Azulejos de bons efeitos contemplativos no portal do mausoléu de Najm Al-Din Kubra, em Urgench, hoje Turquestão |
O ensinamento do mestre iraniano Najm al-din al-Kubra, nascido em Khwarezm (1145-1221), que viajou e estudou com sábio na Pérsia, Egipto e Meca, que foi um mediador com os invasores mongóis, e se tornou um mestre de muitos discípulos valiosos, baseia-se sobretudo na sua experiência e no Corão e, embora elogiando várias vezes o iman Ali, considerou que os Shiaas o tinham divinizado demais, e valorizando por isso também a linhagem sunita, podendo portanto considerar-se próximo dela ou melhor, da espiritual mais pura que está acima e transcende as divisões e seitas humanas.
Foi divulgado no Ocidente principalmente pelo sábio francês Henry Corbin, autor de vasta obra incontornavel sobre a tradição mística iraniana, nomeadamente pelo contributo de Kubr quanto à luz e às cores que se manifestam nas meditações e contemplações. E por Fritz Meier, e mais recentemente por Paul Ballanfat, sendo sem dúvida um mestre portador de grandes claridades e forças espirituais pelo que vamos tentar dar algumas linhas de forças espirituais dele.
A sua visão do ser humano, fruto de longas vigílias, meditações e iluminações, é a de que ele é ou tem, além do corpo físico, uma alma da cor do céu (e que surge como a água que brota duma fonte), uma inteligência, um espírito luminoso (no seu nível superior sendo já a consciência secreta), provenientes de Deus, e que o objectivo da nossa aspiração (muito importante, pois sendo um atributo de Deus é vivendo-a que a luz divina em nós cresce), procura ou viajem (para Kubrâ o ser humano é basicamente um viajante, sayyâr, tendo mesmo escrito um Tratado das Regras da Viajem), é Deus, do qual saímos na pré-eternidade, e num pacto primordial no qual coexistimos na Unidade Divina.
Como pode o nosso espírito luminoso unir-se com a Luz descendente divina é talvez a principal questão tratada nos seus escritos com grande sabedoria e concisão.
Os principais meios para se chegar a esta união são, e bem explicados por ele, a diminuição ou moderação do descanso e dos alimentos (sufismo é fome, fome...), a entrega a um mestre (com o qual se estabelece no coração um laço iniciático que permite a consulta ou comunicação tele-anímica a qualquer momento), uma vida ascética (pelo qual se transmuta o corpo grosseiro e se aprende a controlar a paixão, irmã gémea da alma, e a ouvir a inteligência superior, irmã-gémea do coração íntimo, bem como a morrer para si próprio) e o desenvolvimento de certas qualidades, tais como a paciência, a vigilância sobre si mesmo, o contentamento, a confiança e a atenção a Deus e, finalmente, a prática da invocação de Deus, esta a pedra de toque também na tradição indiana e cristã.
Kubra distingue três caminhos ou vias: a mais lenta da gente piedosa, religiosa, cumpridora dos seus deveres. Depois, a dos que lutam fortemente no seu interior, os justos, surgindo por fim a via mais rápida da aspiração amorosa e da morte em Deus, na qual se viaja em estados de amor e de beatitude.
Este caminhar mais rápido será o seu e aquele que dinamizará nos seus discípulos, a via kubrawîe, a dos que voam para Deus.
Acerca do valor do desejo na via ou caminho, Najm al-din Kubra costumava contar a história metafórica do sheikh al-Kharaqâni, que tendo na meditação do meio-dia subido às alturas do trono do Deus e feito mil circunvalações, encontrou um grupo de seres espantados com a velocidade com que ele conseguia rodar à volta de Deus, tendo-lhes respondido que certamente derivava da sua natureza de fogo e de luz, movida pelo desejo.
Kubra valorizava muito a confiança pura em Deus, como a melhor forma de evitar os ataques de forças negativas, indicando mesmo como a oração mais própria para sermos libertados de forças negativas esta: Yâ ghiyaâth al-mustaghîtîn aghithnî, Oh Socorro daqueles que imploram o socorro, socorre-me. Já para saber se devíamos fazer isto ou aquilo, ou se tal pensamento era ou não da alma, se era ou não de Deus, preconizava a consulta tele-anímica com o mestre e o desenvolvimento dum sentido de gosto espiritual, através do qual o sabor doce revelava o divino, e o amargo o que não deveríamos assimilar.
Eis uma técnica raríssima entre os místicos e mestres e bem valiosa, pois estamos a trabalhar o gosto ao nível espiritual e como sabemos temos tal sentido no corpo espiritual. Por isso, mesmo ao alimentar-nos, devíamos estar mais atentos a um saborear de gratidão...
O caminho espiritual é no fundo uma via alquímica de extracção do ouro filosofal que é a visão espiritual, ou seja, o órgão de luz contemplativo que nos permite tanto ver a luz interior e a luz divina como as características subtis do estado ou estação do caminho da vida em que nos encontramos.
