sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Erasmo de Roterdão, nasce a 28 de Outubro de 1467, ou 1469. Alguns dos seus psicomorfismos de mestre, ou seja, forças luminosas dinâmicas...

                     Erasmo, mestre e amigo, ontem, hoje e sempre, perenemente...

    Pintura de Quentin Matsijs....
Pequena homenagem e evocação neste seu dia de anos, pois nasceu perto de Roterdão e 28 de Outubro, provavelmente em 1467 (ano incerto, todavia), co-lembrando e homenageando também José Vitorino de Pina Martins, um erasmiano amigo e mestre sábio com quem muito dialoguei, há poucos anos partido para a comunhão mais directa das almas....
Gravura a sépia de Erasmo oferecida por José V. de Pina Martins. 
       
              “No que foi mestre nos seus dias, Erasmo será mestre para sempre.” 
A expressão mestre é complexa, pois se no Oriente o guru tem um sentido claro de dispersador das trevas, ou ainda de pesado, em termos de conhecimento e sabedoria, o magister latino (provindo do magis, mais, significando o que dirige, ensina, comanda, preside), acabou por ser na época do Renascimento um conceito palco de sátiras e lutas e assim se dizia os magisters nostris, aqueles dum saber escolástico, dogmático e não dialogante, e que foram criticados ou ridicularizados por Erasmo, em especial nos seus tão divertidos Colóquios, 
embora ele próprio se tenha tornado um mestre para milhares de seres pois ao lermos as três mil duzentas e tal cartas que chegaram até aos nossos dias da sua correspondência veremos que muitos se dirigiam a ele nesses termos e com imensa devoção e gratidão. 
E deveremos certamente entre eles referir o nosso Damião de Goes, que não só era seu admirador e amigo e se carteou com ele, como esteve mesmo a viver em sua casa cinco meses em 1533 que foram provavelmente como que uma antevisão do paraíso, ou seja, de mais diálogos quando ambos se reencontrarem nos mundos espirituais, onde já estão aliás há bastante tempo, inspirando-nos ora hoje ora amanhã, no corpo místico da humanidade, alma do mundo ou, como se diz hoje, no campo unificado de energia consciência informação
Ora em verdade, Erasmo de Roterdão foi um mestre, no bom sentido de clarificador e impulsionador, por várias facetas que passo a enumerar:
Mestre viajante, dialogante sábio nas cartas e nas polémicas (nomeadamente na fulcral com Lutero, em defesa do livre-arbítrio), pioneiro do amor aos estudos das Belas-Letras ou das literaturas clássicas greco-latinas, e da Poesia e Eloquência à Retórica e à Gramática, mestre na Pedagogia (tendo vivido várias vezes de dar aulas), mestre no acesso das mulheres ao estudo e à educação, mestre enquanto dominava o latim e o grego, mestre na firmeza da sua posição por si mesmo e não se deixando influenciar demasiado pelas pressões viessem de quem viessem. 
Por vezes acabou por retirar algo, ou retractar-se da sua ousadia, tal como a designação de Novo Instrumentum, para a sua edição corrigida (segundo manuscritos antigos) em 1515 do Novo Testamento, ou ainda "o coma joanino", uma interpolação tardia no Evangelho de S. João por ele assinalada e pelo qual se introduzia o Espírito Santo na Trindade, antes de ela ter desabrochado como doutrina na nascente instituição Católica romana, mas que não tinha essa confirmação nas Escrituras...
Mestre da união da sabedoria dos antigos e pagãos com as fontes autênticas do Cristianismo, os Evangelhos e os escritos dos primeiros Padres da Igreja, dos quais muitos ele traduzira e purificara, comentara e editara.
Mestre da crítica e da ironia, bem desenvolvida no Julius Exclusus, a um papa guerreiro (publicada anonimamente, pois Erasmo apesar de certas dispensas era um clérigo da Igreja...), nos Colóquios e na sua obra-prima o Elogio da Loucura, mestre da cultura europeia letrada (que está ficar cada vez mais longe de tal, pragmatizada, "bolonhizada", confinada, superficializada), mestre de príncipes e letrados, mestre dos cristãos (frase de um correspondente em Espanha, onde teve grande sucesso, tal como Marcel Bataillon narra magistralmente no seu Erasme et l'Espagne, 1937), mestre da concórdia, da paz (na altura designada mais pela palavra grega irene), e portanto da corrente de irenismo ou pacifismo europeu da qual é um exemplo a sua obra Consulta acerca da utilidade da guerra contra os Turcos, e que hoje continua tão actual face ao que por lá se passa e face ao imperialismo tão criminoso e inepto norte-americano e dos seus aliados e coligados, sempre prontos a bombardear e matar, oprimir e manipular... 
Neste sentido irenaico, crítico da guerra e fomentador da paz (e da economia e  educação, que era o que o Ocidente devia incentivar e exportar...), escreveu: "O importante, onde se deve aplicar toda a nossa energia, é a curar a nossa alma das paixões: Inveja, ódio, orgulho, avareza, concupiscência. Se não tenho o coração puro, não verei a Deus. Se não perdoar ao meu irmão, Deus não me perdoará... S. Agostinho encontrou um ou outro caso onde não se reprova a guerra: mas toda a filosofia de Cristo a condena. Os apóstolos reprovam-na sempre, e os doutores santos que a admitiram em certos casos, em quantos outros não a condenam? Porquê procurarmos à custa duma passagem evangélica o com que autorizar os nossos vícios?"
Nesta linha seguirá também no séc. XXI entre nós Agostinho da Silva, apelando a reconhecermos que o infiel está dentro de nós e é com ele que devemos travar a guerra santa....
Mestre de Cristianismo, nomeadamente com o seu super-lido Manual do Cavaleiro (ou Soldado) Cristão, de espiritualidade, tal como com o seu Modo de Orar a Deus (que traduzi, com Álvaro Mendes, do latim e comentei, em 2008, nas Publicações Maitreya), de mística ao Divino, esta considerada como o sumo Bem a ser procurado e que nos aponta em vários textos religiosos, nos encontros com Jean Vitrier (narrado na vida que escreveu do mesmo, bem como de John Colet) e sobretudo (ainda que pouco reconhecido) no Elogio da Loucura (Stultitae Laus), na loucura dos amantes, na abnegação dos compassivos ou no êxtase dos místicos.
Frontispício do Elogio da Loucura

Os desenhos nas margens, de Holbein, tornam esta obra ainda mais forte...
 
