa fase de transição, chegou a hora de substituir completamente a falsa Pax Americana pela verdadeira Pax Multipolaris. No entanto, lembremo-nos que, para isso, é necessário não apenas unir forças, mas redescobrir e consolidar as nossas tradições de identidade, assim como no Oriente Médio, onde muçulmanos, cristãos e outros grupos uniram-se na luta contra o terrorismo, que não é apenas militar, mas também ideológica. Muito obrigado!»
                                

                                    Coordinatrice del Master di Studi Islamici in italiano dell ...

General Suleimani as an example of Multipolar Strategy
«Bismillahi ar-Rahmani ar-Rahim
Salamun alaykum
Thank you for inviting me. I would like to start by remembering the martyrs of the Multipolar world, those who have fought against the military and ideological terrorism of the West and globalist groups, and in particular general Soleimani and Daria Dugina. 
                                             
The first thing I would like to point out is that the new multipolar order is already here, we are no longer in transition.
I think there are some important events which made this transition more tangible: in summer 2015 General Soleimani went to Moscow, a few months later, Russia intervened in the fight against terrorism in Syria alongside the legitimate government of Bashar Assad and Resistance forces including Iran and Hezbollah. So I believe that 2014 with the coup d'etat in Ukraine and 2015 with the intervention of Russia in Syria were the years in which the transition from the unipolar order to the multipolar order became more tangible, with Russia and other countries becoming fully aware of the West being unreliable and its policies dangerous. In particular, the twelve and more years of the fight against terrorism, which is supported by Western countries, and on the other side Syria, Iran, Iraq, Russia and Lebanon fighting against it, have marked a division in the world, on one side the globalist and warmongering countries and on the other side states that want to safeguard their interests, identity and culture.
So there is an opportunity now to strengthen the multipolar order in which collaboration and dialogue coexist and there is no need to destroy cultural, religious and national identities, as it happened in the unipolar order. If we manage to achieve this real collaboration, not the globalist one, it will be precisely this type of collaboration that will allow us to rediscover our identity, as well as to preserve and strengthen it without feeling the need to destroy the identity of others, and we saw this kind of collaboration in the Middle East with the Resistance forces fighting against terrorism. The globalist and warmongering groups wanted a perpetual state of instability as to allow them to exploit and steal the rich resources of the free peoples of the Middle East. However they have failed in their plan of total conquest of this strategic region, as well as in the total imposition of their interests on the rest of the world.
To complete the realization of the multipolar order it is necessary to unite forces and to do this we can follow the model of the fight against terrorism in the Middle East: in fact, by creating unity and collaboration among the different resistance forces, General Soleimani had managed to change what was the plan for a new Middle East, we remember former Secretary of State Condoleezza Rice defining the bombing of Lebanon by Israel in 2006 "the birth pangs of the New Middle East", a Middle East that would have been at the service of the globalist and warmongering groups. But Soleimani with the resistance forces in Syria, Iraq and Yemen managed to stop this plan, and not only that: he also encouraged Russia to get involved, whose role was decisive in the defeat of ISIS in Syria. 
 
The school and example of General Soleimani can be a model for all peoples: the ideological school of Soleimani has managed to unite individuals from different religious traditions and nationalities to fight terrorism and oppose the hegemony of globalist and warmongering groups.
We are no longer in a transition phase, the time has come to completely replace the false Pax Americana with the real Pax Multipolaris. However, let us remember that to do this it is necessary not only to join forces, but to rediscover and consolidate our identity traditions, just like in the Middle East, where Muslims and Christians and other groups have united in the fight against terrorism, which is not only military but also ideological. Thank you!»
May Daria Dugina, as general Soleimani, be well dynamic in the higher realms of the Cosmos and inspire us!

terça-feira, 5 de setembro de 2023

Mensagem de Aleksander Dugin sobre sua filha Daria, no 1º aniversário da sua passagem a nossa inspiradora e guia do mundo espiritual.

