Fazendo a Teosofia parte do caminho espiritual de Fernando Pessoa e porque os que têm escrito sobre tal o têm realizado na grande maioria fracamente ou mesmo mal, errando vítimas de incompreensões, insuficiências, preconceitos, ideologias,
tendências, sonegações, oposições e mistificações, resolvemos para os
88 anos da desincarnação do notável poeta, escritor e ocultista, nascido
em 1888, contribuir com alguns valiosos esclarecimentos factuais e
hermenêuticos quanto à vida de Helena Petrovna Blavatsky e de algumas
das personalidades e obras mais marcantes dos primeiros tempos da
Sociedade Teosófica, bem como, e para não alargarmos excessivamente o
texto, quanto a algumas das reações suscitadas em Fernando Pessoa, que conhecemos, ou que deduzimos.
Embora já tivesse em 1988 e 1989 publicado quatro livros de inéditos de Fernando Pessoa,
transcrevendo e abordando em algumas páginas o seu relacionamento com a Teosofia, a
que se acrescentaram eventuais referências em artigos e conferências ao longo dos anos,
destacando-se em 2008 as doze contribuições para o Dicionário de Fernando Pessoa e do Modernismo Português,
coordenado por Fernando Cabral, e em que algumas das entradas
se relacionavam com a Teosofia, tais as de Annie Besant, Blavatsky,
Leadbeater, ou ainda Mestre, Espiritismo e Gnosticismo, e que estão hoje
online (embora com incorreções), porque houve limitações de espaço na
altura, e porque nos últimos tempos tenho privilegiado Antero de Quental e
os poetas anterianos, a Índia, Erasmo, Ficino, Pico, Tolstoi, Dalila Pereira da Costa e Bô Yin
Râ nas minhas investigações e escritos, decidi transcrever o texto da entrada "Blavatsky" todo e
aumentá-lo ou melhorá-lo por amizade à Verdade, a Fernando Pessoa e à
Teosofia enquanto Sabedoria Divina, supra e intra sociedades, grupos e personalidades.
Aproximemo-nos
então da co-fundadora da Sociedade Teosófica, e das pessoas e obras que
a rodearam no seu percurso de sessenta anos de vida, muito dinâmica e
influente mundialmente até aos dias de hoje, pois continua a ter muitos
devotos ou seguidores e, simultaneamente, observemos um pouco (para
já...) do relacionamento de Fernando Pessoa com tal.
Helena
Petrovna von Hahn nasceu no sul da Rússia em 12-8-1831, filha de um
coronel e de uma escritora nobre. Casou-se muito nova, aos 18 anos,
com Nikifor Blavatsky, governador da Província de Yerivan, já com
40, mas por pouco tempo, embora usasse o apelido do marido para sempre, e começou a viajar, fugindo para Constantinopla. Desse movimentado período de vinte e quatro anos não se sabe nada com certeza, já que só há as
indicações, frequentemente contraditórias, que ela própria deu ou
escreveu, ou outros narrarão. Não há certeza que tenha estado no Tibete, por exemplo, mas provavelmente
em 1856 entrou em Leh, hoje Ladak, Índia, e designado como o
Pequeno Tibete. Na Europa, teria estado na Itália em 1866-67 apoiando
Garibaldi, e segundo ela tendo ficado ferida na batalha de Mentana, neste aspecto, a ser verdade, concretizando um desejo que também fora
de Antero de Quental tal como expressou em carta da época.
Se é meramente mistificação ou não que de 1868 a 1870 terá viajado com o seu mestre Morya, e estado na Índia e no Tibete, sendo treinada pelos famosos Mahatmas, em Shigtase e tendo traduzido textos da língua antiga misteriosa, o senzar, donde nascerão as famosas estâncias ou cantos de Dyzan, que incluirá no seu futuro êxito A Doutrina Secreta, poucos conseguirão ter uma certeza.
De 1870 a 1872, viajou pela zona do Mediterrâneo, ora "encontrando-se"
com os misteriosos mestres ou Mahatmas, tais Seraphis e Hillarion, ora
trabalhando com médiuns espíritas no Cairo, onde tenta criar
uma sociedade espírita, mas desiludindo-se do projecto pelas fraudes e outros motivos. É finalmente a
partir de Julho de 1873 que está nos Estados Unidos, em Nova Iorque,
onde,
tal como na Europa, se operava um enfraquecimento do cristianismo e o
crescimento do espiritismo e ocultismo. Conhece, ao investigar uns casos
de espiritismo, o ex-militar do exército federal tornado repórter Henry
Steel Olcott (1832-1937), que fica seu admirador e em breve discípulo e
associado, conseguindo-lhe entrevistas por ser dotada de poderes, tal
como ele noticiou: «a sua mediunidade é totalmente diferente de qualquer
outra pessoa que eu conheci; pois em vez de ser controlada por espíritos
para fazer a sua vontade, é ela que parece controlá-los a fazerem as
suas ordens (her bidding)».
Nos anos de 1874-75 surge como uma médium poderosa e considera o
espiritismo como a nova religião salvífica, contando segundo ela, com a
ajuda de um misterioso ser ou corpo astral denominado John King que chegou a
desenhar, pois era dotada para o desenho. Anos mais tarde
identificá-lo-á com o mestre grego Hillarion.
No mês de Abril desse tão movimentado ano de 1875 casa-se com um homem de negócios georgiano,
Michael C. Betany, num templo da igreja protestante Unitária mas por
poucos meses e explicará ao surpreendido Olcott que fora por razões
kármicas. Clamam ambos pertencer a uma Fraternidade de Luxor, fundam o Clube Milagre onde realizam tertúlias e conferências, três das quais, do engenheiro e arquitecto George Henry Felt (1831-1906, e na imagem em baixo)
suscitam tanto interesse pelas suas investigações oculto-científicas
que, no grupo que se reunia na "Lamasaria" de Blavatsky, no centro
de Nova Iorque e assistia a tais palestras, numa delas Olcott sugere a Judge e a Blavatsky fundarem uma sociedade ocultista que divulgasse os conhecimento antigos perdidos.
Após uma reunião com as pessoas presentes nas conferências e mais algumas, na segunda, em 13 de Setembro, o nome de Teosófica foi escolhido pelo livreiro
Sotheran, tirado à sorte de um dicionário, tenho havido antes as hipóteses de
ser Rosacruciana, Hermética, Egiptóloga, O objectivo era dedicarem «ao
estudo da ciência oculta e
esotérica, teoria e prática, e à popularização dos factos no
mundo». A data da fundação foi na reunião seguinte, a 17 de Novembro de 1875,
e Blavatsky, Olcott, o jovem advogado irlandês William
Quan Judge (1856-1891), que tinham conhecido em Agosto, o inglês já
naturalizado americano Charles Sotheran (1847-1902), o médico e ocultista Seth Pancoast (1823-1899) e George Henry Felt (1831-1906), foram os co-fundadores, sendo Olcott, o presidente, a pronunciar o discurso da inauguração.
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Charles Sotheran desenhado por Helena Blavatsky.
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A
Sociedade não teve grandes actividades, algumas pessoas saíram ao verem
que as realizações de George Henry Felt não se conseguiam obter, e Blavatsky, com os seus ajudantes, estava
concentrada sobretudo na Ísis sem Véu. Contudo, cedo houve
conflitos entre Charles Sotheran, mentalidade socialista, e Blavatsky, que se
apaziguarão contudo, embora por fim se cindissem mesmo. Blavatsky deixará
escrito no seu diário: "um amigo de Comunistas não é um membro
adequado à nossa Sociedade".
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William Q. Judge, Henry S. Olcott e Helena P. Blavatsky.
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Já com o advogado irlandês e mais místico William Q. Judge haverá uma boa relação, à parte um ano distanciados, e será sempre considerado um dos três co-fundadores (principais).
William Judge destacar-se-á pela sua infatigável escrita, baseada em
conhecimentos derivados da sua hermenêutica, com certa sensibilidade e fundamentação
esotérico-mística, da Bhagavad Gita e das Upanishads e de
outros textos e orações, sobretudo da Índia, a que juntava uma boa
imaginação e o gosto por profecias e comparativismos, algo forçados (em
especial com a Bíblia, e tal tem sido uma pecha em que muitos têm caído), escrevendo centenas de artigos, frequentemente sob pseudónimos orientais, na pioneira revista The Path,
que dirigiu durante os dez anos da sua existência, de 1886 a 1896,
alguns dos quais notáveis pela sabedoria mística e outros pela sua superficialidade comparativista e a ingenuidade mistificada ou mistificante, talvez um dom imaginativo enquanto lhe permitiu escrever vários contos.
