Nascido numa família de longa tradição religiosa, Ranade veio a tornar-se um mestre de muitos discípulos que foram iniciados luminosamente por ele no caminho espiritual, através da entrega de um mantra ou nome (nama) de Deus para ser perseverantemente trabalhado nas meditações diárias, até se obter a visão da forma (rupa) divina e se sentir a felicidade (bhava, ananda), o que implica o desprendimento dos bens do mundo (vairagya), o amor devocional ao divino e ao mestre (bhakti) e o discernimento (jnana) que permite obter-se a graça de se ver o real, divino ou espiritual.
Gurudev Ranade (1886-1957), no canto direito, no seu simples ashram. |
Embora não tenha estado no seu ashram nos meus dois anos e meio de peregrinações, diálogos e meditações na Índia, desde o cedo apercebi-me do seu valor na tradição Dwaita Vedanta, ou seja da realização pessoal espiritual com a Divindade, a que me é mais afim, e adquiri alguns dos livros seus e dos discípulos, vindo recentemente a estudar t o seu principal discípulo francês, um pioneiro especialista de comparativismo religioso e de orientalismo, e por experiência interior também, Jacques de Marquette, tendo por isso colaborado com três artigos para a revista indiana Pathway to God, e escrito alguns artigos neste blogue, seja sobre Marquette seja sobre Ranade, tal uma sua biografia: https://pedroteixeiradamota.blogspot.com/2020/07/guru-ranade-um-verdadeiro-yogi-e.html
Muitos dos conhecimentos, técnicas e e experiências de Gurudev Ranade são me conhecidos e apreciando-os, nada melhor do que tentar transmiti-los pois provém dum guru no verdadeiro sentido, alguém que dissipou as trevas e alcançou a realização do espírito e a religação a Deus, e que durante anos assumiu incansável e abnegadamente, certamente num meio propício, a tarefa de iniciar e impulsionar os outros para tal realização divina, bem ao contrário do que vemos hoje na maioria dos instrutores e gurus nacionais e mundiais, demasiado apanhados em mistificações e comercialices, quintas iniciações, tantrismos e cabalismos.
1 - Não há outro caminho para a libertação a não ser a pronúncia do Nome divino transmitido pelo mestre espiritual e a consequente visão de Deus.
5 - Ranade designou a sua escola como a escola da realização do Atman.
10 - Em todos os nossos conflitos e crises na vida, a oração a Deus é o único remédio que nos é deixado.
11- Citando o famoso místico Ramadasa, Ranade costumava dizer que o seu mestre também afirmava que se todos os momentos ou períodos do tempo fossem bons, todos se tornariam reis, mas quer o tempo seja favorável ou não uma pessoa deve meditar.
12- Não é necessário cortar uma parte do nervo debaixo da língua, tal como o recomendam os hathayogins, pois a pronúncia do Nome de Deus (recebido ou escolhido), por si só, dar-vos-á a ambrósia (a mítica bebida ou o gosto delicioso ou beatífico.)
21- O guru incarnado não é um guru real. A visão de Deus que se pode ver, por exemplo, na chama da cânfora é o verdadeiro guru.
22 - Uma pessoa pode zangar-se, mas não deve albergar ódio na mente.
27 - Podem surgir desgraças, podemos ter de aguentar ataques de tentação ou de irritação, mas a dor física pode-se tornar insuportável e então o único meio que nos resta é de pedirmos a Deus que nos permita meditar.
30 - Acredito na transmissão física do poder espiritual. Meditai e isso ajudará alguma pessoa algures no universo,
31 - Como actividades benéficas, a seguir à meditação, estão a profissão de médico que diminui as misérias dos outros e a seguir a distribuição de alimentos aos famintos.
38 - A fé em Deus torna-se firme quando se tem constantemente presente que todas as coisas pertencem somente a Deus
40- Deveria haver a todo momento a felicidade de Deus. Isto implica que deve haver a incessante visão de Deus diante dos nossos olhos.
41 - Maharaj Nimbargi costumava ter a visão do Atman (espírito) da cabeça aos pés, a todo o momento.
42 - A realização de acordo com Bhausahib Maharaj, disse Ranade, deve incluir visão, o toque e a conversa com Deus.
44 - A experiência epistemológica é a fundação das asserções metafísicas em filosofia, tal como Brahman (a Divindade Absoluta) é eterno.
46 - Nama, o nome, é mais importante que Rupa, a forma, mas Bhava, o sentir interior, é mais importante que Nama, o nome (de Deus, no mantra)
49 - Como o Atman entra no ventre da mãe na forma de jiva (espírito individualizado e incarnado) e como ele deixa o corpo na hora da morte é claramente percebido por um grande santo.
51 - Três horas por dia deve ser o período mínimo pelo qual um sadhaka (discípulo) deve meditar todos os dias. Se ele meditar por seis horas seguidas, ele mesmo perceberá como é valioso fazer isso.
55 - O nome de Deus está envolvido na audição do som não tocado (anahata nada) como também na luz iluminadora da visão de Deus.
56 - Lembrar-se de Deus sem ver a forma é um dever a cumprir-se por dever.
57 - Recordar o Nome de Deus com amor é o mais difícil de tudo.
58 - A dor e a miséria purgarão a mente de suas impurezas. Uma vez que bhava (sentimento devocional) é gerado, a qualidade torna-se mais importante do que a quantidade.
61 - Meditar na companhia daqueles que já obtiveram experiência espiritual é facilitar a obtenção de tais experiências mais cedo do que obtendo-as sem tal companhia. Dedilhar um fio de uma cítara é produzir som a partir de outros fios. Assim também ocorre a transmissão de experiências espirituais (cf. a experiência de Sanjaya, ao ouvir a conversa entre Arjuna e Krishna, sendo o narrador da famosa Bhagavad Gita).
63 - Uma pessoa deve rezar a Deus para que a torne firme e estável na sua devoção e a impeça de cair da devoção e de seguir um caminho errado. Deus trabalha para o homem (kabirace vinato sele), significa que Deus remove os obstáculos no seu caminho de meditação.
69 - Alguma vez sentiste a angústia do coração por não conseguires ver a forma de Deus? Alguma vez sentiste aversão à comida e fome? Alguma vez choraste por Deus? Então porque é que Deus há-de mostrar a sua graça para contigo?
75 - O dever para com Deus é o nosso primeiro e principal dever. Ranade, portanto, nunca permitiu que alguém o perturbasse no momento da sua meditação, seja a que título fosse.
78 - Ter a visão do Atman para si mesmo e dizer aos outros o caminho para isso é o maior serviço.
80 - Haverá pouco progresso na experiência espiritual, se não houver companhia daqueles que são avançados na vida espiritual, isto é, se não houver companhia dos bons e dos santos.
91 - Quando o nome de Deus é transmitido pelo Guru e é meditado na garganta, qual é a utilidade de outros mil nomes que possam ser encontrados num livro?
96 - O rio de Atma Jnana (conhecimento ou consciência do espírito) flui às vezes e outras vezes torna-se invisível.
98 - Para além e acima da meditação do Nome de Deus, o que é importante é a companhia do santo (satsanga).
102 - Se alguém tem experiência espiritual ou não (e a própria experiência em si) pode ser conhecido olhando nos seus olhos.
103 - Proteja o Paramartha (valor ou objectivo supremo) cercando defensivamente sua mente.»
E assim terminamos esta breve homenagem e invocação dum verdadeiro mestre, com votos que possamos aprender com Gurudev Ranade e a companhia dos santos ou corpo místico da Humanidade.
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