             Um belo e profundo texto do pensador e pai, o filósofo  geo-estratega Aleksandr Dugin, sobre o ser, a vida e obra, morte e eternidade de Darya Dugina Platonova, Dasha. A fotografia foi tirada umas horas antes de ela ser assassinada. Acrescentamos sublinhados, e uma ou outra breve nota entre [ ].
               «Aos queridos amigos e amigas!
Agradeço de todo o coração a todos os que homenageiam o trágico dia 20 de agosto de 2022, quando a minha filha Daria foi brutalmente assassinada por uma terrorista ucraniana [Natalia Vovk]. Agradeço a todos os meus amigos e amigas de Daria pelas suas condolências e por compartilharem a minha profunda tristeza. Agradeço também por publicarem os diversos livros escritos por Dasha, ou dedicados à sua memória.
Dasha era, antes de tudo, uma mulher da Tradição. E a Tradição para ela era tudo: o sagrado, a filosofia, a política, a família, a amizade, o passado junto com o futuro — a própria eternidade…
Dasha era muito direta na sua lealdade à Tradição. Até à sua morte brutal… Ela foi assassinada quando regressava do festival Tradição em 20 de agosto de 2022. Isto não pode ser pura coincidência. É como um sinal de Deus.
Somente possui valor real aquilo pelo qual as pessoas estão dispostas a sacrificar as suas vidas . A Tradição é o valor mais alto. Para Daria. Para mim, para a minha esposa Natasha, para a minha família, para o meu povo. É o que faz da Pátria a Pátria, do Povo o Povo, da Igreja a Igreja, da Cultura a Cultura. 
Dasha era a personificação da criatividade, era um lançamento para o futuro, vivia com fé e esperança. Estava sempre a olhar para frente e para cima. Erradamente, levou isso muito a sério, nomeadamente o olhar  “para cima”… Mas a sua mensagem continua viva entre nós e torna-se cada vez mais nítida, clara e abrangente. A sua mensagem é um convite para o futuro. Um futuro que  precisa ainda de ser realizado. Por ti, por nós.
Dasha sempre pensou em si mesma como um projeto, como uma projeção de vontade criativa. Dedicou-se à filosofia, à religião, à política, à cultura e à arte. Viveu de forma tão rica e plena, exactamente porque se interessava por tudo. Daí a variedade dos seus interesses, textos,  discursos,  criatividade, esforços. Durante a sua vida, ela queria muito que os russos começassem a trabalhar, que o nosso país e a nossa cultura saíssem de certa estagnação e descolassem. 
Considerava a sua missão viver pela Rússia e, se necessário, morrer pela Rússia. Foi isso que ela escreveu nos seus diários, The Heights and Swamps of My Heart, As Alturas e os Pântanos do Meu Coração, que publicamos recentemente na Rússia. O segundo livro filosófico de Dasha, Eschatological Optimism, Optimismo Escatológico, será publicado em breve na Rússia. E é óptimo que já tenha sido publicado em inglês. Dasha é lembrada e amada em todo o mundo pelos que são fiéis à Tradição mesmo nos tempos mais sombrios, mesmo quando a própria Tradição [quase] já não existe, pelos que permanecem fiéis a Deus mesmo quando Ele está [aparentemente] morto.
Viver pela Rússia é a sua mensagem, que deve ser transmitida repetidamente.
Temos muitos heróis maravilhosos e verdadeiros, guerreiros e defensores, pessoas com almas profundas e corações puros. Alguns deles deram as suas vidas pela Pátria-Mátria. Alguns deles vivem connosco agora. A memória de cada herói é sagrada. Assim como a memória de Dasha...
Mas o facto é que Dasha não é apenas um modelo de patriota e cidadã, ela também é portadora de um  potencial espiritual extraordinário (mesmo que não tenha tido tempo de desenvolvê-lo plenamente - dada a brevidade de sua vida, 29 anos). Ela esforçou-se por incorporar a graça da Rússia imperial, o estilo da era de Prata da cultura russa do início do século XX e deixou-se penetrar por um profundo interesse na filosofia do Neoplatonismo. Ortodoxia e geopolítica russa. Arte moderna de vanguarda – na música, no teatro, na pintura, no cinema – e a compreensão trágica da ontologia da guerra. Aceitação sóbria e aristocraticamente contida da crise fatal da modernidade e uma vontade ardente de superá-la. Tudo isto é um optimismo escatológico. Enfrentar o infortúnio e o horror da modernidade e, apesar do horror, manter uma fé radiante em Deus, em Sua Misericórdia, em Sua Justiça. 
 
Gostaria que a lembrança de Dasha não se concentrasse tanto nas imagens de sua vida como uma garota animada e encantadora, cheia de  energia pura, mas que fosse a continuação de seu ardor, a realização dos seus planos, dos seus sonhos imperiais puros e clarividentes. 
Hoje, é claro para muitos que Dasha se tornou objetivamente a nossa heroína nacional. Poemas e pinturas, cantatas e canções, filmes e universidades, peças e produções teatrais são dedicados a ela. Ruas em cidades e vilas têm agora o seu nome. Prepara-se um monumento  para ser instalado em Moscovo e talvez outros em outras cidades. 
                                           
Uma jovem que nunca havia participado de hostilidades, que nunca havia apelado para a violência ou a agressão, que era profunda e sorridente, inocente e bem-educada, foi brutalmente assassinada diante dos olhos de seu pai por uma inimiga sem coração e implacável, uma terrorista ucraniana que também participara do festival da Tradição e não hesitou em envolver a sua pequena filha de doze anos no assassinato brutal. Foram as autoridades de Kiev e os serviços secretos do mundo anglo-saxão, inimigos ferrenhos da Tradição, que a enviaram para cometer esse acto. Há exactamente um ano, em 20 de agosto de 2022, dei uma palestra sobre o Papel do Demónio na História no festival da Tradição. Dasha escutou-me e a assassina também ouviu. O diabo estava ouvindo o que eu estava a dizer sobre o diabo, preparando-se para fazer o seu trabalho diabólico. 
 Dasha tornou-se certamente imortal. A nossa nação não podia ficar indiferente a isso. E a minha tragédia, a tragédia de nossa família, dos amigos de Dasha, de todos os que se comunicavam e colaboravam com ela, tornou-se a tragédia de todo o nosso povo. E as lágrimas começaram a emocionar ou embargar as pessoas, tanto as que conheciam essa jovem quanto as que ouviram falar dela pela primeira vez.
E elas não são apenas lágrimas de dor e tristeza. São as lágrimas da nossa ressurreição, da nossa purificação, da nossa vitória vindoura.
Dasha  tornou-se um símbolo. Ela já é um símbolo. Mas agora é importante que o significado essencial desse símbolo não desapareça, não se dissolva, não desapareça. É importante não apenas preservar a memória de Dasha, mas também dar continuidade ao seu trabalho. Porque ela tinha a Causa. A sua Causa. 
Há santos que ajudam em determinadas circunstâncias: um ajuda na pobreza, outro na doença, o terceiro na peregrinação, o quarto no cativeiro. Os ícones russos individuais também são distribuídos de modo a apadrinhar pessoas em várias situações difíceis, às vezes desesperadas. “Aplacai minhas dores” é o nome de uma das imagens da Mãe de Deus. E há uma oração que é lida quando se torna impossível viver e tudo se desmorona…
Os heróis e as heroínas também são diferentes. Um encarna a coragem militar. Outro, a ternura sacrificial. O terceiro, a fortaleza. O quarto, o auge da vontade política. Todos são belos. 
 Dasha personifica a alma. A alma russa.
Se não houver alma, não haverá Rússia, não haverá nada.
Muitas pessoas boas se ofereceram para levar ou continuar a memória de Dasha.
Existe já o Instituto Popular Daria Dugina.
Existem as Classes de Coragem Daria Dugina.
Há uma nova série da valiosa editora Vladimir Dal, Livros de Dasha.
Há vários prémios e iniciativas.
E desejamos que as pessoas façam o que seus corações mandam.
O importante é fazer tudo com a Alma...» 