A sua modernidade está bem visível na profunda auto-consciência crítica (seja a ironizar consigo próprio no Elogio da Loucura ou no Ciceroniano), na percepção da relatividade das coisas e costumes,  da moral e da própria verdade, na fragilidade do conhecimento humano, nomeadamente nos seus aspectos espirituais e religiosos (“anotação ridícula, lapso miserável, engano”, surgem nas notas que inseriu no Novo Testamento, em relação às interpretações que S. Tomás de Aquino fizera), donde uma reserva quanto ao valor e eficácia de superstições, rituais, dogmas, fanatismos e seitas, discernimento hoje mais do que nunca necessária quando vemos a expansão que nas populações mais desfavorecidas têm as muitas seitas manipuladoras e redutoras do Cristianismo ou da Religião, tal como vemos em tantas igrejas do reino de Deus, ou dos Últimos dias ou ainda Baptistas e outras...
Mestre na valorização da transformação interior, da metanóia a partir da experiência espiritual, da vida vivida em relação às doutrinas e ensinamentos.
Na valorização da convicção pessoal obtida por esforço ou studium, nomeadamente dos textos sagrados para se poder transformar a mente e o coração, a postura e a acção.
Neste sentido dirá: Ego aliam artem notoriam non novi nisi curam, amorem, et assiduitatem. Fácil de compreender em português mas que traduzimos com variantes de sinónimos: " Eu não conheço outra Arte de Conhecimento que o tomar de dores, amar o assunto e perseverança.”
Mesmo a sua actualidade em termos de política é impressionante e terminamos com ela para nos rirmos um pouco dos reis ou governantes e políticos modernos que nus sempre estão e vão e despojam a muitos, e para ver se eles fazem alguma metanóia, ou seja, se os pressionamos a tornarem-se mais justos e servidores do bem comum:
Sobre o adágio A Mortuo I, IX. 12, comenta: «Não há pacto nem limite, cada dia eles inventam novas formas de impostos, e o que quer que tenha sido introduzido para satisfazer uma necessidade momentânea é retido muito agressivamente”, o que podemos ver bem nos preços que as companhias petrolíferas, sem dúvida um dos cartéis ou grupos de pressão mais gananciosos do mundo, continuam a exigir aos consumidores, e que são bem dobrados pelas alcavalas impostas pelo Estado, fazendo com que estejamos a sustentar com os consumos de tais combustíveis, e por isso se recomenda andarmos  a pé sempre que se possa...
Para nos fortalecermos nestes tempos de crises múltiplas nada há então como o Amor, a Oração, a contemplação, a acção justa e solidária com o Bem Comum, e certamente o studium e o diálogo, como neste momento estamos aqui a fazer, a convergir na taça comum que Erasmo nos oferece a beber...
Oiçamos então Erasmo, num extracto do Modo de orar a Deus, uma obra  boa mas que não teve grande sucesso entre nós, apesar das dedicatórias esforçadas que fiz então e que reproduzo: 
                                                         Modus orandi Deum:
«Também Tiago recomenda, a quem necessita de sabedoria (sapientia), pedir (postulare) a Deus. Se alguém está aflito e triste, recomenda orar-lhe. Atribui, com efeito, à oração uma importância tal que o que ora pede para si mas também para os outros, por quem Deus é rogado. Se alguma pessoa está doente, ordena que os presbíteros sejam chamados para ela ficar livre da doença do corpo e da alma, através das suas preces. Deseja, finalmente, que todos os cristãos se socorram mutuamente com preces recíprocas a Deus: «orai, diz, mutuamente por vós, para que nos salvemos. A oração assídua do justo tem muito poder em verdade». 
Deve-se agora considerar como o Senhor Jesus, que se entregou com tanta diligência, que se esforçou (conatus) com tanto entusiasmo (studio) por transformar (infigere) as almas dos seus, provocava frequentemente com o seu exemplo os seus discípulos a orarem, tal como a ave que incita as suas crias a voarem. Muitas vezes, nas letras evangélicas, repete-se que o Senhor se recolheu para um lugar deserto ou ascendeu a um monte para orar e, algumas vezes (interdum) mesmo, sozinho. E não se deve ignorar que orou quotidianamente com os seus discípulos, tal quando se lê como, antes da comida, abençoou e deu graças e, depois do alimento, entoou hinos em louvor de Deus.
Sempre que, porém, tendo abandonado a multidão, se recolheu para orar, ensinou-os a orarem frequentemente ao Senhor em favor daqueles que foram encarregados de guiarem, sabendo que é infrutífera a obra do doutor ou do preceptor (monitoris) se nele não é infundido (adspiraverit) o favor celestial. 
E, de facto, não há prejuízo para uma boa obra, se, por vezes, ela é interrompida para se realizarem preces secretas, pois o que assim se isolou volta ao seu serviço mais pronto...»
Terminemos esta pequena invocação e  evocação com quatro dos seus valiosos ditos, que publiquei nas folhas iniciais do Modo de Orar a Deus:
                                                Sancte Erasme, ora pro nobis

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Plataformas em defesa das árvores lisboetas e os seus psicomorfismos. Entrecampos. 24/10/2016