Nos últimos anos de vida, após a morte de Blavatsky, William Q. Judge teve problemas fortes com Olcott, Annie Besant e outros que puseram em causa ele receber mensagens e cartas dos misteriosos Mahatmas, Olcott chegando mesmo a escrever-lhe em 7-II-1894 dando-lhe duas hipóteses: demitir-se de todos os cargos ou sujeitar-se a um comité judicial, com o resultado a ser divulgado publicamente. Judge reafirmará a falsidade das acusações que Besant redigira e optou naturalmente pela investigação, a qual veio a ser realizada mas com o comité dando-se como incapaz de averiguar e julgar as crenças interiores de William Quan Judge.
Após mais discussões, na convenção de Boston com os principais teósofos, a 28-29 de Abril de 1895, foi aprovada pela maioria de 190 contra 9 votos a separação completa da Sociedade Teosófica na América, que continuou a ser dirigida por Judge, em relação à Sociedade Teosófica mundial, dirigida por Olcott e secundado por Annie Besant e Leadbeater, ao que parece bastante ambiciosos.
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Olcott, Besant e Leadbeater
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Em 1909 surgirá, por iniciativa de Robert Crosbie, outra organização teosófica que se distanciava da teosofia de Annie Besant e de Charles Leabeater, a United Lodge of Theosophists, e que tinha como missão principal «divulgar amplamente os ensinamentos originais da Teosofia, tal como foi registada nos escritos de H. P. Blavatsky e de William Q. Judge».
Curiosamente, na biblioteca de Fernando Pessoa, inexplicavelmente tão mal catalogada ainda hoje em termos de ocultismo, esoterismo, espiritualidade, encontramos, um número de 1931 da revista The Arian Path, não anotado por Fernando Pessoa, proveniente do ramo indiano dessa United Lodge of Theosophists, a Loja Unida dos Teosofistas, com textos interessantes, desde As Mil e Uma Noites à Bhagavad Gita traduzida por William Q. Judge. Estava sediada em Bombaim, ou hoje Mumbai, onde umas décadas depois
estive em diálogo luminoso com Sophia Waida (1901-1986, colombiana
naturalizada indiana, e que me dedicou então dois livros seus), fundadora do Pen Club e mulher de B. P. Wadia
(1881-1958), o 2º presidente da Loja Unida Teosófica e o fundador-director
desta revista valiosa, publicada de 1930 e 1960, e a partir dos anos trinta denunciando fortemente o fascismo e o nazismo.
Porque tinha Fernando Pessoa este exemplar da revista, só ele nos poderá dizer... Mas voltemos à vida em cronologia de Blavatsky. De Julho de 1876 até Dezembro 1878, quando ela partirá para a Índia,
foi a "Lamaserie", ou "casa de Lamas", a sede da nóvel Sociedade Teosófica e o local de trabalho a partir do qual em
29 de Setembro de 1877 deu à luz a Ísis Sem Véu, uma Chave-Mestra para os Mistérios da Antiga e Moderna Ciência e Teologia, dois volumes com cerca de 1.300 páginas, com
grande sucesso (mil exemplares vendidos em poucos dias, pois alguns
jornais espíritas-espiritualistas ajudaram), para a qual fora assistida
pelos infatigáveis Olcott, Sotheran e sobretudo William
Judge na recolha de textos de inúmeros autores, ou mesmo na redacção quanto a William Q. Judge e a Olcott, como se virá a saber mais tarde, por confissões de ambos.
Com esse
espantoso e emocionante caldeirão de histórias, informações e
especulações ocultistas, cabalistas, gnósticas e esotéricas, e que tanta gente despertaram e iluminaram,
ou ocuparam ou confundiram pelas suas correspondências e analogias
pouco exactas, ou informações incomprováveis, ou ainda as centenas de
controversas interpretações e citações de tantos autores
(e Fernando Pessoa criticará por mais de uma vez nas obras dos teósofos a
«confusão mental, a indisciplina»), iniciava-se um forte
ataque à
ortodoxia dogmática católica, à ciência materialista e
positivista e a uma sociedade e civilização materializada e limitada,
abrindo novas vistas sobre a sabedoria na Antiguidade e no Oriente
misterioso e sagrado.
Anote-se que Olcott nas suas memórias, Folhas do Diário Antigo, narra como Blavatsky lhe pedia para ler e escrever sobre este ou aquele assunto, ou mesmo a visitantes, e que depois ela aproveitaria mais ou menos para a Ísis sem Véu, além de recortarem parágrafos de muitos livros que colavam no chamado borrão, que passaria ainda por mais mãos antes de se tornar legível ao compositor final em caracteres de chumbo, que mesmo assim ainda tinha de alterar à última da hora.
Olcott, ao confessar, ainda que abreviadamente, no fim da sua vida, no capítulo Ísis sem Véu, da 1ª série ou volume das suas memórias, Old Dairy Leaves, que Blavatsky utilizou vários livros pioneiros sobre as tradições ocultistas, religiosas e espirituais não só do Ocidente como do Oriente e em especial da Índia, acaba por diminuir muito da credibilidade da autoria ou inspiração da Ísis sem Véu (ou mais tarde da Doutrina Secreta, que inicialmente era para ser apenas a Ísis sem Véu melhorada) dos misteriosos e plenos de poderes Mestres da Fraternidade TransHimalaica.
Eis alguns dos livros «que ela usou muito: The Gnostics [and their remains] de [Charles William] King [1818-1878], The Rosicrucians: [their rites and mysteries] de [Hargrave] Jennings, o Sod: [the mysteries of Adoni], e [Vestiges of the] spirit-history of man, de [Samule Fales] Dunlap [1825-1905], The Hindu Pantheon [1801] de [Edward] Moor [1771-1848], os ataques furiosos de [Roger Gougenot] des Mousseaux [1805-1876] contra a Magia, o Magnetismo, o Ocultismo, etc., que ela tratava como diabólicos, as obras variadas de Eliphas Levy [1810-1875]; os 27 volumes de Jacolliot [1837-1890], as obras de Max Müller [1823-1890], de Huxley, de Tyndhal, de Herbert Spencer, e as de diversos autores mais ou menos célebres, mas não mais de uma centena de volumes, estou convencido...» Apesar de todos os livros e ajudantes, Olcott pensa que Blavatsky recebeu muito do conteúdo do livro da luz astral e dos Mahatmas, tanto mais que ela teria confessado à sua tia N. A. F., e esta a Alfred P. Sinnett: «Ponho-me no meu escritório e escrevo. Porquê? Porque alguém me dita que sabe tudo, o meu Mestre e por vezes outros que conheci nas minhas viagens»....
O acesso a uma Sabedoria antiga e um conhecimento maior da pluridimensionalidade microcósmica e macrocósmica, que vinha sobretudo dos humanistas do Renascimento e depois dos Rosicrucianos, alquimistas e maçons, teve no séc. XIX um incremento grande pelos
contributos dos primeiros orientalistas e dos autores e grupos ocultistas e espiritualistas, nos quais
devemos destacar, entre os acertadamente lidos por Blavatsky e nomeados abreviadamente pelo coronel Olcott, Hargrave Jennings, pois desde a década de 50 escrevia, embora com mais ênfase no rosicrucianismo europeu e na tradição persa e greco-latina, e porque foi lido por Fernando Pessoa ainda antes dos autores teosóficos, impressionando-o muito, como relata na famosa carta de 6-XII-1915 ao seu grande amigo Mário de Sá
Carneiro, que transcreveremos mais à frente. Curiosa esta coincidência da obra de Hargrave Jennings sobre o rosicrucianismo-ocultismo ter sido tão importante tanto para Blavatsky como para Fernando Pessoa.
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A sala principal da "Lamasaria", com a dotada Blavatsky a tocar piano e Olcott descontraído, num belo desenho da própria.
