sábado, 13 de dezembro de 2025

Reflexões breves sobre a vida e a morte, o caminho, o bem e o mal, a humanidade e a Divindade, no aproximar do ano do Cavalo de 2026.

  Os que são almas espirituais mais em demanda não podem parar de aspirar e querer conhecer, amar e realizar enquanto vivem na Terra, pois sabem quão  transitória é a estadia, e como em breve, ou mais tarde ou mais cedo, serão arrebatados e propulsionados para outros planos, mais subtis e luminosos (em geral...), onde entrarão com o seu estado anímico e encontrarão os resultados das suas acções físicas e psíquicas nos níveis a que tiverem acesso de sentir, ver ou deslocar-se, e com as qualidades e capacidades desenvolvidas na vida terrena física. 

Estão sempre a criar o melhor que podem, aperfeiçoando-se, corrigindo-se, avançando, finalizando, tentando fazer mais luz, religar a Terra e o Céu, estabelecendo fios e correntes de ligação com os assuntos, virtudes, religiões, filosofias, ciências, artes  e seus cultores, e mestres e deuses que em Terra foram admirados ou trabalhados, que lhes agradecerão, ou quem sabe lamentarão não terem sido melhor amados.

                                        

Somos todos preservadores de culturas e tradições locais, nacionais e planetárias milenárias, e as que mais gostamos, ou melhor estudamos, devem ser enriquecidas pelas contribuições das nossas mãos, corações e  almas  desta última geração, esta a que pertencemos enquanto vivos no ano da graça de 2025, da passagem da Serpente para o Cavalo de Fogo  na cosmologia chinesa, 2026 que desejamos aupicioso e criativo,  fraterno e multipolar..

Nesta terceira década do século XXI que responsabilidade, que batalha a nossa, quando a Terra é uma unidade, um só país ou nação - Humanidade -, e quando tudo está em rede e se pode conhecer, estudar, aprofundar, dialogar, impulsionar e por fim partilhar e tentar iluminar, harmonizar.

 Intervir e partilhar mesmo que seja apenas com ou para alguns, dados os estrangulamentos e censuras com que a sociedade moderna liberal globalista e infrahumanista vai tentando impor, induzindo conflituosidades fracturantes ou abafando as vozes mais criativas, contestatárias e lúcidas, gerando antes guerras,  revoluções, alienações, vírus, crises, aumentos do custo da vida, controles. Que luta grande a nossa, visível e invisível, até com formas de pensamento subtis, ou mesmo entidades negativas.

Não desanimemos então e, mesmo se isolados, tenhamos fé e esperança que  encontraremos ou reencontraremos as situações e pessoas afins com quem  trabalharemos dharmicamente, e  continuemos a demanda de mais luz, amor e  verdade lutando contra a generalizada desinformação, mentira e alienação gerada pelas narrativas oficiais do Ocidente,   trabalhando e vivendo harmoniosamente com a Natureza, e o Sol e Lua, alimentando-nos o mais orgânica ou biologicamente possível, praticando psico-somática-energeticamente o caminho ético e espiritual, cultuando o sagrado dos locais, das pessoas,  santos e santas, mestres e anjos,  ou o de alguma religião, invocando, merecendo e adorando o  espírito e divino imanente (Deus est in nobis), e transcendente, e assim irmos desenvolvendo virtudes e abnegações, conhecimentos  e intuições, unificações e irradiações em prol do Bem e da Verdade, da multipolaridade e fraternidade, da Humanidade, do Universo- Cosmos e da Divindade.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2025

Celebração poética e eucarística no Convento da N. S. da Graça, em Lisboa, em 1724. Hermenêutica da relação do certame ao Amor divino.

 O culto eucarístico, do sacramento da hóstia e do vinho como corpo e sangue de Jesus Cristo, e como meio de nos religarmos ao divino, ao mestre, ao amor, foram bastante trabalhados nos séculos XVII e XVIII, e desse caudal reproduzimos  e comentamos há dias neste blogue uma celebração em 1734 dum  Santíssimo Sacramento cinzelado em Braga e entronizado no altar da Sé, acompanhado de festejos populares e religiosos de relevo.

Hoje vamos apresentar a Relação do Certame Poetico e Eucharistico que celebrarão os Academicos Applicados no Convento de N. S. da Graça nas duas tardes de 29 de Junho e 4 de Julho, de 1724, impressa em 13 páginas, em quanto não se publicavam as poesias que entraram no concurso ou certame.

Que os académicos e religiosos com capacidades poéticas se empenhassem em burilar em palavras e rimas conceitos devotos e louvores desse testemunho vivo do culto cristão não espantará ninguém, numa época em que muitos dos principais cultores das Letras eram clérigos, religiosos das várias ordens.  E será de um jesuíta, que participou até no acto, o P. Cristóvão da Fonseca, o  parecer aprovador da relação do certame, bastante instrutivo espiritualmente:

«Li a Relação do Certame Eucharistico quase com o mesmo gosto, com que assisti ao acto, que agora nela se descreve tão vivamente, que ainda me parecia o estava vendo. O certo é que foi esta acção entre as literárias, a mais plausível, a mais pia, a mais heroica, a mais magnifica, a mais religiosa, e a mais divertida que há muitos anos viu a nossa Corte. E se uma relação inteira, e composta de Académicos tão aplicados, como discretos, deve entrar em juízo, julgo digníssimo do prelo tudo o que acordam em Relação tão elegante os senhores Académicos, não menos insignes na prosa que no verso, como veremos no Certame, que esperamos, em que justamente se fizeram credores do epíteto de Adeozados, que imeritamente arrogavam a si os Poetas antigos: Est Deus in nobis, agitante calescimus illo; (Ovídio, Fastos, Livro VI) pois para que o fossem em tudo, escolherão unicamente por alvo dos seus Poemas o Divinissimo SACRAMENTO; e por isso se antes Divinos no Metro [rima], agora também Divinos no Assunto, cujas obras espera já com impaciência uma, e outra Hespanha, e agora muito mais com o reclamo e despertador desta Relação... (...).  

