quinta-feira, 14 de setembro de 2023

Aleksandr Dugin: "O que se está a passar de errado com o Ocidente?" Satanismo? 1ª p. Tradução, com breve introdução de Pedro Teixeira da Mota.

De Bô Yin Râ...

Se o Satanismo reentrou no vocabulário corrente do séc. XXI isso não significa que desvendações dos enigmas respeitantes a Satan tenham ocorrido, mas apenas que o seu culto foi assumido por pessoas e grupos, em especial nos USA, ou que a sua presença ou influência foi diagnosticada ou discernida neles, embora muito permaneça secreto ou então seja do foro subjectivo e portanto incomprovável e inimputável objectivamente.
Com efeito quem foi ou é Satan, ou Lucífer, ou o Diabo, mensageiro ou espírito celestial revelado na Bíblia e que foi adquirindo diferentes significados ao longo dos tempos e nas três Religiões do Livro, com raízes nas que as precederam, continua a ser um mistério e poucos dos crentes na sua existência verdadeiramente o terão entendido, e mesmo entre os teólogos e filósofos muitas dúvidas e diferenças subsistem. Algo disso partilhei para este blogue num texto escrito há sete anos: https://pedroteixeiradamota.blogspot.com/2016/10/tarot-xv-o-diabo-imagens-arquetipas.html
Também herméticos, gnósticos, ocultistas e esoteristas tentaram discernir quem seria esse espírito celestial revoltado ou caído, quem seria esse opositor de Deus, para alguns sendo mesmo o princípio do mal eterno. Mas também se questionou quem o acompanha, onde se encontra, quem consegue ele controlar, como o reconhecer e vencer. Anote-se  que vários deles, instrutores e grupos, estavam mais ou menos enrolados em malhas diabólicas.
Já Satan como personificação do mal, da oposição a Deu, ou às qualidades divinas, como a Verdade, a Justiça e o Amor, esse é reconhecido e compreendido por muita gente e a famosa expressão de Jesus, vade retro Satanas, "afasta-te de mim, não nos tentes, Satanaz", é bem conhecida e volta e meia exclamada quando alguém nos impressiona por estar a servir de agente de tentação para o mal, seja a mentira, a crítica malévola, o roubo, a corrupção, a violência, a crueldade, a recusa do bem e do amor, a ambição ou hubris, tal a da tentação da serpente no mítico paraíso, e que de facto sendo tão frequentes em algumas pessoas, instituições ou Estados, levam-nos a denominá-los de satânicos, de diabólicos.

Uma designação de satanismo que se tem afirmado, resultando da observação e análise do que tem sido o seu comportamento e a mentalidade, e como tais defeitos se manifestam constantemente, é hoje bastante  aplicada ao violento e opressivo império Norte-Americano e seus coligados, e com razão. Ou mesmo à civilização Ocidental moderna, devido a diversos factores, entre os quais se destacam a sua americanização, a constituição de uma União Europeia que não representa de modo algum os interesses dos europeus comuns mas apenas os da elite política corrompida e que muito se tem esforçado pela desagregação moral, ética, religiosa, espiritual e tradicional da Europa. 

Como não li o texto de Dugin antes de escrever esta contextualização prefacial, creio que estes e outros aspectos serão bem abordados e clarificados pelo tão lúcido quão corajoso filósofo Alexandre Dugin, pai da malograda filósofa e mártir da Liberdade e do Conhecimento, Darya Dugin Platonova. Muita luz e amor na alma deles!