Realizou-se hoje em Lisboa, em Entrecampos, uma pequena manifestação contra mais um abate municipal de árvores, previsto para a zona, e que levou alguns olisiponenses a imaginarem que existirá mesmo um matadouro ambulante, pelo menos imaginal, após várias árvores assassinadas na sua pujança vital (no jardim junto à Assembleia Nacional,  choupos na Fontes Pereira de Melo, e Tipuanas no Saldanha) ou então horrivelmente desfiguradas (por vezes em podas fatais), como aconteceu ainda há dias à histórica "Bela Sombra" do Limoeiro, donde séculos atrás algumas almas se envolaram para estados mais paradisíacos... 
Haverá ainda alguma possibilidade de consciencialização nos responsáveis e vereadores das Juntas ou da Câmara Municipal de que as árvores são seres vivo e dotados de sensibilidade e  consciência e que são absolutamente indispensáaveis à vida humana, mormente à já tão poluída citadina, ou o pragmatismo desumano que os parece animar fá-los pensar que basta à grande alma de Lisboa e aos cidadão apenas as vias e os circos dos Romanos ?  

Diante do edifício da Câmara Municipal, em Entrecampos, com as predestinadas vítimas por detrás, juntaram-se alguns membros da Plataforma em Defesa das Árvores, da Comissão dos Moradores do Campo Grande, do Forum Cidadania Lx, mais alguns amantes das árvores e fadas, bem revoltados com mais esta machadada nas árvores e almas...
Só um partido se fez representar mais graduadamente (o CDS, embora também estivesse um do PAN, António Lobo) e teve os seus momentos de diálogo televisível... 
                         
A Manuel Correia, Presidente da Liga dos Amigos do Jardim Botânico, a Ana Cristina Figueiredo, ex-dirigente da Quercus, que não esteve representada, e agora bem mais animada na Plataforma em Defesa das Árvores, e outros amantes da Natureza.

Alguns amantes das árvores, corações vivos que saíram das preguiças e comodismos, na alba lisboeta.
Pinto Soares, um dos clássicos do amor arbóreo nos séculos XX e XXI, da associação Lisboa Verde, e uma criança a ser iniciada pela Mãe a olhar com profundidade e holismo para o século XXII, com árvoredo...

Quem terá sido o master-mind do letreiro disfarçante do abate injustificado de árvores, para dar mais uns tostões de estacionamentos?

Pague, e cale-se...
Mortos famosos ou árvores vivas, removem-se ou matam-se...

A SIC e TVI estiveram presentes. A RTP estaria mais interessada se fosse bola e disponibilizaria então comentadores e doutores, serviço publico educativo, na visão alienante que a parece reger em vários sectores...

Diálogos entre conhecedores-amantes e jornalistas sensíveis e interessados
                      
Chá de Tília, quanto de nós não recolheram já e desfrutaram das flores tão perfumadas desta árvore medicinal tão benigna em Portugal?

Suzana Neves, boa conhecedora e escritora sobre as árvores, defendendo-as para uma jornalista televisiva.

                                       
A Tipuana, junto à Biblioteca Nacional, que tantas vezes toquei (ou me encostei) no caminho a pé do Metro para a consulta do espólio de Fernando Pessoa, ou de outras obras, parece que afinal vai sobreviver. Só pela proximidade desse grande centro espiritual de Portugal, formado de livros feitos de árvores, esta árvore, se fosse no Japão, estaria protegida por um shimenawa (isto é, envolvida por uma corda entrançada) e seria considerada sagrada, ligada ou habitada pela Divindade, pelos Kami, e como tal ora tocada ora cultuada, em especial dentro da cosmovisão e religião Shintoísta. 
Quando acontecerá tal em Portugal? 
Quando haverá mais do que meia centena de árvores consideradas de interesse público e protegida, o que é ridículo com o património fabuloso que temos, como por vezes tenha mostado na página do Facebook Culto das pedras, das árvores e das águas? 
Nem vale a pena contarmos as milhares que há no Japão... 
Eis um dos índices da qualidade anímica de um povo e dos seus governantes, o respeito, amor e relacionamento harmonizante e elevante com as árvores...

Há que ter cuidado com as promessas de transplante  destas árvores pois pode ser apenas um eufemismo de deixá-las morrer fora das vistas. 

Árvores sagradas, grande seres, dríades subtis. Será que a sua humildade gigante e natural faz sombra aos políticos da artificialidade e consumismo?

Alguns membros da candidatura cívica de Henrique Neto, tal como a Rosário Paulo Carvalho e o Rui Martins, estavam presentes e dialogantes.
Algumas das almas mais dinâmicas e empáticas com as árvores e a Natureza, tão menosprezada em geral pela política urbanística lisboeta e portuguesa. Porque não há consultas a grupos e a  mulheres sensíveis à Natureza, como a Manuela Correia e a Ana Cristina Figueiredo, a Rosa Casimiro e a Beleza Barreiros, estas almas axiais da Plataforma da Defesa das Árvores, com alguns milhares de pessoas já no Facebook?

Algumas das pessoas mais entusiastas, isto é, en Theos, em Deus, na Divindade, que une a natureza e o ser humano, também designada na Tradição Espiritual Portuguesa como o Espírito Santo, que aflui onde dois ou três se reunem em seu nome, isto é no Espírito da Verdade e do Amor...

Tudo vale a pena se a alma não é pequena, e portanto mesmo com poucos se a Verdade e Amor os anima, os resultados podem ser grandes. 
Assim consta que as árvores e os espíritos da Natureza de Lisboa estão gratos aos que deram algo do seu ser, para que elas e elas sobrevivessem e invisívelmente continuem a harmonizar-nos...