Comentemos, só: "Adeusados", isto é, conscientes de que "Deus está em nós". E que os impulsiona no fogo criativo do Amor.
                                           
Após os pareceres e as aprovações da
s autoridades civis e eclesiásticas, segue-se a descrição  do local onde se realizou, a Casa Nova do Claustro de Nossa Senhora da Graça, dos Religiosos Eremitas de S. Agostinho, «uma das mais formosas e agradáveis que há neste Reino» que estava toda  «revestida de cortinas de Damasco carmezim», e onde «se armou um teatro para os Juízes, em cuja parede estava um grande Quadro do  SACRAMENTO...», havendo ainda dois teatro ou estrados e uma «bancada para os instrumentos». Todas as paredes em roda se viam adornadas  das discretíssimas poesias, que penduradas em papéis de folha imperial, e comum, era o mais precioso esmalte deste novo, e Católico Liceu     [nome da Academia de Aristóteles, em Atenas] (...)»

«Entre outros se viam cinco engenhosos Emblemas do SACRAMENTO, aos 5 assuntos do Certame. O I. era o Amor Divino, dando uma jóia à Alma santa. O II. O Divino Esposo, que estava entre nuvens, dando um cofre à santa Esposa, que tinha uma venda nos olhos. O III, o mesmo Esposo, com insígnias da Paixão, mostrando-lhe as Chagas. O IV. o Amor Divino do alto, disparando o  arco, cuja seta penetrava o peito do sagrado Esposo, desmaiado nos braços da Esposa. E O V. o próprio Esposo Divino, dando um pão à mesma Esposa santa, vestida de Peregrina. Nestes 5 emblemas estavam 5 Dísticos, ou Epigramas, que exprimiam os 5 Assumptos, com grande propriedade, e energia, tirados das Obras de Ovídio; não por centões, mas por versos inteiros, extraindo de uma parte o Hexámetro e da outra parte o Pentámetro. Estes Emblemas eram do Académico Paulo Nogueira de Andrada, cujas obras (além dos Emblemas) estavam escritas em 9 folhas de papel imperial, de primorosa letra, e com vistosas tarjas».

Fiquemos por aqui, pois nas restantes páginas em que se transcrevem os epigramas, os premiados e as interacções rituais, tudo concluído com o discurso (não transcrito) do sábio Rafael Bluteau (1638-1734, e sem dúvida um mestre da Tradição Espiritual Portuguesa), nada há de tão substancial e espiritual como o que já transcrevemos dos cinco Emblemas ao Amor, e do Parecer inicial do Padre Cristóvão Figueiredo, com a tão importante frase de Ovídio, que desdobramos agora na sua versão completa, «est deus in nobis, agitante calescimus illo; impetus hic sacrae semina mentis habet»,   «Deus é ou está em nós, e pela sua impulsão inflamamo-nos; este ímpeto  tem as sementes sagradas da mente»... Que bela ideia a de trazer a sabedoria greco-latina antiga, do Paganismo, mostrando no fundo que há uma Filosofia e Teologia Perene, que se pode estabelecer uma analogia entre a divindade oculta interna antiga e o Cristo oculto interno no santíssimo Sacramento. E que oração tão condensada, quase mantra: Deus está em nós... Ou ainda: Deus está em nós e faz-nos arder numinosamente.

 Quanto aos cinco emblemas de amor  em correspondência à comunhão, ou ao Santíssimo Sacramento, como os poderemos compreender?  

"O I. "O Amor Divino, dando uma joia à Alma santa". Que joia é esta? O Espírito? A alma espiritual renascida de novo? A consciência da ligação com o Mestre, com o Cristo, com a Divindade? O fogo do Amor? O que é que a nossa alma lhe pediria de valor?

 O II. "O Divino Esposo, que estava entre nuvens, dando um cofre à santa Esposa, que tinha uma venda nos olhos." 

O Mestre Jesus, ou o Cristo, abre os olhos da alma para a verdade interna divina e a sua presença realizável na adoração de todo o coração. O cofre pode ser também o sacrário, ou o ostensório

O III, "O mesmo Esposo, com insígnias da Paixão, mostrando-lhe as Chagas." 

  O mestre Jesus, mostra à alma apaixonada ou entregue a ele, as cinco chagas por onde o seu sangue e amor se derramou e derrama para purificar e fortificar os que o adoram

O IV. "O Amor Divino do alto, disparando o  arco, cuja seta penetrava o peito do sagrado Esposo, desmaiado nos braços da Esposa."

Eis o emblema mais difícil de ser bem interpretado. Talvez: o amor em si, o Amor Divino, do alto, movido pelo amor aspiração da alma religiosa devota ou esposa de Jesus ou do Cristo nele, desfere a seta dos raios da energia psíquica amorosa que fazem com o que mestre se entregue à alma esposa. Amor vincit Omnia. Desmaiar, ou entrar em êxtase, explicarão algumas das nossas sorores mais místicas dessa época... 

E O V. "O próprio Esposo Divino, dando um pão à mesma Esposa santa, vestida de Peregrina."

O Mestre, o mundo espiritual, o  amor divino, Jesus na Eucaristia dando o pão, a hóstia, a força e amor, para que alma consiga avançar bem sua peregrinação, por vezes difícil, ou per aspera ad astra.

Eis-nos com algumas mensagens espirituais que pensadas, sentidas, expressas, representadas, impressas e partilhadas há precisamente trezentos anos continuam activas neste grande corpo místico da Humanidade em que estamos todos entretecidos,, e, nesta época digital, mais ainda em termos de acesso à informação e logo consciencialização.

Est Deus in nobis, agitante calescimus illo.

Deus está em nós, inspiramo-nos ardentemmente pela sua acção

Deus é em nós, pelo seu movimento inflama-nos.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2025

O mistério divino do "Antes" do Cosmos. Soneto de António Correia de Oliveira, 1926. Ao Princípio era o Verbo, o Som, a Palavra, o Sermo.


 António Correia de Oliveira, nascido a 30/8/1879, signo do Leão, em S. Pedro do Sul, depois de estudos no seminário e passagem rápida pelo jornalismo,    desabrochou como homem de letras, colaborando em várias revistas e publicando os seus livros de poemas,  no que foi prolífero e de grande sucesso, desde cedo.  Era monárquico, casara-se bem, e instalara-se na bela casa de Belinho, em Esposende  e pela sua educação e sensibilidade cristã, amor a Nossa Senhora, e em especial de Fátima, certa comunhão com a vida rural e povo português, estimulada em parte pelo magistério de Raul Brandão,   a que acrescentou a sua adesão ao Estado Novo, permitiram-lhe  quase se tornar o poeta oficial, o pedagogo moral em versos de Portugal, de tal modo que, entrado na Academia de Ciências de Lisboa, foi nomeado por ela várias vezes, desde 1933 (até 1960 quando desincarna),  para o prémio Nobel (hoje já tão desmascarado como corrupto) da Literatura. Fernando Pessoa foi amigo do seu irmão, o também poeta João Correia de Oliveira, e tencionava publicá-lo, e embora Fernando Pessoa e António Correia de Oliveira fossem monárquicos  e Pessoa reconhecesse o seu valor literário, citando-o uma ou outra vez,  acabou por escrever um poema pouco conhecido em que ironizava com o sentimentalismo popular, cristão e conformista politicamente do poeta de Belinho.