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Acerca ainda da génese da Ísis sem Véu, muitos anos depois, em 1940,
o já então 4º presidente da Sociedade Teosófica, o cingalês Jinaradasa
(1875-1953), e que viera em jovem para o Ocidente, Inglaterra,
acompanhando o seu professor o mistagogo reincarnacionista Charles
Leadbeater, pois Sinnett convidara este a ser o tutor do seu filho e de
George Arundale, afirmará, e direi que certamente com mistagogia, na sua Story of Mahatma Letters, que «existe uma carta muito breve, recebida pelo Coronel Olcott, neste período (a Carta 24) do
Mahatma chamado nos círculos teosóficos o Rishi Agastya, mas na altura
chamado por H. P. Blavatsky "Narayan", "o Velho Cavalheiro". Foi este
Mahatma que ajudou H. P. Blavatsky na composição de Ísis Sem Véu, ocupando muitas vezes o corpo de H. P. B.»
Uma afirmação pouco ou nada plausível pelo que já transcrevemos de Olcott, embora Blavatsky afirme no prefácio do 1º volume que «a obra agora submetida ao público é o fruto de uma espécie de uma íntima relação ou frequentação amiga (acquaintance) com adeptos Orientais e o estudo da sua ciência», pois os conhecimentos que a Ísis sem Véu apresenta de orientalismo, de sabedoria oriental, de Vedanta ou das outras darshanas ou filosofias indianas eram já do conhecimento público ou então especulados sobre os livros de Max Müller, Edward Moor, Louis Jacolliot e de outros. O que é mais original são as notícias do que vários cientistas europeus iam descobrindo ou hipotetizando, ao que Blavatsky juntava as suas analogias e interpretações.
Em verdade, Blavatsky e o seu grupo da Lamasarie juntaram e juntaram informações acerca dos mistérios e sabedoria da antiguidade egípcia, caldaica e greco-romana, do Cristianismo, dos primeiros padres da Igreja, das heresias, da gnose, da alquimia, da Cabala, do Renascimento e de várias fontes do Oriente sobretudo indiano, bem como das últimas formas de espiritismo, magnetismo, hipnotismo e as descobertas e teorias científicas sobre o Universo, a Terra e o ser humano, e nesse sentido a obra foi dividida em dois volumes, o 1º com o sub-título Ciência, sendo o de Teologia o 2ª volume. Dialogaram, discutiram, escreveram, comparam, especularam (e meditariam até?), Blavatsky e a meia dúzia de colaboradores, mas, parece-nos, que pouco há de novo ou de transcendente publicado por Blavatsky, pesem as boas associações ou até intuições que ela e os amigos tiveram, que assinale a mão (e menos ainda a incorporação, sugerida por Jinaradasa) de um Adepto dos "segredos da criação", como vieram a ser apresentados, exagerada e mistificadoramente, os Mestres, os misteriosos Mahatmas.
Em verdade, embora sendo um grande linguista e sábio, Jinaradasa não era de plena confiança,
pois foi um dos que andou a recolher ou inventar informações para o
livro (em co-autoria de Annie Besant) de Charles Leadbeater [1854-1934] The lives of Alcyone, de 1924, a descrição das rocambolescas vidas passadas de Alcyone-Krishnamurti, e dos que o acompanhavam vida após vida em constantes trocas de parentesco e de género.
Jinaradasa
participou também com entusiasmo na mistificação da vinda do novo Instrutor Mundial, sendo traduzido e publicado o seu livrinho Em Seu Nome, entre nós em 1926, e visitando Portugal em Agosto de 1927 numa das suas numerosas tournées mundiais, já que era um afável e bom orador, ou como se escreveu na altura na revista Ísis: «Organizador e propagandista, trabalhador incansável, C. Jinarajadasa, vendo as coisas sempre por um aspecto prático e o mais útil à Sociedade Teosófica, tem tornado a sua acção extraordinariamente produtiva e fértil em benefício para os ideais da Teosofia. Na sua propaganda tem percorrido muitos países e, neles, como no nosso, a sua palavra fluente e os seus vastíssimos conhecimentos têm abalado o mundo científico...», esta última afirmação um bocadinho exagerada...
Já da sua visita ao Brasil, publicaram-se (com bastante atraso) em 1929 as suas Conferências Teosóficas, onde partilha o seu panteísmo teosófico («A Divindade não está somente em todas as coisas, a Divindade é todas as coisas») e onde pronunciou uma, Os Ensinamentos de Krishnamurti, bastante mistagógica, como se pode depreender deste passo justificativo da confirmação que o jovem Krishnamurti seria o instrutor da Nova Religião: «todos o que viam o rapaz indú e, frequentemente, aqueles que tinham contemplado apenas o seu retrato, sentiam imediatamente uma modificação interior em si mesmos; era como se por um relâmpago súbito de iluminação, dentro de si próprio exclamassem (como a mim mesmo aconteceu cerca de um ano antes de conhecer Krishnamurti) - "ECCE HOMO" - "Eis o Homem"» [Palavras de Pôncios Pilato quando apresentou Jesus coroado de espinhos ao povo judaico, para se votar se devia ou não ser morto, segundo o Evangelho de S. João, XI.]
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O
jovem Krishnamurti certamente já na fase de cansaço ou desencanto em relação aos
seus mentores, Leadbeater e Annie Besant, e à pesada tarefa ou missão de ser o novo
Cristo...
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Do
novo Instrutor do Mundo ou Messias, e da nova Religião Mundial, estava inteirado Fernando
Pessoa e mencionou-o nos seus apontamentos sobre o messianismo, mas tal
projecto ambicioso de Annie Besant e Charles Leadbeater claudicou plenamente em 3 de
Agosto de 1929, no costumeiro campo de Verão de Omem, Holanda, quando Krishnamurti o
repudia, dissolve a Ordem da Estrela e desfilia-se da Sociedade
Teosófica, recusando assim o papel mistificador de ser o Messias, esperança e sonho que iludira muitos teósofos,
nomeadamente os que escreveram sobre ela e os que aderiram à Ordem da Estrela, fundada em 1911, para
acompanhar Krishnamurti e que em Portugal se desenvolveu, publicando-se alguns
livrinhos e brochuras, pelo menos de 1922 a 1931, quando já depois da
Ordem dissolvida ainda era mantido o Boletim da Estrela,
publicado pelo coronel Óscar Mayer Garção. Terá ele passado a
krishnamurtiano, como sucedeu a muitos teósofos ou, desenganado, voltou à
teosofia inicial e clássica de Blavatsky e Q. Judge?
Em
Dezembro de 1878 partem finalmente de barco para tão
desejada Índia Olcott e Blavatsky (muito receosa que fosse a sua última viagem, e de facto houve tempestades fortes), via Londres, onde permanecem alguns dias, com encontros não só dos teósofos como com um Mahatma avistado por Olcott em pleno nevoeiro, e participando ainda em sessões espíritas com a médium teósofa Hollis-Biling, que foi mesmo referenciada pelo Mahatma Koot Humi, numa carta para Alfred P. Sinnet: «entre os médiums ela é a mais honesta senão mesmo a melhor». Ou ainda que o seu espírito guia "Sky" tinha sido usado como uma boca para vários dos Mahatmas, numa significativa e talvez mistagógica aliança entre o espiritismo e a mais alta instância teosófica......
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Hollis Billing,(1837-1908) uma médium teósofa..
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Desembarcarão em Bombaim em
16 Fevereiro de 1879, sendo bem recebidos por três membros, teósofos, do Arya Samaj, de Swami Dayananda Saraswati (1824-1883, um dos pioneiros do renascimento bengali, com Raja Ram Mohan Roy, Devendranath Tagore e Ramakrishna Paramahansa), e com quem estavam em contacto amistoso há algum tempo, preparando até alguma unidade colaborativa entre os dois grupos. Ao fim de alguns meses de felicidade no encontro tão desejado com a Índia e os indianos, com constantes diálogos ou satsangs até tarde, e apenas com uma desilusão quanto à abnegação do hospedeiro inicial, partem para uma viajem uns meses pela Índia com um deles, Mooljee Thackersey, e começam em Outubro, de Bombaim, a divulgação através da revista The Theosophist
que fundam (numa continuação da "democratização do hermetismo", como
chamava Fernando Pessoa à Teosofia). Infelizmente a boa relação com Dayananda Saraswati e o Arya Samaj esfumou-se após alguns encontros amistosos e entraram mesmo em 1882 numa disputa agreste Olcott e Dayananda, já que este começou a desconfiar dos poderes de Blavatsky e a duvidar da harmonia da Sociedade Teosófica não só com o Arya Samaj como com a tradição indiana ou Sanatana Dharma. Olcott reagirá com força, talvez exagerada, considerando as suas mudanças seja de doutrina seja de apreciação crítica à Sociedade Teosófica como erradas e condenáveis, quando elas eram compreensíveis para quem (Dayananda) vivia dentro do ambiente nativo e tradicional e agora se interelacionava com Ocidentais não comprometidos com os usos e costumes, ou mesmo doutrinas, da Índia, sendo possível que a adesão ao Budismo cingalês de Olcott o tenha desiludido também.
