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terça-feira, 5 de setembro de 2023

Mensagem de Aleksander Dugin sobre sua filha Daria, no 1º aniversário da sua passagem a nossa inspiradora e guia do mundo espiritual.

             Um belo e profundo texto do pensador e pai, o filósofo  geo-estratega Aleksandr Dugin, sobre o ser, a vida e obra, morte e eternidade de Darya Dugina Platonova, Dasha. A fotografia foi tirada umas horas antes de ela ser assassinada. Acrescentamos sublinhados, e uma ou outra breve nota entre [ ].
               «Aos queridos amigos e amigas!
Agradeço de todo o coração a todos os que homenageiam o trágico dia 20 de agosto de 2022, quando a minha filha Daria foi brutalmente assassinada por uma terrorista ucraniana [Natalia Vovk]. Agradeço a todos os meus amigos e amigas de Daria pelas suas condolências e por compartilharem a minha profunda tristeza. Agradeço também por publicarem os diversos livros escritos por Dasha, ou dedicados à sua memória.
Dasha era, antes de tudo, uma mulher da Tradição. E a Tradição para ela era tudo: o sagrado, a filosofia, a política, a família, a amizade, o passado junto com o futuro — a própria eternidade…
Dasha era muito direta na sua lealdade à Tradição. Até à sua morte brutal… Ela foi assassinada quando regressava do festival Tradição em 20 de agosto de 2022. Isto não pode ser pura coincidência. É como um sinal de Deus.
Somente possui valor real aquilo pelo qual as pessoas estão dispostas a sacrificar as suas vidas . A Tradição é o valor mais alto. Para Daria. Para mim, para a minha esposa Natasha, para a minha família, para o meu povo. É o que faz da Pátria a Pátria, do Povo o Povo, da Igreja a Igreja, da Cultura a Cultura. 
Dasha era a personificação da criatividade, era um lançamento para o futuro, vivia com fé e esperança. Estava sempre a olhar para frente e para cima. Erradamente, levou isso muito a sério, nomeadamente o olhar  “para cima”… Mas a sua mensagem continua viva entre nós e torna-se cada vez mais nítida, clara e abrangente. A sua mensagem é um convite para o futuro. Um futuro que  precisa ainda de ser realizado. Por ti, por nós.
Dasha sempre pensou em si mesma como um projeto, como uma projeção de vontade criativa. Dedicou-se à filosofia, à religião, à política, à cultura e à arte. Viveu de forma tão rica e plena, exactamente porque se interessava por tudo. Daí a variedade dos seus interesses, textos,  discursos,  criatividade, esforços. Durante a sua vida, ela queria muito que os russos começassem a trabalhar, que o nosso país e a nossa cultura saíssem de certa estagnação e descolassem. 
Considerava a sua missão viver pela Rússia e, se necessário, morrer pela Rússia. Foi isso que ela escreveu nos seus diários, The Heights and Swamps of My Heart, As Alturas e os Pântanos do Meu Coração, que publicamos recentemente na Rússia. O segundo livro filosófico de Dasha, Eschatological Optimism, Optimismo Escatológico, será publicado em breve na Rússia. E é óptimo que já tenha sido publicado em inglês. Dasha é lembrada e amada em todo o mundo pelos que são fiéis à Tradição mesmo nos tempos mais sombrios, mesmo quando a própria Tradição [quase] já não existe, pelos que permanecem fiéis a Deus mesmo quando Ele está [aparentemente] morto.
Viver pela Rússia é a sua mensagem, que deve ser transmitida repetidamente.
Temos muitos heróis maravilhosos e verdadeiros, guerreiros e defensores, pessoas com almas profundas e corações puros. Alguns deles deram as suas vidas pela Pátria-Mátria. Alguns deles vivem connosco agora. A memória de cada herói é sagrada. Assim como a memória de Dasha...
Mas o facto é que Dasha não é apenas um modelo de patriota e cidadã, ela também é portadora de um  potencial espiritual extraordinário (mesmo que não tenha tido tempo de desenvolvê-lo plenamente - dada a brevidade de sua vida, 29 anos). Ela esforçou-se por incorporar a graça da Rússia imperial, o estilo da era de Prata da cultura russa do início do século XX e deixou-se penetrar por um profundo interesse na filosofia do Neoplatonismo. Ortodoxia e geopolítica russa. Arte moderna de vanguarda – na música, no teatro, na pintura, no cinema – e a compreensão trágica da ontologia da guerra. Aceitação sóbria e aristocraticamente contida da crise fatal da modernidade e uma vontade ardente de superá-la. Tudo isto é um optimismo escatológico. Enfrentar o infortúnio e o horror da modernidade e, apesar do horror, manter uma fé radiante em Deus, em Sua Misericórdia, em Sua Justiça. 
 
Gostaria que a lembrança de Dasha não se concentrasse tanto nas imagens de sua vida como uma garota animada e encantadora, cheia de  energia pura, mas que fosse a continuação de seu ardor, a realização dos seus planos, dos seus sonhos imperiais puros e clarividentes. 
Hoje, é claro para muitos que Dasha se tornou objetivamente a nossa heroína nacional. Poemas e pinturas, cantatas e canções, filmes e universidades, peças e produções teatrais são dedicados a ela. Ruas em cidades e vilas têm agora o seu nome. Prepara-se um monumento  para ser instalado em Moscovo e talvez outros em outras cidades. 
                                           
Uma jovem que nunca havia participado de hostilidades, que nunca havia apelado para a violência ou a agressão, que era profunda e sorridente, inocente e bem-educada, foi brutalmente assassinada diante dos olhos de seu pai por uma inimiga sem coração e implacável, uma terrorista ucraniana que também participara do festival da Tradição e não hesitou em envolver a sua pequena filha de doze anos no assassinato brutal. Foram as autoridades de Kiev e os serviços secretos do mundo anglo-saxão, inimigos ferrenhos da Tradição, que a enviaram para cometer esse acto. Há exactamente um ano, em 20 de agosto de 2022, dei uma palestra sobre o Papel do Demónio na História no festival da Tradição. Dasha escutou-me e a assassina também ouviu. O diabo estava ouvindo o que eu estava a dizer sobre o diabo, preparando-se para fazer o seu trabalho diabólico. 
 Dasha tornou-se certamente imortal. A nossa nação não podia ficar indiferente a isso. E a minha tragédia, a tragédia de nossa família, dos amigos de Dasha, de todos os que se comunicavam e colaboravam com ela, tornou-se a tragédia de todo o nosso povo. E as lágrimas começaram a emocionar ou embargar as pessoas, tanto as que conheciam essa jovem quanto as que ouviram falar dela pela primeira vez.
E elas não são apenas lágrimas de dor e tristeza. São as lágrimas da nossa ressurreição, da nossa purificação, da nossa vitória vindoura.
Dasha  tornou-se um símbolo. Ela já é um símbolo. Mas agora é importante que o significado essencial desse símbolo não desapareça, não se dissolva, não desapareça. É importante não apenas preservar a memória de Dasha, mas também dar continuidade ao seu trabalho. Porque ela tinha a Causa. A sua Causa. 
Há santos que ajudam em determinadas circunstâncias: um ajuda na pobreza, outro na doença, o terceiro na peregrinação, o quarto no cativeiro. Os ícones russos individuais também são distribuídos de modo a apadrinhar pessoas em várias situações difíceis, às vezes desesperadas. “Aplacai minhas dores” é o nome de uma das imagens da Mãe de Deus. E há uma oração que é lida quando se torna impossível viver e tudo se desmorona…
Os heróis e as heroínas também são diferentes. Um encarna a coragem militar. Outro, a ternura sacrificial. O terceiro, a fortaleza. O quarto, o auge da vontade política. Todos são belos. 
 Dasha personifica a alma. A alma russa.
Se não houver alma, não haverá Rússia, não haverá nada.
Muitas pessoas boas se ofereceram para levar ou continuar a memória de Dasha.
Existe já o Instituto Popular Daria Dugina.
Existem as Classes de Coragem Daria Dugina.
Há uma nova série da valiosa editora Vladimir Dal, Livros de Dasha.
Há vários prémios e iniciativas.
E desejamos que as pessoas façam o que seus corações mandam.
O importante é fazer tudo com a Alma...» 

segunda-feira, 4 de setembro de 2023

Daria Dugina: Juliano imperador e os princípios solares e do neoplatonismo aplicados na política. Tradução, com breves biografias dela e do imperador filósofo Juliano, por Pedro Teixeira da Mota.