 Em 1922, quando já tinha publicado dezenas de livros, sempre bem cuidados graficamente na Aillaud e Bertrand, António Correia de Oliveira deu à luz  Verbo Ser e Verbo Amar. Poema Religioso, em quatro cantos: O Paraíso. O Desterro. Esperança Nossa. Regresso a Deus. A  obra concluía com uns versos em Post-Scriptum, onde ajoelhado com a mulher, dava graças pela inspiração que lhe permitira o poema e pedia que a provação e angústia de Portugal terminassem. É o soneto prefacial Antes que vamos transcrever e levemente comentar,  o mais difícil tematicamente em todo o livro, pois lançou-se ou abriu-se aos mistérios que a todos desafiam, qual esfinge iniciática: a origem do Cosmos,  do Verbo ou Som, que se torna Luz e manifestação, e da alma e corpo que assumimos.

                                 

É um belo soneto metafísico, com algumas formulações originais mas basicamente cristão e com laivos de platonismo, acerca de tais mistérios. Continua ou desdobra-se bem no Canto I, do Paraíso, onde se sente porém já mais a influência das Escrituras cristãs, rapidamente passando do "Eu sou, Eu fui, serei eternamente",  e "a vida - o Verbo Ser de voz infinda, -", ainda sem "modos e tempos", para os " Núncios do Autor, Espíritos do Eterno, Andassem Anjos, num afã bendito", e logo após  para  "o trânsfuga da Glória e Amor Paterno", Satan, a cobra.  É um extenso poema de 224 páginas, e sente-se nele uma contra-proposta ao Regresso ao Paraíso, do seu amigo mais panteísta Teixeira de Pascoaes (1877-1952). Anote-se que mesmo o Antes, está duplamente antecedido: na 1ª folha pela dedicatória: «A Maria Amália Vaz de Carvalho: à sua memória. Sorria Deus nas alturas a quem tantas lágrimas enxugou na terra.»  Na folha segunda transcreve-se o clássico prólogo do Evangelho de S. João: «No princípio era o Verbo e o Verbo era com Deus e o Verbo era Deus.»  Oiçamo-lo e meditemo-lo:

                                

                                                 ANTES

Deus, era Deus, Só Deus preexistia;
Deus, sempre foi. A Vida, (argila obscura,
Alma celeste: dúplice escultura,)
Não acordara na algidez sombria.

Não se medira a Luz à noite e ao dia,
A Eternidade ao tempo, o espaço à Altura;
- Fluída em névoa, a Criação futura
Qual, no silêncio, o corpo da harmonia. 

Mar, e não onda que, na praia, à solta,
Se espraia, adonda, e logo às ondas volta,
O Verbo enchia a Imensidão calada;

Sem Onde, ou Quando, nem Depois, nem Antes:
Ele era... - As mais palavras conjugantes
Não lhas ouvira, ainda, o frio Nada.»

Observamos a afirmação da perenidade única de Deus, contudo dual pois em si ou de si vivia e enchia a Imensidão calada o Verbo, que ele intuiu talvez também na audição do mar a bater perto da sua casa em Esposende, e que é tanto mar como onda e nessa movimentação ondulada e adondada ou acrescentada ecoa algo do subtil Verbo omnipenetrante que romperá as trevas futurantes do antes da Criação com a Luz, e assim modelador da harmonia das esferas e do corpo  do Kosmos, sobretudo quando o Verbo faz ouvir no frio ou vazio Nada as "palavras conjugantes", uma das melhores sementes a dedilhar deste soneto: Deus meu, Deus em nós, Deus em mim.....

 Um dos momentos em que o magistério de Teixeira Pascoais, da Renascença Portuguesa e sua revista  Águia (onde colaborou, tal como Fernando Pessoa) e do saudosismo se sente mais e bem: 

 " Fluída em névoa, a Criação futura
Qual, no silêncio, o corpo da harmonia."

O mais valioso será talvez as frases e imagens, ritmos e energias que apontam ou ecoam a magia do Verbo, não só para o mistério dos Primórdios, como aquele que nós devemos emitir, dizer, em palavras conjugantes, isto é de amor e geradoras da Harmonia,  e não só da dúplice escultura, de corpo e alma, mas  tripla, pois não mencionou o espírito, o nous, o atman, faltando-lhe essa dimensão, na gnose denominada pneumática e que urge recuperarmos, por vida justa e práticas espirituais (palavras conjugantes, mantras e orações), e nela ressuscitarmos divinamente, ou em nós ressuscitar o  Divino... 

quarta-feira, 10 de dezembro de 2025

A alma e filosofia religiosa russa, e em Soloviev e Berdiaev, por Eugène Porret. A oração, a eucaristia. Com leitura de um extracto sobre Soloviev.

 Eugène Porret foi um dos franceses nos meados do século XX a tentar dar a conhecer a filosofia russa e acontribuir para a união do Este e do Oeste Europeu e da Cristandade ortodoxa e da católica. Se bem que se tenha dedicado mais a Nicolas Berdiaeff, que conheceu e com quem se correspondeu, também estudara bem a obra de Soloviev, que para Berdiaeff era um dos seus mestres, e assim no livro La Philosophie Chrétienne en Russie. Nicolas Berdiaeff, 1944, dá-nos um bom panorama da evolução da filosofia russa nos séculos XIX e XX, tanto mais que soube introduzir nos diferentes capítulos citações valiosas de escritores, filósofos, teólogos ou historiadores. No fim deste artigo poderá ouvir a tradução da parte inicial do V cap.: Vladimir Solovieff e a Humanidade deificada. 

Da 1ª parte da obra, O Pensamento Religioso Russo no séc. XIX, o 1º capítulo é excelente: A Essência do Cristianismo na Rússia, e se nele acaba por citar bastante os que acreditaram fortemente na missão salvífica da Rússia, que seria a III Roma, transmitirá também algumas quinta-essências da espiritualidade russa, que servem a todos nesta época de globalismo, multipolaridade e universalismo. O cap. II intitula-se Tchaadaeff e os começos da Filosofia Religiosa. O cap. III, O ideal Eslavófilo: Ivan Kiréevski e Alexis Khomiakoff. O cap. IV, O Pessimismo Histórico de Constantin Leontieff. O V. cap. é o dedicado a Solovieff e já referido, e o VI é Sofiologia e Apocalíptica. A 2ª parte é toda ela dedicada a Berdiaev. 