Najm Al-Din Kubra dá-nos vários exemplos da ultrapassagem das influências dos cinco elementos (terra, água, ar, fogo e éter) nos nossos sonhos ou visões, e realça que a visão do poço da alma que podemos obter nas nossas meditações surge ao princípio como algo que está em cima de nós, depois em frente e, por fim, ao fundo de nós próprios, e que se trata da abertura progressiva do coração para o mundo espiritual, em simultâneo com a clarificação da sua luz, até ela se revelar angélica, de amor e de cor verde, o que caracteriza a condição mais purificada, denominada Senhorial.
Sobre as cores que se revelam no interior, nas meditações ou concentrações visionárias, ao princípio surge a cor amarela e cores obscurecidas e à medida que o discípulo se vai purificando e concentrando começa a ver o azul da alma viva, depois o vermelho do poder da concentração, e por fim o verde do coração espiritual. Mas nem só somos visitados pelas cores pois há outras importantes visitações, tal a dos anjos que entrando pelas costas descem ao coração e derramam serenidade, com os nossos pensamentos permanecendo em Deus.
Kubra praticava sobretudo a invocação do santo nome de Deus, recomendada no Corão, II:152: «Invocai-me, Eu vos invocarei», ou ainda (XVIII:24) «Invoca o teu Senhor quando o esqueces», e chegava mesmo a ouvir anjos cantarem: «Em nome de Deus, tal como não há divindade senão Ele, o todo Compassivo, o muito Compassivo», (II:163), de tal modo que parecia que Deus descera das alturas para o céu que rodeia a Terra, visitação com que aliás estamos familiarizados com as legendas que se teceram à volta de certas noites míticas nas principais religiões.
Kubra deixou-nos muitas páginas de ensinamentos sobre a invocação, zikr ou dikr, a sua importância (tal como ser ela que nos pode levar acima do tempo, ao nosso corpo espiritual e à existência divina), características, modos (por exemplo, ao pronunciá-la, simultaneamente ouvi-la), objectivos e resultados, pois é por ela sobretudo que o coração é iluminado e que a luz divina se une connosco, devendo ser verdadeiramente apreciada, amada, para que se revele na sua plenitude e nos segredos e poderes íntimos.
Invocação não só pela língua, audível, mas sobretudo do coração e da consciência secreta, estes dando a energia e a capacidade, a quem ora ou invoca, de se ligar ou mesmo tornar-se o Invocado, num processo gradual em que a repetição do nome de Deus, dirigido mesmo para o coração, purifica-o e torna-o habitação e por fim revelação e unicidade divina.
Encontramos estes ensinamentos nos místicos não advaiticos da Índia, sobretudo nos Shaivas, Shaktas e Vaishnavas onde o japa mantra (a repetição de nome divinos), e o kirtan, o canto devocional (Hari, Hare) são muito valorizados e praticados, um dos últimos e por nós trabalhado no blogue Gurudev Ranade.
O livro mais importante de Najm Al-Din Kubra é o Fawatih al-Jamal wa fawa'ih al Jalal, que se pode traduzir por As eclosões de Beleza e os perfumes da Majestade, tendo sido traduzido para alemão e para francês, e bem comentado, por Fritz Meier e Paul Ballanfat.
Há dois dias, de noite, resolvi ler e comentar o início da obra, que já leio e conheço há alguns anos, e gravei uns doze minutos, agora disponíveis. Mas voltaremos à obra notável de Najm al-din Kubra, tanto mais que outro místico sincrético valioso do Islão o cita e que eu muito aprecio, Dara Shikoh, o príncipe mogol pioneiro dos estudos comparativos entre o Hinduísmo e o Islão e também conhecedor do Cristianismo, filho de Mumtaz Mahal e do quinto imperador mogol Shah Jahan, o construtor do imortal Taj Mahal...
Que eles nos possam acompanhar e inspirar na Awliyaullah, ou companhia dos amigos de Deus...
Acerca do valor do desejo na via ou caminho, Najm al-din Kubra costumava contar a história metafórica do sheikh al-Kharaqâni, que tendo na meditação do meio-dia subido às alturas do trono do Deus e feito mil circunvalações, encontrou um grupo de seres espantados com a velocidade com que ele conseguia rodar à volta de Deus, tendo-lhes respondido que certamente derivava da sua natureza de fogo e de luz, movida pelo desejo.
Kubra valorizava muito a confiança pura em Deus, como a melhor forma de evitar os ataques de forças negativas, indicando mesmo como a oração mais própria para sermos libertados de forças negativas esta: Yâ ghiyaâth al-mustaghîtîn aghithnî, Oh Socorro daqueles que imploram o socorro, socorre-me. Já para saber se devíamos fazer isto ou aquilo, ou se tal pensamento era ou não da alma, se era ou não de Deus, preconizava a consulta tele-anímica com o mestre e o desenvolvimento dum sentido de gosto espiritual, através do qual o sabor doce revelava o divino, e o amargo o que não deveríamos assimilar.
