domingo, 2 de junho de 2024

Ideias e máximas d' "Os Lusíadas" de Luís Camões. Comemorações dos 500 anos do seu nascimento. 2º contributo.

Camões, flor da sua idade, peito radiando ao mundo seu amor infinito. Pintura de José Malhoa, hoje no Museu Militar de Lisboa.

 Pensamentos, conceitos e mantras de Luís Camões, selecionados, entre muitos outros valiosos, dos versos d' Os Lusíadas.

Porque a grande experiência e engenho, sabedoria e amor de Luís de Camões geraram muitas afirmações merecedoras de serem perenemente lidas, meditadas e vividas, resolvemos partilhar algumas, com sublinhados para a pequena satsanga ou companhia da verdade que lê estes escritos.

Portada ou frontispício da 1ª edição dos Lusíadas, reutilizada para a edição de 1934.

«Da determinação que tens tomada
Não tornes por detrás, pois é fraqueza
Desistir-se da coisa começada.
(I,40)
 
Deste Deus-Homem, alto e infinito,
Os livros que tu pedes não trazia,
Que bem posso escusar trazer escrito
Em papel o que na alma andar devia.
(I,66)
 
Porque sempre por via irá direita
Quem do oportuno tempo se aproveita.
(I,76)
 
Quem poderá do mal aparelhado
Livrar-se sem perigo, sabiamente,
Se lá de cima a Guarda Soberana
Não acudir à fraca força humana?
(II, 30) 
 
Mas pois saber humano, nem prudência,
Enganos tão fingidos não alcança;
Oh tu, Guarda Divina, tem cuidado,
De quem sem ti não pode ser guardado!
(II, 31)
 
Porque mui pouco vale esforço e arte
Contra infernais vontades enganosas;
Pouco vale coração, astúcia e siso,
Se lá dos Céus não vem celeste aviso.
(II, 59)
 
Eis aqui, quase cume da cabeça
De Europa toda, o Reino Lusitano,
Onde a terra se acaba e o mar começa
E onde Febo repousa no Oceano
(III, 20) 
 
Heinrich Bünting, Itinerarium Sacrae Scripturae, 1581.


As filhas do Mondego a morte escura
Longo tempo chorando memoram,
E por memória eterna, em fonte pura,
As lágrimas choradas transformaram;
O nome lhe puseram, que ainda dura,
Dos amores de Inês, que ali passaram.
Vede que fresca fonte rega as flores,
Que lágrimas são a água e o nome amores.
(III-135)

Que um fraco Rei faz fraca a forte gente.
(III, 138) 
 
Depois de procelosa tempestade,
Nocturna sombra e sibilante vento,
Traz a manhã serena claridade,
Esperança de porto e salvamento;
Aparta o sol a negra escuridade,
Removendo o temor ao pensamento.
(IV, 1)
 
E com rogo e palavras amorosas,
Que é um mando nos Reis que a mais obriga,
Me disse: As coisas árduas e lustrosas,
Se alcançam com trabalho, e com fadiga;
Faz as pessoas altas  e famosas,
A vida que se perde, e que periga,
Que, quanto ao medo infame não se rende,
Então, se menos dura, mais se estende.
(IV, 78)
 
Que a virtude louvada vive e cresce,
E o louvor altos casos persuade.
(IV, 81)
 
Os casos vi que os rudes marinheiros
Que têm por mestra a longa experiência,
Contam por certos sempre e verdadeiros,
Julgando as coisas só pela aparência:
E os que têm juízos mais inteiros,
Que só por puro engenho, e por ciência,
Veem do Mundo os segredos escondidos,
Julgam por falsos ou mal entendidos. 
(V, 17)
 
Porque quem não sabe arte, não na estima.
(V, 97)
 
Via estar todo o céu determinado
De fazer Lisboa nova Roma;
Não no pode estorvar, que destinado
Está doutro poder que tudo doma.
(VI,7)
Lisboa, por Francisco de Holanda, Da Fabrica que falece à cidade de Lisboa, 1571.
 
Por meio destes hórridos perigos,
Destes trabalhos graves e temores,
Alcançam os que são de fama amigos
As honras imortais e graus maiores:
Não encostados sempre nos antigos
Troncos nobres dos seus antecessores.
(VI, 95) 
 
Em vendo o mensageiro, com jucundo
Rosto, como quem sabe a língua Hispana.
Lhe disse: Quem te trouxe a est'outro mundo,
tão longe da tua pátria Lusitana?
Abrindo, lhe responde, o mar profundo
Por onde nunca veio gente humana;
Vimos buscar do Indo a grão corrente,
Por onde a Lei divina se acrescente.
(VII, 25)
 