A anteceder a gravação em vídeo, podemos ler e meditar então algumas das sementes  ou quinta-essências luminosas que germinam do livro, nomeadamente do 1º capitulo:

V. Rozanoff. "A alma da ortodoxia é o dom da oração. Os ritos, o culto, formam o seu corpo." Perguntemos: Como está a nossa oração e coração, com que aspiração, com que frequência, com que sons e respirações, com que resultados, e com que intenções?

«Para os ocidentais que aprendem a conhecer a vida profunda do povo russo na obra dos seus escritores, o Padre Zósimo, dos Irmãos Karamazov, de Dostoeivsky aparece como tipo de piedade inteiramente orientada para a contemplação. Para além disso, a Rússia teve, no séc. XIX, o seu grande santo, Serafim de Sarov, que é para a piedade ortodoxa o que Pushkin é para a poesia russa. Mas este santo não deixou obra literária digna desse nome», embora tenha ficado o belíssimo relato da sua vida e iluminação, por Motovilov e alguns instruções espirituais, que já comentamos. https://pedroteixeiradamota.blogspot.com/2025/10/sao-serafim-sarov-vida-e-ensinamentos.html, e https://pedroteixeiradamota.blogspot.com/2025/10/s-serafim-de-sarov-sobre-oracao-guarda.html

Cita em seguida Berdiaevv: «O Russo, ao deixar o mundo,  seguindo o caminho da resignação, e chegando à santidade, não devia escrever mais, não podia criar mais obras. Ele tornava-se ele próprio uma obra completa, um produto da arte divina... A vida espiritual permanece concentrada nas profundezas íntimas». 

Eis uma boa indicação de Berdiaev: não nos preocupemos tanto com os resultados no mundo, entreguemo-nos mais à religação divina, pois tal é a maior arte que podemos praticar, e que germina nas profundezas íntimas e desabrocha no mundo espiritual e na vida perene.  

Sobre a Eucaristia: «O centro da liturgia é naturalmente a Eucaristia que, tendo sobretudo um carácter sacerdotal, põe em evidencia a realeza de Cristo.
O Cristo não é
 somente oferecido em sacrifício. Ele é ressuscitado, e os crentes que participam na refeição eucarística formam doravante o corpo terrestre do Cristo glorificado. Cada fiel torna-se um «christophoro», um portador do Cristo, um membro do seu corpo.  A Eucaristia torna sensível o mistério da Encarnação; pela comunhão o crente tem acesso a Deus que se fez homem. Ela ilustra o dito de Atanásio, uma das citações preferidas dos ortodoxos: Deus tornou-se homem afim de que o homem seja divinizado. É a doutrina da theosis, concretizada num acto. Para o pensamento religioso russo. esta doutrina da divinização do ser humano pelo Cristo é fundamental. Contudo, deve-se clarificar que ela não consiste em identificar Deus e o homem [como muita gente do movimento da new age ou da não-dualidade pretende], pois, mesmo na união mais perfeita, a criação [ou emanação] é sempre distinta do Criador». Pax, Lux, Amor! 

                    

terça-feira, 9 de dezembro de 2025

O filósofo Alexander Dugin sancionado e proibido no Reino Unido. O último acto do desgoverno britânico ao serviço da oligarquia liberal infrahumanista anti-russa.

Ecce Homo, que as ratazanas do Reino Unido (comparem-no com as faces medonhas de Keir Starmer ou de Tony Blair] tentam calar e querem ver desaparecer, como já conseguiram em relação à sua filha Daria Dugina Platonova. Muita luz e amor na alma dos dois!

  Como uma bomba, a notícia de que Alexander Dugin tinha sido proibido na Inglaterra correu a imprensa ou canais alternativos, pois a maioria dos jornais  controlados nem referem. Eu há muito que  já decidira não entrar em certos países nem que me pagassem, USA, Israel e UK, já que são Estados cuja arrogância, opressão e criminalidade ideológica, militar e policial é tão grande que me recusaria a visitar nem que me pagassem muito, mesmo com todas as garantias que não seria detido nem interrogado. Mas sabemos bem como eles são, como enfraqueceram psiquicamente Julian Assange, após anos de interrogatórios, e todo o tipo de torturas e opressões.

 Ou como recentemente George Galloway (na imagem em cima), um deputado por mais de trinta anos no Parlamento britânico foi detido e interrogado violentamente por cerca de 10 horas no aeroporto, ao regressar de uma viagem à Rússia, o mesmo se passando noutra sala com sua mulher Gayatri, resultando disso incapacidade de dormir durante vários dias na mulher,  arritmia cardíaca nele  e forçado a partir de agora a tomar medicamentos. E quem não se lembra de Greta Thunberg aquando da sua detenção por ter participado na flotilha de apoio ao povo Palestiniano, um acto que foi uma voz ainda pura e ética do Ocidente decadente, e ser detida e violentamente oprimida e  ameaçada pelos agentes da Mossad que tanto ódio lhe deitaram que regressou doente?

Os tempos estão críticos para as forças do Mal, predominantes na governação ocidental, que não recuam perante nada e os que têm e irradiam mais luz são atacados mais fortemente  e tal é o caso de Alexander Dugin, um notável filósofo e geoestratega, pai da brilhante filósofa Daria Dugina, assassinada pelos serviços secretos ucranianos, ao que parece com colaboração MI6, com 30 anos de idade. 

Oiçamos a notícia numa boa fonte alternativa a que ainda podemos ter acesso, pois a opressiva e oligarquizada direcção da União Europeia tenta instaurar cada vez mais censuras, não bastassem as das redes sociais, onde o Facebook tem primado, a Tass.com.:  

 «Londres, 9 de dezembro. /TASS/. O Reino Unido expandiu a sua lista de sanções anti-russas em sete posições, incluindo, em particular, o filósofo Alexander Dugin e o centro militar-analítico Rybar, incluindo seu diretor, e [bloger] Mikhail Zvinchuk, de acordo com um documento actualizado publicado no site do governo britânico.
Além disso, foram impostas restrições à Fundação para a Proteção e Apoio dos Direitos dos Compatriotas que Vivem no Exterior, bem como ao Centro de Especialização Geopolítica e aos recursos de informação Golos e Euromore, com sede em Bruxelas. As sanções incluem a proibição de entrada no Reino Unido e o congelamento de activos, caso sejam descobertos.
Os fundamentos para a imposição das sanções são o suposto envolvimento desses indivíduos e entidades em "desestabilizar a Ucrânia ou minar ou ameaçar a integridade territorial, soberania ou independência da Ucrânia."»