 Uma das mortes mais trágicas para a Humanidade ocorrida nos últimos anos foi certamente a de Darya Aleksandrovna Dugina (Moscovo 15 de Dezembro de 1992 – Moscovo Oblast, 20 de Agosto de 2022), já que tanto se esperava dela após os seus juvenis frutos ou valiosas primícias de uma intermediarização entre a sabedoria perene da Antiguidade e  a actualidade post-modernista, e de uma luta contral o caos de valores e significados, derivado do individualismo excessivo e anti-ético,  do neo-liberalismo opressivo globalista da elite ocidental e do excepcionalismo norte-americano e seu infinito dólar corruptor, controladores dos principais meios de informação,  e logo das mentes e almas de muitos. Anote-se  a mentalidade e atitude sinistra da administração norte-americana que em Março de 2022 incluíra Daria Dugina  na lista das pessoas embargadas ou sob sanções.
                                          
Brilhante jovem filósofa, filh
a de uma professora de filosofia, Natalia Melentyeva, e de Aleksander Dugin, um dos grandes filósofos do Logos na história humana, nomeadamente como autor da Noomachia, em vinte e quatro volumes, considerado um dos melhores teorizadores da civilização Euroasiática e da Tradição Perene, sobretudo ao nível dos paradigmas e da geoestratégia mundial, Daria Dugina Platonova, que estudara na Rússia e na França,  gerara já  valiosos ensaios, para além de numerosos discursos e conferências, nos quais a sua visão tradicional e profunda do ser humano livre e da actualidade do platonismo  e do neoplatonismo numa humanidade multipolar e assente em princípios, governantes e companheiros justos e solares, face às sombras da post-modernidade em que nos encontramos, e que ela confrontou (por exemplo na crítica a Gilles Deleuze e seus seguidores),  abriu  sulcos luminosos para o alto e em torno das almas que a ouviam e  viam, liam e tocavam.
                                      
O assassinato perp
etrado por uma cobarde agente dos serviços secretos ucranianos, a diabólica Natalia Vovk, ceifou uma vida que estava grávida do muito que poderia contribuir para a melhoria da Humanidade. Caberá a alguns de nós mantê-la viva na Terra e no mundo filosófico e político, inspirados pela seu espírito corajoso, agora nos mundos espirituais.
                                                                           
A condecoração que a sua mátria
e santa Rússia lhe atribui, ou mesmo a gratidão que muita gente e em especial alguns dos seus admiradores e amigos lhe testemunharam e sentem, serão pouco para o muito que ela merecia.
                                                    
É sobretudo na leitura, reflexã
o e partilha dos princípios, ideias e sentimentos contidos nos seus textos e livros, que começam a ser mais publicados, traduzidos e divulgados hoje, que a podemos comungar, revivificar e continuar.
                                    
Vamos poder ler em seguida o ensaio de Daria Dugina Platonova sobre as aplicações políticas da filosofia neoplatónica pelo imperador romano Juliano, um místico pagã
o e solar que entre nós teve em Fernando Pessoa um seu admirador, o qual, na época da revista Orfeu e nos anos seguintes, teorizou o Paganismo e  a sua ressurgência, fundando (teoricamente) um Concílio Pagão e um Conselho Magistral do Neopaganismo Portuguêsafirmando a sua grande afinidade com o tal tipo de mística mitraica, ocultista e teosófica, escrevendo que «mais do que, propriamente, o dos neoplatónicos é meu o paganismo sincrético de Juliano Apóstata» e chegando a admitir mesmo ser uma sua reincarnação, restando-nos  de tal admiração e especulações alguns fragmentos poéticos, filosóficos e ocultistas de valor. Certamente apreciaria muito este texto profundo e esclarecedor de Daria Dugina,  que alargaria a sua visão sobre Juliano, o paganismo, o neoplatonismo,e a metafísica da realeza, do império, ou da soberania solar, logóica.

O Imperador Juliano, que sofrera  o assassinato do seu pai e os seus irmãos mais velhos quando tinha seis anos, nas lutas de sucessão do Império, e vivia em Constantinopla, onde nascera em 331, veio a tornar-se, depois dum trajecto vasto que o levou a contactar e a aprender com vários seres importantes em sucessivos locais, um valioso investigador da filosofia  e da espiritualidade, desenvolvendo e aprofundando  o neoplatonismo e o culto do deus do Sol, Hélio, para ele e os neoplatónicos considerado uma hipóstase, ou avatarização do Logos a Inteligência-Razão Divina no Cosmos ao nível humano. 
Após esse período de estudos, meditações e práticas espirituais, em que sentiu mais de uma vez os influxos espirituais e divinos, entrou numa nova fase da sua missão, quando o seu tio o nomeou  em 355 César, ou seja vice-Imperador, na zona da Gália e Germânia onde, após uma curta preparação de estratégia e de melhoria do latim, já que falava grego, e graças as suas virtudes austeras e resistentes, obteve triunfos estratégicos e heroicos em várias campanhas, além de uma melhoria notável da administração, pelo que, apesar de todas as calúnias e conspirações, veio a ser nomeado  à hora da morte pelo seu tio e imperador Constâncio II como o seu sucessor.
Exerceu tal função soberana  entre 361 e 363 com grande integralidade e universalidade, ou seja, nos três mundos metafisico, psíquico e material, exaltando e aplicando os valores civilizacionais tão evoluídos do Helenismo, embora religiosamente, face ao Cristianismo (tolerado desde 311) e à sua pressão crescente e destruidora do Paganismo, que se encontrava bastante dividido e não unificado,  apoiasse e desenvolvesse mais as letras, a moral antiga e  sobretudo os cultos tradicionais greco-romanos, nomeadamente o da Deusa Mãe de todos os deuses, Cibele, a Grande Mãe, a quem dedicou com grande entusiasmo hinos, e o de Atena, a quem se refere na sua carta aos Atenienses como sua protectora efectiva, através dos seus daimons, anjos ou espíritos celestiais: «Ela guiou-me em toda a parte, e rodeou-me por todos os lados dos anjos ou espíritos guardiões que o Sol e Lua lhe atribuem».
Acima ainda estava o culto do Sol, Hélio, pois era a linhagem espiritual em que Juliano se sentia,  sobretudo depois de aprender na escola neoplatónica de Pérgamo com dois discípulos do famoso Jâmblico, Prisco e Máximo de Éfeso, e depois ao ser iniciado em 351 nos mistérios do Mitraísmo,  os quais com o culto solar e ígneo de Mitra-Sol e os valores fraternos e de disciplina na batalha entre a Luz e as trevas se tornaram decisivos para que a civilização romana e os seus exércitos se robustecessem e resistissem mais tempo tanto à pressão envolvente dos povos não romanizados como à do Cristianismo, com as suas qualidades e defeitos, o qual Juliano restringiu e não apoiou, de tal modo que veio a ser chamado pelos historiadores cristãos de Juliano, o Apóstata, já que renunciara ao baptismo no credo cristão ariano a que fora obrigado em criança, "apostasia" que historiadores ou apolegistas  não podiam ou não quiseram compreender como condição para a sua tentativa de preservar na fase final do paganismo do Estado romano a tradição duma Teologia Antiga inspirada, de uma Filosofia Perene que a comentava e de uma Ética viva, e que mesmo assim foi em parte assimilada pela nova religião.
                                                           
Daria Platonova Dugina no seu ensaio realça v
ários aspectos importantes do pensamento tradicional metafísico de Juliano e logo da sua aplicação e clarifica as perspectivas e julgamentos que se podem gerar sobre a sua vida e obra, nomeadamente na sua intencionalidade e verticalidade, religiosidade e metafisica. Certamente que se poderia acrescentar muitíssimo ao que escrevemos sobre esta fascinante personalidade, que deixou várias obras poéticas e de epistolografia, além de religião e política, e veio a morrer fatalmente cedo, numa batalha, ao fim de dois anos apenas no seu posto de Imperador e soberano metafísico, com 33 anos, comaparáveis aos 29 e pouco de Daria Platonova Dugina),. Leiamos então, talvez melhor preparados pelas contextualizações e com as notas minhas, entre parênteses rectos e curvos no texto, Daria Platonova Dugin, hoje guia e musa nossa nos mundos espirituais:
                                   Resumo apresentacional
«Este artigo trata da
implementação da filosofia política do Neoplatonismo pelo imperador Flavius Claudius Julianus. O seu reinado não foi uma tentativa de restauração ou restabelecimento do Paganismo, mas sim uma temática metafísica e religiosa completamente nova, que não combinava nem com o Cristianismo, que ainda não adquirira uma sólida plataforma política, nem com o Paganismo [tão dividido, algo caótico e em crenças nos deuses e ritos muito enfraquecido], que estava a perder rapidamente a sua antiga força. A categoria central da filosofia política de Juliano é a ideia do "mediador", o "Rei Sol", que encarna uma figura e uma função metafisicamente necessárias para o mundo, semelhante ao "soberano-filósofo" de Platão, ligando o mundo do intelecto ao mundo material. Seguindo o princípio platónico da homologia entre o metafísico e o político, Juliano vê em Hélio tanto um elemento da hierarquia do mundo, que proporciona uma ligação entre o mundo intelectualmente compreensível e o mundo material, como também a figura política do Soberano, o Rei, que na filosofia política de Juliano torna-se um intérprete das ideias para o mundo não iluminado, distante do Uno. O objetivo principal deste trabalho é reconstruir a filosofia política do imperador Juliano e procurar o seu lugar no panorama da doutrina neoplatónica. O curto mas coloridíssimo reinado de Juliano foi uma tentativa de construir uma Platonopolis universal, alinhada com os princípios do Estado de Platão.  Muitos dos princípios desenvolvidos na filosofia política de Juliano seriam mais tarde absorvidos pelo Cristianismo, substituindo o edifício em desagregação da Antiguidade.