Quando estavam em Benares foram
convidados por monges budistas a deslocarem-se ao Ceilão, onde Olcott e Blavatsky assumiram
em Maio de 1880 no Vijayananda Vihara, em Galle os cinco votos budistas, os pancha sila, sendo os primeiros ocidentais conhecidos a fazerem-no, além de animarem valiosamente a formação de novas escolas ainda hoje existentes, e gratas. Olcott dará à luz o Catecismo Budista em
1881, ao estilo de perguntas e respostas muito simples numa linha de pensamento e conduta segundo os preceitos de Gautama, o Budha na linha Hinayana, ou Pequeno Veículo, e ainda nos nossos dias é lido nas suas escolas.
O livrinho viria a ser lido entre nós por Antero de Quental, e
o seu discípulo Joaquim de Araújo, autor do 1º poema à desincarnação
voluntária, samuraica, de Antero em 1891 e já acercado no blogue:"Morrer é ser
iniciado", descreve-o assim no Catalogo da Livraria de Anthero de Quental (c. 1892), na secção de Religiões, Vidas de Santos e Theologia, entre alguns livros orientalistas de Max Müller, T. Rhys Davids, Gobineau e Guilherme de Vasconcelos Abreu: «CCIX - Olcott (Henry S.). - 337 - A BHUDDHIST CATECISM, Acording to the Canon of the Southern Church. By Henry S. Olcott, President of the Theosophical Society, etc. London, Trübner & Co. Ludgate Hill, 1881, 1 vol. in-16, 28 pag. Em brochura.»
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Antero de Quental, numa mandala astrológica impressa e trazida duma lamasaria no Tibete.
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Foi no
final de 1879 que Blavatsky e Olcott se encontraram em Allahabad com Alfred Percy Sinnett
(1840-1921), um jornalista inglês que trabalhava na Índia desde 1879 e
que se torna rapidamente um entusiasta teósofo com a sua mulher
Patience, acolhendo-os seis semanas. Uns meses depois, no Outono de
1880, voltam a ser hóspedes do casal Sinnett durante mês e meio na
casa de campo de Simla, certamente em deliciosas conversas
e com Blavatsky a impressioná-lo muito com os seus poderes psíquicos ou ocultos, como
Sinnett relatará amplamente no seu livro O Mundo Oculto, nomeadamente materializações de objectos, produção de sons de pancadas inexplicáveis, leituras de pensamento, e audição frequente de sons de campainhas. A sua compreensão dela era então: Madame Blavatsky é um iniciado, um adepto, mas apenas ate ao ponto de possuir esse magnífico dom de telegrafia psicológica com os seus amigos ocultistas. O facto de ela ter parado precisamente no ponto de iniciação que marca a fronteira entre este mundo e o mundo ocultista, é que lhe permitiu tomar sobre si o encargo do desempenho da missão, confiada à Sociedade Teosófica.»
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Alfred Percy Sinnett.
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Diz
Alfred Percy Sinnett ainda desse memorável encontro que foi graças a
Blavatsky, a quem perguntara se poderia escrever para os Mestres ou
Mahatmas (em sânscrito, grandes almas), que estariam por
detrás da Sociedade, a fim de se corresponderem, que se
resolveu a escrever duas cartas, em 13 e 15 de Outubro de 1880 (que
seriam teletransportadas para eles, crê-se), recebendo no
dia 17 ou, melhor, encontrando na sua escrivaninha, uma longa carta (maçuda e algo pretensiosa, demonstrando um vasto conhecimento da cultura ocidental) assinada pelo mestre Koot Humi. A resposta de Sinnett é elucidativa da sua índole ambiciosa (ou apenas nacionalista), pois na carta seguinte pede ao Mestre para fundar com ele e Allan Octavian Hume (que participava dos encontros pois tinha casa também em Simla) uma Loja Anglo-Indiana, separada da Sociedade Teosófica e completamente independente de Blavatsky e Olcott, ao que K.H. (ou Blavatsky...) respondeu com muita paciência, lembrando-lhe que a ingratidão não era com eles, mestres. Admire-se a resiliência da senhora Blavatsky, quanto a estas duas almas que se iniciavam na Teosofia com características muito próprias de serem intelectuais reconhecidos e importantes, A. O. Hume (1829-1912) um reputado ornitologista. Todavia, com o decorrer do tempo, e apesar de ter recebido três cartas e ter entrado na Sociedade Teosófica em Agosto de 1881, logo em 1882 renunciou a presidência da Sociedade Teosófica Eclética de Simla, e em Janeiro de 1883 recebeu o cheque-mate dos mestres ou da já não tão paciente Blavatsky, quando numa carta dirigida ao seu amigo Sinnett, este foi avisado que Hume estava quase a enlouquecer por más energias de um fakir amigo e que ao aceitar e seguir o ensinamento de um swami ou monge da linha Advaita Vedanta estava a afastar-se do ensinamento de Koot Humi. Muito significativa é também esta passagem arrasadora da carta: «embora o seu próprio autocriado adeptado seja inteiramente imaginário, ele, no entanto, através da prática imprudente do pranayana (controles respiratório-energéticos) desenvolveu em si mesmo até certo ponto uma mediunidade - e está marcado para o resto da vida por ela.» E aconselha Sinnett a evitá-lo...
Iniciava-se assim na já montanhosa e no Verão fresca Simla, pois está a 2.276 metros de altitude, e por onde temos de passar quando peregrinamos os Himalaias, a correspondência entre os misteriosos Mestres e Sinnett que
duraria de 1880 a 1886, embora este tivesse que regressar a Londres
em 1883 ao ser despedido do jornal The Pioneer do qual era o editor, mas bem indemnizado. As cartas,
num total de cerca de 140, só seriam publicadas completamente (já que em 1919, Jinarajadasa, prefaciado por Annie Besant, já publicara quarenta delas comentadas, logo traduzidas em 1920 em França), em 1923 (dois anos após a sua morte) e 1926, e
melhoradas em 1962 e 1993. Em 2001 seriam traduzidas para português e impressas no Brasil em dois volumes, mas, mesmo contextualizadas como é o caso, exigem uma leitura muita atenta para não gerarem confusão, dada a quantidade de autores e destinatários, bem como de notas adicionadas na época, e os muitos conflitos, incompreensões, pretensões e subterfúgios que elas partilham...
Desde há vários anos está comprovado por especialistas oficiais de grafologia
que as famosas cartas dos Mahatmas a Sinnett, conservadas no Museu Britânico, foram escritas em língua e em tinta inglesa
a quase totalidade pela mão da senhora Helena P. Blavatsky e, embora haja ainda muita gente que enalteça e
mitifique tais cartas, só em algumas delas há especulações ou respostas mais originais sobre a pluridimensionalidade espiritual humana e cósmica, abundando manifestações dum conhecimento seja erudito da tradição ocidental cultural e espiritual seja lúcido da sua mentalidade contemporânea, o que seria pouco adequado a adeptos indianos interessados em ensinar, a maioria delas tratando pragmática e algo corriqueiramente de aspectos interpessoais dos teósofos e dos problemas que foram criando ou encontrando. As cartas assinadas pelos mestres Morya ou por Koot Humi dão tratamentos curiosos a Sinnett tais como Prezado Irmão e Amigo, Prezado senhor e irmão, Meu bom irmão, Meu caro Irmão, Meu caro embaixador...