Veja-se o nível ditatorial em que  o pseudo-democrático Reino Unido se encontra, como se não pudesse haver crítica ao extremismo ucraniano, ainda por cima governado pelo partido que teoricamente seria o mais democrático e popular, o Labour, mas que há muito foi apanhado pelos tentáculos da elite sionizada, que conseguiu fazer eleger um monstrozinho erguido a Sir, Keir Starmer, que tal como o nosso António Costa, usou o partido socialista para fazer fortuna e servir os seus donos da elite oligárquica. E quando tinham e têm homens como George Galloway e Jeremmy Corbin que poderiam ser excelentes 1º ministros, que redimiriam até o Reino Unido do karma monstruoso de Tony Blair, um assassino do cientista Kelly e de milhares de iraquianos, graças a Deus agora expulso dos directores dos arranha céus e casinos da faixa de Gaza que a elite oligárquica e sionizada gostaria de erguer sobre o sangue e lágrimas dos milhares que por lá morrerem, sofreram e sofrem. 

 Mas voltemos a Alexander Dugin, que certamente se rirá da perseguição que lhe está a ser movido, certo na sua luta pela Filosofia Perene e pela Santa Rússia, que o move, inspira e transmite, e que tanta gente tem que o admira e acolhe, não só pela sua lucidez e coragem no posicionamento crítico do Ocidente opressivo e degenerado, como pelo seu génio filosófico, patente nas milhares de páginas escritas, e ainda pela sua religiosidade e espiritualidade, o que sofre pela morte da sua discípula e filha Daria Dugina Platonova, condecorada pela Mãe húmida Rússia postumamente.

  Oiçamo-lo num dos seus últimos textos, e como ele interpreta o conflito actual dos líderes europeus coligados na  mediocridade e russofobia  contra o plano de paz de Trump e dos USA. Terá sido a última gota de água que fez o Governo ucranizado e sionizado do Reino Unido atirar-se a Alexander Dugin, o notável pensador que temos partilhado (com a sua filha Daria) com regularidade no oceano de sabedoria que é este blogue?  

                                         O Plano de Paz, de Trump 

 «Primeiro, o plano que Trump está a promover é o plano que nos convém. E explicamos-lhe [o governo e negociadores da Rússia] isso. Explicamos o que é aceitável para nós, com o que podemos trabalhar e o que é absolutamente impossível para nós. No entanto, o que lhe explicamos ainda, infelizmente, não será a nossa vitória. É, para nosso grande pesar, mais um compromisso. E não pode ser chamada de vitória. Não é, claro, uma derrota. Poderia chamar-se a isso de sucesso. Poderia chamar-se de uma humilhação do Ocidente. É certamente uma derrota para Zelensky pessoalmente. Mas está longe de ser o fim da Ucrânia. Não é o fim do Ocidente. Não é a nossa vitória. É uma espécie de compromisso. E Trump entendeu isso. Isso é o mais importante. Ele entendeu que, se quiser salvar a Ucrânia, deve aceitar as nossas propostas imediatamente.
Mas para os globalistas—americanos, europeus e, sem dúvida, o próprio Zelensky—isto é uma derrota. Uma derrota séria. Para a própria Ucrânia, no entanto, isso não é uma derrota. A Ucrânia será preservada, e junto com ela todo a construcão "anti-Rússia". A cabeça de ponte russófoba do Ocidente contra nós [a Ucrânia] será salva. E Trump é quem está a salvar isso. Ao mesmo tempo,  é claro, 
ele dá chapadas, humilha e cospe na União Europeia, que está caminhando diretamente para a armadilha que ele lhes armou, apresentando-os de uma maneira completamente idiota. E é, claro, uma expulsão de Zelensky e o fim dele. Mas ele está salvar a Ucrânia. Esse é o problema. Trump percebeu que isso não é uma vitória para nós. Ele percebeu que, ao aceitar nossas condições hoje, ele pode salvar a Ucrânia à custa de Zelensky e daqueles idiotas na União Europeia. Ele está levando isso adiante. Ele está a salvar a Ucrânia. Essa será a sua vitória.»  

 Terminemos com um frase escrita ainda hoje no Vk.com por ele:  «Para que isso  aconteça (e pode ser, tanto Rússia conseguir vencer definitivamente os que a tentam destruir, como cada um de nós chegar à realização das nossas aspirações), é preciso fazer um esforço sobre-humano incrível. A chegada do futuro é um milagre».

Meditemos nesta frase semente demoradamente, até atingirmos a axialidade espiritual, dharmica e divina que nos compete, dando graças a Deus por estarmos no lado do Bem e da Verdade, da multipolaridade e do Amor..

segunda-feira, 8 de dezembro de 2025

Nossa Senhora da Conceição. A Imaculada Concepção. História, dogma, culto, arte, hermenêutica, oração.

                                   