segunda-feira, 4 de setembro de 2023

Daria Dugina: Juliano imperador e os princípios solares e do neoplatonismo aplicados na política. Tradução, com breves biografias dela e do imperador filósofo Juliano, por Pedro Teixeira da Mota.

 Uma das mortes mais trágicas para a Humanidade ocorrida nos últimos anos foi certamente a de Darya Aleksandrovna Dugina (Moscovo 15 de Dezembro de 1992 – Moscovo Oblast, 20 de Agosto de 2022), já que tanto se esperava dela após os seus juvenis frutos ou valiosas primícias de uma intermediarização entre a sabedoria perene da Antiguidade e  a actualidade post-modernista, e de uma luta contral o caos de valores e significados, derivado do individualismo excessivo e anti-ético,  do neo-liberalismo opressivo globalista da elite ocidental e do excepcionalismo norte-americano e seu infinito dólar corruptor, controladores dos principais meios de informação,  e logo das mentes e almas de muitos. Anote-se  a mentalidade e atitude sinistra da administração norte-americana que em Março de 2022 incluíra Daria Dugina  na lista das pessoas embargadas ou sob sanções.
                                          
Brilhante jovem filósofa, filh
a de uma professora de filosofia, Natalia Melentyeva, e de Aleksander Dugin, um dos grandes filósofos do Logos na história humana, nomeadamente como autor da Noomachia, em vinte e quatro volumes, considerado um dos melhores teorizadores da civilização Euroasiática e da Tradição Perene, sobretudo ao nível dos paradigmas e da geoestratégia mundial, Daria Dugina Platonova, que estudara na Rússia e na França,  gerara já  valiosos ensaios, para além de numerosos discursos e conferências, nos quais a sua visão tradicional e profunda do ser humano livre e da actualidade do platonismo  e do neoplatonismo numa humanidade multipolar e assente em princípios, governantes e companheiros justos e solares, face às sombras da post-modernidade em que nos encontramos, e que ela confrontou (por exemplo na crítica a Gilles Deleuze e seus seguidores),  abriu  sulcos luminosos para o alto e em torno das almas que a ouviam e  viam, liam e tocavam.
                                      
O assassinato perp
etrado por uma cobarde agente dos serviços secretos ucranianos, a diabólica Natalia Vovk, ceifou uma vida que estava grávida do muito que poderia contribuir para a melhoria da Humanidade. Caberá a alguns de nós mantê-la viva na Terra e no mundo filosófico e político, inspirados pela seu espírito corajoso, agora nos mundos espirituais.
                                                                           
A condecoração que a sua mátria
e santa Rússia lhe atribui, ou mesmo a gratidão que muita gente e em especial alguns dos seus admiradores e amigos lhe testemunharam e sentem, serão pouco para o muito que ela merecia.
                                                    
É sobretudo na leitura, reflexã
o e partilha dos princípios, ideias e sentimentos contidos nos seus textos e livros, que começam a ser mais publicados, traduzidos e divulgados hoje, que a podemos comungar, revivificar e continuar.
                                    
Vamos poder ler em seguida o ensaio de Daria Dugina Platonova sobre as aplicações políticas da filosofia neoplatónica pelo imperador romano Juliano, um místico pagã
o e solar que entre nós teve em Fernando Pessoa um seu admirador, o qual, na época da revista Orfeu e nos anos seguintes, teorizou o Paganismo e  a sua ressurgência, fundando (teoricamente) um Concílio Pagão e um Conselho Magistral do Neopaganismo Portuguêsafirmando a sua grande afinidade com o tal tipo de mística mitraica, ocultista e teosófica, escrevendo que «mais do que, propriamente, o dos neoplatónicos é meu o paganismo sincrético de Juliano Apóstata» e chegando a admitir mesmo ser uma sua reincarnação, restando-nos  de tal admiração e especulações alguns fragmentos poéticos, filosóficos e ocultistas de valor. Certamente apreciaria muito este texto profundo e esclarecedor de Daria Dugina,  que alargaria a sua visão sobre Juliano, o paganismo, o neoplatonismo,e a metafísica da realeza, do império, ou da soberania solar, logóica.