             
O PAN, o BE e os Verdes não estiveram, quanto a personalidades mais conhecidas, mas pelo menos o verde da Esperança está presente nos cartazes ainda vivos algures a esta hora, tanto mais que algum diálogo com o responsável Urbanístico (e da tragédia que se antevia)  parece que dará frutos para a vida senão eterna pelo menos mais prolongada de algumas árvores e seus espíritos da Natureza. E, claro, para a harmonia da grande Alma Lisboeta e seus seres..

A árvore interior de cada um, e a árvore cósmico-divina e eixo dos mundos agradecem, subtilmente...
                                 

Crítica ao livro "Antero, a vida angustiada de um poeta", por José Calvet de Magalhães, 1998.

                     
Um artigo escrito há já 18 anos mas que continuo a subscrever quase na totalidade. Talvez modificasse ou clarificasse mais a sua relação com o Budismo, sintetizada de um modo algo mitificante no segundo parágrafo. Talvez valorizasse a sua constante espiritualização pela via filosófica, expressa bem na sua frase do findar do penúltimo parágrafo: «em virtude dos meus princípios filosóficos resolvi não ter saudades de coisa nenhuma», algo que a outros vem não por tal adopção mas antes por espontânea ou natural geração interior, provinda da meditação e da ligação directa ao espírito e à unidade espiritual de todos os seres e coisas, o que certamente com ele também se passou em parte, mais ou menos conscientemente, e seria bom discernirmos melhor estes aspectos mais subtis e espirituais na consciência de Antero.
E, certamente, não poria como tão importante, tal como José Calvet Magalhães fez, a angústia do poeta filósofo, tanto mais que é um sentimento bem complexo de se definir ou delimitar: angustiado, frustrado, desiludido, desanimado ou antes peregrino na Demanda de absolutos e perfeições na tão transitória e imperfeita vida humana, e que atingiu grandes alturas para depois se deixar levar na preia-mar do sangue que se escoa da alma quase exangue, no fim da sua vida bem luminosa e sábia mas também falta daquela plenitude social, amorosa e divina a que aspirara?

sábado, 22 de outubro de 2016

Tarot, o Louco, o Joker (0 ou XXII). Arcano inumerado; imagens e ensinamentos.

A carta ou arcano do Louco, Vagabundo, Simples, Tolo, Mísero, Mat ou Joker é, de certo modo, a mais misteriosa porque, ao ser inumerada, é possível  estar tanto no fim como no princípio, como zero ou como XXII, e inicialmente quando se jogava, de um modo que ainda pouco conhecemos, teria provavelmente esse valor de poder ser contado ou colocado como se quisesse, algo que veio a ser aproveitado  nos simples baralhos de naipes, sobrevivendo com tal valor ou capacidade, em alguns jogos de cartas, a partir de meados do séc. XIX,  tornando-se o arcano com mais fortuna quantitativa em imagens, ou seja, iconograficamente:  o afortunado, o beneficiador joker, ao qual alguns jogadores estarão certamente muito gratos, em especial do poker.
Presta-se então o Louco ou Joker, no ensinamento do Tarot, ora a abrir a história e peregrinação, mensagem e iniciação, ora a fechá-la, contendo em si os ensinamento das anteriores. Deste modo interroga-nos  sobre os sentidos da nossa vida, seja da auto-consciência e da auto-determinação desenvolvidas, seja dos caminhos correctos, desviados ou perdidos, ou ainda da loucura, anormalidade e genialidade, no fundo, o resultado e destino que vamos traçando, escolhendo e percorrendo a cada momento, com as melhores ou piores intenções, mais ou menos conscientemente, mas em grande parte derivando das nossas escolhas, obrigações, prioridades e livre-arbítrio...
A sua não sujeição a um número desafia-nos a sair da ordenação racional, numérica, quantitativa, tão predominante na Humanidade, sobretudo nas sociedades que mais se vão desenvolvendo e auto-regulando de modos por vezes tão massificantes, alienantes e opressivos que restringem demasiado a simplicidade, a criatividade e a liberdade. Então o Joker ou Louco relembra-nos a nossa condição mais pura de peregrino ou peregrina livre e não formatados e que a qualquer momento podemos ou devemos assumir, recomeçar livremente..
Nestes anos de 2021-22, com a pandemia a tornar-se endemia,  a humanidade está a entrar
numa nova fase de movimentação, convivialidade e liberdade e não se sabe se as sucessivas medidas foram mais ou menos apropriadas ou antes frutos de ineptos, tolos, vendidos ou maldosos, face a tanto sofrimento causado tanta gente. Esperemos que o vírus, provavelmente saído involuntariamente do laboratório chinês de Wuan que trabalhava apoiado pela USA, se esfume e é importante não nos deixarmos abater demasiado pelas paranóias e pessimismos excessivos e avançarmos sem medos mas prudentes e  com discernimento face ao que governos e cientistas e farmacêuticas das vacinas produzem de narrativa oficial e o que, do outro lado,  cientistas, médicos e investigadores independentes vão dizendo, contrapondo outras explicações, críticas e respostas ou propostas...
Historicamente, este Louco teve, tal como verificamos nos outros arcanos, uma primeira época de representação pictórica bastante aberta e artística, a dos Tarots italianos primordiais. E vemos então num dos primeiros, o de Visconti-Sforza, um louco com sete penas ou cornos na cabeça (e mais tarde será um barrete cónico) e um grande varapau, que tanto faz lembrar o Homem Verde e shamânico da religião europeia pré-cristã, que se deixa inspirar e conduzir pela Natureza, ou o simples, o idiota, preguiçoso ou vagabundo da tradição oral russa, o próprio ser humano na sua aparente tragédia da inadaptação social, na sua solidão ou ignorância, ou ainda na incompreensão da sua genialidade ou anormalidade.
                                                   