A 8 de Dezembro de 1854 o Papa Pio IX, depois de numerosas consultas e diante de 200 bispos, proclamou o dogma da Imaculada Conceição de Maria através da Bula Ineffabilis Deus, inefável não tanto porque a realidade ou verdade do assunto seja tão difícil de se saber ou de se explicar, dado silêncio de Deus face às interrogações humanas, mas porque se dirige à inefável Divindade, como podemos ler:
« Deus inefável, cujos caminhos são a misericórdia e a verdade, cuja vontade é omnipotente, e cuja sabedoria se estende com poder de uma extremidade à outra  e tudo governa com bondade (cf. Sab. 8, 1), tendo previsto desde toda a eternidade a lutosíssima ruína de todo o género humano, que derivara do pecado de Adão, decretou, com desígnio oculto desde os séculos, completar a obra prima da sua bondade com um mistério ainda mais profundo, mediante a encarnação do Verbo. Porque o homem, impelido — contra o propósito da divina misericórdia — ao pecado pela astúcia e a malícia do demónio, não devia mais perecer; antes, a queda da natureza no primeiro Adão devia ser reparada com melhor fortuna no segundo [Adão: Jesus]. Deus, portanto, desde o princípio e antes dos séculos, escolheu e predestinou para o seu Filho uma mãe, na qual ele se encarnaria e da qual, na feliz plenitude dos tempos, nasceria; e, preferindo-a a qualquer outra criatura, a fez objeto de tanto amor que se compraziu nela só com uma benevolência singularíssima. Por isso, maravilhosamente a encheu, mais do que todos os anjos e todos os santos, com a abundância de todos os dons celestiais, extraídos do tesouro da sua divindade. Assim, ela, sempre absolutamente livre de qualquer mácula de pecado, toda bela e perfeita, possui tal plenitude de inocência e santidade, da qual, depois de Deus, não se pode conceber maior, e da qual, fora de Deus, nenhuma mente pode conseguir compreender a profundidade. E certamente era totalmente conveniente que uma Mãe tão venerável resplandecesse sempre adornada com os fulgores da santidade mais perfeita, e, totalmente imune da mancha do pecado original, obtivesse o triunfo mais completo sobre a antiga serpente; pois a ela Deus Pai dispôs dar o seu Filho unigénito - gerado do seu seio, igual a si mesmo e amado como a si mesmo - de modo que ele fosse, por natureza, Filho único e comum de Deus Pai e da Virgem; pois o próprio Filho tinha decidido torná-la sua mãe de forma substancial; pois o Espírito Santo quis e fez com que dela fosse concebido e nascesse aquele de quem ele mesmo procede.» 

 Séculos e séculos tinham decorrido com teólogos e ordens religiosas por vezes digladiando-se em concílios, polémicas ou obras quanto ao entendimentos da sua concepção, nascimento e morte, embora predominasse claramente a ideia da concepção livre do pecado original. Assim, já em 8 de Dezembro de 1661 o papa Alexandre VII proclamara, embora não em dogma, na Constituição Apostólica  Sollicitudo omnium Ecclesiarum, no 2º cap.: «Antiga é a piedade dos fiéis cristãos para com a Santíssima Virgem Maria, que sentem em sua alma, que no primeiro instante de sua criação e infusão no corpo, foi preservada imune da mancha do pecado original, por singular graça e privilégio de Deus, em atenção aos méritos de seu Filho Jesus Cristo, Redentor de género humano e que, neste sentido, veneram e celebram com solene cerimónia a festa da sua Concepção (...) E porque, com ocasião das afirmações contrárias nos sermões, lições, conclusões e atos públicos no sentido de que a mesma beatíssima Virgem Maria, foi concebida com o pecado original, com grande ofensa a Deus, originaram-se escândalos para o povo cristão, disputas e discordâncias, proibiu o Papa Paulo V [1550-1621] , também predecessor nosso, ensinar e pregar a opinião contrária à dita sentença; esta proibição foi estendida pelo Papa Gregório XV, de piedosa memória, igualmente predecessor nosso, às conversações privadas, mandando, aliás, em favor desta sentença que na celebração tanto pública como privada de Santo Sacrifício das Missa se usasse só o nome de Concepção.»

Assim cento e noventa e três anos depois, o Papa Pio IX resolveu  fixar a questão, pois era um grande devoto de Maria e estava em luta aberta contra todos os modernismos anti-dogmáticos, e entre nós até Antero de Quental ironizou um pouco, pondo-se a seu lado com a Defesa da Carta Encíclica de Sua Santidade Pio IX contra a chamada opinião liberal, dada à luz em 1865Ao tornar tal doutrina um dogma de fé, ao proibir com penas graves a sua contestação,  ela passava a  estar mais protegida das dúvidas e descrenças, e logo perdição de fiéis,  e podia ser apoiada por mais festividades, cerimónias, confrarias e irmandades, cultos, devoções, orações e certamente por pinturas, gravuras, livros e santinhos. 

Em 1951, o papa Pio XI foi mais longe na quase deificação de Maria, afirmada por muitos desde cedo, com o seu título de Mãe de Deus, Theotokos (embora Nestorius apenas lhe chamasse Christotokos, portadora de Cristo, o Ungido, mas não de Deus), e complementando a Trindade cristã que não incluíra a Mãe, a Grande Deusa, tão natural nas religiões antigas, e proclamou o dogma da Assumpção de Maria em corpo ao céu, algo que vários já tinham admitido, apesar da quase inexistência de referências de tal culto a Maria no Novo Testamento, mas que  era pedido agora por muitos, em livros, congressos marianos, cruzadas, petições, como ele explica na bula, levando-o a «dirigirmos a Deus intensas súplicas, para que concedesse à nossa mente a luz do Espírito Santo para decidirmos tão importante causa, (...) e se reunissem e examinassem todas as petições relativas à assunção da santíssima Virgem, enviadas à Sé Apostólica...», chegando mesmo a publicar no 1º de Maio de 1946 a encíclica Deiparae Virginis Mariae pedindo os pareceres de sacerdotes e fiéis. Confessou então que era largamente maioritária, pelo que extensamente fez transcrever as afirmações da tradição da Igreja, desde os 1ºs padres (onde se falava da dormição de Maria) até aos sucessivos teólogos (e cita S. António e Francisco Suarez), que sustentaram com fé, vigor e sensibilidade ser natural, dada a concepção imaculada de Maria e ainda a ressurreição corporal de Jesus. Uma bela encíclica, a ler, embora as traduções para português delas não sejam plenamente fiéis pelo que o confronto com o original é recomendável. Em:https://www.vatican.va/content/pius-xii/pt/apost_constitutions/documents/hf_p-xii_apc_19501101_munificentissimus- deus.html#_ftn29
                                              
Nos dias de
hoje, tão marcados pela ciência, cremos não ser fundamental discutir-se até que ponto as leis ordinárias da natureza podem ser alteradas, nem que tais qualidades de Maria aumentem o seu papel de inspiradora e protectora dos fiéis, os quais, quando se dirigem a ela nas orações o fazem mais ora  por ladainhas que fluem já do coração, ora por afectos e devoções, frequentemente a Nossas Senhoras regionais, ora por ardentes petições e votos que os podem ajudar, independentemente de como a vêm, ou quão imaculado e incorrupto foi o seu corpo de há dois mil anos.

A maternidade e a mãe são sagradas, tal como cada concepção deveria ser, realizada em pureza de amor sincero, verdadeiro, unificador e do melhor nascituro invocador. E em cada morte um corpo espiritual eleva-se também do corpo físico corruptível rumo ao estado de consciência e plano que merecer então no Cosmos pluridimensional ou as várias mansões a que Jesus se referia. Oremos assim pelos que já partiram, para que se elevem luminosamente, e oremos pelos que vão nascendo, para que brotem de almas conscientes,  unidas na pureza de quererem fazer nascer espíritos luminosos que a Terra e a Humanidade tanto precisam para  haver mais justiça, amor, harmonia, felicidade, multipolaridade..