O Imperador Juliano, que sofrera  o assassinato do seu pai e os seus irmãos mais velhos quando tinha seis anos, nas lutas de sucessão do Império, e vivia em Constantinopla, onde nascera em 331, veio a tornar-se, depois dum trajecto vasto que o levou a contactar e a aprender com vários seres importantes em sucessivos locais, um valioso investigador da filosofia  e da espiritualidade, desenvolvendo e aprofundando  o neoplatonismo e o culto do deus do Sol, Hélio, para ele e os neoplatónicos considerado uma hipóstase, ou avatarização do Logos a Inteligência-Razão Divina no Cosmos ao nível humano. 
Após esse período de estudos, meditações e práticas espirituais, em que sentiu mais de uma vez os influxos espirituais e divinos, entrou numa nova fase da sua missão, quando o seu tio o nomeou  em 355 César, ou seja vice-Imperador, na zona da Gália e Germânia onde, após uma curta preparação de estratégia e de melhoria do latim, já que falava grego, e graças as suas virtudes austeras e resistentes, obteve triunfos estratégicos e heroicos em várias campanhas, além de uma melhoria notável da administração, pelo que, apesar de todas as calúnias e conspirações, veio a ser nomeado  à hora da morte pelo seu tio e imperador Constâncio II como o seu sucessor.
Exerceu tal função soberana  entre 361 e 363 com grande integralidade e universalidade, ou seja, nos três mundos metafisico, psíquico e material, exaltando e aplicando os valores civilizacionais tão evoluídos do Helenismo, embora religiosamente, face ao Cristianismo (tolerado desde 311) e à sua pressão crescente e destruidora do Paganismo, que se encontrava bastante dividido e não unificado,  apoiasse e desenvolvesse mais as letras, a moral antiga e  sobretudo os cultos tradicionais greco-romanos, nomeadamente o da Deusa Mãe de todos os deuses, Cibele, a Grande Mãe, a quem dedicou com grande entusiasmo hinos, e o de Atena, a quem se refere na sua carta aos Atenienses como sua protectora efectiva, através dos seus daimons, anjos ou espíritos celestiais: «Ela guiou-me em toda a parte, e rodeou-me por todos os lados dos anjos ou espíritos guardiões que o Sol e Lua lhe atribuem».
Acima ainda estava o culto do Sol, Hélio, pois era a linhagem espiritual em que Juliano se sentia,  sobretudo depois de aprender na escola neoplatónica de Pérgamo com dois discípulos do famoso Jâmblico, Prisco e Máximo de Éfeso, e depois ao ser iniciado em 351 nos mistérios do Mitraísmo,  os quais com o culto solar e ígneo de Mitra-Sol e os valores fraternos e de disciplina na batalha entre a Luz e as trevas se tornaram decisivos para que a civilização romana e os seus exércitos se robustecessem e resistissem mais tempo tanto à pressão envolvente dos povos não romanizados como à do Cristianismo, com as suas qualidades e defeitos, o qual Juliano restringiu e não apoiou, de tal modo que veio a ser chamado pelos historiadores cristãos de Juliano, o Apóstata, já que renunciara ao baptismo no credo cristão ariano a que fora obrigado em criança, "apostasia" que historiadores ou apolegistas  não podiam ou não quiseram compreender como condição para a sua tentativa de preservar na fase final do paganismo do Estado romano a tradição duma Teologia Antiga inspirada, de uma Filosofia Perene que a comentava e de uma Ética viva, e que mesmo assim foi em parte assimilada pela nova religião.
                                                           
Daria Platonova Dugina no seu ensaio realça v
ários aspectos importantes do pensamento tradicional metafísico de Juliano e logo da sua aplicação e clarifica as perspectivas e julgamentos que se podem gerar sobre a sua vida e obra, nomeadamente na sua intencionalidade e verticalidade, religiosidade e metafisica. Certamente que se poderia acrescentar muitíssimo ao que escrevemos sobre esta fascinante personalidade, que deixou várias obras poéticas e de epistolografia, além de religião e política, e veio a morrer fatalmente cedo, numa batalha, ao fim de dois anos apenas no seu posto de Imperador e soberano metafísico, com 33 anos, comaparáveis aos 29 e pouco de Daria Platonova Dugina),. Leiamos então, talvez melhor preparados pelas contextualizações e com as notas minhas, entre parênteses rectos e curvos no texto, Daria Platonova Dugin, hoje guia e musa nossa nos mundos espirituais:
                                   Resumo apresentacional
«Este artigo trata da
implementação da filosofia política do Neoplatonismo pelo imperador Flavius Claudius Julianus. O seu reinado não foi uma tentativa de restauração ou restabelecimento do Paganismo, mas sim uma temática metafísica e religiosa completamente nova, que não combinava nem com o Cristianismo, que ainda não adquirira uma sólida plataforma política, nem com o Paganismo [tão dividido, algo caótico e em crenças nos deuses e ritos muito enfraquecido], que estava a perder rapidamente a sua antiga força. A categoria central da filosofia política de Juliano é a ideia do "mediador", o "Rei Sol", que encarna uma figura e uma função metafisicamente necessárias para o mundo, semelhante ao "soberano-filósofo" de Platão, ligando o mundo do intelecto ao mundo material. Seguindo o princípio platónico da homologia entre o metafísico e o político, Juliano vê em Hélio tanto um elemento da hierarquia do mundo, que proporciona uma ligação entre o mundo intelectualmente compreensível e o mundo material, como também a figura política do Soberano, o Rei, que na filosofia política de Juliano torna-se um intérprete das ideias para o mundo não iluminado, distante do Uno. O objetivo principal deste trabalho é reconstruir a filosofia política do imperador Juliano e procurar o seu lugar no panorama da doutrina neoplatónica. O curto mas coloridíssimo reinado de Juliano foi uma tentativa de construir uma Platonopolis universal, alinhada com os princípios do Estado de Platão.  Muitos dos princípios desenvolvidos na filosofia política de Juliano seriam mais tarde absorvidos pelo Cristianismo, substituindo o edifício em desagregação da Antiguidade.