Assim, pelo sofrimento e incompreensão, impassibilidade e exorcização, e pela sua não pertença a este mundo, o Louco surge neste arcano quase como o mestre Jesus a ser escarnecido e chicoteado, lendariamente ou não, com uma vara ou cana na mão e uma coroa de espinhos, e a ser proclamado INRI, Iesus Nazarenus Rex Ieudorum, divisa esta que curiosamente fortuna grande 
teve nas tradições alquímicas e esotéricas, sendo entre nós bastante trabalhada por Fernando Pessoa, ao transcrevê-la e reiventá-la em sentidos até bem luminosos.
Mas Fernando Pessoa, embora tendo lido e escrito sobre o Tarot, não conheceu esta versão italiana, na qual o Idiota ou Louco é um sacrificado, quase que poderíamos dizer um Cristo, Christos, tradução grega da palavra Messiah, hebraica, que significa ungido, título atribuído nas escrituras hebraicas a alguns seres considerados como ungidos por "Deus", como teria sido o rei Ciro da Pérsia, o actual Irão, destacando-se a sua utilização no Antigo Testamento em duas profecias mais geradoras de nacionalismos, apocalipses e ilusões: a da vinda de um Messias na forma sofredora, em Isaías e a de um triunfante, em Zacarias, ainda hoje para muitos por se cumprirem, ao não aceitarem o único que brilhou santificadoramente na Palestina. Para alem destes dois veios a mitificação visionária, por parte de alguns evangelhistas e dos zelotas do Apocalipse, do retorno à Terra de Jesus no fim dos tempos é também ainda uma crença comum, nomeadamente nas seitas evangélicas do continente americano, e que serve para grandes manipulações, alienações e explorações...
No Renascimento, Erasmo de Roterdão foi um dos escritores que com mais sucesso tratou da tolice ou estultícia dos seus contemporâneos, nomeadamente zurzindo em certas práticas, superstições e crenças frequentes na religião Católica. Apresentará todavia simultaneamente seja a loucura de Jesus seja a dos que amam perdidamente a Jesus ou a Deus, ou ainda a dos que se amam mais intensamente entre si, indiferentes ao que os outros pensam, como evidentes sinais do valor psicomórfico dela, qual sal supra-racional amoroso da Terra, na sua memorável obra, entre nós ainda não traduzida do original e na sua versão última e mais completa, o Elogio da Loucura, ou, se quisermos, Elogio da Estultícia.
    Na representação no Tarot de Hercole I d'Este e da sua mulher D. Leonor de Aragão, um dos mais antigos, criado à volta de 1450, encontramos uma espécie de sátiro, diabo, shaman, jogral, bufão ou bufarinheiro com três crianças brincando ou tendo curiosidade no sexo, sendo quase uma espécie da sombra ou lado instintivo do Mago, ou donde este desabrochará, tendo a mão esquerda erguida ao alto, e a direita segura uma vara ou um tirso, com um pano ou saco pendurado, parecendo até um estandarte, algo que se metamorfoseará nas representações posteriores. Provavelmente quis-se realçar ou simbolizar as forças da Natureza em nós, seja instintivas seja báquicas e iniciáticas, para além do bem e do mal convencional e social,  no fundo presentes em todos os seres, e no Louco tipificadas.
                                 
Já no Tarot, também de meados ou final do séc. XV, que recebeu o nome, incorrectamente,  de Charles VI e de Gringonneur, mas sendo provavelmente de Bolonha ou Ferrara, o Louco, em italiano Matto, donde derivará a designação francesa de Mat, e talvez o cheque-mate (em árabe, sheik, mestre, rei, e mat, morto), o golpe súbito e que derrota o adversário,  é representado a fazer habilidades como jogral ou bobo, personagem que existia em geral em toda a Europa antiga, bem recebido e renumerado nas cortes, vendo-se algumas crianças a atirarem-lhe pedras.
                                                
Há que realçar este contraste entre os jovens sem  pudor ou vergonha quanto à sexualidade, ou ainda sem respeito pela figura mais velha e forte, que surge impassível e acima das crianças, bem como o fio de guisos ou chocalhos que segura, fazendo lembrar o entrançado de mundos ou vidas que o sutratma ou fio da vida-memória supra-terrena, na tradição indiana simboliza. Pode haver algumas relação nesse confronto com o mítico Attis e o culto de Cibele e Attis que nos últimos séculos antes de Cristo se desenvolveu na Grécia e em Roma.
Outro símbolo identificador que observamos nos Tarots de Marselha e posteriores é a trouxa e o bordão ou vara que leva às costas e pelas quais manifesta tanto a paciência, humildade e determinação como um quinhão de experiência, memória e sabedoria, e ainda a sua não identificação e subjugação à sociedade dos teres e haveres, não tendo casa, sendo um peregrino,  na Rússia antiga denominados os "homens nus", tal como os vestidos de vento, os shramanas primordiais indianos e os digambaras do Jainismo, os aghoris do mais desequilibrado tantrismo, bem como ainda os renunciantes semi-religiosos dos vários povos. 
Talvez sob a inspiração deste arquétipo, o genial romancista, libertário e não-violento  Tolstoi terá deixado já no fim da sua vida a família e a sua quinta Iasnaia Poliana (aonde peregrinou o dilecto amigo de Antero de Quental, Jaime de Magalhães Lima) e partido para a liberdade pura e a morte, porta do mundo subtil-espiritual...
Neste sentido é curial numerar-se o Joker ou Vagabundo como zero e antecedendo o jovem Mago. E, ao compararmos os dois arcanos, vemos as semelhanças e até o ensinamento de que o ser humano é um espírito imortal e que, quando nasce e vai entrar no caminho da vida e do conhecimento, o I do Mago, tem atrás ou por dentro de si um ser psico-espiritual que vem com a sua mochila, isto é, as suas características próprias, na linguagem indiana,  o seu dharma e karma, ordem-dever e  as forças de deve e haver que já traz consigo como propensões e características dos mundos subtis donde vem. Contudo, também é legítimo vê-la como a final, num canto à liberdade plena: aprendeste algo com os 21 arcanos e agora, com tal trouxa às costas ou na tua alma, avança com cuidado mas criativa e luminosamente. É mesmo esta a leitura que eu faço em cada mês, dando ao dia 22 este sentido de Joker em acção, pleno no aqui e agora, embora também tenha sentido que este arcano pode referir-se à vida subtil psíquica, quando dormimos e mais particularmente  quando sonhamos, pois nela passamos muito tempo e nunca sabemos bem o que vamos sonhar...
Ora será  nos Tarots de França, o de Noblet e logo o de Marselha, nos meados do séc. XVII que se fixa  representação  tradicional e mais seguida até ao séc. XXI. E o que vemos?
                   