E saibamos usar a Avé Maria ou outras orações jaculatórias com o seu nome, vendo e invocando tanto Maria, como o Principio Feminino da Divindade, como a polaridade feminina em nós, nos outros e nos que já partiram, para que o Amor não só Eros, mas philia, pietas, compaixão, misericórdia, ágape, floresça mais na Humanidade...
                                                             
               Do coração espiritual brota o amor à Divindade e à melhoria da Humanidade
                                               
Finais do séc. XVIII, princípios do séc. XIX, versões da mesma pictura. Feitura lusa, uma vendia-se na loja (saudosa) de Pinheiro, defronte da Igreja dos Mártires, ao Chiado lisboeta, e clamava: "Fostes ó Virgem imaculada na vossa Conceição. Rogai por nós ao Pai cujo Filho pariste."...  Sobre a lua e a serpente da natureza sensível, telúrica e instintiva, as nuvens da elevação e devoção, mãos juntas em oração, na companhia dos Anjos e com a coroa de oito-estrelas ou bem-aventuranças como aureola da sua alma espiritual, este pequeno ícone feminino, orlado ainda de flores de cinco estrelas, era certamente inspirador e animador dos Fiéis do Amor que o contemplassem mais demoradamente e se centrassem até na vera efígie que poderia sorrir por detrás da face feliz e refulgente da Avé Maria...                                                     
                                                              
             Uma visão da Divindade no Feminino Mariano Português da época do Estado Novo

"Toda bela é a minha amiga e não tem mácula em si". Sob o fogo do Espírito  e em comunicação com os espíritos celestiais,  vencermos feiura e desânimo, oposições e perigos...

domingo, 7 de dezembro de 2025

Bracara Augusta e a veneração do Sol sacramentado. O triunfo Eucarístico do SS.Sacramento celebrado em 1733 para fama eterna.

 Este artigo está ainda em laboração, mas para quem tiver curiosidade, ei-lo em parto...

Os folhetos antigos que tentaram descrever festividades religiosas são certamente dos mais interessantes no esforço que pedem hoje aos seus leitores para arrancarem da brumas da memória no éter tais cenas e vozes devotas que maravilharam então muita gente.

A maioria destas publicações era impressa depois de se terem realizado, pois só assim se poderia descrever bem o que se passara de carruagens e carros, danças e músicas, autos e teatros, proclamações e sermões. Algumas porém eram impressas antes da respectiva celebração e serviam no fundo de guião e de programa, pois quem recebesse ou comprasse tal notícia impressa poderia compreender bem melhor o que se passava na rua, na praça, no templo ou diante da sua janela, seja da casa seja da alma.

Este folheto que resolvemos transcrever em parte e brevemente comentar está nesse caso, conforme observamos na parte final da portada impressa, onde um espaço em branco, servia para se assinalar à mão o dia de Junho em que se realizaria a grande festa de veneração do SS. Sacramento fabricado por iniciativa de alguns ilustres bracarenses da confraria. nomeados na portada, onde consta:

 PROLOGÉTICA NOTÍCIA do Eucharistico triunfo. com que a Augusta Braga se desempenha, para mayor veneração do SS. SACRAMENTO, Fabricado a impulso dos generosos ânimos dos seus jJuizes o M. R. Francisco Pacheco Borges, Gabriel António Brandam Leite, ilustre cidadão desta cidade, e dos mais oficiais. Escrivão, o Doutor Manoel Tinoco de Magalhaens, Vedor, Joseph do Valle, Mordomos, Gabriel de Barros e António Ferreira, para o dia ... de Junho do presente anno de 1733. Coimbra, na Officina de António Simoens Ferreira, Anno1733.

Braga era no século XVIII uma cidade de grande poder eclesiástico, pois era a sede dum Arcebispado de profundas e fortes razies históricas e contando com cerca de 17.000 habitantes, 6 conventos e uns mil religiosos a viverem nela, o que garantia um fermento religioso constante na população e simultaneamente o sucesso nas celebrações e festas religiosas que se celebrassem, onde se destacavam as da Semana Santa.  Esta porém é única, pois celebra-se com grande júbilo uma criação de ourivesaria sagrada, que certamente gerava muita devoção nos que apreciavam ou veneravam mais profundamente os mistérios que se podem alcançar ou sentir com a Eucaristia, seja na ideia e fé de se receber uma partícula do corpo espiritual do Cristo, seja no facto de que a hóstia encerrada num santíssimo Sacramento e exposta se torna um mostruário poderoso, permitindo uma fixação mais prolongada no tempo face à fugacidade da contemplação e da comunhão duma hóstia durante a missa.

O Santíssimo Sacramento estabiliza a potencial presença divina para o crente, o sensitivo, o adorador. Dá-lhe tempo para acalmar os pensamentos e voltara a concentração contemplativa adorativa. É como um Sol parado e sempre a irradiar os seus raios inspiradores e benfazejos para quem os venerar e acolher. É uma imagem do Logos, do Verbo, da Palavra, do Cristo, do Amor Divino. Quantos estavam conscientes disso? Com que força o autor da  prologética notícia conseguiu escrever e transmitir aos leitores, sobretudo religiosos que o  leram antes ou depois? Em quantas casas religiosas ou particulares sobreviveu este folheto?

 Quando começamos a ler o belo texto, apesar de já escrito no ano de 1733, ainda bastante barroco, cheio de imagens, sons e cores, analogias, mitologias, esperanças e adorações, observamos bem que ele foi escrito e impresso com os verbos no futuro e logo para o futuro, tanto do dia da festa em Junho que se avizinhava, tanto para a perenidade dos leitores que o iriam de ressuscitar décadas ou séculos depois, tal como nós fazemos agora.

A possibilidade de certos momentos importantes não ficarem encerrados nas limitações da efemeridade dos momentos históricos e anímicos, sempre foi um dos objectivos dos escritores, das escrita, da imprensa, da notícia e  preservação de vestígios ou sinais, pois eles assim permitirão ao peregrino vindouro estabelecer o contacto de correspondência ou a anexação ou conexão com a corrente simbólica  então desencadeada e que sobrevive no papel, no tempo. E ainda na axialidade animico-espiritual, a qual nos permite vibrar de novo, seja com os espíritos participantes, seja com as ideias e símbolos, ou ligações que então se ergueram ou fundaram e que como arquétipos ou energias vivas nos planos subtis e causais nos podem influenciar. 