Eis uma técnica raríssima entre os místicos e mestres e bem valiosa, pois estamos a trabalhar o gosto ao nível espiritual e como sabemos temos tal sentido no corpo espiritual. Por isso, mesmo ao alimentar-nos, devíamos estar mais atentos a um saborear de gratidão...
O caminho espiritual é no fundo uma via alquímica de extracção do ouro filosofal que é a visão espiritual, ou seja, o órgão de luz contemplativo que nos permite tanto ver a luz interior e a luz divina como as características subtis do estado ou estação do caminho da vida em que nos encontramos.
Najm Al-Din Kubra dá-nos vários exemplos da ultrapassagem das influências dos cinco elementos (terra, água, ar, fogo e éter) nos nossos sonhos ou visões, e realça que a visão do poço da alma que podemos obter nas nossas meditações surge ao princípio como algo que está em cima de nós, depois em frente e, por fim, ao fundo de nós próprios, e que se trata da abertura progressiva do coração para o mundo espiritual, em simultâneo com a clarificação da sua luz, até ela se revelar angélica, de amor e de cor verde, o que caracteriza a condição mais purificada, denominada Senhorial.
Sobre as cores que se revelam no interior, nas meditações ou concentrações visionárias, ao princípio surge a cor amarela e cores obscurecidas e à medida que o discípulo se vai purificando e concentrando começa a ver o azul da alma viva, depois o vermelho do poder da concentração, e por fim o verde do coração espiritual. Mas nem só somos visitados pelas cores pois há outras importantes visitações, tal a dos anjos que entrando pelas costas descem ao coração e derramam serenidade, com os nossos pensamentos permanecendo em Deus.
Kubra praticava sobretudo a invocação do santo nome de Deus, recomendada no Corão, II:152: «Invocai-me, Eu vos invocarei», ou ainda (XVIII:24) «Invoca o teu Senhor quando o esqueces», e chegava mesmo a ouvir anjos cantarem: «Em nome de Deus, tal como não há divindade senão Ele, o todo Compassivo, o muito Compassivo», (II:163), de tal modo que parecia que Deus descera das alturas para o céu que rodeia a Terra, visitação com que aliás estamos familiarizados com as legendas que se teceram à volta de certas noites míticas nas principais religiões.
Kubra deixou-nos muitas páginas de ensinamentos sobre a invocação, zikr ou dikr, a sua importância (tal como ser ela que nos pode levar acima do tempo, ao nosso corpo espiritual e à existência divina), características, modos (por exemplo, ao pronunciá-la, simultaneamente ouvi-la), objectivos e resultados, pois é por ela sobretudo que o coração é iluminado e que a luz divina se une connosco, devendo ser verdadeiramente apreciada, amada, para que se revele na sua plenitude e nos segredos e poderes íntimos.
Invocação não só pela língua, audível, mas sobretudo do coração e da consciência secreta, estes dando a energia e a capacidade, a quem ora ou invoca, de se ligar ou mesmo tornar-se o Invocado, num processo gradual em que a repetição do nome de Deus, dirigido mesmo para o coração, purifica-o e torna-o habitação e por fim revelação e unicidade divina.
Encontramos estes ensinamentos nos místicos não advaiticos da Índia, sobretudo nos Shaivas, Shaktas e Vaishnavas onde o japa mantra (a repetição de nome divinos), e o kirtan, o canto devocional (Hari, Hare) são muito valorizados e praticados, um dos últimos e por nós trabalhado no blogue Gurudev Ranade.
O livro mais importante de Najm Al-Din Kubra é o Fawatih al-Jamal wa fawa'ih al Jalal, que se pode traduzir por As eclosões de Beleza e os perfumes da Majestade, tendo sido traduzido para alemão e para francês, e bem comentado, por Fritz Meier e Paul Ballanfat.
Há dois dias, de noite, resolvi ler e comentar o início da obra, que já leio e conheço há alguns anos, e gravei uns doze minutos, agora disponíveis. Mas voltaremos à obra notável de Najm al-din Kubra, tanto mais que outro místico sincrético valioso do Islão o cita e que eu muito aprecio, Dara Shikoh, o príncipe mogol pioneiro dos estudos comparativos entre o Hinduísmo e o Islão e também conhecedor do Cristianismo, filho de Mumtaz Mahal e do quinto imperador mogol Shah Jahan, o construtor do imortal Taj Mahal...
Que eles nos possam acompanhar e inspirar na Awliyaullah, ou companhia dos amigos de Deus...
2 comentários:
Que belíssimos ensinamentos, carissimi amicum. Trouxeram-me muito alento ao coração. desconhecia o significado das cores na meditação. Muitas graças, Pedro.
Graças muitas, estimada Fátima. Bons ensinamentos e, para quem pinta e pode ouvir, melhor ainda. Mas, claro, as luzes são sempre algo pessoais e não devemos tomar as indicações como absolutas. Votos luminosos e criativos!
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