                                                 Introdução
 Os historiadores do Platonismo tardio adoptam frequentemente a perspetiva segundo a qual o Neoplatonismo não incluía o plano político nas suas esferas de interesse e estava exclusivamente orientado para a contemplação, centrando-se no Um apofático (Ἕν) [do qual pouco ou nada se pode dizer], na hierarquia das emanações e nas práticas teúrgicas. Esta posição é defendida, em particular, pelo historiador alemão do platonismo Ehrhardt [Ehrhardt, 1953]. Esta posição foi repetidamente criticada na obra de Dominic O'Meara Platonopolis: Platonic Political Philosophy of Late Antiquity. Um dos argumentos decisivos quanto a isto é o caso do imperador Juliano (331 ou 332-363), que não só ofereceu uma versão desenvolvida da teoria política neoplatónica, mas também deu uma série de passos decisivos na sua aplicação prática na administração do impéri
o.
                                        C
orpo do texto
O imperador Flavius Claudius Julianus, representante da escola de Pérgamo do Neoplatonismo, é a imagem de um platónico que não só reflectia sobre a necessidade de um filósofo se empenhar na política (de ser um governante), mas que, por um breve mas vivíssimo período, foi imperador do Império Romano, um imperador que encarnava na sua figura o projeto político do Estado ideal de Platão. Esta combinação de alta veneração da vida contemplativa e do serviço político era rara (houve muito poucos imperadores-filósofos na história - um deles foi Marco Aurélio, um pensador que, em muitos aspectos, também inspirou Juliano). "Raramente se encontram sonhadores deste estilo entre os príncipes: é por isso que devemos honrá-lo", observa o historiador francês Victor Duruy. Uma diferença notável em relação aos seus antecessores seria a sua verdadeira e própria obsessão pela filosofia, cuja manifestação máxima era, aos olhos do próprio Juliano, a doutrina neoplatónica. O jovem imperador foi particularmente atraído por Jâmblico (245/280-325/330), representante da escola síria do neoplatonismo. A escola de Pérgamo, onde o próprio Juliano estudou, era uma espécie de ramo da escola síria e Jâmblico era 
considerado uma autoridade incontestável.

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Pérgamo.

Para Juliano, Jâmblico era um modelo do "místico e perfeito" [Julian, 2016], e nos seus escritos encontrava "a sabedoria perfeita que só o homem pode descobrir". No entanto, um biógrafo de Juliano, Jacques Benoit-Meschen [Benoit-Meschen, 2001], observa que Juliano não se limita a ecoar e a reproduzir os ensinamentos de Jâmblico, mas integra-os e desenvolve-os, elaborando a doutrina do elemento intermédio ("mundo intermédio"), o Rei Sol (em três hipóstases), detalhando deste modo a configuração metafísica da filosofia neoplatónica.
A hipóstase mais elevada do Sol era o Sol apofático, idêntico ao Um (Ἕν) de Plotino. O Sol intermédio era a Luz metafísica, que liga os mundos especulativos (noéticos) ao Cosmos. Finalmente, a terceira hipóstase do Sol era o Sol do mundo corpóreo visível, representando
o limite inferior das emanações do princípio absoluto.
Para Juliano,
a questão da conexão entre a mente e o mundo material (ou seja, o problema do "Sol do meio") torna-se a principal. E ele procura simultaneamente uma resposta para ela tanto ontológica como politicamente. Para ele, como para qualquer platónico, os planos político e ontológico estão interligados e são homólogos. O mediador, Hélio, é para Juliano simultaneamente uma figura metafísica e política, o Rei (e em referência ao Sol, Juliano usa os substantivos βασιλεύς - basileu ou rei, κύριος - kirious senhor, e os verbos ἐπι-τροπεύω - ser guardião, gerente, e ἡγέομαι - administrar, liderar, preceder). Os paralelos entre Hélio e a figura do governante permeiam todo o hino Ao Rei Sol. Por exemplo: "Os planetas conduzem uma dança redonda à volta dele [Hélio], mantendo as distâncias como à volta do seu rei" [Julian, 2016]. Tal como Hélio, o Deus Sol, actua como intérprete das ideias no mundo sensual, o imperador-filósofo é um companheiro, um acompanhante do Rei Sol. É o "companheiro" (ὀπᾱδός) [opados, discípulo] que Juliano chama a si próprio no início do hino [ibid]. Todo o governante, observa Juliano no seu tratado Sobre os actos do autocrata e do Reino, deve ser um servidor  e um adivinho do rei dos deuses [Hélios] [ibid].

 Também do Rei Sol, Hélio, a sabedoria e o conhecimento, bem como a essência, são adoptados por Atena, a deusa padroeira da polis [ou cidade] e dos Estados: a sua sabedoria, que provém de Hélio, "é a base da comunicação política" [ibid.] Na concepção de Juliano, Hélio acaba por ser o fundador de Roma e Juliano demonstra na lenda segundo a qual a alma de Rómulo teria descido do Sol à Terra, que: "a estreita convergência de Hélio e Selene (...) tornou possível a descida da sua alma à terra e, depois da destruição da parte mortal do seu corpo pelo fogo do relâmpago, a sua ascensão da terra " [ibid.]