O autor desta prologética, ou introdutória notícia,  não podemos ter a certeza, mas provavelmente foi o cónego da Sé, Francisco Pacheco Marques, formado na Universidade de Coimbra, onde o folhetozinho fora impresso na Oficina de António Simões Ferreira, provavelmente seu conhecido e amigo. Como foi ele transportado para Braga? Pois cremos que provavelmente levado por animais de carga, embora as 16 páginas de cada um dos quinhentos ou mil exemplares não custassem muito a ser levados numa carruagem, a expensas  da Confraria do SS. Sacramento que mandara fabricar ou cinzelar um Santíssimo Sacramento certamente belo e valioso. Será ele bem descrito nas duas folhas iniciais folheto, ou serão nas outras páginas as festas e folias, representações, danças e procissões, que receberão a parte de leão? Entremos no átrio deste templo vivo perenemente...

«Transformada em pregoeiras línguas, clarins valerosos da eterna fama, com que costuma publicar as acções mais heróicas, celebradas maravilhas do Universo, perpetuando entre vivas glórias aqueles facanhosos projectos, que sendo do mundo assombros, são também aplausos admirados em os soberanos anais, que nunca esquecem, patenteia pelas quatro partes do Orbe com senhoria imortal de todas as idades,»   

Detenhamo-nos aqui: o autor vibrava realmente na Sabedoria e Fama, como "senhoria imortal de todas as idades".. Era um cavaleiro do Amor, do Cristo, do Logos...

 Retomemos:   «patenteia pelas quatro partes do Orbe com senhoria imortal de todas as idades, dominadoras do tempo. esse ligeiro correio, que, como vento, voa a dar notícia, não havendo acção, que não registe, e portento, que não publique: porém abatam-se já as asas dessa veloz percursora, e cessem as murmúreas vozes desse dourado clarim em aplaudir as heroicas façanhas dos generosos bracarenses, nos pomposos festejos, que com vantagem notória todos os anos saem a público, no dia, em que o Divino Sol Sacramentado, gira pela zona tórrida e via láctea  das majestosas ruas da Augusta Braga, a mais nobre , fiel, antiga, e Primaz das Hespanhas, títulos com que a enobreceram os Imperadores Romanos, e muito bem conhecida por Heliotrope do Sol Sacramentado, em cujo obséquio tomou por timbre uma mesa, que a antiguidade expôs no campo de S. Sebastião  em uma pedra, na circunferência da qual, não só se lê essa antiquissima inscrição de: Brachara Augusta, Nobilis, Fidelis, & Antiqua; mas também se deixa ver ser uma mesa o timbre de Braga, para mostrar que está sempre exposta para a veneração do Sacramento...»

Quem quiser ajudar e transcrever um pouco mais, agradecer-se-á em fama pública...

Após a página inicial (p.3,) bastante histórica, solar  e eucarística, tão barrocamente proclamada, na p.4 encontramos um belo elogio à beleza e fulgor da apresentação da custódia do Santíssimo Sacramento já na catedral: «Depois que o Divino Sol no dia da quinta-feira tiver dado o passeio pelas costumadas ruas, em a Solene Procissão que os senadores desta Augusta Cidade aniversariamente lhe dedicam, recolhido já a Basílica  da Metropolitana e Primacial Sé, começará  com seus dourados rayos a ilustrar outro polo, correndo já os obséquios por conta dos generosos juízes, e mais Oficiais que com luzes  o acompanharam até subir ao zenith de um majestoso trono, que com muito asseio lhe tinham preparado, aonde a sua devoção fará suspender  seu curso nos três seguintes dias, sendo as luzes com que brilha, línguas de fogo com que inflama os corações, vendo-se estes também alegres na Catedral com a suave harmonia  de vozes, de que se compõem  uma sonora Capela de boa música: corresponderam na torre  os sinos com a sua sensitiva  consonância . (Cuja capela se acha bem provida de boas, e novas vozes)... Seguem-se o nome dos oradores  ou pregadores Frei Cristóvão da Cruz, Frei João da Santa Rosa e Frei Manuel da Silveira, todos eles vindo de Coimbra, e por fim novas descrições dos aspectos cénicos seja das noites, seja já do dia Festa, com os sucessivos festins, separados por andores simbólicos ou alegóricos. 

Numa linha muito actual multi-étnica, as danças ou festins em número de dez serão sucessivamente realizados pelas ciganas («rompendo com as suas bravas voltas»), os escaramanados, galegos e galegas, mulatas da Bahia, africanas, peregrinas ou romeiras, turcos, saloias, negros, etc. O último é intitulado o  Baile do Triunfo que David alcançou de  Golias (Goliath), com dez carros, descritos minuciosamente nas personagens, roupas, letras ou legendas e simbolismo, havendo mesmo entre eles a declamação dum pequeno auto com dezasseis personagens que dialogam e cantam, sendo as personagens principais David e a que seria a sua primeira mulher Michol, ou Micol, filha do rei Saul.   

Será após esta peça ou baile que nos é confirmada a autoria deste microcomos bracarense sacro-festivo, o juiz e cónego Francisco Pacheco Borges, que é ainda o autor da tabela de correspondências entre as figuras dos carros, as legendas ou letreiros que levavam, e o lugar nas Escrituras tanto pagãs como cristãs, onde, numa linha de cultura clássica humanista e quem sabe de Filosofia Perene, de ligação entre as religiões antigas ou Paganismo e o Cristianismo, figuram seres como  Orfeu e Eurídice, as Graças, Saturno, Jano, Eneias, etc... Por exemplo «Orfeo vestido ao trágico, tocando em uma cítara, com esta letra, Orfeo; e com outra letra Eucharistia, id est, Cithara.» ... As três Graças, vestidas de branco, com asas nos pés, uma coroada de vides, e levará esta letra, Aglaia, idest, Letitia. E outra letra: Vinun laetificat cor hominis, frase e saudação muito usada (e até abusada) no mundo minhoto e bracarense. A 2ª das Graças, Thalia, coroada de flores, levava três letras ou letreiros «Thalia idest Virens, 2ª, Siquis manducaverix ex hoc pane, vivet in aeternum, Quem comer deste pão viverá eternamente.» Saibamos alimentar-nos e frutificar espiritualmente.