Anos depois, já entre Abril de 1885 e Maio de 1886, quando estava em Würzburg, na Alemanha, Blavatsky fará uma auto-crítica, um mea culpa, e pela maioria das pessoas ignorado, à sua hospedeira Constanze Wachtmeister, notável amiga e protectora: «Oh fenómenos malditos, que produzi apenas
para agradar a âmagos particulares e para instruir os que me
rodeavam... Os fenómenos são a maldição e a ruína da
sociedade...»
Quantos aos livros que
Alfred P. Sinnett redigiu em seguida ao seu encontro com Blavatsky e à
pretensa ligação com os Mestres, em dois deles transcreve bastante das ditas cartas: n'O
Mundo Oculto, em 1881, e no Budismo Esotérico, de 1883, e ambos foram publicados em Portugal, saindo por exemplo a 1ª edição do Budismo Esotérico, em 1916 e a 2ª edição em 1922, esta traduzida pelo Dr. João Cid "da oitava edição ampliada e anotada pelo autor". Já O Mundo Oculto
foi traduzido (com algumas discrepâncias) por Mário Alemquer, em 1916, e ostentava no início uma
singela homenagem aos poderosos e misteriosos mestres da Sociedade
Teosófica, hoje denominados ascensos:
Dedicatória
Aquele, cuja
compreensão da Natureza e da Humanidade vai tão além da filosofia [e da ciência [algo que foi omitido na tradução portuguesa. Voluntariamente?]] da
Europa, que apenas as inteligências mais excepcionalmente poderosas
podem conceber a existência das forças [powers] que ele constantemente domina [exercise], Ao Mahatma K. H.,
a cuja condescendente [gracious] amizade o autor deve a satisfação de chamar a
atenção do mundo europeu para os fenómenos maravilhosos do ocultismo.
Com a devida permissão, solicitada e obtida, dedica este modesto trabalho, A. P. Sinnett.»
Faziam parte na Colecção Teosófica e Esotérica, fundada e dirigida pelo espírita, ocultista, teósofo e hermetista João Antunes, advogado,
que tinha uma boa universalidade no comportamento e nas ideias, e que
aceitava bem o contraditório, patente numa resposta que dá na revista
ocultista e teósofa Eleusis: quem quisesse saber melhor as
críticas que se faziam à Teosofia deveria ler a [inegavelmente importante e muito fundamentada]
obra de René Guénon Le Theosophisme, Histoire d'une pseudo-religion, dada à luz em 1921, num in-8º de 310 páginas. Dessa época, dos críticos, devem destacar-se Bô Yin Râ, em alguns dos seus livros, em especial no Mehr Licht, criticando, por exemplo, o erro de se tomarem como Mestres entidades astrais e de se pensar que a realização espiritual se obtém pela dita ciência oculta e a leitura de densos volumes, Carl Gustav Jung, numa carta já abordada neste blogue, e Julius Evola, em alguns livros, tal como, no de 1949, Maschera e volto dello spiritualismo contemporaneo. Analisi critica delle principali correnti moderne verso il sovrasensibile, bem como, um pouco antes, William Emmete Coleman (abordado neste blogue), V. S. Solovyoff (com a sua tão crítica e polémica obra A Modern Priestess of Isis, London, 1895), Max Müller (o erudito sanscritólogo e orientalista), e os católicos Léonce de Grandmaison, Joseph de Tonquédec, Th. Mainege, entre outros.
Influenciado por esse título, e porque ele se tornara uma das principais designações
da pretensa doutrina teosófica, Fernando Pessoa por mais de
uma vez utilizará a expressão Budismo esotérico, seja pela leitura do livro seja apenas por ser uma expressão então consagrada para dignificar ou orientalizar a vulgarização teosófica da constituição oculta do ser humano e do universo. A obra tem doze capítulos e na parte inicial realça a
originalidade pioneira da sua transmissão, recebida de um mahatma (K. H. ou Koot Humi), e depois nada mais senão especulações sobre os sete corpos (talvez o mais importante e influente tema da teosofia da Socieade Teosófica, e que será o mais referido por Ferandno Pessoa), a cadeia planetária, os períodos do mundo (Lemúria, Atlântida), a vida no além, a onda humana e o seu progresso, e é só nos Cap IX e X, intitulados Budha e Nirvana, que especula e define o (ou partes do) Budismo baseado sobretudo em teorizações (por vezes muito imaginadas, tal a reincarnação de Budda como Sankaracharya e depois como Tsong-ka-pa) de Blavatsky. Como exemplo, as vinte e cinco páginas do cap. IX, Budha, dividem-se em: O Budha esotérico. Reincarnação dos Adeptos. A incarnação do Budha. Os sete Budhas das grandes raças. Avolikiteshwara. Adhi Budha. O que era o estado do adepto no tempo de Budha. Sankaracharya. As doutrinas vedanticas. Tsong-ka-pa. Reformas do Ocultismo no Tibete,» e manifesta por vezes quão fraca era a sua compreensão, ou então forte manipulação, dos ensinamentos indianos, ainda que diga «basear-se nas informações de um bramane iniciado, curioso de ocultismo e muito conhecedor de sanscrito». Por exemplo:«Servindo-nos da rude fraseologia da teologia europeia, podemos dizer que os Advaitas acreditam na salvação pelas obras e os Vishishta Advaitas pela graça», quando na verdade no 1º caso realizam-na pela compreensão unificadora, Jnana, e os Vishista, pela devoção, bhakti.»
Anote-se que o livro teve ainda o azar de Helena P. Blavatsky, ao publicar mais tarde em 1888 a
sua monumental, embora "indigesta", Doutrina Secreta, ter incluído várias explicações que contradiziam o que Percy Sinnet escrevera no seu tão prolixo livro, em especial num dos subcapítulos do 1º volume intitulado A few early Theosophical Misconceptions concerning planets, rounds and man, em que chega mesmo a citar várias vezes o Budismo Esotérico e lembrar que Sinnett confessara que «era uma "mente não treinada no ocultismo", pelo que fora levado a alguns erros de detalhe mas não de visão geral». Sinnett, que era afirmativo e dominador, pese o seu ar meigo,
e que já estava algo de candeias às avessas com Blavatsky, quando
esta, pouco depois de dar à luz a Doutrina Secreta, fundará em Outubro de 1888 a mítica Secção Esotérica da Sociedade Teosófica em Londres,
que passará depois aos outros países, tal Portugal, recusar-se-á a aderir, continuando a liderar, à sua maneira e entendimento, parte dos membros da Sociedade Teosófica em Inglaterra
Poderemos brevemente indicar alguns
exemplos da utilização por Fernando Pessoa da expressão Budismo
esotérico - a propósito da
divisão quíntupla dos corpos subtis, - por querer destruir a cultura grega, a ordem romana, a moral
cristã e a igreja católica, - e ao considerar que uma
«moderna reviviscência dos sistemas ocultistas, notável sobretudo
pela importação, nos países de língua inglesa, do chamado budismo
esotérico, atroz amálgama de superstições selvagens, de
humanitarismo decadente e de gnosticismo atrapalhado, trouxe outra
vez à superfície o que pela Europa havia de restos da tradição
oculta da Gnose».
Em
1882, Blavatsky e Olcott encantam-se com a frondosa zona de Adhyar, nos
arredores de
Madrasta, a qual se torna a nova sede da Sociedade Teosófica com a
instalação em Dezembro de Blavatsky e Olcott, cinco criados indianos,
os dois empregados Alexis e Emma Coulomb, e os discípulos ou chelas dos
mestres Damodar, Dora Swami Naid e Deb, deste escrevendo uma "misteriosa e problemática"
nota: "He is my right hand (and K. H.'s left one) — at imposture and false pretence."[Ele é a minha mão direita (e o mestre Koot Humi a esquerda) - na impostura e falsa pretensão]
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Helena P. Blavatsky, com os seus dois principais ajudantes e discípulos Damodar V. Mavalankar e Deb, no ano de 1883.
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E
vão pública ou visivelmente receber (e segundo Jinaradasa elas serão
enviadas de 1870 a 1901) várias das controversas
cartas e também sinais sobrenaturais dos Mestres, que serão pouco depois
denunciadas como fraudulentas pelos Coulomb, quando Blavatsky e Olcott
estavam na Europa, desde Março de 1884, obrigando-os a regressarem à pressa e em
força, com Charles Leadbeater, num processo que vai abalar alguma confiança e crença pública em relação a Blavatsky e consequentemente na Sociedade Teosófica.