                                                 Introdução
 Os historiadores do Platonismo tardio adoptam frequentemente a perspetiva segundo a qual o Neoplatonismo não incluía o plano político nas suas esferas de interesse e estava exclusivamente orientado para a contemplação, centrando-se no Um apofático (Ἕν) [do qual pouco ou nada se pode dizer], na hierarquia das emanações e nas práticas teúrgicas. Esta posição é defendida, em particular, pelo historiador alemão do platonismo Ehrhardt [Ehrhardt, 1953]. Esta posição foi repetidamente criticada na obra de Dominic O'Meara Platonopolis: Platonic Political Philosophy of Late Antiquity. Um dos argumentos decisivos quanto a isto é o caso do imperador Juliano (331 ou 332-363), que não só ofereceu uma versão desenvolvida da teoria política neoplatónica, mas também deu uma série de passos decisivos na sua aplicação prática na administração do impéri
o.
                                        C
orpo do texto
O imperador Flavius Claudius Julianus, representante da escola de Pérgamo do Neoplatonismo, é a imagem de um platónico que não só reflectia sobre a necessidade de um filósofo se empenhar na política (de ser um governante), mas que, por um breve mas vivíssimo período, foi imperador do Império Romano, um imperador que encarnava na sua figura o projeto político do Estado ideal de Platão. Esta combinação de alta veneração da vida contemplativa e do serviço político era rara (houve muito poucos imperadores-filósofos na história - um deles foi Marco Aurélio, um pensador que, em muitos aspectos, também inspirou Juliano). "Raramente se encontram sonhadores deste estilo entre os príncipes: é por isso que devemos honrá-lo", observa o historiador francês Victor Duruy. Uma diferença notável em relação aos seus antecessores seria a sua verdadeira e própria obsessão pela filosofia, cuja manifestação máxima era, aos olhos do próprio Juliano, a doutrina neoplatónica. O jovem imperador foi particularmente atraído por Jâmblico (245/280-325/330), representante da escola síria do neoplatonismo. A escola de Pérgamo, onde o próprio Juliano estudou, era uma espécie de ramo da escola síria e Jâmblico era 
considerado uma autoridade incontestável.

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Para Juliano, Jâmblico era um modelo do "místico e perfeito" [Julian, 2016], e nos seus escritos encontrava "a sabedoria perfeita que só o homem pode descobrir". No entanto, um biógrafo de Juliano, Jacques Benoit-Meschen [Benoit-Meschen, 2001], observa que Juliano não se limita a ecoar e a reproduzir os ensinamentos de Jâmblico, mas integra-os e desenvolve-os, elaborando a doutrina do elemento intermédio ("mundo intermédio"), o Rei Sol (em três hipóstases), detalhando deste modo a configuração metafísica da filosofia neoplatónica.
A hipóstase mais elevada do Sol era o Sol apofático, idêntico ao Um (Ἕν) de Plotino. O Sol intermédio era a Luz metafísica, que liga os mundos especulativos (noéticos) ao Cosmos. Finalmente, a terceira hipóstase do Sol era o Sol do mundo corpóreo visível, representando
o limite inferior das emanações do princípio absoluto.
Para Juliano,
a questão da conexão entre a mente e o mundo material (ou seja, o problema do "Sol do meio") torna-se a principal. E ele procura simultaneamente uma resposta para ela tanto ontológica como politicamente. Para ele, como para qualquer platónico, os planos político e ontológico estão interligados e são homólogos. O mediador, Hélio, é para Juliano simultaneamente uma figura metafísica e política, o Rei (e em referência ao Sol, Juliano usa os substantivos βασιλεύς - basileu ou rei, κύριος - kirious senhor, e os verbos ἐπι-τροπεύω - ser guardião, gerente, e ἡγέομαι - administrar, liderar, preceder). Os paralelos entre Hélio e a figura do governante permeiam todo o hino Ao Rei Sol. Por exemplo: "Os planetas conduzem uma dança redonda à volta dele [Hélio], mantendo as distâncias como à volta do seu rei" [Julian, 2016]. Tal como Hélio, o Deus Sol, actua como intérprete das ideias no mundo sensual, o imperador-filósofo é um companheiro, um acompanhante do Rei Sol. É o "companheiro" (ὀπᾱδός) [opados, discípulo] que Juliano chama a si próprio no início do hino [ibid]. Todo o governante, observa Juliano no seu tratado Sobre os actos do autocrata e do Reino, deve ser um servidor  e um adivinho do rei dos deuses [Hélios] [ibid].

 Também do Rei Sol, Hélio, a sabedoria e o conhecimento, bem como a essência, são adoptados por Atena, a deusa padroeira da polis [ou cidade] e dos Estados: a sua sabedoria, que provém de Hélio, "é a base da comunicação política" [ibid.] Na concepção de Juliano, Hélio acaba por ser o fundador de Roma e Juliano demonstra na lenda segundo a qual a alma de Rómulo teria descido do Sol à Terra, que: "a estreita convergência de Hélio e Selene (...) tornou possível a descida da sua alma à terra e, depois da destruição da parte mortal do seu corpo pelo fogo do relâmpago, a sua ascensão da terra " [ibid.]

 A unidade da Luz entendida metafisicamente, simbolizada por Hélio, permeia todo o sistema da filosofia juliana. De acordo com a visão neoplatónica, a unidade é sempre apofática [impossível de se verbalizar] e só pode ser alcançada tangencialmente. A forma mais elevada de Unidade é acessível através da genada [(?)], a comunhão com o Uno. Por isso, o cosmos está como que reunido, gravitando em direção ao Uno, mas nunca o alcançando. Mesmo a hipóstase mais elevada do Rei Sol em Juliano é apofática. A natureza da Luz tem origem nesta obscuridade apofática do Sol invisível e a partir daí permeia todos os outros níveis da criação. O Estado, entendido como império, isto é, como reunião da multidão dos povos numa unidade, é como uma genada [(?)]. Não é a Unidade em si mesma nem a Luz em si, mas a vontade em direção a ela, o movimento em direção a ela. E, tal como a alma ou essência do rei desce das esferas superiores, assim o próprio reino aspira ao rei como sua fonte, que informa a política com a graça genésica [(?)].

Juliano propôs-se a tarefa quase impossível de realizar o ideal platónico do rei-filósofo, no contexto do Império Romano real do século IV e dum cristianismo cada vez mais poderoso e influente,  para se tornar um "companheiro" do Sol que fosse um garante da justiça (δικαιοσύνη) [dikaiosýnē]. "A sua principal força motriz era um sentido de responsabilidade tão forte como o do filósofo no trono, Marco Aurélio, que o filósofo Juliano admirava" [Zalinsky, 2016].
Durante o ano e meio do seu reinado imperial (e alguns anos como César, na Gália, antes disso), Juliano, guiado pelos princípios do Estado platónico (como Walter Hyde observou com razão, "Juliano pôs em prática a teoria platónica" [Hyde, 1843]), tentou harmonizar o sistema político com o ideal filosófico da tradição filosófica platónica [Athanassiadi, 1981], e conseguiu-o em parte.

 Político de sucesso, mostrou-se simultaneamente seja um líder valoroso (vitórias brilhantes na Gália sobre os Germanos, comando eficaz do exército até à sua morte - até à última batalha com os Persas, na qual o imperador foi morto) seja um reformador radical da fé pagã, que perdia força devido ao advento da nova religião cristã, de contornos ainda pouco nítidos (na altura fragmentada por inúmeras interpretações, vigorosamente polémicas entre si). Juliano não foi só um governante laico, mas procurou também encarnar a imagem ideal de um rei-filósofo na sua conceção ontológica - pancósmica - em estreita consonância com os esquemas simbólicos em estreita conformidade com os padrões simbólicos do neoplatonismo. A declarada tolerância religiosa de Juliano baseava-se também nas suas profundas convicções filosóficas. Não se tratava de uma simples rejeição da cristianização do Império em favor do secularismo, e ainda menos da substituição de uma religião por outra. De acordo com o pensamento de Juliano, a fé, a religião, a autoridade - o reino da opinião (δόξα) [doxa] - devem ser subordinadas a um princípio superior, o Rei do universo, "aquele em torno do qual tudo está ou é".

 Mas esta subordinação não podia ser formal, porque toda a estrutura hierárquica do princípio dominante - o Rei-Sol - estava aberta a partir de cima, ou seja, era genésica [(?)]. Na estrutura da filosofia neoplatónica, só se pode ter a certeza do movimento em direção ao Um, mas não do próprio Um, que é inatingível. Consequentemente, o modelo político de Juliano representava o princípio de um "império aberto", no qual o imperativo era a busca da sabedoria, mas não a Sabedoria em si, dado que esta não podia em última análise ser encarnada em qualquer conjunto de princípios - não apenas cristãos mas também pagãos. Mas a conclusão desta abertura foi o oposto das tendências seculares da nova era [(cristã)]: o sagrado e o princípio da Luz devem governar, e este é o imperativo da filosofia política juliana, embora esta regra não possa ser fixada em leis imutáveis. O significado da Luz é que ela é viva. E, da mesma forma, o Império revelado e o seu governante devem estar vivos. Aqui a própria noção de filosofia recupera o seu significado mais profundo. A filosofia é amor pela sabedoria, um movimento em direção a ela. É uma busca da Luz, um serviço ao Rei Sol, uma companhia com ele. Mas se dermos a esta sabedoria um carácter formalizado, não estamos a lidar com filosofia, mas com o sofisma. O que Juliano manifestamente rejeitava no cristianismo.
Enclausurando-se e
m  dogmas rígidos, a genuflexão do Império aberto foi substituída por um código alienado, e assim o império fechou-se ao alto, perdendo a sua sacralidade total a favor de uma única versão possível da religião. O reino da opinião (δόξα, doxa) é conscientemente o reino do relativo, do contingente. Deve ser orientado para o Sol, caso em que a opinião se tornará ortodoxia (ορθο-δοξία), uma "opinião correcta", mas ainda assim uma opinião.
O que é interessante sobre o d
estino de Juliano é o facto de ele não ter tido qualquer desejo particular de conquistar o poder, preocupando-se sobretudo com a filosofia e maravilhando-se com os rituais teúrgicos. Juliano foi, antes de mais, um filósofo e, só por força da inevitabilidade, do destino, do presságio e do caminho escolhido para ele por Hélio, um soberano.
No
 Elogio de Juliano, o retórico Libânio observa que: "ele não se esforçou por dominar, mas pelo bem-estar das cidades". [Libânio, 2014], e anteriormente o retórico observa que, se no tempo de Juliano tivesse havido outro candidato ao trono capaz de reavivar o helenismo, Juliano "teria evitado obstinadamente o poder". Juliano era um filósofo condenado pela Providência à descida, à emanação, pelo que a sua missão era demiúrgica e soteriológica. Estava destinado a tornar-se um governante e em virtude da sua natureza filosófica um companheiro do Sol.

