segunda-feira, 8 de dezembro de 2025

Nossa Senhora da Conceição. A Imaculada Concepção. História, dogma, culto, arte, hermenêutica, oração.

                                   

A 8 de Dezembro de 1854 o Papa Pio IX, depois de numerosas consultas e diante de 200 bispos, proclamou o dogma da Imaculada Conceição de Maria através da Bula Ineffabilis Deus, inefável não tanto porque a realidade ou verdade do assunto seja tão difícil de se saber ou de se explicar, dado silêncio de Deus face às interrogações humanas, mas porque se dirige à inefável Divindade, como podemos ler:
« Deus inefável, cujos caminhos são a misericórdia e a verdade, cuja vontade é omnipotente, e cuja sabedoria se estende com poder de uma extremidade à outra  e tudo governa com bondade (cf. Sab. 8, 1), tendo previsto desde toda a eternidade a lutosíssima ruína de todo o género humano, que derivara do pecado de Adão, decretou, com desígnio oculto desde os séculos, completar a obra prima da sua bondade com um mistério ainda mais profundo, mediante a encarnação do Verbo. Porque o homem, impelido — contra o propósito da divina misericórdia — ao pecado pela astúcia e a malícia do demónio, não devia mais perecer; antes, a queda da natureza no primeiro Adão devia ser reparada com melhor fortuna no segundo [Adão: Jesus]. Deus, portanto, desde o princípio e antes dos séculos, escolheu e predestinou para o seu Filho uma mãe, na qual ele se encarnaria e da qual, na feliz plenitude dos tempos, nasceria; e, preferindo-a a qualquer outra criatura, a fez objeto de tanto amor que se compraziu nela só com uma benevolência singularíssima. Por isso, maravilhosamente a encheu, mais do que todos os anjos e todos os santos, com a abundância de todos os dons celestiais, extraídos do tesouro da sua divindade. Assim, ela, sempre absolutamente livre de qualquer mácula de pecado, toda bela e perfeita, possui tal plenitude de inocência e santidade, da qual, depois de Deus, não se pode conceber maior, e da qual, fora de Deus, nenhuma mente pode conseguir compreender a profundidade. E certamente era totalmente conveniente que uma Mãe tão venerável resplandecesse sempre adornada com os fulgores da santidade mais perfeita, e, totalmente imune da mancha do pecado original, obtivesse o triunfo mais completo sobre a antiga serpente; pois a ela Deus Pai dispôs dar o seu Filho unigénito - gerado do seu seio, igual a si mesmo e amado como a si mesmo - de modo que ele fosse, por natureza, Filho único e comum de Deus Pai e da Virgem; pois o próprio Filho tinha decidido torná-la sua mãe de forma substancial; pois o Espírito Santo quis e fez com que dela fosse concebido e nascesse aquele de quem ele mesmo procede.» 

 Séculos e séculos tinham decorrido com teólogos e ordens religiosas por vezes digladiando-se em concílios, polémicas ou obras quanto ao entendimentos da sua concepção, nascimento e morte, embora predominasse claramente a ideia da concepção livre do pecado original. Assim, já em 8 de Dezembro de 1661 o papa Alexandre VII proclamara, embora não em dogma, na Constituição Apostólica  Sollicitudo omnium Ecclesiarum, no 2º cap.: «Antiga é a piedade dos fiéis cristãos para com a Santíssima Virgem Maria, que sentem em sua alma, que no primeiro instante de sua criação e infusão no corpo, foi preservada imune da mancha do pecado original, por singular graça e privilégio de Deus, em atenção aos méritos de seu Filho Jesus Cristo, Redentor de género humano e que, neste sentido, veneram e celebram com solene cerimónia a festa da sua Concepção (...) E porque, com ocasião das afirmações contrárias nos sermões, lições, conclusões e atos públicos no sentido de que a mesma beatíssima Virgem Maria, foi concebida com o pecado original, com grande ofensa a Deus, originaram-se escândalos para o povo cristão, disputas e discordâncias, proibiu o Papa Paulo V [1550-1621] , também predecessor nosso, ensinar e pregar a opinião contrária à dita sentença; esta proibição foi estendida pelo Papa Gregório XV, de piedosa memória, igualmente predecessor nosso, às conversações privadas, mandando, aliás, em favor desta sentença que na celebração tanto pública como privada de Santo Sacrifício das Missa se usasse só o nome de Concepção.»

Assim cento e noventa e três anos depois, o Papa Pio IX resolveu resolver e fixar a questão, pois era um grande devoto de Maria e estava em luta aberta contra todos os modernismos anti-dogmáticos, e entre nós até Antero de Quental ironizou um pouco, pondo-se ao seu lado com a Defesa da Carta Encíclica de Sua Santidade Pio IX contra a chamada opinião liberal, dada à luz em 1865Ao tornar tal doutrina um dogma de fé, ao proibir com penas graves a sua contestação,  ela passava a  estar mais protegida das dúvidas e descrenças, e logo perdição de fiéis,  e podia ser apoiada por mais festividades, cerimónias, confrarias e irmandades, cultos, devoções, orações e certamente por pinturas, gravuras, livros e santinhos. 