Nestas quatro versões o que vai triunfar na iconografia é bem mais simples: uma espécie de peregrino, bufarinhão, mendigo, um sannyasin dir-se-ia,  isto é, um renunciante itinerante da tradição indiana,é apresentado, a caminhar sobre um chão amarelado e com cinco tufos (dois verdes e três brancos), apoiando-se com a mão direita num bordão amarelado de madeira e olhando para cima, para o céu, levando ainda noutro bordão(já de cor branca), varaou colher um saco pequeno com os seus magros, ou concentrados na sua potencialidade, haveres e saberes (e podem ser os que o Mágico,do arcano I,  vai apresentar na mesa), tendo a sua cabeça coberta por uma espécie de chapéu com certa forma cónica ou de espiral-lemniscata e com um berloque vermelho na ponta posterior dele, como que assinalando um eixo de gravidade, um concentrado energético na sua memória, uma religação que a nós investigadores ou contempladores dos arcanos ou mistérios do Tarot compete sondar, trabalhar, na linha até da reminiscência pitagórica e platónica.                  
O semblante é de sábio, sereno, inteligente e parece determinado e confiante no seu avanço numa paisagem amarela ou torrada pela sol e donde vicejam tufos verdes e brancos, junto aos sapatos vermelhos que, tal como o berloque e a veste, parecem indicar forças ígneas, activas, que entram ou emergem pelo cimo da cabeça e pelos pés, e pelo peito ou coração, e que ele infunde no seu caminhar confiante nas passagens e ligações adaptativas que tiver de desenvolver. A sua roupa bastante colorida e com berloques tanto pode indicar  que tem muitas energias em si, que é multicolorido na sua aura, ou que ele tem de chamar as atenções e que portanto não passa desapercebido, e é um jogral  ou mesmo um bufão.

O que leva na trouxa, o que significam tais pertences ou haveres, memórias ou conhecimentos, sabedoria ou poção mágica,  qual é o simbolismo do cão (que o acompanha ou apenas num certo local do seu caminho) que lhe parece morder ou rasgar as calças, eis questões valiosas de serem  meditadas, tanto mais que, como sabemos, os arcanos são polisémicos, multidimensionais e aptos por isso a sugerir, a infundir ou a aconselhar, conforme a nossa capacidade e necessidade...
Está o fiel amigo a avisá-lo dos perigos que o ameaçam,  procura alertá-lo e pará-lo? 
Representa o animal ou cão os instintos que de certo modo o podem enfraquecer, desfigurar ou ferir, ou seja, a sua componente animal e sexual, sempre pronta a manifestar-se sob e contra a roupagem social e moral?
Ou o animal, mais do que um cão, representa uma espécie de animal negativo, do ambiente, do colectivo que o rodeia e que o ataca e procura atrasar, deter e fazer mal, obrigando-o por isso a avançar até mais?
Mas o que leva ele na na extremidade do bordão, na sua bolsa ou trouxa, que faz lembrar a mais pequena bolsa do Mago na carta I, posta na mesa diante de si? 
As potencialidades, os seus trunfos e naipes? Será o correspondente aos quatro elementos e ao que o Mago da lâmina inicial apresenta na mesa, simbolizando as nossas potencialidades e capacidades? 
Serão as  experiências da vida que leva no seu interior, estando seja a avançar na vida seja já a partir para o outro mundo, sem o saber ou despreocupado e desprendido?
Será o seu ouro alquímico, destilado na progressão pelos diferentes arcanos durante a vida terrena, se o colocarmos no fim das cartas, ou será o mistério ou arcano secreto do seu espírito, se o virmos e lermos no princípio, como a posição do ser que incarna sem saber bem como, onde e porquê, todavia trazendo o saco da sua causalidade ou karma e da individualidade formada primordial e divinamente, a qual de certo modo lhe é imposta, já que a vara que segura a trouxa parece ou com alguns nós, ou então presa por dois fixadores à sua roupagem, no que nos relembra o arcano XII do Pendurado ou Enforcado, no seu aspecto sacrificial e de aceitação serena? 
                                   