«Este texto foi publicado no número 8 da versão impressa da revista Kultura, em 31 de agosto de 2023, sob a temática: O que se está a passar de errado com o Ocidente? [E sob a epígrafe: Satanismo é antepor a matéria ao espírito...]
O nosso entrevistado é o filósofo, cientista político e sociólogo russo Aleksandr Gelievich Dugin, professor na Universidade Estatal Lomonossov de Moscovo. [Eis a primeira pergunta que Peter Vlasov lhe dirige:]
- Aleksandr Dugin, é cada vez mais frequente ouvirmos os líderes do nosso país definirem a civilização ocidental moderna com a palavra "satanismo". Como entende isto e o que pensa de tal?
- O presidente [Vladimir Putin] declarou que o Ocidente é uma "civilização satânica" no discurso que proferiu aquando da admissão de novos membros no seio da Federação Russa. Devemos tomar isto a sério e tentar compreender o que se esconde por detrás desta declaração, tanto mais que foi depois repetida por numerosas personalidade políticas e públicas importantes. Parece-me tratar-se de uma afirmação muito séria e profunda.
Após o início da Operação Militar Especial, começámos a aperceber-nos cada vez mais claramente de que algo estava errado no Ocidente. A civilização ocidental moderna ou se desviou do caminho que estava a seguir quando a aceitámos, acolhemos, imitámos ou, o que é ainda mais provável, algo está errado há muito tempo. Uma civilização que admiramos, na qual nos procurámos integrar, cujos valores e regras partilhamos e  que abraçamos com toda a nossa alma, pode-se revelar subitamente satânica?
Paralelamente, vemos a questão dos valores ser posta a diferentes níveis no nosso Estado. Começamos a repetir: estamos a defender os nossos valores. Há um ano, o Presidente adoptou um decreto sobre a defesa dos valores tradicionais, entre os quais a superioridade do espírito sobre a matéria. Isto é absolutamente espantoso! Os valores tradicionais da Rússia são reconhecidos como sendo, se quisermos, o idealismo, a religiosidade, o domínio do espírito. E, evidentemente, se começamos a ver-nos - não ainda com confiança, mas cada vez mais - como portadores de valores tradicionais, é precisamente face a esses valores tradicionais, que estamos  a descobrir em nós próprios, que começamos a compreender, a apreender e a defender.
Face a estes valores, é evidente que os valores ocidentais assemelham
-se a puro e simples satanismo, sendo todos o contrário dos nossos. Baseiam-se na ideia de que a matéria é primordial em relação ao espírito, que o homem é apenas um ser bio-social e que é um reflexo cognitivo do mundo exterior. O Ocidente vê o homem como um animal evoluído que chegou à sua fase final, para passar  a iniciativa a uma espécie pós-humana, às construções transhumanistas, a ciborgues, à inteligência artificial. E a preparação, o aquecimento, é a política de género, em que mudamos de sexo de acordo com os nossos desejos - ou mesmo conforme os caprichos - e brevemente da espécie, em que escolhemos pertencer ao sexo masculino, a uma categoria de máquinas ou a uma espécie animal, algo que tem sido objeto de discussões sérias ao mais alto nível das personalidades ocidentais.
Tendo descoberto que o Ocidente é monstruoso e que se está a separar da espécie humana diante dos nossos olhos, a Rússia distanciou-se dele. Um problema local, o conflito com a Ucrânia, levou-nos subitamente a conclusões fundamentais: o Ocidente está no caminho errado, arrasta a humanidade para o abismo e temos de o enfrentar. Este é o dado novo mais importante, algo de absolutamente incrível, porque até agora tínhamos-nos limitado modestamente à luta pela soberania.
E
é aqui que o conceito de "satanismo" adquire pela primeira vez um significado muito sério. Não se trata apenas de um movimento oculto marginal, pois o satanismo existe no Ocidente, há a Igreja de Satã de Anton LaVey, há até o satanismo direto da escritora ultra-capitalista Ayn Rand (Alice Rosenbaum) - que era aliás popular entre os oligarcas russos e os liberais nos anos 1990. Mas, no conjunto trata-se de fenómenos marginais, seitas ocultistas e produções teatrais. Pelo "satanismo da civilização ocidental", Vladimir Putin queria dizer outra coisa, algo muito mais profundo. O satanismo é o primado da matéria sobre o espírito, o relativismo pós-moderno, ou seja, a relatividade de todos os valores, incluindo os do ser humano e do espírito. E este é o caminho que o Ocidente tomou de empréstimo, não ontem, mas há cerca de 500 anos, com o início da Nova Era.
Quem é Satanás? Não há Satanás quando não há Deus, nem fé, nem religião. Este termo permanece vazio, se para nós os termos "Deus", "fé", "eternidade", "imortalidade", "ressurreição dos mortos", "juízo final", "salvação da alma"... são igualmente vazios [embora tenham bastantes leituras segundo os níveis de interpretação que usarmos]. Se seguirmos a imagem científica ocidental moderna do mundo, é evidentemente ridículo falar de satanismo, porque não há Deus, nem  diabo, nem fé, nem alma imortal, nem vida pós-mortal, mas apenas uma flutuação de unidades biológicas, de átomos, que se colam uns aos outros, se separam e depois desaparecem no abismo do espaço negro e morto. É mais ou menos esta a imagem do mundo que se impôs no Ocidente há 500 anos, e que é geralmente designada por "imagem científica do mundo". Foi acompanhada por uma descristianização progressiva e completa da cultura ocidental. Assim, Satanás, enquanto fenómeno, desapareceu da "representação científica do mundo" ao mesmo tempo que Deus. Quando afirmamos seriamente que a civilização ocidental é satânica, chamamos a atenção para o facto de que essa [representação] é uma conclusão precipitada, incorrecta, prematura e, de facto, profundamente errada. Distanciamo-nos erradamente da tradição, do espírito, de Deus, da religião, e foi aí que começou a era moderna da Europa Ocidental. Observámo-lo sem qualquer pensamento crítico desde o século XVIII, quando fomos arrastados pelo Iluminismo europeu. Mas até 1917, mantivemos de alguma forma o carácter religioso da nossa sociedade. Depois mergulhámos no abismo do materialismo e, após o colapso da URSS, descemos ainda mais fundo nesse abismo - para um materialismo capitalista liberal ainda mais desenfreado e flagrante.
E acabámos por nos encontrar na periferia da civilização satânica ocidental, enquanto sua província.
Por outras palavras, o conceito de Satanás, assume hoje, no contexto da guerra contra o Ocidente, um significado completamente diferente na nossa sociedade do que o conceito de Deus. Se existe Deus, se existe a fé e a Igreja, a Tradição e os valores tradicionais, isso significa que existe também a antítese de Deus, aquele que se rebelou contra Deus. É então que a história do Ocidente, a história do chamado progresso, a era da modernidade dos últimos 500 anos, é colocada sob uma luz completamente nova. Verifica-se que o Ocidente rejeitou Deus, e disse: - "não há Deus nem diabo", e o Diabo, após algum tempo, como que objectou: - "não há Deus, mas sou eu, porque fui eu que vos disse que não havia Deus".