Enquanto é fraca a força desta gente,
Ordena como em tudo se resiste;
Porque quando o Sol sai, facilmente
Se pode nele pôr a aguda vista:
Porém, depois que sobe claro e ardente,
Se agudeza dos olhos o conquista,
Tão cega fica, quanto ficareis
Se raízes criar lhe não tolheis.
(VIII, 50)
 
Oh! quanto deve o Rei que bem governa,
De olhar que os conselheiros, ou privados,
De consciência e de virtude interna,
E de sincero amor sejam dotados!
(VIII, 54)
 
Mas, porque nenhum grande bem se alcança -,
Sem grandes opressões, e em todo o feito
Segue o temor os passos da esperança,
Que em suor vive sempre de seu peito,
(VIII, 66)
 
O coração sublime, o régio peito,
Nenhum caso possível tem por grande.
Bem parece que o nobre e grão conceito
Do Lusitano espírito demande
Maior crédito e fé de mais alteza
Que creia dele tanta fortaleza.
(VIII, 69)
 
Sabe que há muitos anos que os antigos
Reis nossos firmemente propuseram
De vencer os trabalhos, e perigos,
Que sempre às grandes coisas se opuseram.
(VIII, 70) 

 Tal há-de ser, quem quer com o dom de Marte
Imitar os ilustres, e igualá-los:
Voar com o pensamento a toda parte,
Adivinhar perigos e evitá-los:
Com militar engenho e subtil arte,
Entender os inimigos, e enganá-los,
Crer tudo, enfim; que nunca louvarei
O Capitão que diga: Não cuidei.
(VIII, 89)
 
O prazer de chegar à pátria cara,
A seus penates caros e parentes,
Para contar a peregrina, e rara
Navegação, os vários céus, e gentes;
Vir a lograr o prémio que ganhara,
Por tão longos trabalhos, e acidentes,
Cada um, tem por gosto tão perfeito
Que o coração para ele é vaso estreito.
(IX,17) (Odisseia, IX, 34: "Nada é mais doce do que a pátria e os pais.")
 
Vê aqueles que devem à pobreza
Amor divino, e ao povo caridade,
Amam somente mandos, e riqueza,
Simulando justiça e integridade.
Da feia tirania e de aspereza,
Fazem direito e vã severidade:
Leis em favor do Rei se estabelecem;
As em favor do povo só perecem.
(IX, 28)
 
Vê, enfim, que ninguém ama o que deve,
senão somente o que mal deseja.
Não quer que tanto tempo se releve
O castigo que duro e justo seja.
(IX, 29)
 
Tomando-o pela mão, o leva e guia
Para o cume dum alto monte e divino,
No qual uma rica fábrica se erguia 
De cristal toda e de ouro puro e fina.
(IX, 87)
 
Porque dos feitos grandes, da ousadia
Forte e famosa, o mundo está guardando
O prémio lá no fim, bem merecido,
Com fama grande e nome alto e subido.
(IX, 88)
 
Vês aqui a grande máquina do mundo,
Etérea e elemental, que fabricada
Assim foi do Saber, alto e profundo
Que é sem princípio e meta limitado.
Quem cerca em derredor este rotundo
Globo, e sua superfície  tão limada
É Deus: mas o que é Deus ninguém o entende,
Que a tanto o engenho humano não se estende.
(X, 80) 
 
Este orbe que, primeiro, vai cercando
Os outros mais pequenos, que em si tem,
Que está com luz tão clara radiando,
Que a vista cega, e a mente vil também,
Empíreo se nomeia; onde logrando
Puras almas estão daquele Bem
Tamanho, que ele só se estende e alacança,
De quem não há no mundo semelhança.
(X, 81)
 
Os que são bons, guiando favorecem,
Os maus, enquanto podem, nos empeçem.
(X, 83)
 
Enfim que o Sumo Deus, que por segundas
Causas obra no Mundo, tudo manda.
(X, 84)

Sabia bem que se com fé  formada
Mandar a um monte surdo, que se mova,
Que obedecerá logo à voz sagrada,
Que assim lho ensinou Cristo, e ele o prova.
(X, 112)

Nem me falta na vida honesto estudo,
Com longa experiência misturado,
Nem engenho, que aqui vereis presente,
Coisas que juntas se acham raramente.
(X-154)
 
Saibamos, muito gratos à sua grande alma, meditar, aprofundar e vivenciar algumas destas flechas de amor e sabedoria lançadas no céu da tradição cultural e espiritual lusitana há tantos anos por Luís de Camões e que ainda hoje vivem no mundo das ideias ou espiritual pois podem ajudar a diminuir as trevas da ignorância e opressão e fortalecer o lume claro do entendimento, a chama do amor e a determinação vitoriosa da vontade, aberta à Divindade e à sua Santa Guarda.

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