Haverá relação entre o cão e a bolsa, já que estão na mesma linha axial, tanto num sentido de componente animal e destilação espiritual,  sublimação e controle da instintividade, animalidade e sexualidade em racionalidade, sabedoria e amor?
Este arcano convida-nos a meditarmos e conseguirmos a unificação das nossas forças instintivas e anímicas, tanto mais que os guisos que leva no peito e na cintura denunciam musicalmente a presença de cada um, ou como está essa harmonia, e se estamos a caminhar desimpedidos de vício, estorvos ou laços, gerando harmonias inferiores e superiores no futuro e que iremos escrevendo ou desenhando, tal como o fundo totalmente branco da carta  sugere ou aponta enigmaticamente. E esta pPaisagem ou pano branco de fundo, remete para o mistério da origem ou do fim?
No início do séc. XX, com o Tarot de Arthur Edward Waite, introduzem-se alguns factores novos, prestando-se a novas interpretações e como ele era um ocultista e maçónico americano a viver na Inglaterra, será bastante grande a sua fortuna no mundo anglo-saxónico, pelo que muita gente passará a ver e a interpretar o arcano do Louco pela imagem que A. E. Waite e a sua desenhadora Pamela Colman Smith geraram.                               
O que ele fez realçar é a descontracção, a felicidade, a ligação à luz do Sol (no de Marselha vista apenas indirectamente no chão amarelado), e o já não estar apenas com um varapau e trouxa vestido de modo burlesco e rasgado, pois é "melhorado" bastante no seu aspecto e riqueza. Alguma influência da burguesia vitoriana e mesmo dos pintores pre-Rafaelitas perpassa pelas imagens de todo este Tarot, muito delicado, colorido e esotérico, sem dúvida, mas com aspectos novos que embora significativos podem ter subjacentes ou então prestarem-se  a interpretações ou mesmo doutrinações pouco correctas ou verdadeiras.
Em vez do caminhar normalmente realça-se a sua desatenção e inconsciência, ao caminhar junto ao abismo e de poder até cair, porque estará protegido. O cão que o mordia passou a estar ao seu lado a saltitar contente. O ar medieval e adulto perdeu-se e encontramos um jovem livre, desprendido, confiante, belo...
A descrição do próprio A. E. Waite, no seu The Pictorial Key to the Tarot, de 1901, é a seguinte: «um jovem com vestidos magníficos (gorgeous) (...) o precipício não lhe causa terror: como se os anjos o amparassem se ele caísse (...) a sua face é plena de inteligência e de expectativa nos sonhos (...) leva um bordão caro e uma bolsa curiosamente tecida (...) É um príncipe do outro mundo e vai neste na glória matinal. O sol que está por detrás dele, sabe de onde ele vem, para onde ele vai, e como ele retornará por outro caminho depois de muitos dias. Ele é o espírito na procura de experiência. Muitos símbolos dos Mistérios Instituídos estão sumariados nesta carta que deita abaixo, sob elevadas garantias, todas as confusões que a tinham precedido». 
                                             
Vemos assim Arthur E. Waite a lançar, com as "bênçãos" das suas ordens secretas ("under higher warrants", as "mais altas garantias"), uma nova iconografia  (com o sol, rosa branca, abismo, jovem belo e rico) e interpretação da carta, como aliás é expressamente dito no prefácio: vai tratar de elevados aspectos do simbolismo do "completo e rectificado Tarot", de Pamela C. Smith.
Um aspecto positivo  do entendimento de Arthur E. Waite  é considerar o Louco uma representação da peregrinação da alma humana vinda dos mundos espirituais e que desce confiante à Terra, na qual avançará, protegida seja pelos Anjos seja pelo Sol, "o qual sabe quem é ele", embora Waite não esclareça quem é o Sol que sabe que a alma retornará a Ele, mas deduz-se que seja a Divindade ou o Espírito divino no ser humano. 
Arthur E. Waite poderia ter clarificado o que entendia serem as relações  entre corpo, alma e espírito, e seres espirituais e Divindade, em vez de alardear esta quase iluminação, embora saibamos que na verdade cada um tem de a descobrir por si mesmo, iniciaticamente, perseverantemente, num ora et labora diários e que não está dependente de números, horários, esquemas ritualistas, graus de ordens  iniciáticas, embora os raios ou bênçãos dos mundos espirituais e dos mestres devam acontecer...
O realismo da sociedade medieval e renascentista, os aspectos pagões e shamânicos deram lugar em A. Waite a uma visão mais simples e alegre, confiante e delicada. Deixou de se realçar a simplicidade e pobreza voluntária e de essência, ou o inconformismo social do louco,  idiota, simples, nómada, o "bom selvagem", o "homem verde" heterodoxo e contestatário, que as versões anteriores continham e que todos nós devemos manter vivo seja na consciência peregrinante seja no potencial de acção que volta e meia se actualiza, nomeadamente quando temos de lutar contra tantas manipulações, e nos manifestamos contra a agro-química Monsanto-Bayer em defesa da Terra ou Gaia, ou à farmacêutica Pfizer, ou noutro tipo de acções de resistência à exploração e normalização massificante do Sistema neo-liberal e imperialista, tão destruidora dos eco-sistemas e dos povos indígenas ou locais, na sua ganância de matérias-primas valiosas ou de lucros a qualquer custo, e tão brutalmente violento na imposição da suas medidas autoritárias repressivas, como se viu em relação ao corona vírus e suas vacinas, e em especial em países mais vendidos aos projectos transhumanos, tais como Inglaterra, USA, França, Austrália e Canadá...
Talvez pudéssemos ainda acrescentar que alguns Tarots ou seus intérpretes mais moralistas e castigadores viram este arcano como muito maléfico e correspondente ao funesto destino que aguarda os que se comportarem mal, em especial os mais poderosos e ricos, os mais fanáticos e gananciosos, causadores de tantos males (como estamos a ver actualmente), sendo pois uma carta de aviso dos perigos da inconsciência, da irresponsabilidade, das falhas no percurso da alma na Terra. Algo de verdade haverá nessa visão mais negativa mas também de exagerado,  sobretudo se o virmos como uma lembrança da nossa condição de peregrinos e filhos e filhas do Sol espiritual e divino, talvez discretamente simbolizado ou aludido no berloque vermelho que o coroa...
Podemos contemplar ainda  o Tarot concebido e desenhado segundo as indicações do mago inglês Alesteir Crowley, que Fernando Pessoa bem conheceu quando ele o veio visitar a Lisboa em 1930, e fazer magia com a sua companheira Hanni Larissa Jaeger, além desaparecer das vistas mundanas que o espiavam e iniciar Raul Leal e de certo modo o próprio Fernando Pessoa, como este escreverá ou confessará mais tarde.
                                 