- Aquilo a que chamais satanismo pode ser considerado como uma construção ideológica, ou trata-se simplesmente dum princípio de negação, de destruição?
- Não devemos começar com o satanismo mas por Satã, pela figura que chamamos por esse nome, pois se formos crentes, é um facto ontológico para nós. Para os não crentes, o satanismo não faz sentido.
Quem é Satanás, quem é Lúcifer? Ele é um anjo, um espírito celeste eterno. É a primeira criação suprema de Deus que se rebelou contra Deus. É a origem de todos os ataques a Deus, do materialismo, do ateísmo, de todas as noções segundo as quais as pessoas sem Deus podem construir um mundo melhor. Encontramos este princípio no humanismo [não cristão, ou materialista], no desenvolvimento da ciência moderna e na doutrina social do progresso. Satanás não é apenas destruição ou entropia, mas uma vontade consciente de destruir. É a rebelião, a destruição da unidade em nome do triunfo da 
multiplicidade.
Não é a
penas um enfraquecimento da ordem divina, é a vontade de a partir. Quando o corpo está enfraquecido, é uma coisa, mas quando há uma força, como o cancro ou outra doença natural, que puxa o corpo para a decomposição, é outra. Satanás é o espírito ou vontade de se decompor, e não apenas a decomposição em si, que  é já uma consequência dele. De certa forma, é uma crença, uma religião, uma anti-igreja. É a "igreja negra" encarnada na cultura ocidental moderna, na ciência, na educação e na política.
Vemos aqui não só a decadência, mas também a recusa de construir a ordem,
a hierarquia, de elevar os princípios da ciência, do espírito, do pensamento, da cultura à mais alta unidade, como na civilização tradicional, no início da hierarquia - porque a hierarquia terrestre imita a hierarquia angélica. A esta recusa de fazer o bem junta-se o desejo de fazer o contrário, de fazer o mal. Quando se olha para os ucranianos, Biden, Soros, Macron, vê-se um desejo de destruição activo e agressivo.
O satanismo p
ressupõe necessariamente uma estratégia consciente e uma impulsão voluntária as quais geram um movimento poderoso nas massas humanas. As massas podem destruir a cultura tradicional pela sua estupidez, a sua passividade, a sua inércia - é  propriedade da massa enquanto tal, mas alguém empurra esta massa numa direção destrutiva, alguém a dirige, a orienta. É aqui que entra o princípio do sujeito oposto a Deus (assim que  ao homem no seu sentido mais elevado). Encontramo-lo em todas as religiões: é a vontade consciente do sujeito de construir uma civilização anti-Deus, invertida. Não se trata apenas de destruir o que existe, mas de criar algo desagradável, algo perverso, como as mulheres barbudas LGBT do Ocidente.