  A capacidade de mediar  do Sol, de que falámos acima, a sua liderança corresponde à posição do rei-filósofo no estado ideal. Tal como Hélio, na sua atividade demiúrgica que gera ou adorna muitos eidos [ou ideias] ("pois alguns eidos ele aperfeiçoou, outros produziu, outros adornou, outros despertou [à vida e a identidade], de modo que não há uma única coisa que possa vir à existência ou nascer fora do poder demiúrgico que emana de Hélio" [Juliano, 2016]), assim também o filósofo-diretor dá a sua justa delimitação às propriedades. Ele, o "mediador", é o agente do verdadeiro conhecimento da natureza secreta das coisas e o organizador da ordem com base nesse verdadeiro conhecimento. Hélio é também associado por Juliano a Apolo, o qual estabeleceu oráculos por toda a Terra para dar aos homens a verdade inspirada pela Divindade. Hélio-Apolo é também considerado pelo imperador como o progenitor do povo romano, o que acrescenta à doutrina política de Juliano a tese da "escolha divina" dos Romanos.
Hélio-Zeus aparece também como o portador do princípio real. E também o deus dos mistérios noturnos Dionísio, que se torna em Juliano uma outra encarnação do Sol, Hélio-Dionísio, sendo também interpretado como uma continuação do mesmo princípio real nas profundezas dos mundos corpóreos. Zeus, Apolo e Dionísio, segundo Juliano, assinalam os três momentos no demiurgo político do governante perfeito: como Zeus governa o mundo, como Apolo, escreve as leis e impõe a vertical sagrada do Império Solar, como Dionísio, patrocina as religiões, os cultos e as artes, supervisiona os mistérios e ordena a
s liturgias.
Está provado que
 a imagem do Sol Mediador impressionou de tal modo o imperador que o induziu, na reforma do exército romano, a substituir no brasão imperial a inscrição cristã "Neste signo vencerás"  pela dedicatória mitraica "Sol Invencível". Obviamente, a imagem de Mitra é tomada aqui como uma metáfora filosófica e não como uma indicação de que foi o Mitraísmo que inspirou as reformas religiosas e políticas de Juliano. Sol Invicto é o próprio Rei Hélio na sua natureza original generalizante. Poderia servir como denominador comum de várias imagens religiosas - no espírito da síntese neo-platónica ou daquilo a que o  neo-platonista posterior Proclus chamaria Teologia Platónica. [Proclus, 2001].
No caso desta substituição de In hoc signo vincis por Sol invictus, que é por vezes interpretada como o exemplo mais claro de "restauração pagã", podemos ver outra realidade: não a substituição de um culto por outro, mas o apelo a uma fonte filosófica comum a várias religiões e credos. Tal como o império une as nações e o reino, também uma sacralidade imperial integral eleva todas as formas privadas a uma fonte genésica [(no italiano (genadica)]. De resto, a cruz é também um símbolo solar e, no brasão imperial, estava muito associada ao episódio da vitória militar e ao florescimento político de Roma sob Constantin
o.
                                   Conclusão
A era de Juliano
 foi uma tentativa de construir um Império-Platonopolis  universal: como um verdadeiro platónico, Juliano procurou abraçar e reformar todas as áreas - tanto a religiosa (a introdução de ritos penitenciais, caridade,  dando aos cultos pagãos formais um caráter ético, o Édito sobre a tolerância religiosa), como a da vida na corte (a racionalização do pessoal da corte, convite a estarem na corte  filósofos, oradores e sacerdotes nobres,  restauração do estatuto e do poder anteriores do Senado), bem como a vida financeira (a restauração do autogoverno urbano, a transferência para os municípios do direito de cobrar impostos em benefício das cidades). Mas o curso da história já estava  predeterminado. O Cristianismo, embora tendo absorvido alguns elementos do Helenismo (em particular, incorporando a doutrina da realeza platónica e assimilando os melhores elementos do misticismo e da teologia neoplatónicos), demoliu irreversivelmente o vetusto edifício da antiguidade.
O historiado
r Inge observa que Juliano "era um conservador quando não havia mais nada para conservar". [Inge, 1900]. O tempo de Juliano havia passado e um novo governante havia chegado ao mundo. A partir de então, a sacralidade imperial e a missão metafísica do imperador foram interpretadas em um contexto estritamente cristão - como a figura de um catecúmeno (κατέχων), que retém, cuja semântica foi determinada pela estrutura da escatologia cristã, na qual o imperador ortodoxo, de acordo com a interpretação de João Crisóstomo, era visto como o principal obstáculo à vinda do Anticristo. Mas mesmo nesse conceito de catecúmeno é possível discernir ecos distantes da ontologia política do Rei Sol, já que no bizantinismo o império também se torna um fenómeno metafísico e, portanto, adquire um caráter filosófico. Trata-se, no entanto, de uma versão substancialmente reduzida do platonismo político, já que mais particular e definida dogmaticamente em relação ao âmbito mais universal da filosofia política de Juliano.

 Bibliografia

1. Athanassiadi P. (1981) Julian: An Intellectual Biography. Oxford: Clarendon Press.
2. Benoit-Meschen J. (2001) Yulian Otstupnik [Julian the Apostate]. Moscow: Molodaya gvardiya Publ.
3. Bowersock G. (1978) Julian the Apostate. London.
4. Duruy V. (1883) Annuaire de l'Association pour l'encouragement des études grecques en France. Revue des Études Grecques, 17, pp. 319-323.
5. Ehrhardt A. (1953) The Political Philosophy of Neo-Platonism. In: Mélanges V. Arangio-Ruiz. Naples.
6. Gardner A. (1895) Julian Philosopher and Emperor and the Last Struggle of Paganism Against Christianity. London: G.P. Putnam's Son.
7. Hyde W. (1843) Emperor Julian. The classical weekly, 37, 3.
8. Inge W.R. (1900) The Permanent Influence of Neoplatonism upon Christianity. The American Journal of Theology, 4, 2.
9. Julian (2016) Polnoe sobranie tvorenii [Full collection of works]. St. Petersburg: Kvadrivium Publ.
10. Libanius (2014) Rechi [Speeches]. St. Petersburg: Kvadrivium Publ. Vol. 1.
11. O’Meara D.J. (2003) Platonopolis. Platonic Political Philosophy in Late Antiquity. Oxford: Clarendon Press.
12. Proclus (2001) Platonovskaya teologiya [Platonic Theology]. St. Petersburg: Letnii sad Publ.
13. Veyne P. (2005) L'Empire Gréco-Romain. Paris: Seuil.
14. Zelinskii F.F. (2016) Rimskaya imperiya [Roman Empire]. St. Petersburg: Aleteiya Publ. 

For citation
Dugina D.A. (2018) Politicheskii platonizm imperatora Yuliana [The political Platonism of the Emperor Julian]. Kontekst i refleksiya: filosofiya o mire i cheloveke [Context and Reflection: Philosophy of the World and Human Being], 7 (2А), pp. 32-38. 

Keywords 
Political Platonism, Neoplatonism, Emperor Julian, late Platonism, political philosophy of Neoplatonism. 

Palavras Chaves
Platonismo político, Neoplatonismo, Imperador Juliano, Platonismo tardio, Filosofia política do Neoplaton
ismo.

Tradução minha da tradução italiana Il platonismo politico dell'imperatore Giuliano por Lorenzo Maria Pacini, publicada em 27.VIII.2023, em www.geopolitika.ru, do ensaio da filósofa e mártir Daria Dugina Platonova. 

                                           

Muita luz e amor na sua alma e espírito! 

Que como "companheira" do Sol central da Divindade, Logos, Hélio, Zeus, seja Daria Dugina também companheira, guia e subtil inspiradora dos que a admiram, estudam e amam, ou a meditam e invocam!

sábado, 3 de junho de 2023

"Daria Dugina, Filosofia como Destino", por Natalia Melentyeva. A crítica de Daria a Deleuze e à dissolução do ser. Tradução inglesa e portuguesa.

Daria Dugina, Filosofia como Destino, traduzido de Daria Dugina, Philosophy as Destiny, escrito por Natalia Melentyeva, mãe de Daria.

