sexta-feira, 19 de dezembro de 2025

S. Catarina de Ricci, o Amor divino e o Anjo da Guarda... Duas relações setecentistas da sua vida, milagres e canonização

                                                           

 S. Catarina de Ricci (1523-1590) é uma santa italiana do século XVI não muito conhecida em Portugal, apesar da sua extraordinária vida que cedo foi reconhecida como de alto valor espiritual por todos os que a contactavam desde tenra idade, de tal modo que aos 12 anos já  estagiava num convento vizinho e aos 16 professava na Ordem Dominicana no convento de Vincenzio, no Prado, onde iria decorrer toda a sua vida, de noviça a mestra e prioresa, mas irradiando até longe ao tornar-se conselheira e correspondente de reis e fiéis, papas e religiosos, entre os quais S. Filipe de Nery e Santa Maria Madalena de Pazzi.

                                     

Beatificada em 23/12/1732, a aprovação da sua canonização ocorreu a 6/10/1744 sendo  finalmente canonizada em 29/6/1746, pelo papa Bento XIV, dando origem às festividades habituais que se celebraram em Portugal sobretudo no convento de S. Domingos em Lisboa, com um oitavário,  do que resultou a publicação de duas relações, denominadas Compêndio e Epítome, de dois autores  que a partir das  fontes a que tiveram acesso descreveram a sua vida de modo bastante semelhante embora diferentes, e ambos aludindo nos títulos das páginas iniciais às festividades sacras no Rossio em Lisboa. Vamos no caso apenas estudar e meditar o início da vida espiritual da jovem Alesandrina  ou Alexandra, que só receberia o nome de Catarina quando professou aos 16 anos, e sobretudo na sua relação com o Anjo da Guarda e o Amor Divino...

 No Compendio da Vida, Virtudes, Morte  milagres de Santa Catharina de Ricci, religiosa professa da Ordem dos Pregadores,  traduzido de latim em português por M.F.L. Cuja canonização se celebra no real Convento de S. Domingos desta Cidade de Lisboa, &c. «A cidade de Florença foi o ditoso berço onde esta venerável Heroína da santidade saiu à luz do mundo em 25 de Abril 1522. Deram-lhe o ser da natureza  Pedro Francisco Ricci, e Catharina de Ponzano, tão virtuosos na genealogia da nobreza como ilustres nos predicados das virtudes; e logo que o tempo foi vencendo os impedimentos da infância começo Catarina a mostrar grandes sinais, e felizes prognósticos da sua futura santidade; porque desprezando  as pompas , grandezas e faustos do mundo, se entregou, com grande desengano, aos exercícios do silêncio, solidão e oração, nos quais virtuosos actos dispendia a maior parte do tempo. 

Por esta causa mereceu gozar da presença do seu Anjo Custódio, e a recrear-se com ele com diversos colóquios; chegando a tanta ventura esta felicidade, que o mesmo Anjo da Guarda, como Mestre, a industriava na recitação do Rosário de Maria Santíssima. Com este método de pedir e de rogar concebeu um tão afecto aos mistérios da Paixão de Cristo, que em todo o tempo da sua vida conservou o incêndio desta lembrança, e a chama desta memória...».

 Realcemos 1º a precocidade da aspiração espiritual da criança, como se viesse de um nível espiritual tão belo e elevado, tão divino, que sempre queria voltar a ele pelo silêncio, a aspiração, o sentir interior do divino e do espiritual.
Em 2º, a capacidade ascética ou de controle das atrações mundanas, desvalorizando-as, não se deixando prender nas ilusões e prazeres sensoriais e sociais.
E em 3º a capacidade de ver, sentir, dialogar com o Anjo ou, se quisermos, o merecer de tal graça pela sua vida pura, pelos eu amor ao divino, pela sua sensibilidade. Não é por acaso a tradição popular fala de que as crianças até aos sete anos verem os anjos, associando até a moleirinha no cimo da cabeça não estar ainda fechada, o que pode estar ligado a uma consciência de um centro de forças no cimo da cabeça nelas ainda muito aberto e que depois com a educação e a vida exteriorizante se vai encerrando na sua dimensão de comunhão subtil com os mundo espirituais.
4º O anjo ensinar-lhe a rezar a Ave Maria, algo que pode parecer pouco necessário, sendo uma oração mas não só ela era uma criança, como certamente a ensinava abrindo-lhe a sua visão e sensibilidade interior ao que se pode realizar com tais petições, e como tal poderia ressoava nela.
5ª Contemplando e meditando na vida e paixão de Jesus, a jovenzinha Alessandrina (e terá sido chamada de Sandrina?) despertou tant
o o seu centro espiritual cardíaco que ficou desde aí com uma chama acessa permanente, o que é compreensível dada a sua vida harmoniosa e sempre em adoração e acção generosa e compassiva pelo bem dos outros e da sacralidade religiosa, religante, transfigurante...

Na segunda versão da vida de S. Catarina de Ricci, impressa em Lisboa, em 1747 mas tal como a outra não datada expressamente, quando se celebrava sua canonização, Epitome da Portentosa vida, e milagres de Santa Catharina de Riccis, Florentina, (...); novamente canonizada pelo N. SS. P. Benedito XIV (...) cuja festividade celebram com Oitavário os Religiosos Dominicanos no Real Convento desta Corte, que começa a treze de Agosto de 1747,  lemos: «Na nobilíssima cidade de Florença, vistoso jardim da Itália, a vinte e cinco de Abril de mil quinhentos e vinte e dois viu Catarina a primeira luz do mundo, tendo seus ditosos progenitores Pedro Francisco de Ricciis, e Catharina de Ponsano, de nobreza e piedade conhecida. Puseram-lhe na Sagrada fonte do Bautismo o nome de Alexandra.
Nas p
rimeiras respirações da sua inocente vida deu logo indícios de uma admirável virtude, sendo todo o seu divertimento naquela primeira idade o silêncio, e oração. Logrou visível a comunicação do seu Anjo da Guarda, que lhe serviu de Mestre na devoção do Rosário; e inflamada com tão suave magistério na contemplação da Vida de Cristo, foi tal o incêndio, que lhe ateou no coração o Amor Divino, que se viu seu amante peito um vivo Mongibello.»

                                           

O autor desta última relação, e que diz ter-se baseado nos documentos da Sagrada congregação de Ritos, para a sua canonização (enquanto no primeiro só menciona traduzido do latim por M. F. L., e seria interessantes sabermos quem foram), era alma mais sensível, artística, panteísta, e assim na parte que transcrevemos abre com o ambiente onde nascera ou terá as primeiras respirações, e viverá Alessandrina, Florença, chamando-lhe o jardim vistoso de Itália. E conclui os efeitos do magistério e da santa conversação com o Anjo da Guarda, com uma correspondência se sinais bem poderosa:  tornaram o seu peito um Mongibelio, ou seja um vulcão, e no caso o Etna, pois como tal se denomina  Mongibelio. Um vulcão do fogo do Amor....

Eis nos aqui com algumas ideias e imagens para fortalecermos  a nossa a relação amorosa com o Amor Divino ou Logos, a Divindade, com o Espírito, com Jesus Cristo, com o Anjo da Guarda, e com a nossa alma espiritual, com os próximos, e ainda, mais subtilmente, com o corpo místico da Humanidade e da Igreja onde Santa Catarina de Ricci continua uma luminária, um ser de amor que nos pode inspirar...  

Voltaremos à sua vida, e às suas cartas, já que deixou extensa correspondência.

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