sábado, 26 de outubro de 2019

Bô Yin Râ, "Geist und Form", "Espírito e Forma". Resumo comentado deste pequeno livro do seu ensinamento, Hortus Conclusus.

  Como artista e espiritualista, como mestre de grande exigência de perfeição na sua vida e obra, pictográfica (como pode contemplar neste artigo) e de escrita, com alguns livros bastante trabalhados e remodelados até chegarem à melhor forma de transmissão, Bô Yin Râ (1876-1943, e encontra neste blogue bastante sobre e dele) teria que tentar clarificar, na perspectiva do caminho Espiritual, aspectos e questões relacionados com o uso de objectos, roupas, formas e instrumentos, casas, bem como com as principais emoções, felicidade e infelicidade, alegria e dor.
 Será num pequeno livro publicado pela primeira vez em 1925, Geist und Form, Espírito e Forma, dividido em seis capítulos que Bô Yin Râ abordará o relacionamento entre esta dualidade  que tende frequentemente a ser ou estar desequilibrado ou desarmonizado, ainda que por "boas" intenções e desprendimentos...
No capítulo I,  intitulado A Questão,  Bô Yin Râ tenta despertar as pessoas que estão ou querem estar no caminho espiritual para a importância de harmonizarem melhor a relação com o mundo das formas ou da matéria, lembrando aos que menosprezam as formas ou revestimentos materiais que, sem eles, os espíritos não poderiam exprimir-se plenamente, pelo que devemos rodear-nos de formas transparentes a tal elevado desiderato, afirmando mesmo:«tal como um vinho precioso não é servido em malgas de barro medíocres, pois isso seria injuriar a sua qualidade, de igual modo o simples respeito devido ao espírito exige que só te satisfaça a forma mais perfeita, a partir do momento que que queres tornar templo do Espírito. O teu comportamento no exterior deve testemunhar incessantemente tal respeito», pelo que mesmo a aparência exterior deve manifestar tal e inspirá-lo nos outros. Há portanto uma meta ou objectivo a ser alcançado na forma interior, na alma, sermos templo do Espírito, respeitar-mo-lo e manifestá-lo com as formas e meios adequados.
                                 