                                                            
Discurso na entrega a Daria Dugina do diploma de vencedora do prémio A Face da Nação. Lutadores na frente invisível 2022, em 2 de Fevereiro de 2023. Speech on the occasion of the presentation of a diploma to the winner of the award The Face of the Nation. Fighters of the Invisible Front 2022 to Daria Alexandrovna Dugina, 2 February 2023.
                                               
                                                   15-XII-1992 a 20-VIII-2022...........
Tradução minha, da tradução inglesa por Lorenzo Maria Pacini, e que encontra no fim:
                             A Filosofia como Destino. 

«A vida no mundo actual pressupõe e até exige um enorme esforço da nossa parte não só nas questões mundanas e  movimentos exteriores. Acima de tudo, exige um esforço da mente, do pensamento - um esforço mental, um "fazer mental" como era chamado na tradição monástica dos "santos padres", e esta praxis da mente é necessária não só para fazer uma "distinção", diacrisis,  como diziam os platonistas gregos, para distinguir um do outro - o precioso do não precioso, o bom do mau, o casual do fatal, mas para algo muito maior e mais significativo...
Vivemos num mundo danificado, distorcido, numa civilização quebrada, cuja espinha dorsal está partida, assim como a sua percepção da superioridade vertical e hierárquica. Um esforço inteligente é necessário para restaurar as proporções deste mundo hierárquico inteligente, 
o modelo do qual foi criado [ou intuído...] por Platão, e isso é o Platonismo.

Muita luz e amor para Daria Dugina Platonov, uma mulher extraordinária, barbaramente assassinada à bomba por uma agente dos serviços secretos  ucranianos... 
  

 Daria Dugina escolheu o pseudónimo Platonov e dedicou-se ao estudo do platonismo e dos filósofos platónicos. O americano A. Whitehead disse uma vez que toda a filosofia do mundo não passa de anotações nas  margens de Platão. Ao envolver-nos com o Platonismo - chegamos ao centro do tufão, ao coração do problema da geração do significado, da criação de estruturas de pensamento, da mente, da história, das culturas, das civilizações...
Dasha [Daria]
sabia disso e escolheu deliberadamente esse caminho. O caminho da mente é perigoso. As pessoas temem a mente como o fogo.  Em tempos antigos, as autoridades da cidade de Atenas mandaram executar o pensador mais sábio da Grécia e de toda a humanidade, Sócrates. O povo [cristão fanatizado] de Alexandria assassinou a filósofa neo-platónica Hipatia [qual Daria...] Actualmente, as elites do mundo ocidental odeiam o livre pensamento de uma forma cruel e totalitária. Matam e tencionam matar pensadores, filósofos, sábios, profetas, génios - todos aqueles que não pensam no destino da humanidade em uníssono com o grupo de vilões que se apoderaram do discurso global moderno, que estão prestes a encerrar completamente o Projecto Humano, transformando-o num clone, num computador, numa informação na nuvem. Daria Dugina sabia que este obscurantismo racional tinha de ser combatido, antes de mais, pela Mente: pensamento, ideia, conceito, projecto. Ela escolheu o platonismo como foco desta luta.
                                       
Platão criou um mundo inteligente e coerente de dois andares, no qual as ideias, os modelos, as formas d
as coisas e os acontecimentos do mundo flutuavam no andar de cima, enquanto no andar de baixo habitavam a matéria e as próprias coisas, as quais existiam contemplando as ideias-Logos e imitando-as como seus modelos celestiais. Assim se construiu a hierarquia do Céu e da Terra, uma hierarquia de ideias à cabeça da qual brilhava a ideia do Bem, ou do Um: o inexprimível,  para além de tudo o que podia ou não podia ser pensado. O Platonismo descrevia uma estrutura intelectual e inteligente do mundo, aberta a partir de cima. Colocava o ser humano no centro de uma hierarquia vertical, como uma espécie de mediador entre os mundos. Ao contemplar as ideias, o ser humano assegurava a construção do mundo e que as coisas eram produzidas, ecoando os arquétipos celestes. Este modelo de mundo existe há milénios. As suas estruturas, hierarquias, escalas de ascensão e de descida reflectem-se em todas as religiões do mundo. Nele, o ser humano é um "ser que ascende" (em direcção ao Espírito, ao Bem, à Verdade, à Beleza, à Justiça, ao Um) e, por vezes, retorna (o Mito da Caverna de Platão) e volta a subir a escada de Jacob, a escada da perfeição espiritual. Esta ascensão do homem, a sua perfeição, a sua transubstanciação, é o objectivo da vida.
No entanto, o mundo deteriora-se co
m o tempo, o ser humano torna-se insensato. De uma forma ou de outra, veio a Modernidade e depois a Pós-Modernidade, que é em parte aquilo em que nos encontramos hoje. O pós-modernista francês do século XX Gilles Deleuze falsifica Platão - apenas nas margens dos seus escritos - distorcendo fundamentalmente a imagem platónica do mundo. Deleuze argumenta que o platonismo não falava do dualismo entre ideias e matéria, mas da dualidade da própria matéria: a que acolhe as ideias, isto é, copia, e a que evita completamente a influência das ideias, esconde-se delas, escapa à influência do modelo inteligente, o Logos. No mundo, diz-nos o nosso mais popular filósofo ocidental [Deleuze], há coisas que se escapam, evitando qualquer forma, qualquer definição. E chama a isso "puro devir", "infinito", "sombra da cópia", "cópia sem original" ou "simulacro". Segundo Deleuze, essas coisas e pessoas indefiníveis, que escapam à ideia, ao Logos, não são completamente sem medida, mas essa medida não está acima delas, mas abaixo delas, no subsolo da sua existência. Não permanecem à sombra do Criador Único, dos mais altos significados celestiais, mas sob o feitiço, a hipnose de um elemento louco que vive abaixo daquela ordem que no Universo platónico as coisas recebem do Logos, do mundo da Mente e das ideias.
                                          
           Os dois mundos de Del
euze: cópias e simulacros.
Deleuze estabelece assim dois mundos: um re
gido pela Mente mundana, que recebe modelos e formas das esferas celestes, e este mundo aparece a Deleuze como decrépito, não livre, não dinâmico, totalitário. É o mundo de uma realidade fixa, de uma certeza fixa, e por isso o mundo das "pausas" e das "paragens", com uma linguagem desajeitada para o descrever, para falar dele.
O segundo mundo, novo e belo, vem em auxílio do antigo, trazendo consigo significados fluidos, um elemento de fluxo, leve, e um "devir rebelde" sem pausas e paragens.
Através da imobilidade e da rigidez do velho mundo hierárquico das ideias e das coisas (não é difícil adivinhar que se trata do mundo platónico dos duplos argumentos), o segundo mundo de Deleuze, o mundo do devir paradoxal, surge como um fantasma, onde tudo é fluido ao ponto de os significados de passado e futuro serem idênticos, onde o antes e o depois, o mais e o menos, a causa e o efeito, o excesso e a deficiência, o crime e o castigo se fundem numa inexplicável concórdia e inter-transformação. Entramos num mundo sem limites que são transgredidos - daí o mundo do crime, da ilegalidade. É um mundo de reversibilidade mútua dos acontecimentos, ou seja, um lugar onde a razão é problematizada. Deleuze gosta da ideia de que, a par das coisas e dos seres formalizados, existem acontecimentos indeterminados e que, à sua superfície, se agitam acontecimentos ainda mais pequenos, a que chama "efeitos". Os efeitos são fluidos, leves, não fundamentados, arbitrários, espontâneos.

                        O ser humano como acontecimento
"O que é uma ferida na superfície do corpo?", interroga-se Deleuze. É uma coisa densa com o seu próprio estatuto? Será um efeito, um pequeno acontecimento que "nem sequer existe, mas apenas torna-se, persiste durante algum tempo na sua manifestação", e possui um mínimo de ser.
O que é que nós próprios somos? Não será a vida humana, incluindo o nosso eu, o nosso cume interior, que veneramos como sujeito, o nosso mundo, o nosso sonho, sugere Deleuze, apenas uma agitação cega à superfície de um acontecimento qualquer? Somos apenas um ligeiro ranger na superfície do ser. Um som de papel, uma espécie de névoa que se move nos limites das coisas.
O que é o vermelho do ferro, o vermelho do rosto?, pergunta Deleuze. É uma mistura de vermelhos e verdes. Também nós somos misturas, misturando-nos, para o bem e para o mal, com as coisas.
O "mundo dos efeitos" de Deleuze mistura-se e espalha-se. Nele nos movemos num infinito Aeon de devir.
"Não há nenhum Todo no mundo", argumenta o mestre da retórica francesa, "que ordene e seja responsável pela metamorfose das coisas e de nós próprios.  Não há razão no mundo". O que nos é pedido não é que sejamos, mas que deslizemos [E para isso os meios de informação, alinhados e vendidos, tanto manipulam...]