 A unidade da Luz entendida metafisicamente, simbolizada por Hélio, permeia todo o sistema da filosofia juliana. De acordo com a visão neoplatónica, a unidade é sempre apofática [impossível de se verbalizar] e só pode ser alcançada tangencialmente. A forma mais elevada de Unidade é acessível através da genada [(?)], a comunhão com o Uno. Por isso, o cosmos está como que reunido, gravitando em direção ao Uno, mas nunca o alcançando. Mesmo a hipóstase mais elevada do Rei Sol em Juliano é apofática. A natureza da Luz tem origem nesta obscuridade apofática do Sol invisível e a partir daí permeia todos os outros níveis da criação. O Estado, entendido como império, isto é, como reunião da multidão dos povos numa unidade, é como uma genada [(?)]. Não é a Unidade em si mesma nem a Luz em si, mas a vontade em direção a ela, o movimento em direção a ela. E, tal como a alma ou essência do rei desce das esferas superiores, assim o próprio reino aspira ao rei como sua fonte, que informa a política com a graça genésica [(?)].

Juliano propôs-se a tarefa quase impossível de realizar o ideal platónico do rei-filósofo, no contexto do Império Romano real do século IV e dum cristianismo cada vez mais poderoso e influente,  para se tornar um "companheiro" do Sol que fosse um garante da justiça (δικαιοσύνη) [dikaiosýnē]. "A sua principal força motriz era um sentido de responsabilidade tão forte como o do filósofo no trono, Marco Aurélio, que o filósofo Juliano admirava" [Zalinsky, 2016].
Durante o ano e meio do seu reinado imperial (e alguns anos como César, na Gália, antes disso), Juliano, guiado pelos princípios do Estado platónico (como Walter Hyde observou com razão, "Juliano pôs em prática a teoria platónica" [Hyde, 1843]), tentou harmonizar o sistema político com o ideal filosófico da tradição filosófica platónica [Athanassiadi, 1981], e conseguiu-o em parte.

 Político de sucesso, mostrou-se simultaneamente seja um líder valoroso (vitórias brilhantes na Gália sobre os Germanos, comando eficaz do exército até à sua morte - até à última batalha com os Persas, na qual o imperador foi morto) seja um reformador radical da fé pagã, que perdia força devido ao advento da nova religião cristã, de contornos ainda pouco nítidos (na altura fragmentada por inúmeras interpretações, vigorosamente polémicas entre si). Juliano não foi só um governante laico, mas procurou também encarnar a imagem ideal de um rei-filósofo na sua conceção ontológica - pancósmica - em estreita consonância com os esquemas simbólicos em estreita conformidade com os padrões simbólicos do neoplatonismo. A declarada tolerância religiosa de Juliano baseava-se também nas suas profundas convicções filosóficas. Não se tratava de uma simples rejeição da cristianização do Império em favor do secularismo, e ainda menos da substituição de uma religião por outra. De acordo com o pensamento de Juliano, a fé, a religião, a autoridade - o reino da opinião (δόξα) [doxa] - devem ser subordinadas a um princípio superior, o Rei do universo, "aquele em torno do qual tudo está ou é".

 Mas esta subordinação não podia ser formal, porque toda a estrutura hierárquica do princípio dominante - o Rei-Sol - estava aberta a partir de cima, ou seja, era genésica [(?)]. Na estrutura da filosofia neoplatónica, só se pode ter a certeza do movimento em direção ao Um, mas não do próprio Um, que é inatingível. Consequentemente, o modelo político de Juliano representava o princípio de um "império aberto", no qual o imperativo era a busca da sabedoria, mas não a Sabedoria em si, dado que esta não podia em última análise ser encarnada em qualquer conjunto de princípios - não apenas cristãos mas também pagãos. Mas a conclusão desta abertura foi o oposto das tendências seculares da nova era [(cristã)]: o sagrado e o princípio da Luz devem governar, e este é o imperativo da filosofia política juliana, embora esta regra não possa ser fixada em leis imutáveis. O significado da Luz é que ela é viva. E, da mesma forma, o Império revelado e o seu governante devem estar vivos. Aqui a própria noção de filosofia recupera o seu significado mais profundo. A filosofia é amor pela sabedoria, um movimento em direção a ela. É uma busca da Luz, um serviço ao Rei Sol, uma companhia com ele. Mas se dermos a esta sabedoria um carácter formalizado, não estamos a lidar com filosofia, mas com o sofisma. O que Juliano manifestamente rejeitava no cristianismo.
Enclausurando-se e
m  dogmas rígidos, a genuflexão do Império aberto foi substituída por um código alienado, e assim o império fechou-se ao alto, perdendo a sua sacralidade total a favor de uma única versão possível da religião. O reino da opinião (δόξα, doxa) é conscientemente o reino do relativo, do contingente. Deve ser orientado para o Sol, caso em que a opinião se tornará ortodoxia (ορθο-δοξία), uma "opinião correcta", mas ainda assim uma opinião.
O que é interessante sobre o d
estino de Juliano é o facto de ele não ter tido qualquer desejo particular de conquistar o poder, preocupando-se sobretudo com a filosofia e maravilhando-se com os rituais teúrgicos. Juliano foi, antes de mais, um filósofo e, só por força da inevitabilidade, do destino, do presságio e do caminho escolhido para ele por Hélio, um soberano.
No
 Elogio de Juliano, o retórico Libânio observa que: "ele não se esforçou por dominar, mas pelo bem-estar das cidades". [Libânio, 2014], e anteriormente o retórico observa que, se no tempo de Juliano tivesse havido outro candidato ao trono capaz de reavivar o helenismo, Juliano "teria evitado obstinadamente o poder". Juliano era um filósofo condenado pela Providência à descida, à emanação, pelo que a sua missão era demiúrgica e soteriológica. Estava destinado a tornar-se um governante e em virtude da sua natureza filosófica um companheiro do Sol.