No capítulo II, Exterior e Interior, Bô Yin Râ mostra que o exterior tem sempre um interior e que esse interior está até ligado a um interior ainda mais profundo e espiritual, mas que todos os níveis implicam formas para serem percepcionados por nós, e que assim tudo o que nos rodeia nos convida a entrarmos mais fundo do que nas meras aparências. E se tentarmos tal demanda constantemente seremos presenteados com a revelação das essências das coisas e seres...
Adverte portanto que toda «a forma do mundo interior é sempre expressão de qualquer coisa de arqui-interior, que jamais existiria para ti, se não a discernisses em ti enquanto forma»,  e que este discernir o interior expresso pelas formas será o melhor meio para também no mundo post-mortem conseguirmos encontrar nas formas do mundo espiritual o seu interior profundo.
Não se desprezarão assim as formas, nem se usarão pretensiosamente as que já  estão em desuso, tais as roupas, devendo haver ainda cuidado na rejeição de  formas sociais, tal a da instituição do matrimónio, a qual, apesar de se poder errar na escolha, é ainda válida para evitarmos «que se comece a desenraizar tudo o que a humanidade tinha plantado a fim de não sucumbir na tempestade dos instintos transviados e das paixões incontroladas.» 
                                                The Paintings of Bô Yin Râ: Ornament Series:: The Kober Press
No capítulo III, A Casa e a sua Decoração, Bô Yin Râ apela a valorizarmos mais a nossa influência na casa, seja construindo-a nós, ou dando os planos a quem a erguerá, ou então moldando-a, adaptando-a, impregnando-a, pois o que conta mais será "o modo como farás tal espaço teu".
Reconhecendo as energias e a patine ou aura própria dos objectos que já nos vieram de outras pessoas, «a maneira como tu utilizas hoje o antigo na ornamentação exterior da tua vida, dará sempre aos objectos um valor novo que não pode emanar senão de ti», valorizando assim a nossa participação, afirmando mesmo que tudo que nos rodeia deve receber uma parte do nosso amor, e detalhe algum dentro da casa deve escapar à nossa atenção, consciência e amor. No seu livro  Magia do Culto e Mito, ele explicará melhor como certos objetos carregados energeticamente por nós se tornam talismãs, que nos fortificam, em especial em momentos de maior necessidade.
Para Bô Yin Râ a casa deve ser um oásis, um local onde tudo nos transmite ou «impulsiona à alegria e a uma quente e pura alegria espiritual». E mesmo quem tem pouco dinheiro deve velar para que haja uma harmonia e dignidade na sua ornamentação da casa ou local de trabalho.
Ou seja, após qualquer situação negativa, chegando-se a casa deve-se conseguir « voltarmos rapidamente a nós, e ao nosso nível mais alto», já que os objectos que nos rodeiam, «lembrarão os melhores aspectos da tua sensibilidade, falarão do seio do teu próprio universo, te trarão a calma e a serenidade». Podemos pois acrescentar que nestes tempos minimalistas da post-modernidade, o corte com os objectos de antepassados ou amigos,o menosprezo de tais objectos do passado ou associados a memórias sentimentais acaba por ser um enfraquecimento de uma aura mais protegida tanto da nossa casa como da nossa alma...
E faz uma pergunta notável: «Tu que queres perceber interiormente a voz do Espírito eterno, como poderás tu suportar estares rodeado de coisas que querem parecer o que elas não são – que são como um insulto à lei da forma?»
E essa lei, é a de que «qualquer forma é sempre um símbolo, parte integrante de uma linguagem, que tem algo a dizer».
Para quem quer ser um templo do Espírito todos os elementos ou utensílios incompatíveis com tal qualidade ou dignidade devem ser afastados: «Vigia de modo  rodeares-te apenas de objectos pelos quais possas responder um dia diante do Espírito que procuras encontrar em ti.»
E como o Espírito a que te queres unir «é harmonia, pureza, luz e verdade», deves-te rodear de formas que sintas como verdadeiras e puras, excluindo o que na sua forma desvenda-se que «não é verdadeiro, ou que se torna falso pelo facto de não se harmonizar com a tua sensibilidade» 
No capítulo IV, a Forma da Alegria, Bô Yin Râ lembra-nos que devemos saber dar forma, limites, controle aos instintos e paixões, se queremos atravessar tal mar alto de ondas e tempestades e chegar a bom porto.
Mais do que perder-nos em alegrias, devemos configurá-las nobremente, de acordo com a nossa individualidade e especificidade eterna, e sabermos também respeitar as alegrias dos outros, nas suas formas que o merecerem, mas sem que sejam elas, nem o que tais pessoas pensem das nossas, que nos determinem no nosso caminho de individuação da nossa vida e suas alegrias.
No capítulo V, Forma do Sofrimento, Bô Yin Râ desenvolve a mesma ideia de darmos forma,  não à alegria mas à dor de modo tal que ela se torne suportável. O método é aceitá-la nesse momento como estando «ligada de modo evidente à forma de vida que nos corresponde o mais estreitamente – como não podendo ser de outro modo» e depois ir superando-a.
Graças à acção formadora do Espírito, e a uma desvalorização ou mesmo menosprezo da dor, tanto física como moral, acabamos por não nos deixarmos derrotar e vencer por ela: «Deves elevar-te acima dela e aprender a comandá-la.
Tu próprio és o que permanece. A dor é efémera e  ela mente quando tenta incitar-te a crer na durabilidade dela (...)
Deves, em verdade, dar mais valor a ti próprio, que ao sofrimento, pois é em ti próprio que a luz irradiante e resplandecente do Espírito quer-se revelar a ti.» 
No capítulo VI e último, Arte de Viver, Bô Yin Râ defende que a vida, embora constituída de materiais que nos são dados, depende de nós pelo modo como os encaramos, acolhemos e trabalhamos, e segundo o plano interno ou projecto da nossa vida que a nossa alma capta ou percebe. Algo que na Índia se denominava, acrescentamos, o swadharma, a missão ou dever pessoal, no Dharma ou Ordem planetária
Assim se «cada dia terrestre traz-te um novo material com o qual podes construir a vida espiritual de uma forma artística.
É contudo a ti que caberá trabalhar a matéria bruta, de tal modo que ela se adapte ao projecto sublime que a tua alma descobre no mais profundo dela própria.».
Deste modo, face ao que cada dia nos traz, devemos perguntar-nos  como  podemos rapidamente dar-lhe forma, de modo a que tal sirva o nosso subtil templo Espiritual.
Esta tarefa de intuir e seguir o plano de vida espiritual nosso exige, desafia-nos Bo Yin Râ, «que desde que escutares estas as minhas palavras comeces a procurar no cofre mais interior da alma o plano de construção.
Ele encontra-se em lugar seguro e descobri-lo-ás se procuras com toda a calma, derivada da certeza plena.
Não é uma procura apressada que te permitirá chegar lá.
E logo que o tenhas encontrado, põe-te ao trabalho e permanece fiel à tarefa empreendida.»
É durante o trabalho de construção e realização da missão ou projecto da nossa vida que nos tornamos mais conscientes do plano e vamos ficando mais confiantes ao vermos (ou sentirmos) o que levamos (ou temos) dentro de nós e então, de acordo com essa auto-confiança, virá a ajuda, sem sabermos bem de quem.
Tais ajudas e impulsões maiores para este trabalho artístico espiritual, virão porque: «Lá no íntimo do teu ser, saber-te-ão guiar para uma arte superior – a arte de modelar a vida espiritual segundo a lei inerente ao Espírito eterno». E todos nós que meditamos ou oramos sabemos bem como nesses momentos as intuições e inspirações nos iluminam...
«O que quer que te traga a tua vida exterior, procura tirar partido espiritualmente, esforçando-te por lhe dares forma espiritual, e brevemente, graças a tal sábia actividade espiritual, farás desaparecer do teu caminho muitos dos obstáculos que te pareciam insuperáveis.»
A tua vida exterior transformar-se-á segundo a imagem da tua vida espiritual, na medida em que saberás formar espiritualmente para ti tudo o que é exterior» 
 E conclui a obra dizendo, bem acima e mais profundamente que os defensores da mindfulness e dos vazios de formas: «Em toda a forma se encontra o Espírito a agir.»... 
 
Possa este pequeno resumo de mais uma obra valiosa de Bô Yin Râ ajudar as pessoas a libertarem-se de tanta ilusão e mistificação multidimensional, ocultista, cabalista, nova era,  esotérica e yoguica   que em Portugal tanto abunda em pseudo-mestres, seitas, grupos e modas, e que na realidade estão frequentemente muito pouco na demanda do Graal da Verdade e da consciência do Espírito e da Divindade, que desejamos que seja mais realizada por si, alma leitora amiga...

2 comentários:

Unknown disse...

Magnífico manancial de sabedoria. Bem haja, Pedro por partilhar tanta Luz

Pedro Teixeira da Mota. disse...

Muitas graças pela sua generosa apreciação. Vamos tentando invocar, ler, meditar, receber, escrever, partilhar: Lux!