Fernando Pessoa, através da pena de Ricardo Reis, e que sabia da investigação à veracidade das cartas, nas suas
análises neo-pagãs regista talvez em conexão com elas: «O sentimento
sobrenatural, liberto, propriamente do sentimentalismo cristista,
veio a dar na renascença do ocultismo, patente hoje por todo o orbe.
Certas escolas do ocultismo – como a Sociedade Teosófica, que é,
ostensivamente, a mais forte – não abandonaram, é certo, o
sentimento cristista no seu intuito fraternitário. Mas o facto é
que a renascença ocultista, como tal, se apoia não directamente no
humanitarismo cristista, mas sim na pura reviviscência da noção do
sobrenatural, sem outros atributos ou elementos anexos». (21-25). E no
fim da sua vida tornar-se-a a referir a tal evento, como transcreveremos mais à frente.
Entretanto já em 1883
o
ramo da Sociedade Teosófica em Inglaterra fora abalado por se ter
provado que o conteúdo de uma das cartas atribuídas por Sinnett aos Mestres provinha
em grande parte de um artigo num jornal espírita, o que origina a saída
de vários teósofos, ou a crítica de outros tais como Mabel Collins
(1851-1927), uma escritora bastante ousada, e excêntrica que
frequentava as reuniões teosóficas na casa de Sinnett, mas que só entrou
para a Loja londrina em 1884, publicando em 1885 uma obra Light on the Path que teve grande sucesso
pelo sua calma e beleza e que foi apresentada como tendo sido ditada ou inspirada pelos mestres da Sociedade Teosófica.
Como em 1889 o divórcio entre Mabel Colins e Blavatsky, muito crítica
da sua liberdade amorosa, se tornara total, Mabel Collins declinou a
inspiração do mestre Hillarion, que Blavatsky reconhecera, e esclareceu
que mistificara pois a obra era só sua. A Luz sobre o Caminho viria a ser publicada entre nós como o oitavo livro da colecção Teosófica e Esotérica
numa tradução de Fernando Pessoa, em 1916, com a 2ª edição em 1921, e
se ele soube ou intuiu algo das mistificações mencionadas não sabemos.
Em 1883, Blavatsky e Olcott vêm uns meses a Paris e
Londres, e regressam apressadamente no fim de Dezembro a Adhyar, Índia, onde rebentara o
escândalo das alegações de fraude nas precipitações das cartas
dos Mestres e nas materializações de objectos, e onde chegara para
redigir um relatório o Dr. Richard Hodgson (1855-1905), da Sociedade de
Investigações Psíquicas, londrina, o qual é publicado em Dezembro, 1885, considerando as cartas materializadas durante cerca de quatro anos na sala-santuário da sede de Adyar e o som das campainhas fraudes. Entretanto a família Coulomb resolve levar o caso a tribunal, em Madras, e a repercussão
do caso estava a tornar-se de tal amplidão, com muita gente a descrer dela ou da Sociedade, que Blavatsky regressou à Europa, em
Abril de 1885, com o médico ocultista Franz Hartmann, autor de Magia
Negra e Magia Branca, obra que Fernando Pessoa leu, anotou e comentou e ainda hoje se encontra na sua biblioteca online. Se foi ela que resignou, o mais provável, ou se seguiu o conselho do Board of Control,
o Conselho administrativo teosófico, discute-se. Embora já corresse ou
se soubesse há uns meses, é só em Dezembro de 1885 que o relatório da
Society of Psychical Research sai a público, confirmando as acusações
de fraude nas cartas e nos fenómenos paranormais, o que é arrasador
para muitos, embora uma das conclusões, só subscrita por Hogdson, a de que era uma espia do Governo Russo, fosse rocambolesca...
Blavatsky,
após algum tempo na Europa, regressa a Londres em 1887 e discordando da linha de ensino teosófico
e do seu direcionamento para as classes sociais mais ricas que Alfred Percy Sinnett imprimia à
Sociedade Teosófica em Inglaterra, resolve fundar em Setembro e dirigir com Mabel Collins (e a partir de 1888 com Annie Besant) a revista Lucifer, A Theosophical Magazine designed to "Bring to Light the Hidden Things of Darkness", título algo assustador mas cuja citação é do apóstolo Paulo, I Epist. aos Coríntios, e a hermenêutica de Blavatsky e Mabel Collins é: «mostrar no seu verdadeiro aspecto e no seu significado original real coisas e nomes, homens e seus feitos e costumes; e é finalmente lutar contra o preconceito, a hipocrisia e a vergonha em cada Nação e tanto em cada classe da Sociedade como em cada departamento da vida». A revista fazia falta pois só havia a Theosophist, editada em Adyar, India, e será desde 1895 co-editada com o sábio G. R. S. Mead, e publicada até 1897, quando dá lugar à mais cordata Theosophical Review, que singrará até 1928.
No mesmo ano de 1887 surgia em França, dirigido por Felix Krishna Gaboriau, Le Lotus, Revue des Hautes études théosophiques tendant à favoriser le rapprochement entre l’Orient et l’Occident, sous l'inspiration de Blavatsky, e onde colaboraram notáveis ocultistas, tais como Blavatsky, Fabre d'Olivet, Franz Hartman, Papus, Stanislas de Guaita, Carl du Prel, F.-Charles Barlet, etc., mas que durará só dois anos, por o seu director, após uma querela em defesa de Blavatsky com Papus, se ter desiludido de Blavatasky e depois de Olcott, a quem enviou em Dezembro de 1888 a carta de demissão. Em 1890 começará a ser publicada Le Lotus Bleu, e a partir de 1928 passará a ser Revue Theosophique Française, ainda hoje viva.
Em Portugal será só em 1921 que é dada à luz a Isis: revista de questões teosóficas e de sciencias espiritualistas, dirigida por João Antunes e com adeptos da espiritualidade ilustres, como Leonardo Coimbra, Maria O'Neil, Teixeira Rego, Ângelo Ribeiro, César Porto, Silva Júnior e Afonso Sair, Juan de Nogales, e Óscar Garção e Cibrão, o denodado apóstolo do sonho do novo Messias. Fernando Pessoa, embora anti-Teosofia, conservou o 1º número da revista, certamente presenteado, e pode ser visto e lido hoje na sua biblioteca online. Na lista dos colaboradores encontramos Leonardo Coimbra, Teixeira Rego e Angelo Ribeiro, entre outros, mas naturalmente não Fernando Pessoa já que repudiava muito da Sociedade Teosófica. Contudo, e até hoje ninguém referiu, encontra-se neste 1º número da revista Ísis uma sábia apreciação do valor de Fernando Pessoa realizada pelo director dela João Antunes, na Secção Livros e Revistas, Ementa bibliográfica de todas as obras de que nos remetem dois exemplares:« O Compêndio de Teosofia, de Leadbeater é obra que não deve faltar na estante de quem preze a filosofia, em qualquer dos seus aspectos, que todos deviam ler, por onde todos deviam começar. A versão de Fernando Pessoa, literato exímio e linguista ilustre não trai o grande valor do original, notando-se a falta de um índice, que auxilie o compulsar do livro, que não é para ser lido de uma só vez.» Teria F. Pessoa considerado desnecessário o índice? Anote-se ainda uma crítica muito elogiosa a Leonardo Coimbra pelo seu último livro A Luta pela Imortalidade, «um grito de alma, orquestrado de luz, cor e forma».
Helena P. Blavatsky nesse ano de 1887 ainda funda a Loja Blavatsky, independente do domínio de Sinnett, e já em
Outubro de 1888, a Secção Esotérica da Sociedade em Londres, o que não agradou nada Sinnett, pois introduzia um nível mais reservado e elevado dentro da Sociedade Teosófica em Inglaterra, que ele dirigia, enquanto Henry Olcott regia a mundial, de Adhyar, secundado e influenciado por Besant e Leadbeater.