  A capacidade de mediar  do Sol, de que falámos acima, a sua liderança corresponde à posição do rei-filósofo no estado ideal. Tal como Hélio, na sua atividade demiúrgica que gera ou adorna muitos eidos [ou ideias] ("pois alguns eidos ele aperfeiçoou, outros produziu, outros adornou, outros despertou [à vida e a identidade], de modo que não há uma única coisa que possa vir à existência ou nascer fora do poder demiúrgico que emana de Hélio" [Juliano, 2016]), assim também o filósofo-diretor dá a sua justa delimitação às propriedades. Ele, o "mediador", é o agente do verdadeiro conhecimento da natureza secreta das coisas e o organizador da ordem com base nesse verdadeiro conhecimento. Hélio é também associado por Juliano a Apolo, o qual estabeleceu oráculos por toda a Terra para dar aos homens a verdade inspirada pela Divindade. Hélio-Apolo é também considerado pelo imperador como o progenitor do povo romano, o que acrescenta à doutrina política de Juliano a tese da "escolha divina" dos Romanos.
Hélio-Zeus aparece também como o portador do princípio real. E também o deus dos mistérios noturnos Dionísio, que se torna em Juliano uma outra encarnação do Sol, Hélio-Dionísio, sendo também interpretado como uma continuação do mesmo princípio real nas profundezas dos mundos corpóreos. Zeus, Apolo e Dionísio, segundo Juliano, assinalam os três momentos no demiurgo político do governante perfeito: como Zeus governa o mundo, como Apolo, escreve as leis e impõe a vertical sagrada do Império Solar, como Dionísio, patrocina as religiões, os cultos e as artes, supervisiona os mistérios e ordena a
s liturgias.
Está provado que
 a imagem do Sol Mediador impressionou de tal modo o imperador que o induziu, na reforma do exército romano, a substituir no brasão imperial a inscrição cristã "Neste signo vencerás"  pela dedicatória mitraica "Sol Invencível". Obviamente, a imagem de Mitra é tomada aqui como uma metáfora filosófica e não como uma indicação de que foi o Mitraísmo que inspirou as reformas religiosas e políticas de Juliano. Sol Invicto é o próprio Rei Hélio na sua natureza original generalizante. Poderia servir como denominador comum de várias imagens religiosas - no espírito da síntese neo-platónica ou daquilo a que o  neo-platonista posterior Proclus chamaria Teologia Platónica. [Proclus, 2001].
No caso desta substituição de In hoc signo vincis por Sol invictus, que é por vezes interpretada como o exemplo mais claro de "restauração pagã", podemos ver outra realidade: não a substituição de um culto por outro, mas o apelo a uma fonte filosófica comum a várias religiões e credos. Tal como o império une as nações e o reino, também uma sacralidade imperial integral eleva todas as formas privadas a uma fonte genésica [(no italiano (genadica)]. De resto, a cruz é também um símbolo solar e, no brasão imperial, estava muito associada ao episódio da vitória militar e ao florescimento político de Roma sob Constantin
o.
                                   Conclusão
A era de Juliano
 foi uma tentativa de construir um Império-Platonopolis  universal: como um verdadeiro platónico, Juliano procurou abraçar e reformar todas as áreas - tanto a religiosa (a introdução de ritos penitenciais, caridade,  dando aos cultos pagãos formais um caráter ético, o Édito sobre a tolerância religiosa), como a da vida na corte (a racionalização do pessoal da corte, convite a estarem na corte  filósofos, oradores e sacerdotes nobres,  restauração do estatuto e do poder anteriores do Senado), bem como a vida financeira (a restauração do autogoverno urbano, a transferência para os municípios do direito de cobrar impostos em benefício das cidades). Mas o curso da história já estava  predeterminado. O Cristianismo, embora tendo absorvido alguns elementos do Helenismo (em particular, incorporando a doutrina da realeza platónica e assimilando os melhores elementos do misticismo e da teologia neoplatónicos), demoliu irreversivelmente o vetusto edifício da antiguidade.
O historiado
r Inge observa que Juliano "era um conservador quando não havia mais nada para conservar". [Inge, 1900]. O tempo de Juliano havia passado e um novo governante havia chegado ao mundo. A partir de então, a sacralidade imperial e a missão metafísica do imperador foram interpretadas em um contexto estritamente cristão - como a figura de um catecúmeno (κατέχων), que retém, cuja semântica foi determinada pela estrutura da escatologia cristã, na qual o imperador ortodoxo, de acordo com a interpretação de João Crisóstomo, era visto como o principal obstáculo à vinda do Anticristo. Mas mesmo nesse conceito de catecúmeno é possível discernir ecos distantes da ontologia política do Rei Sol, já que no bizantinismo o império também se torna um fenómeno metafísico e, portanto, adquire um caráter filosófico. Trata-se, no entanto, de uma versão substancialmente reduzida do platonismo político, já que mais particular e definida dogmaticamente em relação ao âmbito mais universal da filosofia política de Juliano.