Aleister Crowley era um ocultista muito inteligente, culto e ousado mas bem mais desequilibrado e violento que o racional A. E. Waite, com quem aliás polemizou e discutiu quanto a quem deveria dirigir a ordem da Golden Dawn, considerando-o um chato,  algo até compreensivo não só pela sua força e muitas viagens realizadas mas porque era também algo megalómano pelo seu poderoso ego e abuso de sexo e drogas, enquanto A. E. Waite era algo monocórdico, talvez especulando muito e realizando pouco.
Nas explicações Aleister Crowley menciona as raízes arcaicas, matriarcais, egípcias, celtas (Dalua) e pagãs deste (seu) arcano numerado como 0, e vê-o como símbolo da Luz Criativa, do Homem Verde, do Baphomet, do Príncipe encantado e errante, do Trovador e jogral, forte e inocente, de impulsos súbitos e loucura criativa e unido à fecunda Natureza, vendo-se representadas as uvas do vinho extático de Dionísiso, a pomba feminina de Ísis, Afrodite e Maria, o crocodilo do Nilo, Sebek, a congregarem-se no forte desenho deste arcano 0 do Tarot. 
Na profusão dos milhares de Tarots que se criaram nas últimas décadas, na abertura crescente da Europa ao esoterismo e ao pseudo-esoterismo new age, e quando Portugal, o Ocidente e a Humanidade pareciam poder entrar mais numa nova era de conhecimento e fraternidade, tal utopia de uma era Nova e que foi rapidamente destroçada pela inépcia e ganância insensível do capitalismo neo-liberal e imperialismo liderado pela USA e Fórum Económico Mundial e a União Europia e os seus agentes ou mentalidades em quase todos os governos e instituições financeiras ou importantes, tal como em Portugal se viu tragicamente, com as sucessivas crises e escandalosas sonegações dos dinheiros públicos e do povo.
Quanto à crise do enigmático (o laboratório donde saiu involuntariamente era  chinês, ou norte-americano?)  corona virus que veio ainda mais pôr em causa o tipo de civilização moderna, em alguns aspectos beneficiando a saúde dos eco-sistemas mas em muitos fazendo sofrer  e morrer ou falir, muita gente, é um mistério grande tanto mais que parecem continuar a lançar (mesmo que só mediaticamente) novas variedades e vacinas exigindo-nos assim um trabalho quadruplo de vigilância, fortificação, sobrevivência profissional e maior realização pessoal e espiritual, pois nunca se sabe quem será chamado para o outro lado da manifestação, para os mundos invisíveis, seja pelo covid, seja pelas vacinas...
  De outros Tarots criados nestes tempos, quais melhor transmitirão conhecimentos e impulsos evolutivos e libertadores, ao mesmo tempo tradicionais e actuais?
                                 
Quais, após os clássicos já vistos e algo trabalhados, deveríamos nós, pelas suas qualidades, contemplar e receber mensagens, impulsos e gerarmos determinações?
Da profusão imensa que a Internet permite ver, eis uma breve selecção de versões  com alguma qualidade, as primeiras mostrando aspectos do arcano da Simplicidade e da Loucura no Feminino:
Ousar amar o mar, a Natureza, a Humanidade, destemidamente, e saltar, dançar, voar, amar, deixando o Princípio Divino Feminino em nós brilhar, irradiar..
"Saber ler livros e imaginar, meditar e amar", mostra-nos a criança encantada, exterior e interior, algo bem necessário neste momento histórico em que cada vez mais as pessoas começam a ficar presas ou confinadas nas malhas não só da superficialidade e manipulação dos media, como também nos telemóveis e internet e suas redes sociais, frequentemente tão alienadoras e repressivas, como é o caso do Facebook. Esta versão do arcano  é um apelo verde, simples, feminino, à leitura de bons livros e mesmo do Tarot, como meios de resistência, activismo, sonho, expansão, elevação... 
E em tempos de tanta opressão e confinamentos é uma recomendação: bem-aventurados os que estão na Natureza e a usufruem e trabalham organicamente...
E aproximando-nos do fim destas reflexões e meditações sobre o arcano do Vagabundo, do Simples ou Louco, que numa tiragem tanto pode dizer:  - "Parte, desprende-te", como também: - "Acautela-te, podes encaminhar-te para o abismo", apresentemos mais duas versões, numa unidade com a Tradição Perene no Oriente:
  Sannyasin,  o renunciante itinerante da tradição indiana, avança sob o Sol irradiante do Aum, ou a Divindade numa das suas sonorizações e nomes em sânscrito,  transmitindo a energia divina, em som, amor e significados, e interligando os três mundos físico, psíquico e espiritual...
 O persa Jalal din Mevlana Rumi, mestre  no Amor Divino, místico, músico e desprendido do mundo para o coração poder estar em alegria, amor, dança, unificação, adoração..
       E terminemos esta aproximação ao Peregrino, ao Joker, ao Simples, ao Idiota, ao Louco, como fim (e princípio) dos 22 arcanos do Tarot, com duas representações e legendas. Que elas nos inspirem e guiem:     
          
Ousa, salta, luta, vence, ama, sê, avança...
        E, finalizemos mesmo, com a versão tradicional do arcano de Marselha e sob a inspiração e orientação da Estrela nossa do Espírito divino, com a seguinte legenda como proposta de trabalho consciencializador ou despertante: "Eu busco o auto-conhecimento e vivo-o em cada momento do Caminho diário, atento,  livre e criativamente na Luz e no Amor, na Justiça e na Verdade, e na  aspiração e demanda,  meditação, visão e realização espiritual e divina..."