E em Dezembro publica os dois grandes volumes da
Doutrina Secreta, com mais de 1500 páginas, inegavelmente a opus magna teosófica,
uma obra enciclopédica com bastantes dados valiosos da sabedoria oriental, recolhidos de várias fontes e especulados, embora se discuta,
ou se negue em geral, a autenticidade das estâncias ou Livro de Dyzam, que teria colhido no Tibete, no qual se baseia e interpreta, com fabulosas especulações,
os tempos primitivos do Cosmos e depois da Terra e da Humanidade e
muitos outros aspectos e formulações. O 1º volume, Cosmogenesis, está dividido em Evolução Cósmica, A evolução do Simbolismo na sua ordem aproximada, e A Ciência e a Doutrina Secreta contrastadas. O 2º volume, Antropogenesis, divide-se em Antropogénese, O Simbolismo Arcaico das Religiões Mundiais e A Ciência e a Doutrina Secreta contrastadas. Inegavelmente uma obra pioneira em vários aspectos, com uma massa gigantesca de informações e especulações por vezes incorrectas, infundadas e até inutéis quando enredam as pessoas em labirintos mentais e enfraquecem a verdadeira demanda espiritual íntima...
Um teósofo importante, o jovem advogado indiano, Subba Raw (1856-1890, e que já abordamos no blogue), e que fora quem aconselhara o local de
Adyar para sede e que ajudara muito à divulgação da teosofia no meio
hindu, convidado a rever e corrigir certas partes, sentiu um tal repúdio interior por muito do contido (seja na forma seja na ideia) na Doutrina Secreta que se demite da Sociedade. Mas morrerá poucos anos depois. Na realidade houve várias reacções críticas a essa enciclopédia ocultista, equilibrando as de louvor, e já mencionámos alguns nomes.
Blavatsky publicará ainda em 1889 a Chave
da Teosofia, onde tentou resumir de uma forma simples e clara como via a Teosofia e a Sociedade Teosófica em 14 capítulos ou secções, e apesar de na 1ª secção o último capítulo se intitular: A Teosofia não é budismo, na 5ª secção, Os Ensinamentos fundamentais da Teosofia, apresentados em cinco capítulos: Sobre Deus e a Oração. É Necessário Orar? A oração mata a auto-resistência. Sobre a fonte da Alma Humana. Os Ensinamentos Budistas acerca do acima mencionado, persevera no seu ataque forte ao Cristianismo e à concepção limitada do Deus pessoal e pensante derivada em parte do antigo Jehová, que rejeita e tenta basear-se na Cabala para justificar-se. Algumas das respostas são certamente provocadores e exageradas, tal a que eles (teósofos) não rezam, ou falam porque agem, e a que a força da oração "é a vontade e que ela é mais um comando interno do que uma petição". Aconselhando os cristão a não serem israelitas ou judeus, mas a seguirem o verdadeiros ensinamentos de Jesus, porá em causa as orações pela morte dos inimigos ou a violência da civilização cristã. E em seguida apoiar-se-á em textos e concepões budistas. É uma obra valiosa, pois sumariza no fim da sua vida as suas principais compreensões do universo, do ser humano e do caminho espiritual, nas quais pende para uma linha algo advaitica vedantica, ou mesmo budista, ao recusar constantemente a relação pessoal com a Divindade, seja nas formas mais exotéricas das religiões seja nas mais internas desenvolvidas pelos indianos na linha dvaita vedanta, e da ishta devata, a divindade manifestada pessoalmente na interioridade da alma devota que aspira e medita nela.
No fim da obra, o carácter messiânico e utópico de Blavatsky afirma-se numa linha até justificativa do sonho abortado de um novo Messias e nesse sentido retirando parte das culpas dos iludidos mas ambiciosos Annie Besant e Leadbeater: «mas além de uma literatura grande e acessível pronta nas mãos dos homens, o próximo impulso encontrará um corpo numeroso e unido de pessoas preparadas para receber o novo portador da tocha da Verdade. Ele encontrará as mentes dos homens preparadas para a sua mensagem, uma língua pronta para ele a fim de revestir as novas verdades que traz, uma organização aguardando a sua chegada, o que removerá os obstáculos e dificuldades meramente mecânicos e materiais do seu caminho.» Até que ponto ou grau é que Fernando Pessoa sonhou ou acreditou mesmo que os seus escritos sebastianistas e quinto-imperiais contribuiam para aplanar a vinda do Encoberto e Desejado é certamente de se considerar provavelmente afirmativamente, tendo em conta os seus apoios a Sidónio Pais e depois, no início, a Salazar (conforme o folheto de 1928 O Interregno), já que no fim estava completamente contra ele e o Estado Novo.
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O sonho mitificante pessoano do Encoberto, nos azulejos de Lima de Freitas na estação do Rossio em Lisboa
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Já a mítica, e mistificante enquanto se afirma como proveniente das estâncias de Dyzan, A Voz do Silêncio, foi obra de mais sucesso, pelo seu caracter algo ascético-místico de conselhos aos discípulos, num estilo e fraseologia oriental, e que Fernando
Pessoa conheceu bem, pois traduziu-a mesmo em 1916.
Entretanto a jovem fabiana e feminista Annie Besant, que se entusiasmara com a leitura da Doutrina Secreta
e fora entrevistar Blavatsky, é escolhida por esta, depois de Besant se tornar
teósofa, para ser a sua sucessora na Loja Blavatsky.
Desgastada, com a sua missão cumprida, com mais ou menos erros ou fraudes, Blavatsky liberta-se
do corpo terreno, tão trabalhado e fecundo, em casa de Annie Besant, em
Londres, no dia 8 de Maio de 1891, que passou a denominar-se dia do Lótus Branco, comemorado anualmente por milhares de teosofistas. Pouco depois, os principais teosófos admitem que Blavatky reincarnara logo num corpo já maduro, Annie Besant anunciando-o em 1897, e Leadbeater no Boletim de Adyar de 1913, o que levantou mais celeumas e críticas.
Desde cedo interessado no misterioso, no secreto, no oculto, no religioso,
Fernando
Pessoa manifesta-o em algum poemas e textos, nem que só fosse pelo
título deles, e começa a ler obras de ocultismo, mesmo na África do Sul,
certamente a mais importante sendo a de Hargrave Jennings, cuja 1ª
edição saiu em 1870, sendo a que Fernando Pessoa possuía e leu e releu a
3ª edição já de 1907, e da qual deixou não só apontamentos na
marginália do livro como em papéis, mas testemunhando-o até numa carta
muito esclarecedora sob o seu início do conhecimento mais específico da
teosofia da Sociedade Teosófica, a de 6 de Dezembro de 1915 a Mário de
Sá Carneiro, confessando as razões do seu desassossego: «A primeira parte da crise intelectual, já V. sabe o
que é; a que apareceu agora deriva da circunstância de eu ter tomado
conhecimento com as doutrinas teosóficas. O modo como as conheci foi,
como V. sabe, banalíssimo. Tive de traduzir livros teosóficos. Eu nada,
absolutamente nada, conhecia do assunto. Agora, como é natural, conheço a
essência do sistema. Abalou-me a um ponto que eu julgaria hoje
impossível, tratando-se de qualquer sistema religioso. O carácter
extraordinariamente vasto desta religião-filosofia; a noção de forca, de
domínio, de conhecimento superior e extra-humano que ressumam as obras
teosóficas, perturbaram-me muito. Cousa idêntica me acontecera há muito
tempo com a leitura de um livro inglês sobre
Os Ritos e os Mistérios dos Rosa-Cruz.[de Hargrave Jennings.] A possibilidade de que ali, na Teosofia, esteja a verdade real me «hante».
Não me julgue V. a caminho da loucura creio que não
estou. Isto é uma crise grave de um espírito felizmente capaz de ter
crises desta. Ora, se V. meditar que a Teosofia é um sistema
ultracristão—no sentido de conter os princípios cristãos elevados a um
ponto onde se
fundem não sei em que além-Deus
— e pensar no que há de fundamentalmente
incompatível com o meu paganismo essencial, V. terá o primeiro elemento
grave que se acrescentou à minha crise. Se, depois, reparar em que a
Teosofia, porque admite todas as religiões, tem um carácter inteiramente
parecido com o do paganismo, que admite no seu Panteão todos os deuses,
V. terá o segundo elemento da minha grave crise de alma. A Teosofia
apavora-me pelo seu mistério e pela sua grandeza ocultista, repugna-me
pelo seu humanitarismo
e apostolismo
(V. compreende?) essenciais, atrai-me por se
parecer tanto com um «paganismo transcendental» (é este o nome que eu
dou ao modo de pensar a que havia chegado), repugna-me por se parecer
tanto com o cristianismo, que não admito. E o horror e a atracção do
abismo realizados no além-alma. Um pavor metafísico, meu querido
Sá-Carneiro!»