 Bibliografia

1. Athanassiadi P. (1981) Julian: An Intellectual Biography. Oxford: Clarendon Press.
2. Benoit-Meschen J. (2001) Yulian Otstupnik [Julian the Apostate]. Moscow: Molodaya gvardiya Publ.
3. Bowersock G. (1978) Julian the Apostate. London.
4. Duruy V. (1883) Annuaire de l'Association pour l'encouragement des études grecques en France. Revue des Études Grecques, 17, pp. 319-323.
5. Ehrhardt A. (1953) The Political Philosophy of Neo-Platonism. In: Mélanges V. Arangio-Ruiz. Naples.
6. Gardner A. (1895) Julian Philosopher and Emperor and the Last Struggle of Paganism Against Christianity. London: G.P. Putnam's Son.
7. Hyde W. (1843) Emperor Julian. The classical weekly, 37, 3.
8. Inge W.R. (1900) The Permanent Influence of Neoplatonism upon Christianity. The American Journal of Theology, 4, 2.
9. Julian (2016) Polnoe sobranie tvorenii [Full collection of works]. St. Petersburg: Kvadrivium Publ.
10. Libanius (2014) Rechi [Speeches]. St. Petersburg: Kvadrivium Publ. Vol. 1.
11. O’Meara D.J. (2003) Platonopolis. Platonic Political Philosophy in Late Antiquity. Oxford: Clarendon Press.
12. Proclus (2001) Platonovskaya teologiya [Platonic Theology]. St. Petersburg: Letnii sad Publ.
13. Veyne P. (2005) L'Empire Gréco-Romain. Paris: Seuil.
14. Zelinskii F.F. (2016) Rimskaya imperiya [Roman Empire]. St. Petersburg: Aleteiya Publ. 

For citation
Dugina D.A. (2018) Politicheskii platonizm imperatora Yuliana [The political Platonism of the Emperor Julian]. Kontekst i refleksiya: filosofiya o mire i cheloveke [Context and Reflection: Philosophy of the World and Human Being], 7 (2А), pp. 32-38. 

Keywords 
Political Platonism, Neoplatonism, Emperor Julian, late Platonism, political philosophy of Neoplatonism. 

Palavras Chaves
Platonismo político, Neoplatonismo, Imperador Juliano, Platonismo tardio, Filosofia política do Neoplaton
ismo.

Tradução minha da tradução italiana Il platonismo politico dell'imperatore Giuliano por Lorenzo Maria Pacini, publicada em 27.VIII.2023, em www.geopolitika.ru, do ensaio da filósofa e mártir Daria Dugina Platonova. 

                                           

Muita luz e amor na sua alma e espírito! 

Que como "companheira" do Sol central da Divindade, Logos, Hélio, Zeus, seja Daria Dugina também companheira, guia e subtil inspiradora dos que a admiram, estudam e amam, ou a meditam e invocam!

sexta-feira, 1 de setembro de 2023

Aprofundar a contemplação do coração devocional espiritual e divino.

2º texto e poema sobre "Um ícone ou mandala psico-mórfico para o mês de Setembro de 2023 ser mais pleno e luminoso."

Contemplar na mão o coração ardente, em símbolo,

mais do que descansar o coração na mão de Deus,

 como suspirara em soneto Antero de Quental, 

é adentramos em amor os mistérios da unificação,

é abrirmos o peito e a visão aos centros contemplados,

é permitirmos que as flores das almas desabrochem,

é sentirmos a unidade amorosa espiritual e divina! 

 
    Um belíssimo exemplar da devoção tradicional portuguesa à Divindade, neste caso um registo do início do séc. XIX em forma de coração com volume, e um ritmo pulsante sugerido pelas hastes, folhas e flores bordadas em fios dourados  coloridos, quais sentimentos e orações, mostrando a beleza subtil da nosso coração espiritual em oração e amor devocional para com a Divindade, neste caso avatarizada (do sânscrito avatar, descida da divindade) em Jesus e seu coração, que surgem representados numa gravurinha ao centro, numa mandorla, ovo ou olho, delimitado por fios dourados, como que pairando numa dimensão infinita circularizada, e que nos convida a contemplá-la, a unificarmos sujeito e objecto, e a entrar e a sentir o Amor Divino que neles e em nós quer arder e irradiar mais.                                     Felizes os que podem e conseguem contemplar os símbolos devocionais e neles se alinhar e unificar com as dimensões e realidades representadas e invocadas, e assim estar mais em Amor e no Ser...
  

Um ícone ou mandala psico-mórfico para o mês de Setembro de 2023 ser mais pleno e luminoso.

A nova fase do ciclo anual em que começamos a singrar, que culmina nas colheitas, vindimas e S. Miguel, pode ser melhor atravessada se contemplarmos diariamente um ícone bem colorido,  obra artística propícia à nossa harmonização psico-espiritual, à  abertura do olho e coração subtis e até à religação aos guias, ou aos anjos, ou à Divindade..., a Fonte..., qualquer que seja a forma e a ideia que adoptarmos, tanto mais que Ela é também o Coração e Amor-Sabedoria primordial e íntimo, que pela nossa aspiração nesta janela-olho podemos sentir-aceder.

Boas contemplações e respirações, inspirações e acções!

Devoção tradicional psico-mórfica portuguesa ao mestre Jesus e seu coração, e ao Amor Divino que deles emana e em nós quer arder e irradiar: em discernimento, amor e paz!