Em 1951, o papa Pio XI foi mais longe na quase deificação de Maria, afirmada por muitos desde cedo, com o seu título de Mãe de Deus, Theotokos (embora Nestorius apenas lhe chamasse Christotokos, portadora de Cristo, mas não de Deus), e complementando a Trindade cristã que não incluíra a Mãe, a Grande Deusa, tão natural nas religiões antigas, e proclamou o dogma da Assumpção de Maria em corpo ao céu, algo que vários já tinham admitido, apesar da quase inexistência de referências de tal culto mariano no Novo Testamento, mas que agora era pedido por muitos, em livros, congressos marianos, cruzadas, petições, como ele explica na bula, levando-o a «dirigirmos a Deus intensas súplicas, para que concedesse à nossa mente a luz do Espírito Santo para decidirmos tão importante causa, (...) e se reunissem e examinassem todas as petições relativas à assunção da santíssima Virgem, enviadas à Sé Apostólica...», chegando mesmo a publicar no 1º de Maio de 1946 a encíclica Deiparae Virginis Mariae pedindo os pareceres de sacerdotes e fiéis. Confessou então que era largamente maioritária, pelo que extensamente transcreve as afirmações da tradição da Igreja, desde os 1ºs padres (onde se falava da dormição de Maria) até aos sucessivos teólogos (e cita S. António e Francisco Suarez), que sustentaram com fé, vigor e sensibilidade ser natural, dada a concepção imaculada de Maria e ainda a ressurreição corporal de Jesus. Uma bela encíclica, a ler, embora as traduções para português delas não sejam plenamente fiéis em: https://www.vatican.va/content/pius-xii/pt/apost_constitutions/documents/hf_p-xii_apc_19501101_munificentissimus-deus.html#_ftn29 

Nos dias de hoje, tão marcados pela ciência, cremos não ser fundamental discutir-se até que ponto as leis ordinárias da natureza podem ser alteradas, nem que tais qualidades de Maria aumentem o seu papel de inspiradora e protectora dos fiéis, os quais, quando se dirigem a ela nas orações o fazem mais ora  por ladainhas que fluem já do coração, ora por afectos e devoções, frequentemente a Nossas Senhoras regionais, ora por ardentes petições e votos que os podem ajudar, independentemente de como a vêm, ou quão imaculado e incorrupto foi o seu corpo de há dois mil anos.

A maternidade e a mãe são sagradas, tal como cada concepção deveria ser, realizada em pureza de amor sincero, verdadeiro, unificador e do melhor nascituro invocador. E em cada morte um corpo espiritual eleva-se também do corpo físico corruptível rumo ao estado de consciência e plano que merecer então no Cosmos pluridimensional ou as várias mansões a que Jesus se referia. Oremos assim pelos que já partiram, para que se elevem luminosamente, e oremos pelos que vão nascendo, para que brotem de almas conscientes,  unidas na pureza de quererem fazer nascer espíritos luminosos que a Terra e a Humanidade tanto precisam para  haver mais justiça, amor, harmonia, felicidade, multipolaridade..

E saibamos usar a Avé Maria ou outras orações jaculatórias com o seu nome, vendo e invocando tanto Maria, como o Principio Feminino da Divindade, como a polaridade feminina em nós, nos outros e nos que já partiram, para que o Amor não só Eros, mas philia, pietas, compaixão, misericórdia, ágape, floresça mais na Humanidade...
                                                             
               Do coração espiritual brota o amor à Divindade e à melhoria da Humanidade
                                               
Finais do séc. XVIII, princípios do séc. XIX, versões da mesma pictura. Feitura lusa, uma vendia-se na loja (saudosa) de Pinheiro, defronte da Igreja dos Mártires, ao Chiado lisboeta, e clamava: "Fostes ó Virgem imaculada na vossa Conceição. Rogai por nós ao Pai cujo Filho pariste."...  Sobre a lua e a serpente da natureza, as nuvens da elevação e devoção, mãos juntas em oração, na companhia dos Anjos e com a coroa de oito-estrelas ou bem-aventuranças como aureola da sua alma espiritual, este pequeno ícone feminino, orlado ainda de flores de cinco estrelas, era certamente inspirador e animador dos Fiéis do Amor que o contemplassem mais demoradamente e se centrassem até na vera efígie que poderia sorrir por detrás da face feliz e refulgente da Avé Maria...                                                     
                                                              
             Uma visão da Divindade no feminino mariano português da época do Estado Novo

"Toda bela é a minha amiga e não tem mácula em si". Sob o fogo do Espírito  e em comunicação com os espíritos celestiais,  vencermos desânimo, oposições e perigos...

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