Mas reagirá logo com escritos pró-paganismo e anti-teosóficos, nomeadamente contra o feminismo, o
humanitarismo, o fraternalismo, a divulgação superficial, confusa
e incomprovável em vários aspectos do ocultismo. O mais importante é o texto (54A-85) intitulado Princípios de Metafísica Esotérica, atribuído ao astrólogo Rafael Baldaya e que começa assim:
«Recentemente tem tomado um grande relevo pelo mundo a
propaganda da religião chamada Teosofia. Essa religião pretende ser
a da Verdade; se não tivesse essa pretensão não seria uma
religião. Pretende estar por detrás de todas as religiões.
Pretende ser a depositária das antigas doutrinas ocultas; pretende
representar uma comunicação para o exterior feita pelos chamados
“Mestres”. Urge expor do modo mais claro e preciso qual é,
segundo a ciência esotérica verdadeira, a constituição real do
Universo.Não importa ao leitor como estas verdades se determinaram, de
onde elas partem. A sua aceitação não é necessária para ninguém. Mas
elas expõem-se, porque chegou a hora de se exporem, porque é preciso que
elas sejam dadas ao mundo. O resto não tem importância.
Compêndio de Hiperciência.
Compêndio de Cosmologia oculta.
Este
trabalho, de que fui encarregado, procuro fazê-lo o melhor que possa,
sendo preciso, lúcido e esquemático, quanto possível, na
minha exposição.
Uma última pergunta poderá ocorrer aos leitores: qual a razão porque
este tratado sai primeiro em português do que em outra língua qualquer,
porque em uma das línguas, não talvez menos faladas, mas por certo menos
lidas, do mundo? Porque isso tem de ser assim, dado o grande Destino
oculto que Portugal tem de cumprir, continuando o que já cumpriu, aquele
destino que o Senhor da Ciência segredou ao Infante D. Henrique em
Sagres, para que ele o pusesse em prática.
Portugal é um Ente. Esse
ente tem que cumprir um destino. Esse destino envolve que as verdades
que este livro revela sejam dadas primeiro em português do que em outra
língua qualquer.
Este sistema não será exposto como um sistema
metafísico, que se prove; mas sim como um sistema religioso,
dogmaticamente. Mas ele tal é,
que, uma vez lido, a sua verdade será vista por aqueles que está
destinado que a vejam.»
[E este texto do espólio termina aqui,
embora algumas das pessoas que têm publicado algo incorrectamente os
escritos de Fernando Pessoa continuam-no com um outro como se fossem o
mesmo, quando é distinto, até no suporte de papel, e apenas foi apenso na arrumação dos documentos do espólio a seguir ao outro. Algo que podemos observar em mais do que um caso, em escrito ou
papel de Fernando Pessoa e que evidencia má leitura inicial e apropriação e
reprodução dum documento já com erros, ou errado].
Assim começava ardentemente indignado e prometaicamente mistificador o geminiano Fernando Pessoa, através do seu semi-heterónimo astrólogo Raphael
Baldaya, essa obra intitulada Princípios de Metafísica
Esotérica, da qual nos ficaram apenas fragmentos, caracterizados
por reacção
forte tanto a afirmações e ensinamentos de Blavatsky, tal a de que
«a Teosofia era a matemática pura da religião», como à
vulgarização e democratização do Ocultismo ou mesmo da Sabedoria
Oriental, afastando-os das suas fontes expressões luminosas, e que a
Sociedade Teosófica
(infelizmente por certos membros) realizava, dirigida então já por Annie
Besant (1847-1933, e desde 1908 presidente da Sociedade Teosófica), e
secundada pelo famigerado clarividente Charles
Leadbeater (1854-1934), dois seres por Fernando Pessoa em alguns textos
criticados, o mais divertido sendo o da ignorância da gramática, tema
que repetiu ainda outra vez mas sem o mencionar, o que tem passado
desapercebido tal como vários outros sinais de entrelinhas...: «Um
Rosicruciano é uma espécie de ocultista, um homem que a nossa mente
pode compreender. Ela não pode compreender um neo-budista. A detestável
rede de prestidigitação indiana chamada Teosofia, tirada baixamente e
longe da grandiosa, ainda que obscura, beleza do Budha do Oriente, pela
sua mistura com movimentos ocidentais.
E
um homem como o Senhor Leadbeater, que tem em casa a chave de todo o
mistério, esqueceu-se de pôr no molho a chave da Gramática Inglesa».
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O bispo da Igreja Católica Liberal, teosófica e maçónica,
Charles Leadbeater (e chegaram a pensar que tal Igreja teria um grande futuro à
sua frente), segura com o auxílio de alguns dos seus chelas ou
discípulos, noutras vidas seres certamente muito importantes, um grande
mapa genealógico que presumimos ser das reincarnações de
Alcione-Krishnamurti e seus companheiros de muitas vidas... Reparem-se
bem nas faces dos protagonistas de tal investigação quase que de
gambuzinos...
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Acrescentemos outro texto de Pessoa crítico dos teosofistas da Sociedade Teosófico: «Cometeram o crime de revelar as doutrinas do
ocultismo, fazendo o oculto visível, o que a própria palavra proíbe
que se faça. E isto com uma indizível mistura de charlatanismo e de
mera drogaria social como no caso de vários teosofistas conhecidos
e, notavelmente, da notória Mme Blavatsky, iniciada talvez na
ciência dos invisíveis tibetanos, mas com certeza na de qualquer
Mackelgue (?) ou Crookes mais da nossa civilização. A investigação
do Dr. Hodgson fez explodir essa charlatanice da russa. A confusão
mental, a indisciplina característica dos teosofistas atraiu apenas
os congéneres incompletos de espírito. Que lhes façam muito bom
proveito! Que diferença, mesmo de mero tom, entre a pobreza de
espírito dos teosofistas e a magnífica misteriosidade dos escritos
dos Rosa Cruz! Nestes, mesmo quando nada compreendemos, sentimos a
força, a ciência dos Mestres da Sabedoria» .
Para terminarmos, deixando ainda bastante por transmitir, diremos que Fernando
Pessoa, embora sempre crítico da Sociedade Teosófica, reconheceu natural
e justamente ainda assim um certo valor de iniciação menor e
equiparou-a à
Maçonaria e à Antroposofia, por exemplo, ao escrever «iniciado exotérico
é,
por exemplo, qualquer maçon, ou qualquer discípulo menor de uma
sociedade teosófica e antroposófica» (125A-8),
entendendo que a entrada ou avanço no caminho espiritual era possível
nelas, e reconhecendo o relativo valor das obras teosóficas como
divulgações pioneiras que permitem melhor «compreender
os fenómenos, conhecimentos e poderes ocultos, os fins das
sociedades místicas e, em certo modo, reler mais inteligentemente os tratados» (54-50).
Já interrogando-se apreensivo sobre o carácter confuso de Blavatsky e do
seu "penúltimo mestre" Aleister Crowley, adentro dos esquemas
caracterizadores dos graus das
ordens ocultistas inglesas, que tanto o enredaram, escreveu como que
desculpando-os: «O que são os
graus místicos, mágicos e alquímicos? O que é o subgrau de Senhor
do Limiar (A confusão psíquica em Cagliostro, Blavatsky, Crowley, é
isso?)»
Finalizemos
esta homenagem a Blavatsky e a Fernando Pessoa, no dia dos seus 88 anos
de libertação da Terra e entrada nos mundos subtis e espirituais,
citando-o numa pequena frase em que se afirma elo e discípulo da sua
crença e aspiração à tradição dos mestres, que sempre manteve, sob diversas designações, ao longo do seu percurso
sinuoso e serpentino, nos sentidos positivos e negativos, e que
afirmou mesmo iniciática e templariamente no final da vida, reconhecendo que «fora de dúvida Blavatsky era um
espírito confuso e fraudoso; mas também é fora de dúvida que
recebera uma mensagem e uma missão de Superiores Incógnitos».