- Há nisso uma imagem do futuro?
- René Guénon, filósofo e defensor de uma sociedade espiritual tradicion
al, chamou-lhe a Grande Paródia. É a isto que conduz a civilização satânica. Se, no primeiro estágio do materialismo, o objetivo era negar toda a espiritualidade, ou seja, afirmar que não há espírito, mas apenas a matéria, o homem, o mundo terreno, progressivamente, à medida que esta grande Paródia toma forma, surge um novo projeto: não apenas a rejeição da Igreja, mas a construção de uma anti-Igreja, não apenas o esquecimento do espírito, mas a criação de uma nova espiritualidade invertida. Começamos por destruir a Igreja, comparamos tudo à terra, só resta o homem, mas depois começamos a construir um templo subterrâneo para baixo, na direção oposta, fazemos um buraco na matéria. O escritor francês Raymond Abellio [1907-1986] escreveu um romance chamado O Fosso da Babilónia, que trata da construção da civilização no sentido subterrâneo. Esta hierarquia invertida, este poder invertido, esta espiritualidade invertida, eis o que é o satanismo ocidental.
Tem-se a impressão de que até os vícios são invertidos. Não percebo absolutamente como é que alguém pode ser seduzido por tais coisas, pelos desvios que hoje fascinam o Ocidente.....
Ao contrário das virtudes, os vícios mudam, pois as virtudes são imutáveis e os vícios estão sempre a progredir. Para uma pessoa progressis
ta, a devassidão do "antigo Regime" deixa, a certa altura, de excitar e afetar. Quando uma pessoa pára num certo nível de vício, quando se imobiliza, já não parece um vício. O vício é uma decomposição progressiva, e a decomposição não tem limites, não se pode decompor até um certo ponto e ficar lá. Um homem precisa de algo que o agarre e o arraste cada vez mais para baixo, a decomposição tem de ir cada vez mais longe.
A próp
ria história da depravação ocidental é uma história de progresso. Em cada etapa, novos vícios são descobertos,  a própria perversão torna-se a norma. Por exemplo, actualmente, a homossexualidade no Ocidente é reconhecida como norma, já não é um vício, pelo que temos de ir mais longe, em direção à pedofilia, ao incesto, ao canibalismo, à mudança de sexo.... Tudo isto é impulsionado pela legislação. O legislador ocidental apressa-se a reconhecer a decomposição, a legalizar o que ainda ontem era proibido e imoral....
Como esc
reveu Michel Foucault: a decomposição é a ultrapassagem da lei, a transgressão. Ora, no Ocidente não há mais lei, nem virtude, nem fronteira e, por conseguinte, não há mais vício, depois de legalizado. Se considerarmos o vício como uma convenção social, então não há vício de todo. Existe apenas um "alargamento da experiência", uma "libertação de preconceitos" - tais como a vergonha, a consciência, a moralidade, a virtude, a inocência, o auto-controle. Quando uma coisa deixa de ser considerada um vício ou um crime, torna-se desinteressante, pouco atractiva, e é preciso passar a outra coisa: mudar de sexo vinte vezes, confundir-se com os animais, ladrar, andar a quatro patas, exigir que as crianças que pensam que são gatos sejam alimentadas numa bandeja pelos professores na escola.
A decomposição não tem limites, e assim que a decomposição é legalizada e
la deixa de ser atrativa são então necessárias novas formas. O Marquês de Sade, um dos arautos da "civilização satânica" ocidental, dizia que o mais importante no vício é a inovação.»

 Fim da 1ª parte. Continua... 

De Bilibin...

Sem comentários: