sexta-feira, 19 de abril de 2024

Uma carta da Soror Isabel do Menino Jesus (1673-1752), e seus ensinamentos acerca da via mística.

 Soror Isabel do Menino Jesus nasceu em 1673 em Marvão e foi na adolescência  que soube por um livro de devoção que havia directores espirituais e exercício de oração mental, vindo aprendê-la ou a ser iniciada por um frade franciscano de passagem e cedo atingindo o que suspirava: passar a praticar a oração mental ou meditação duas horas por dia, descobrir os seus defeitos e ir corrigindo-os, e obter uma ligação interior com o Mestre Jesus e com a Divindade. Foi já aos 35 anos que professou no mosteiro de Santa Clara de Portalegre, onde observou que pouco se praticava a oração mental, havendo até alguma desconfiança de ela estar parada de olhos fechados sem nada dizer; mas aos poucos foi-lhes explicando como poderiam meditar e não apenas rezar, cantar, psalmodiar...
Até aos oitenta anos viven
ciará e teorizará bem as vias do Espírito e as graças sobrenaturais, deixando os documentos que o Frei Martinho de S. José coligiu e que o Padre João Evangelista da Cruz e Costa deu à luz  sob  o título Vida da serva de Deos Soror Isabel do Menino Jesus,  Abbadessa, que foi do Mosteiro de Santa Clara de Portalegre, escripta pela mesma veneravel religiosa, de mandado de seus Padres espirituais, com outros Tratados Mysticos: prática para o interior da Religiosas do mesmo Mosteiro, em que se encontram as muitas mercês, que Deos lhe fez, em ordem à salvação das almas, com algumas cartas suas espirituais... Lisboa, Joseph da Costa Coimbra, 1757, num in-4º de 255 páginas, onde se incluíram tanto a sua auto-biografia, textos, cartas  e um prólogo no fim, onde Frei Martinho de S. José resume a vida da Soror em vinte e oito páginas (realçando a suas virtudes e  capacidade de oração) e, ainda, a gravura da sua vera efígie: 

Na realidade, sendo muito esforçada nas suas práticas de penitência, disciplinas, jejuns, obras de serviço e longas horas de oração e meditação, foi desenvolvendo as virtudes, tal a humildade, paciência, pobreza, e sendo agraciada com estados expandidos de consciência, visões e ligação com os santos e santas, e sobretudo com o mestre Jesus, sendo por isso muito consultada e procurada,  como mestra de noviças, abadessa ou apenas uma mística sábia...
Das s
uas trinta e cinco cartas preservadas e dirigidas a sacerdotes e senhoras, realcemos a sua boa compreensão das vias purgativa e iluminativa, e o seu dom de discernir os interiores das pessoas e, logo, de aconselhar bem. Transcrevemos agora grande parte da sua IV Carta onde responde a um religioso que lhe afirmava estar a desprender-se do mundo e de suas vaidades e atrações: «Veja lá, não se engane; porque a matéria, de que a natureza é feita, toda pende para a terra; agora veja se a pode sujeitar à razão, e logo acreditá-la com obras; que se a matéria do amor são frutos, os frutos do amor de Deus são virtudes. Vá Vossa Paternidade torcendo a vontade, e logo fará obras direitas, que já é tempo de governar o entendimento, que enquanto se governou pela vontade, vivia V. Paternidade cego: entre a fabricar dentro do seu coração um espírito racional, que seja só para amar a Deus, e apure a paciência neste exercício, que é muito necessário entrar em um caminho de muita cruz, que é tirar o afecto das criaturas, alimpando as potências, e negando os sentidos, que esta é a vida espiritual, e é forçoso caminhar por esta aspereza: vá dispondo-se  cada vez melhor, e terá menos que sentir, uns escondidos de afectos, que estão escondidos no interior, que não parecendo nada, é muito para quem quer ser perfeito; e o juízo de V. Paternidade é muito ligeiro nos voos, e por isso se meteu em alguns males, e disto não fazia caso, e não deixavam de ser culpas, ainda que fossem leves, e V. Paternidade tudo isto ignora; e agora já não é tempo de ignorância, que a santa oração descobre tudo, vendo palavras, pensamentos e obras, e daqui nasce o ter pesar de ter ofendido a Deus; e não pode haver dor de pecados, sem se conhecerem culpas. Vá preparando-se, para pelejar com os três inimigos da alma, que sempre lhe hão-de fazer guerra: ponha-se em porto seguro, que é amar a Deus, por meio da santa oração, e lembre-se de mim, que fico pedindo por V. Paternidade, que Deus guarde. S. Clara de Portalegre.
De vossa Paternidade muito serva,
Soror Isabel do Menino
Jesus.»

Destaquemos apenas, numa breve hermenêutica, a necessidade de discernirmos ou entendermos (1ª potência da alma)  bem o que devemos fazer e logo torcer ou usar bem a vontade (2ª potência).  Segundo,  valorização da oração mental ou meditação como meio de auto-conhecimento, já que observamos (na nossa 3ª potência, a memória) os nossos pensamentos, palavras e obras, e o que do inconsciente e subconsciente emerge, podendo então desprender-nos, corrigir-nos, melhorarmos. E logo orientar a vontade ou que ela se eleve para Deus como amor a Ele. O trabalho com as três potências da alma é frequentemente mencionado nas suas cartas.
Terceiro, o consciencializar-nos como "o mundo, a carne e o diabo", os três inimigos tradicionais da alma, e tantas vezes trabalhados ou glossados por Fernando Pessoa, devem ser vigiados e vencidos. E, finalmente, como a oração, meditação e contemplação são os meios mais forte de os suplantarmos e sobretudo de exprimirmos e desenvolvermos o amor a Deus e a religação espiritual, o qual certamente deverá frutificar nas virtudes interiores, e nas exteriores acções de amor ao próximo,  desinteressadas, abnegadas, e pelo Bem, a Paz e a religação divina nos seres e no Universo......
 

2 comentários:

Maria de Fátima Silva disse...

Muito interessante e sincera, Pedro, a devoção da Soror Isabel do Menino Jesus e a sua prática de meditação. Muitas graças por trazê-la ao nosso conhecimento.

Pedro Teixeira da Mota. disse...

Graças também, Fátima, pela sua apreciação. É na realidade uma mística nossa ainda hoje valiosa.