                                              Caosmos
O mundo de Deleuze é uma viagem em direcção ao "Caosmos", com a perda de nomes e a negação de toda a permanência, incluindo o conhecimento (porque "a permanência precisa de paz e de Deus", como Deleuze observa, "e nós não podemos dar-vos isso"). É um universo sem verticalidade, onde o símbolo da árvore como eixo vertical e hierarquia é substituído pela imagem de um rizoma, um tubérculo como uma batata, que brota acidental e inconscientemente para o lado, para o lado, para baixo, por vezes até para cima. É o mundo do infinito, do apeiron (ἄπειρον) - o que os gregos antigos detestavam particularmente, por oposição ao limite, o peras (πέρας), que completava, fixava a coisa.
O devir deleuziano implica uma fusão da linguagem, onde os substantivos são varridos pelos verbos como entidades mais fluidas, e onde no devir tudo se dissolve e desaparece. O mundo real do devir de Deleuze é o mundo da linguagem que se desintegra e sofre mutações no processo dessa desintegração. Uma vez que o denotativo é abolido ainda antes da filosofia de Deleuze, no estruturalismo de F. de Saussure, do qual Deleuze se distancia, a realidade transforma-se nele numa residualidade puramente linguística, em que o tecido semântico, o campo de significação do ser, se dissolve e desaparece, envolvendo nessa extinção o Homem como proprietário e gestor da linguagem. Adquirida em puro devir, a pós-linguagem transforma-se num urro inexplicável - num clarão de "efeito" à superfície da suavidade fundida da matéria que desaba em profundezas infernais. Daria Dugina dedicou o seu ensaio Black Deleuze a Deleuze e tem-se referido frequentemente a ele e à sua filosofia nos seus discursos, intervenções e conferências.

                      Coisas Predatórias e o Sujeito Vazio Lda
O programa de dissolução do homem, de desestabilização e de dissolução do próprio mundo é hoje elaborado não só nos programas extravagantes e perversos da escola de Deleuze, mas também nos grupos filosóficos pós-deleuzianos de "realistas hiper-materialistas" ou "ontólogos orientados para o objecto" (OOO) ocidentais contemporâneos, como R. Negarestani, N. Land, G. Harman, R. Brassier, C. Meyasu e outros. Estes filósofos explicam que o ser humano, na filosofia ocidental clássica, aparece-nos injustificadamente como demasiado íntegro, autoritário, arrogante e presunçoso. No entanto, comparado com a inteligência artificial, por exemplo, é absolutamente imperfeito e intratável. Por conseguinte, é inútil e perigoso continuar a alimentar no homem a ilusão de ser o administrador do universo e o arquitecto do progresso social. O ser humano está demasiado sobrecarregado pelo Logos. Porque é que estamos tão seguros, perguntam os representantes da OOO, de que o homem é a medida das coisas, o polo principal da correlação? Há o Nada e a sua circularidade, que se chama "devir". A partir de agora, o mundo do ser anteriormente chamado "homem" caracteriza-se pela indeterminação, indefinição, fluidez, "permeabilidade", caoticidade, e isto diz respeito não só aos acontecimentos da sua vida, mas também ao estado do seu  frágil e instável  eu [cuja identidade e género é cada vez mais manipulada, e a origem espiritual e divina é escamoteada.]
Mas o que é verdadeiramente sólido e fiável no mundo são os objectos cósmicos, as coisas simples, a Terra, o seu núcleo, comprimido na prisão de uma crosta gelada. Os objectos, embora fenomenologicamente indemonstráveis, são também praticamente alcançáveis: se apenas extinguirmos o nosso Dasein [vir a ser] humano, revelar-se-ão a nós de uma forma completamente inesperada, muito provavelmente como monstros, de acordo com Graham Harman, do Realismo Estranho (Weird Realism). Enquanto a nossa presença humana ainda persiste, os númenos são inalcançáveis. Eles (os númenos, as coisas em si) vivem de uma forma radicalmente externa (infernal), inacessível para nós, e muito possivelmente bastante predatória, e nós tiramos partido disso, considerando-nos ingenuamente seus senhores e amantes, mas há uma grande rebelião das coisas que está para vir, como disse Bruno Latour. O homem não é nada, com todas as suas reivindicações, capacidades, projectos e ilusões efémeras; os objectos têm de ser libertados do homem, deixados livres para criar, para seguir os seus próprios caminhos e trajectórias cósmicas; o homem tem de ser retirado do caminho do núcleo da Terra, por exemplo, para libertar o demónio nuclear dentro da Terra, para que esta essência solar quente e brilhante se possa unir numa dança cósmica com o Sol - é isto que nos diz o filósofo americano nascido no Irão, Reza Negarestani, fazendo eco do filósofo britânico Nick Land.
Daria Dugina estudou muito cuidadosamente os textos dos ontologistas contemporâneos orientados para os objectos, polemizando com eles em artigos e discursos. Houve também um incidente curioso. Daria participou uma vez numa apresentação on-line do livro de Negarestani em Moscovo. Este incidente tornou-se conhecido porque, durante uma discussão intelectual, um dos admiradores de Dasha pediu-lhe a mão e o coração. Daria prometeu gentilmente considerar essa proposta, mas só depois de o pretendente de ideias conservadoras-tradicionalistas conseguir dominar a filosofia oposta à sua e aprender de cor a Ciclonopédia de R. Negarest
ani.
                                           
                                 Ataque às superfícies.
O tema da insolvê
ncia e da vaidade do homem nos representantes, como mostrámos, está sincronizado com o da dissolução do ser humano em Deleuze, o filósofo subtil, no qual a verdadeira vontade é proclamada não para as coisas e os enormes corpos e objectos cósmicos, mas para os fracos efeitos de superfície de todas estas propriedades. Ao olharmos para o panorama da filosofia Ocidental moderna vemos diante de nós os diferentes flancos de uma frente única que ataca a nossa tradição espiritual - platónica, cristã, tradicional. Nesta invasão da filosofia Ocidental moderna sobre nós, não há verticais, não há hierarquias, nem formas, nem ideias, nem valores, nem objectos, nem essências, não há causas, não há qualidades, não há esquemas, não há objectivos, não há linguagem, não há profundidade, nem altura, nem liberdade, nem espírito, nem Deus [Yuval Hariri, do Fórum Económico Mundial, é outro destes propugnadores da Sombra]. Também não há lugar para o ser humano. É-lhe ordenado que não se aprofunde, que não olhe para o alto e para longe, que não sonhe, que não projecte, que não pense, mas que escorregue e se dissolva, que se agite e que não pense demasiado em si próprio. É-nos ordenado, até mesmo ordenado, que fiquemos à superfície das coisas, que deslizemos ao longo da superfície dos acontecimentos, que sigamos as tendências, que sigamos as agendas. [Tais as da Nova ordem do Fórum Económico Mundial,  as das Cidades de 15 minutos, ou os desequilíbrios de género e identidade].
                                     
                                   Guerra de Inteligências.
Eu disse "somos co
mandados"! Sim, é isso mesmo! Por detrás do suave sussurro do discurso selvagem de Deleuze, nós, tradicionalistas, sentimos o passo pesado do imperativo totalitário. Não significa isto que há alguém no mundo que compreende as regras que nos são oferecidas, e que no mundo não há ordens de coisas em si, mas ordens de interpretações? Sob a capa de um jogo filosófico aparentemente aleatório, são impostas exigências às coisas e a nós próprios, portanto princípios e regras pelos quais alguém nos cola a certos padrões de percepção e de comportamento?  Sim, de facto, este é o caso, e os nossos adversários intelectuais do Ocidente compreendem-no. Tal como a lei cardinal da geopolítica afirma que "quem controla o Heartland (Eurásia) possui o mundo", também aqui a fórmula funciona: "quem controla o discurso, estabelece a meta-linguagem, controla tudo".
Serão os paradigmas - as chaves das visões do mundo, das civilizações e das culturas - conhecidos no Ocidente? Os códigos da história e do futuro da humanidade?  Sim, sem dúvida. Mas eles não têm pressa em partilhar este conhecimento nem sequer com os "seus", quanto mais com aqueles que são obviamente classificados como estando no rebanho epistemológico.
Na Rússia, a resposta a esta questão é dada pelo tradicionalismo Russo. O pai de Daria Dugina dedicou a sua série de vinte e quatro volumes de obras, Noomachia, ao estudo do Logos das civilizações, aos paradigmas da história humana. E Daria cresceu com isso, assimilando desde muito cedo o gosto pela Tradição e pelas ontologias verticais. Daria nasceu e cresceu numa família de filósofos da qual foi e continua a ser uma parte orgânica e integral. É uma eterna estrela em ascensão do pensamento russo. Todas as questões mais agudas levantadas pela modernidade tóxica e pela pós-modernidade do crepúsculo ocidental são respondidas pelos grandes tradicionalistas do século XX: René Guénon, Julius Evola, Mircea Eliade, Ernst Jünger, Lucian Blaga [romeno, 1895-1961], Emile Cioran, Louis Dumont [1911-198], Georges Dumezil, Alain de Benoist [n.1943, na fotografia com Daria] e dezenas de outros pensa
dores refinados.
                                          
Ele [Alexander Dugin] via os tradicionalistas como os pioneiros da Mente na história do século XX
, que tentaram compreender o afundamento do navio da humanidade como uma transição do paradigma espiritual da Tradição (Antiguidade, Idade Média e Renascimento) para o paradigma materialista, individualista e anti-hierárquico da Idade Moderna, e depois para o paradigma em erosão da Idade Moderna que é a Idade Pós-Moderna.
                               
