João Baptista Amâncio Gracias nasceu em Loutolin, Salsete, Índia, em 8-IV-1872, e veio a ser director da Fazenda do Estado da Índia e um dos grandes homens (tal como o seu irmão José António Ismael Gracias) da investigação histórica, arqueológica e etnográfica na Índia Portuguesa, pertencendo a agremiações científicas nacionais e estrangeiras, e deixando
uma vasta obra
destacando-se as investigações e publicações sobre os portugueses na Índia, tais Vasco da Gama, Afonso de Albuquerque, D. João de Castro, Jean Begun, mas também Almeida Garret, Akbar, Rabindranath Tagore e vários goeses ilustres, com uma muito extensa semeadura em jornais e
revistas, tais como Era Nova, Horas Vagas, Evolução, Revista Colonial, Boletim da
Sociedade de Geografia, o Mundo Português, e sobretudo O Oriente Português e o Boletim do Instituto Vasco da Gama. Viverá até 1950.
Ao escrever o Esboço Biografico do historiador Filipe Nery Xavier, e de quem foi um dos sucessores, no início da reedição do seu Bosquejo Histórico das Comunidades das aldeas dos Concelhos das Ilhas, Salsete e Bardez dada à luz em
1903 (já que a 1ª era de 1842), em três volumes, J. B. Amâncio Gracias testemunhou a sua grande cultura e amor à Índia e valorizou bastante o culto das efemérides históricas e da celebração
dos centenários das grandes almas da humanidade, pois optimisticamente
acreditava que o tempo das guerras e das armas findara e que seriam os princípios da Revolução Francesa - Igualdade, Liberdade e Fraternidade -, os livros, os exemplos e a sabedoria a reger os povos.
A propósito do dito "só depois de mortos é que os grande seres são reconhecidos", escreve num belo português: «Sucede isso sempre com os homens de valor. A justiça é para eles tardia, parecendo que é nas trevas do túmulo, como num fundo negro uma projeção de luz, que destacam mais nítidas as irradiações dos espíritos de eleição, cuja obra se engrandece com o tempo, penetrando-os num dilúculo [romper do dia] da aurora da imortalidade e deslumbrando com os sulcos nitentíssimos [de niteo, brilhar] que deixam após si os olhares atónitos das gerações, rendidas de admiração e de respeito, podendo à justa aplicar-se-lhes a sublime frase que nos seus derradeiros momentos proferiu Hércules, quando, não podendo suportar o tormentos da túnica que trazia no corpo, se arrojou à fogueira: Sinto que me vou tornando um Deus.
Sim, a morte tem este condão, o de avultar e purificar tudo quanto é grande, transfigurar a personalidade e ser condição duma apoteose.
É por isso que a religião do saber, de longe a longe decreta as suas gratulações, do mesmo modo como a da Fé sagra, com hinos festivais, os apóstolos da virtude, os que martirizando o corpo conseguem opulentar a sua alma das mais lídimas alegrias.»
Traçando depois uma evolução da humanidade, talvez algo influenciado pela religião positivista de Augusto Comte, de uma 1ª época de valorização dos mais idosos, a que se seguiu a dos mais fortes, e depois a da realeza e o nascimento nobre, acreditou finalmente estar-se a entrar numa época em que os dirigentes ou governantes são «aqueles que não sacrificando as suas convicções às conveniências do momento enveredaram pela estrada real do dever inspirando-se nos princípios da justiça, orientando os seus actos pelo norte da honradez e rectidão.
É assim que se observa em toda a parte, nas grandes terras, como em pequenas agremiações políticas, uma nevrose de esforço, uma impaciência extraordinária em consagrar o merecimento, erguer altares ao génio, porque nem a idade, nem a força, nem o nascimento podem guiar o baixel dos nossos destinos no mar proceloso da vida a salvo dos escolhos que lhe embaraçam a rota.
É assim que se celebram os centenários dos granes vultos que exerceram a sua energia, a sua afectividade e a sua inteligência em proveito não só próprio senão também dos seus semelhantes.
O sentimento de veneração é inato ao homem, é uma das forças coordenadoras da sociedade e sem ele a ordem seria uma violência material e nunca um acordo harmónico das vontades.
Venera-se o objecto que nos vibra de moção a nossa afectividade; venera-se o que nos inspira sentimentos de medo [? Jehova, provavelmente] ou de amor, mas nada se nos impõe mais ao culto do que o génio e a virtude, a majestade da inteligência e a pureza da alma.»
Apoiando-se ainda na profecia de Augusto Comte escrita em carta de 20 de Maio de 1842, a Stuart Mil, a de que se iria dar uma crescente comemoração dos centenários dos grandes seres da humanidade «para acelerar o desenvolvimento moderno, conjuntamente mental e moral», considera que não será da indústria dos armamentos, mas sim «fundindo balas e canhões para estátuas do saber, da virtude, do altruísmo e da filosofia, demolindo mitos e lendas, abrindo de par em par as portas dos claustros e cenóbios em que o arrogante egoísmo clerical da meia-idades procurava monopolizar a instrução. O livro substituiu já as armas, é no gabinete do pensador, na cela do sábio, no studio do artista, que não no quartel da milícia ou nos arraiais dos generais que se dita hoje a formula para governar os povos.
É por isso que se vai generalizando o culto dos homens que engrandecera a pátria, engrandecendo-se a si, que universalizaram as ideias e imprimiram à vida social uma acção construtiva, que dinamizaram a energia e o esforço dos seus conterrâneos, que, finalmente, contribuíram para o bem estar social por uma ideia, uma conquista, por uma intervenção oportuna, por qualquer sacrifício.» Bosquejo Histórico das Comunidades, 1903, 5-7 pp.
O Esboço Biographico de Filipe Nery Xavier, escrito por Amâncio Gracias, abrange cinquenta e cinco páginas valiosas, dos quais transcrevemos esse breves excertos iniciais, e nelas sumaria a historiografia portuguesa (e goesa, tais Bernardo Peres da Silva, Francisco Luís Gomes e Bernardo Francisco da Costa) da Índia e descreve os importantes trabalhos de Filipe Nery Xavier, pela «opulência da erudição» e «a cópia de documentos», mencionando ele ter trabalhado lúcida infatigavelmente até à morte ocorrida em 26 de maio de 1875, com 74 anos de vida fecundíssima.
Anote-se por fim que o extenso e texto de José Maria de Sá, que são as Notas Preliminares, complementa e corrige, ao ser escrito 50 anos depois, o trabalho de Nery Xavier, fazendo até referências (p. 94) aos livros dos dez munis e dos sete rishis, bem como aos Vedas e à Purana Suta Sanhita. Encontra o Bosquejo Histórico das Comunidades das aldeas dos Concelhos das Ilhas, Salsete e Bardez em linha, no Internet Archive.
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