Segunda e última parte da entrevista de Peter Vaslov a Aleksandr Dugin realizada no final de Agosto de 2023. O primeiro parágrafo, já inserido na primeira parte publicada, serve para contextualizar a continuação deste magnífico apelo à luta pela sobrevivência e vitória de uma humanidade espiritual, tradicional, livre e multipolar face ao embate com o Ocidente satanizado pelos seus governantes visíveis e na sombra, luta esta liderada sacrificialmente pela Rússia, que já na 2ª grande guerra, contra a Alemanha hitleriana, a Itália e o Japão, ofereceu mais de 20 milhões de almas na sua resistência heróica.
De Nicholas Roerich... |
Destaquemos a distinção entre os aspectos decadentes e os satânicos, os primeiros mais comuns, menos graves e em geral apreciados, tal como a substituição do amor a Deus pelo amor aos objectos e a actividades vis ou negativas. E ainda o apelo a consciencializar-nos da batalha tremenda que se está a travar, à custa do sangue eslavo entre o satanismo Ocidental e a Rússia tradicional, "portadora de Deus", como tantos starets e peregrinos, filósofos e artistas sentiram, realizaram e ensinaram. Dessas muitas grandes almas, ligadas à demanda do espírito, ou que "mantêm a imagem de Deus", poderemos citar e invocar S. Serafim de Sarov, Tolstoi, Dostoievsky, Soloviev, Berdiaev, Florensky, Roerich ou mesmo a jovem Darya Dugin. Oiçamos então de novo Aleksandr Dugin:
De Nicholas Roerich... |
«Como escreveu
Michel Foucault: a decomposição é a ultrapassagem da lei, a
transgressão. Ora no Ocidente não há mais lei, nem virtude, nem
fronteira e, por conseguinte, não há mais vício, sobretudo depois de legalizado.
Se as pessoas considerarem o vício como uma convenção social, então não há vício
de todo. Existe apenas um "alargamento da experiência", uma "libertação
de preconceitos" - tais como a vergonha, a consciência, a moralidade, a
virtude, a inocência, o auto-controle. Quando algo deixa de ser
considerado um vício ou um crime torna-se desinteressante, pouco
atractivo, e é preciso passar a outra coisa: mudar de sexo vinte vezes,
confundir-se com os animais, ladrar, andar a quatro patas, exigir que as
crianças que pensam que são gatos sejam alimentadas numa bandeja pelos professores na escola.
A decomposição não tem limites, e quando a decomposição é legalizada ela deixa de ser atractiva sendo então necessárias novas formas. O Marquês de Sade, um dos arautos da "civilização satânica" ocidental, dizia que o mais importante no vício é a inovação.
- Esta paixão pela decadência e pela autodestruição existe em nós desde o início?
- Se considerarmos a situação [da vida] sem Satanás, existe então apenas o ser humano e a aspiração à divinização do homem, e neste caso a recusa do homem de fazer um esforço e ascender em direção à salvação da alma, ao paraíso e à imortalidade poderia ser atribuída a causas naturais, tais como à inércia, à matéria, ao corpo. Elas pressionam o homem a não manter a imagem de Deus, a dispersá-la em objetos materiais, em atrações vis. Mas isto não é satanismo, é simples decadência humana. O satanismo começa quando o processo de decomposição é associado a uma vontade, a um plano, a um espírito, pois os espíritos caídos, segundo o cristianismo, não são simplesmente materiais (os espíritos não são materiais), são espirituais, inteligentes, têm vontade e uma mente. Um demónio é um sujeito. Portanto, o satanismo deve ser entendido estritamente como uma estratégia de decomposição, a vontade de decomposição, a elevação da decomposição a uma ideologia, a um programa, a um projeto. Esta não é apenas um simples instinto animal. Esta vontade, que vem das profundezas da ontologia, que vem da mente, do espírito [diabólico ou Satã], é imposta, como dizem os ascetas ortodoxos, através de prilogias [em francês está prilogie, e provavelmente será pré-logias] e acrescentos.
- Dizemos: isto é satanismo, mas continuamos a existir no sistema criado pelo Ocidente. Qual é a probabilidade de um novo confronto global com o Ocidente, tal como nos dias da URSS?
- Na verdade, já estamos em estado de guerra de civilizações, na qual o nosso inimigo - a civilização do Ocidente - é chamada pelo seu verdadeiro nome. É uma civilização satânica, combatendo Deus, sendo anti-Deus e sendo anti-humana. Nós designámo-la com um nome, mas surge a pergunta: se eles são uma “civilização satânica”, quem somos nós?
Verifica-se que o nosso único caminho é o de sermos uma civilização tradicional e religiosa, unificadora das várias confissões tradicionais, e para isto teremos de ser diferentes. Fundamentalmente, precisamos de repensar o nosso estado interior. O que eles são já designámos e o que somos ainda não compreendemos ou realizámos bem.
Já estamos em guerra com Satan, mas ainda não sabemos em nome de quem. Não temos porém muita escolha a fazer, pois ela é-nos sugerida pelos nossos antepassados, pelos nossos grandes escritores, filósofos, pensadores, anciãos, escolha esta sugerida portanto pela nossa cultura: - somos a Santa Rússia, somos um povo que leva em si Deus.
Podemos, é claro, cair - Aleksandr Blok (1880-1921, último poeta romântico] viu a Rússia cair. Blok chamou a Rússia de "a Alma do Mundo", mas acreditava piamente que nós, russos, como a alma do mundo, havíamos caído para elevar-nos. Ainda não conhecemos plenamente quem somos, o que somos chamados a fazer, pelo que lutamos e estamos a dar o nosso sangue e a nossa vida nesta luta. Apenas começámos a travar esta guerra, não só para nos empenharmos nela, mas sobretudo para a levar a bom termo. E esta guerra passou agora de uma batalha massacrante física para um confronto metafísico de civilizações. O que nos falta fazer é um esforço fundamental para finalmente esquecermos [ou ultrapassarmos] a cultura decadente dos últimos 40 anos.
Eu lembro-me da cultura decadente da última década da era soviética. Decadência total, degeneração total. E, sem surpresa, isso foi seguido pelas monstruosas alucinações dos decrépitos anos 90. Tendo percorrido todo o caminho, até às profundezas dos anos 90 - parece-me que a história russa nunca nos levou tão baixo - começámos a emergir dessa era de pesadelo de ditadura liberal graças a Vladimir Putin. Não de um abismo localizado, mas de um pico mortal, do ponto mais baixo da história russa, do ponto mais baixo e escuro. Face a este ponto mais baixo, sabemos o que é Satanás, não só por fora, mas também por dentro. É por volta dos malditos anos 90, quando o Ocidente veio até nós, quando éramos comprados por quinquilharia, humilhados, pisados, violados e forçados a aplaudir.
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