               Natalia Melentyeva (n. 22.IX.1957), com Alexander Dugin, a mãe de Daria.
A minha filha, Daria Platonova Dugina, interessou-se profundamente por todos estes temas. Dedicou-lhes artigos, relatórios, textos, fragmentos da sua dissertação inacabada. Num futuro próximo, espero publicar um livro com os seus textos filosóficos e histórico-filosóficos (relatórios, artigos, excertos).
                                       
Daria seguiu os seus pais tradicionalistas que, por sua vez, dedicaram toda a sua vida a analisar, tradu
zir, expor e ensinar as doutrinas tradicionalistas e a sua interpolação em vários domínios das ciências humanas - filosofia, sociologia, ciência política, história da filosofia, ciência, arte, teoria das relações internacionais, etc. - e ao estudo da história da filosofia. - e ao estudo da história da filosofia.
A minha referência às duas tendências intelectuais da modernidade - o deleuzianismo e as ontologias orientadas para o objecto - não é acidental. Como referi, a nossa condição actual exige um esforço mental sólido: não apenas um acto mental isolado de decifração e actualização da paisagem intelectual da modernidade, mas uma penetração determinada, profunda, diria mesmo iniciática, na essência da luta intelectual contemporânea. É uma luta, um confronto de mentes no mundo contemporâneo, uma verdadeira batalha ou Guerra das Mentes, Noomachia, como lhe chamou Alexander Dugin. O que é mais surpreendente e inesperado para o observador superficial é que esta guerra está cheia de batalhas, confrontos, lutas perdidas e ganhas, travadas com inteligência intelectual, manobras enganadoras, lavagem cerebral e desinformação intelectual. Actualmente, na retórica oficial da ciência política, fala-se de guerras mentais, ou seja, a mesma guerra da mente, a guerra do espírito [ou das mentes de almas-espíritos em confronto].                                

                                              
Assim, os nossos ini
migos nesta guerra mental sabem muito bem o preço de um pensamento, o preço de uma ideia, o preço de um projecto. Mesmo Arthur Rimbaud, que dizia que "a batalha espiritual é tão feroz como as batalhas de um exército", sabia-o bem.
Nós, os filósofos da Tradição, os filósofos tradicionalistas, que soubemos discernir a estratégia do mundo moderno e reconhecer os paradigmas do Moderno e do Pós-Moderno que nos são estranhos, participamos nesta batalha feroz. Eles são-nos impostos pela civilização Ocidental moderna, com os seus percursos históricos particulares, os seus princípios e valores: liberalismo, individualismo, anti-hierarquia, materialismo. Estes princípios não são inofensivos. Em última análise, são desumanos e, de uma forma ou de outra, conduzem à destruição do homem e ao apagamento da humanidade do Livro da Vida.
Daria Dugina estava na vanguarda da guerra das inteligências, na "fronteira" intelectual, como gostava de dizer, no espaço das batalhas dos paradigmas, das ideias, das civilizações; era um verdadeiro cavaleiro da frente intelectual, um verdadeiro "filósofo-guardião", como Platão chamava aos filósofos, porque guardavam o que o ser humano tem de mais elevado: a sua dignidade intelectual, o seu direito à liberdade, ao pensamento, à protecção dos mais altos valores humanos, ao acesso, subindo a escada da contemplação dos mais altos princípios,
 e que no seu todo no Platonismo se chama Verdade, Bem, Justiça, Beleza, Bondade.» Que brilhem mais em nós!
                                         
                                              LUX-AMOR!
                                               ********
Philosophy as Destiny, by the mother of Daria, Natalia Melentyeva. Translation from russian by Lorenzo Maria Pacini.
«Life in today's world presupposes and even requires an enormous effort on our part, not on
ly in worldly matters and outward movements. Above all, it requires an effort of the mind, of thought - a mental effort, a "mental doing" as it was called in the monastic tradition of the "holy fathers", with this praxis of the Mind is necessary not only to make a "distinction", diacrisis, as the Greek Platonists used to say, to distinguish one from the other - the precious from the non-precious, the good from the bad, the casual from the fatal, but for something much greater and more significant... We live in a damaged, twisted world, in a broken civilisation whose backbone is broken, as is its perception of vertical and hierarchical superiority. An intelligent effort is needed to restore the proportions of this intelligent hierarchical world, the model for which was created by Plato, and that is Platonism.
Daria D
ugina chose the pseudonym Platonov and devoted herself to the study of Platonism and Platonic philosophers. The american A. Whitehead once said that the entire world's philosophy is nothing but Plato's margin notes. By engaging with Platonism - we get to the centre of the typhoon, to the heart of the problem of meaning generation, of the creation of thought structures, of the mind, of history, of cultures, of civilisations... Dasha knew this and deliberately chose this path. The way of the mind is dangerous. People fear the mind like fire.  Once, the city authorities of Athens had the wisest thinker of Greece and of all humanity, Socrates, executed; the people of Alexandria murdered the Neo-Platonic philosopher Hypatia. Today, the elites of the Western world hate free thinking in a vicious and totalitarian manner. They kill and intend to kill thinkers, philosophers, sages, prophets, geniuses - all those who do not think about the fate of mankind in unison with the group of villains who have taken over the modern global discourse, who are about to shut down the Human Project altogether, turning it into a clone, a computer, information in the cloud. Daria Dugina knew that this reasoned obscurantism had to be countered first and foremost by Mind: thought, idea, concept, design. She chose Platonism as the focus of this struggle.
Plato create
d an intelligent and coherent two-storey world, in which the ideas, models, forms of things and events of the world floated in the upper storey, while in the lower storey dwelt matter and things themselves, which existed by contemplating the ideas-Logos and imitating them as their celestial models. Thus was constructed the hierarchy of Heaven and Earth, a hierarchy of ideas at the head of which shone the idea of the Good, or the One: the inexpressible, the inexpressible, beyond all that could or could not be thought. Platonism described an intellectual and intelligent structure of the world, open from above. It placed man at the centre of a vertical hierarchy as a kind of mediator between worlds. By contemplating ideas, man ensured that the world was constructed and things were produced, echoing the celestial archetypes. This model of the world has existed for millennia. Its structures, hierarchies, scales of ascent and descent are reflected in all the world's religions. Man in it is a 'being who ascends' (towards Spirit, Goodness, Truth, Beauty, Justice, the One), and sometimes returns (Plato's Myth of the Cave) and climbs back up Jacob's ladder, the ladder of spiritual perfection. This ascent of man, his perfection, his transubstantiation, is the goal of life.

 Becoming and the dark side of freedom

However, the world deteriorates over time, man becomes foolish. In one way or another came the Modern and then the Postmodern, which is partly what we find ourselves in today. The 20th century French postmodernist Gilles Deleuze falsifies Plato - only in the margins of his writings - fundamentally distorting the Platonic image of the world. Deleuze argues that Platonism was not talking about the dualism between ideas and matter, but about the duality of matter itself: that which welcomes ideas, that is, copies, and that which avoids the influence of ideas altogether, hides from them, escapes the influence of the intelligent model, the Logos. In the world, our most popular Western philosopher tells us, there are things that slip away, avoiding any form, any definition. He calls this 'pure becoming', 'infinite', 'shadow of the copy', 'copy without the original' or 'simulacrum'. According to Deleuze, such indefinable things and persons, who elude the idea, the Logos, are not completely without measure, but this measure is not above them, but below them, in the subsoil of their existence. They do not remain in the shadow of the One Creator, of the highest heavenly meanings, but under the spell, the hypnosis of a mad element that lives below that order which in the Platonic universe things receive from the Logos, the world of Mind and ideas.
                                              
                  D
eleuze's two worlds: copies and simulacra.

Thus Deleuze establishes two worlds: one governed by the mundane Mind, which receives models and forms from the celestial spheres, and this world appears to Deleuze as decrepit, not free, not dynamic, totalitarian. It is the world of a fixed reality, of a fixed certainty, and therefore the world of 'pauses' and 'stops', with a clumsy language to describe it, to speak of it.
The second world, new and beautiful, comes to the aid of the old, bringing with it flowing meanings, a flowing, light element of flux, and a 'rebellious becoming' without pauses and stops.
Through th
e immobility and rigidity of the old hierarchical world of ideas and things (it is not difficult to guess that this is the Platonic world of double arguments), Deleuze's second world, the world of paradoxical becoming, appears like a ghost, where everything is fluid to the point that the meanings of past and future are identical, where before and after, plus and minus, cause and effect, excess and deficiency, crime and punishment merge in an inexplicable concord and inter-transformation. We enter a world without limits that are transgressed - hence the world of crime, of lawlessness. It is a world of mutual reversibility of events, i.e. a place where reason is problematised. Deleuze likes the idea that alongside formalised things and beings there are indeterminate events and that on their surface even smaller events, which he calls 'effects', are stirring. Effects are fluid, light, ungrounded, arbitrary, spontaneous.

 Man as event

"What is a wound on the surface of the body?", Deleuze asks himself. Is it a dense thing with its own status? Is it an effect, a small event that 'does not even exist, but only persists for a while in its manifestation', becomes, possesses a minimum of being.
What are we ourselves? Isn't human life, including our self, our inner summit, which we revere as subject, our world, our dream, Deleuze suggests, just a blind churning on the surface of some event? We are only a slight creaking on the surface of being. A rustling of paper, a kind of mist that moves at the edges of things.
What is the redness of iron, the redness of the face?, asks Deleuze. It is a mixture of reds and greens. We too are mixtures, mingling, for better or worse, with things.
Deleuze's 'world of effects' mixes and spreads. In it we move in an
infinite Aeon of becoming.
There is
no All in the world,' argues the master of French rhetoric, 'that orders and is responsible for the metamorphosis of things and ourselves.  There is no reason in the world. What is required of us is not to be, but to slip.
                                          
                                          Chaosmos.
Deleuze's world is a journey towards Chaosmos, with the loss of names and the negatio
n of all permanence, including knowledge (because 'permanence needs peace and God', as Deleuze notes, 'and we cannot give you that'). It is a universe without verticality, where the symbol of the tree as a vertical axis and hierarchy is replaced by the image of a rhizome, a tuber like a potato, which sprouts casually and unconsciously to the side, to the side, down, sometimes even up. This is the world of the infinite, the apeiron (ἄπειρον) - what the ancient Greeks particularly hated, as opposed to the limit, the peras (πέρας), which completed, fixed the thing.
Deleuzian becoming impli
es a fusion of language, where nouns are swept away by verbs as more fluid entities, and where in becoming everything dissolves and disappears. Deleuze's actual world of becoming is the world of language that disintegrates and mutates in the process of this disintegration. Since the denotative is abolished even before Deleuze's philosophy, in the structuralism of F. de Saussure, from which Deleuze distances himself, reality is transformed in him into a purely linguistic residuality, in which the semantic fabric, the field of meaning of being, dissolves and disappears, involving Man as the owner and manager of language in this extinction. Acquired in pure becoming, post-language is transformed into an inexplicable bellow - into a flash of 'effect' on the surface of the molten smoothness of matter that collapses into infernal depths. Daria Dugina dedicated her essay Black Deleuze to Deleuze and has often referred to him and his philosophy in her speeches, interventions and lectures.
                                                        

             Predatory Things and the Empty Subject Ltd.
The programm
e of man's dissolution, destabilisation and dissolution of the world itself is today being elaborated not only in the extravagant and perverse programmes of the Deleuze school, but also in the post-Deleuzian philosophical groups of contemporary Western 'hyper-materialist realists' or 'object-oriented ontologists' (OOO), such as R. Negarestani, N. Land, G. Harman, R. Brassier, C. Meyasu and others. These philosophers explain that man, in classical Western philosophy, unjustifiably appears to us as too upright, authoritarian, arrogant and self-righteous. However, compared to artificial intelligence, for example, it is absolutely imperfect and unmanageable. It is therefore pointless and dangerous to continue to indulge man in his illusion of being the administrator of the universe and the architect of social progress. Man is too burdened by the Logos. Why are we so sure, ask the OOO representatives, that man is the measure of things, the main pole of correlation? There is Nothingness and its circularity, which is called 'becoming'. Henceforth, the world of the being formerly called 'man' is characterised by indeterminacy, blurriness, fluidity, 'permeability', chaoticity, and this concerns not only the events of his life, but also 
the state of his fragile and unstable self.
But wha
t is truly solid and reliable in the world are cosmic objects, simple things, the Earth, its core, compressed in the prison of an icy crust. Objects, though phenomenologically indemonstrable, are also practically attainable: if only we extinguish our human Dasein, they will reveal themselves to us in a completely unexpected way, most likely as monsters, according to Graham Harman, of Weird Realism. While our human presence is still persistent, the noomen are unreachable. They (the noomen, the things) live in a radically external (hellish) way, inaccessible to us, and quite possibly quite predatory, and we take advantage of this, naively considering ourselves their masters and mistresses, but there is a great rebellion of things to come, as Bruno Latour said. Man is nothing, with all his ephemeral claims, capacities, projects and illusions; objects must be freed from man, left free to create, to follow their own cosmic paths and trajectories; man must be removed from the path of the Earth's core, for example, to free the nuclear demon within the Earth, so that this hot, glowing solar essence can unite in a cosmic dance with the Sun - this is what the Iranian-born American philosopher Reza Negarestani tells us, echoing the British philosopher Nick Land.
Daria D
ugina has studied the texts of contemporary object-oriented ontologists very carefully, polemising with them in articles and speeches. There was also a curious incident. Daria once participated in an on-line presentation of Negarestani's book in Moscow. This incident became well known because in the middle of an intellectual discussion, one of Dasha's admirers asked for her hand and heart. Daria kindly promises to consider this proposal, but only after the suitor of conservative-traditionalist ideas manages to master the philosophy opposite hers and learns R. Negarestani's Cyclonopedia by heart.

                              

                                        Attack on surfaces.
The theme of the insolv
ency and vanity of man in the representatives, as we have shown, is synchronised with that of the dissolution of man in Deleuze, the subtle philosopher, in which the true will is proclaimed not for things and huge cosmic bodies and objects, but for the weak surface effects of all these properties. Taking in the panorama of modern Western philosophy, we see before us the different flanks of a single front attacking our spiritual tradition - Platonic, Christian, traditional. In this invasion of modern Western philosophy upon us, there are no verticals, no hierarchies, no forms, no ideas, no values, no objects, no essences, no causes, no qualities, no schemes, no goals, no language, no depth, no height, no freedom, no spirit, no God. There is no place for man either. He is commanded not to go deep, not to look high and far, not to dream, not to project, not to think, but to slip and dissolve, to rustle and not to think too much of himself. We are commanded, even ordered, to stay on the surface of things, to glide along the surface of events, to follow trends, to follow agendas.
                                                             
                                              War of wits.
I said "we are commanded"! Yes, th
at's right! Behind the soft rustle of Deleuze's wild speech, we traditionalists feel the heavy tread of the totalitarian imperative. Does this not mean that there is someone in the world who understands what rules are offered to us, and that in the world there are not orders of things per se, but orders of interpretations? Under the guise of a seemingly random philosophical game, are requirements imposed on things and ourselves, hence principles and rules by which someone glues us to certain standards of perception and behaviour?  Yes, this is indeed the case, and our intellectual adversaries in the West understand this. Just as the cardinal law of geopolitics states that 'He who controls the Heartland (Eurasia) owns the world', so here the formula works: 'He who controls the discourse, establishes the meta-language, rules over everything'.
Are the paradigms - the keys to worldviews, civilisations and cultures - known in the West? The codes of humanity's history and future? Yes, without a doubt. But they are in no hurry to share this knowledge even with 'their own', let alone those who are obviously classified among the epistemological herd.
In Russia, the answer to this question is offered by Russian traditionalism. Daria Dugina's father dedicated his 24-volume series of works, Noomachia, to the study of the Logos of civilisations, the paradigms of human history. And Daria grew up with it, assimilating from an early age a taste for Tradition and vertical ontologies. Daria was born and raised in a family of philosophers of which she was and still is an organic and integral part. She is an eternal rising star of Russian thought. All the sharpest questions thrown up by toxic modernity and the post-modernity of the western twilight are answered by the great traditionalists of the 20th century: René Guénon, Julius Evola, Mircea Eliade, Ernst Jünger, Lucian Blaga, Emile Cioran, Louis Dumont, Georges Dumezil, Alain de Benoit and dozens of other refined thinkers.

                                            
He saw the traditionalists as those pioneers of Mind in 20th century history, who tried to understand the sinking of the ship of humanity as a transition from the spiritual paradigm of Tradition (Antiquity, the Middle Ages and the Renaissance) to the materialistic, individualistic and anti-hierarchical paradigm of the Modern Age, and then to the eroding paradigm of the Modern Age that is the Postmodern Age.
My daughter
, Daria Platonova Dugina, was deeply interested in all these topics.  She dedicated articles, reports, texts, fragments of her unfinished dissertation to them. In the near future, I hope to publish a book with her philosophical and historical-philosophical texts (reports, articles, excerpts).
                                    

Daria followed her traditionalist parents who, in turn, devoted their entire lives to analysing, translating, expounding, and teaching traditionalist doctrines and their interpolation into various fields of the human sciences - philosophy, sociology, political science, history of philosophy, science, art, theory of international relations, etc. - and to the study of the history of philosophy.
My reference to the two intellectu
al trends of modernity - Deleuzianism and object-oriented ontologies - is not accidental. As mentioned, our current condition requires a solid mental effort: not just a detached mental act of deciphering and actualising the intellectual landscape of modernity, but a determined, deep, I would say initiatory, penetration into the essence of the contemporary intellectual struggle. It is a struggle, a confrontation of minds in the contemporary world, a real battle or War of the Minds, Noomachia, as Alexander Dugin called it. What is most surprising and unexpected to the superficial observer is that this war is full of battles, clashes, battles lost and won, delivered with intellectual intelligence, deceptive manoeuvres, brainwashing and intellectual disinformation. Today, in the official rhetoric of political science, we speak of 'mental wars', i.e. the same 'war of the mind', the war of the spirit.
                                                                      
Thus, our enemies in this war of the mind know very well the price of a thought, the price of an idea, the price of a project. Even Arthur Rimbaud, who said that 'the spiritual battle is as fierce as the battles of an army', knows this well.
We, the
philosophers of tradition, traditionalist philosophers, who have been able to discern the strategy of the modern world and recognise the paradigms of the Modern and Postmodern that are alien to us, participate in this fierce battle. They are imposed on us by modern Western civilisation, with its particular historical paths, its principles and values: liberalism, individualism, anti-hierarchy, materialism. These principles are not harmless. Ultimately, they are inhuman and, in one way or another, lead to the destruction of man
and the erasure of humanity from the The Book of Life.
Daria
Dugina was in the vanguard of the war of wits, on the intellectual 'frontier', as she liked to say, in the space of the battles of paradigms, ideas, civilisations; she was a true knight of the intellectual front, a true philosopher-guardian, as Plato called philosophers, because they guarded the highest thing man has: his intellectual dignity, his right to freedom, to thought, to the protection of the highest human values, to access, by climbing the ladder of contemplation of the highest principles, the entire volume of what in Platonism is called Truth, Good, Justice, Beauty, Goodness.